Mazzilli e o ato institucional

Câmara dos Deputados, em 22/4/1964.

Publicado nos Anais da Câmara dos Deputados de 22/4/1964, p. 417.

Sob o pretexto de uma saudação ao deputado Ranieri Mazzilli, depoimento sobre as discussões que cercaram a elaboração do Ato Institucional nº 1, de 5 de abril de 1964.

Há uma razão natural para que eu também fosse situado entre os intérpretes da homenagem desta Casa ao seu presidente, deputado Ranieri Mazzilli. Representamos a mesma província. Os parlamentares de São Paulo se envaidecem nesta Casa de terem entre os seus pares a personalidade daquele que tem as responsabilidades de presidir a Câmara dos Deputados.

Sr. Presidente Ranieri Mazzilli, na vida pública de V.Exa. encontramos várias singularidades das mais expressivas. Desde que esta nação se fez livre e nela, nos períodos de vigência do regime das franquias públicas, o Parlamento foi o intérprete da vontade popular, desde o Brasil Império, portanto, nenhum brasileiro por tantos anos sucessivos, sete ao todo, ocupara a chefia do Legislativo. Há um sentido nisso, um lógica, uma razão: é que V.Exa., à frente desta Casa, realiza na prática aquilo que tantas vezes tem sido decantado, embora não tantas vezes seguidas, isto é, V.Exa. é efetivamente o presidente da Câmara, o magistrado, o representante indiscriminado de todos os deputados. V.Exa. realiza, como exemplo, aquele critério que talvez não seja tão acertado quando se trata de um líder de facção política ou de partido, mas que o é, sem dúvida nenhuma, quando se trata de liderança, como representação unânime de todo um colegiado, no caso a Câmara dos Deputados. É que o líder não deve imprimir nem comprimir, mas sim exprimir. E V.Exa., na sua atuação imparcial, equidistante, tem sido, sem dúvida, a expressão lídima e constante, porque justa e geral desta Casa.

Sr. Presidente, nenhum outro brasileiro por tantas vezes – seis ao todo – foi convocado para a suprema curul desta nação. Mas não se veja no episódio, na sua reiteração, somente uma significação de tempo ou cronologia. Não. É que V.Exa. foi convocado, e talvez isso não acontecesse, pelo menos em tantos episódios, a nenhum outro chefe desta nação, para as ocasiões de procela, de tempestade, de paixão, incompreensão e de perigo. E V.Exa., Sr. Presidente, todas as vezes, soube conduzir-se com tal domínio da situação, com tal apego à verdade e integração no real interesse do país, que tem saído do Palácio que representa o Poder Executivo cercado de compreensão e engrandecido em sua trajetória política, como ora sucede.

Estive, Sr. Presidente, na intimidade da atuação de V.Exa., em todos os episódios, posso mesmo dizer em todas as ocasiões em que V.Exa. se inquietou com a convocação para o posto supremo. Poderia, como testemunha, trazer aqui, para ilustrar as minhas palavras de aplauso a V.Exa., algumas ocorrências que bem demonstram a sua alta envergadura de homem público e, acima de tudo, o cuidado escrupuloso que sempre teve em continuar a ser, na chefia da nação, o chefe do Poder Legislativo.

Ainda recentemente, no Palácio das Laranjeiras, quando vozes autorizadas buscavam dirimir a dificuldade de convalescer a situação de fato criada pela revolução por intermédio da decisão do Congresso ou do Poder Revolucionário, quando eu sustentava a tese de que deveria ser feito por meio do pronunciamento do Poder Legislativo, quando se procurou, Sr. Presidente, convalescer esta situação, para que o ato institucional fosse baixado pelos ministros e por V.Exa., como presidente, V.Exa., a meu ver lapidarmente, recusou dizendo:

“Se o Congresso não entra, eu não posso entrar; e, se for um imperativo inelutável, não serei eu, como presidente da Câmara, que, por vocação constitucional, tem as responsabilidades da chefia da nação, que irei baixar um ato não previamente aprovado pelo Congresso”.

Nos acontecimentos de contextura histórica que a nação acaba de viver, dois paulistas, chefes ambos do Parlamento brasileiro, tiveram atuação que fixou seus nomes na permanente gratidão patrícia: Moura Andrade, presidente do Congresso, e Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara dos Deputados.

Sou voz de São Paulo, ao proclamar que nossa província comum incluiu esses seus dois filhos na galeria de pró-homens que destinou ao serviço glorioso da pátria.