Câmara dos Deputados, em março e abril de 1985.
Publicados nos DCNs-I de 22/3/1985, p. 1590; de 27/3/1985, p. 1863; de 3/4/1985, p. 2379; e de 13/4/1985, p. 2971.
Acompanhamento, por meio de cinco declarações da Presidência da Câmara, dos inquietantes dias de incerteza vividos pelo país com a doença, agonia e morte de Tancredo Neves.
Dada a excepcionalidade da situação, acredito que possa, interpretando o Regimento, embora o devesse fazer em outra oportunidade, de pronto acudir à justa preocupação de V.Exa. Entendi do meu dever, e esta Casa é testemunha, acompanhar passo a passo, a todo momento, tudo quanto ocorre com relação ao presidente Tancredo Neves. Claro que a saúde de S.Exa. é um assunto que diz respeito à sua esposa, à sua família, mas, em se tratando do chefe da nação, preocupa e interessa a todos. Tendo eu a responsabilidade de presidente desta Casa, o colegiado mais numeroso e que, até por definição institucional, representa a sociedade brasileira, entendi do meu dever acompanhar todas as ocorrências relacionadas com o Sr. Presidente da República. Tudo quanto diz respeito ao presidente Tancredo Neves representa as preocupações e o interesse desta Casa. Por isso entendi que me competia estar sempre presente ao caso, o que ocorreu ainda ontem. Assim que fui informado de que S.Exa. seria submetido a uma segunda intervenção cirúrgica, desloquei-me para o hospital. Estive com os médicos, antes e depois da cirurgia, acompanhando tudo o que diz respeito ao primeiro dignitário desta nação. A situação hoje, posso declarar à Câmara, é a seguinte: logo de manhã, por volta das sete ou oito horas, recebi comunicação da equipe médica de que o presidente Tancredo Neves tinha passado uma noite dentro das circunstâncias consideradas satisfatórias, que iam fazer um segundo exame, do qual tive ciência entre nove e dez horas da manhã, que prosseguia o estado satisfatório do presidente, que S.Exa. caminhava para a sua convalescença, para a sua melhoria, enfim. E, ainda agora, quando eu vim assumir aqui a presidência dos nossos trabalhos, o Dr. Pinheiro, que, segundo todos sabem, foi um dos médicos que operaram o presidente, me deu detalhes mais circunstanciados sobre o estado de saúde do presidente, dizendo até que ele estava falando, apesar de ainda estar com um tubo... Desculpem-me, não sou médico, não conheço bem este slang, esta gíria médica, embora esteja aprendendo, a contragosto, alguns de seus termos. Já sei o que é íleo paralisante, por exemplo. Disse-me o médico que, embora tivesse S.Exa. um tubo na boca, podia falar, que estava em condições de se manifestar, inclusive falou de seu estado de espírito, que sabemos ser peculiar à sua personalidade, ao seu ânimo forte; que S.Exa. estava evidentemente bastante estimulado pela circunstância de ter tido êxito na operação. De forma que é este o quadro, felizmente animador, que me foi revelado e confirmado ainda há minutos por um dos médicos que assistem o Sr. Presidente e que, aliás, é médico desta Casa, o Dr. Pinheiro da Rocha.
Posso adiantar à Casa que, às quatro horas da manhã, tive informação de que os médicos haviam decidido que o presidente Tancredo Neves deveria ser removido para São Paulo. Fui ao hospital e, de lá, acompanhei o presidente até o aeroporto, onde embarcou para a capital paulista. Daquele momento para cá, tenho tido notícias constantes, oriundas do próprio hospital. Até solicitei à Embratel – no que fui atendido – um telefone diretamente ligado com o hospital.
As informações que posso dar são de que o presidente foi operado. A operação começou cerca de onze minutos para as duas horas. Operaram o presidente o médico Henrique Pinotti e a Dra. Angelina Gama, profissionais de renome, com a assistência do Dr. Francisco Pinheiro da Rocha, de Brasília.
A última notícia que tenho, passo-a com as devidas reservas, pois não é oficial, uma vez que os médicos ainda não terminaram a operação. O professor Jatene, médico de grande responsabilidade, esteve na sala de cirurgia e informa que, localizada, a artéria que estava sangrando foi ressecada. O problema estava situado na sutura da primeira operação. Nessa sutura é que se produziu o sangramento. Já houve ligamento do intestino do presidente Tancredo Neves. A informação do professor Jatene é de que, tecnicamente, quanto à operação, tudo continuava correndo muito bem e de que agora já estava na fase final. O pós-operatório evidentemente é delicado, dadas as circunstâncias.
Vou agora para o meu gabinete aguardar o término da cirurgia, a fim de obter as informações oficiais. Faço questão de dizer à Casa que estas informações – repito – não são dos médicos que operam o presidente Tancredo Neves. Mas, se as levo ao conhecimento da Câmara, é pelo respeito que tenho pelo professor Jatene e pela circunstância de ele ter estado no local onde se realiza a operação. Sei que interpreto o pensamento e os votos da Câmara, do Senado e de toda a nação, de que o presidente supere as graves – não há dúvida – dificuldades que afetam a sua saúde.
Era o que desejava declarar à Casa.
A notícia que tenho a dar confirma aquilo que acredito ser do conhecimento da Casa, se não da nação.
Na qualidade de presidente da Câmara, tenho tido informações constantes, principalmente quanto a qualquer ocorrência que deva ser informada sobre a situação do presidente Tancredo Neves. Efetivamente, tive a comunicação de que os médicos constataram a necessidade de uma quarta intervenção, devido a uma hérnia que estava comprimindo a alça dos intestinos. Esta operação já está sendo feita e a informação lacônica, evidentemente por circunstâncias óbvias, é que se estão esperando os boletins médicos circunstanciados, para termos os informes.
