Epigramas

Cem frases selecionadas por D. Mora, esposa de Ulysses Guimarães.

1) “No que concerne ao primeiro cargo da União e dos estados, dura e triste tarefa esta de pregar numa república que não consulta os cidadãos e numa democracia que silenciou a voz das urnas.”

2) “