Quanto à anestesia, ela teria sido feita – não tenho ainda informações –, mas não seria anestesia geral, seria circunstanciada a estas operações. O detalhe técnico que me chegou, por parte do professor Pinotti – não dele diretamente, mas por pessoas que transmitiram a informação –, corresponderia a uma dessecação de uma veia.Termino dizendo que o informe, como é fácil de se entender, fato da operação em si, não oferecia problemas de maior preocupação. Contudo, isso se insere no quadro conhecido em que se encontra o Sr. Presidente. Aqui termina a minha informação, e depois até deixarei os trabalhos desta Casa, porque vou ficar em contato com o hospital. Contudo, os médicos estão seguros de que poderão ser felizes nesta intervenção e acreditam que, pelo estado geral do presidente revelado até agora, ele venceria mais esta provação.
Quero aqui agradecer as manifestações, não só estas, mas outras, em todas as circunstâncias, que vêm de todos os partidos. Todos estão unidos e representando com fidelidade a nação. O Congresso está fiel à nação, sem preocupações partidárias de posicionamentos, que são compreensíveis numa normalidade democrática, e todos estão integrados no sentido de juntar sua esperança à do povo brasileiro, no sentido de que aquele que foi por ele indicado, por ele eleito, que teve até sua aprovação publicitária para dirigir este país em momento tão difícil, recupere sua saúde, porque a saúde do presidente pertence à nação.
Externo este agradecimento à Câmara dos Deputados por estas manifestações cristãs e fraternas de solidariedade.
Não tenho novidades a transmitir à Casa. Hoje, pelos instrumentos instantâneos de comunicação, as notícias chegam com rapidez ao conhecimento de todo o país e, notadamente, dos parlamentares. Entretanto, é meu dever, como presidente da instituição, dar-lhes as informações que recebi diretamente de São Paulo, no meu gabinete e na minha residência, sobre o estado de saúde do presidente Tancredo Neves.
Ainda esta madrugada, eu tinha constantes notícias sobre a cirurgia.
É justo que diga à Casa e à nação sobre a desvelada competência e esforço da equipe que cuida da saúde do presidente. O professor Guilherme Arantes, superintendente do Instituto do Coração, avisou-me sobre a punção realizada e, posteriormente, a respeito da alternativa, que foi a cirurgia, tendo-me antecipado que o presidente Tancredo Neves sairia vivo da mesa de operação. No curso da cirurgia, esta previsão foi confirmada.
O professor reiterou-me também que o período crítico, e consequente motivo para preocupação nossa, seria o pós-operatório. A cirurgia terminou por volta das seis horas da manhã. Devemos esperar as vinte e quatro horas seguintes.
Ele disse também que depois de quatro horas deveria cessar o efeito da anestesia, o que já deve estar ocorrendo agora.
Devo ressaltar que o presidente tem sido tratado da melhor maneira possível, beneficiando-se de todos os recursos da ciência médica. Os médicos têm revelado uma dedicação até pessoal. A família do presidente, ao receber qualquer notícia, demonstra tristeza, pois o estado de saúde do Dr. Tancredo Neves inspira cuidados.
O professor Henrique Pinotti e sua equipe têm repetido, diversas vezes, que já o consideram uma pessoa da família e um amigo.
Eles têm tirocínio profissional, são homens acostumados a quadros os mais difíceis, dolorosos. A situação da saúde do presidente Tancredo Neves – não é só pelo presidente, é pela família, por D. Risoleta – cria um ambiente de dedicação, de integração, também de caráter afetivo e fraterno.
Acho que isso, para a medicina brasileira, para todos nós, para a nação, é um dado bastante significativo daquilo que o país está fazendo, por intermédio de seus profissionais, dentro do possível, a favor da saúde do nosso presidente.
Temos esperanças, dizia, há pouco, à televisão. Enquanto existe um sopro de vida – e, mais do que isso, tem o presidente Tancredo Neves –, há esperança. Vamos nos agarrar a essa mensagem, porque a saúde do presidente significa oportunidades muito grandes para que possamos enfrentar a crise.
Por isso, estamos unidos – todos os partidos estão unidos – nesta crise que assola o país.
Muito obrigado a V.Exa.
Morreu Tancredo Neves.
Morreu o amigo.
Mais do que avô, marido, pai, morreu o amigo da família.
Morreu o amigo, que era irmão dos amigos.
Acima de tudo, morreu o grande e apaixonado amigo do Brasil. A biografia de Tancredo Neves é comovente e edificante história de amor pelo Brasil.
Logo agora, quando o povo tanto necessita de amigos corajosos, leais e talentosos, perde o maior deles e o líder de todos eles, aclamado pelas praças, ungido pelas ruas, carregado triunfalmente por multidões.
Adeus, Tancredo. Sem você, embora esmagados pela dor e pela separação, ficamos mais fortes e decididos na companhia de sua memória e de seu exemplo.
A fatalidade decretou que o eleito não governasse seu povo.
Mas você não nos abandonou. A homenagem sincera e consequente dos que o choram será impedir qualquer recuo na caminhada pelas instituições livres, que se consolidarão por meio da Assembleia Nacional Constituinte.
Entregue a Deus pelo seu santo, São Francisco, você vai inspirar a salvação do Brasil.
Morreu Tancredo Neves.
Contudo, a ressurreição de sua voz conclama os brasileiros: viva a liberdade, viva a democracia, viva a República!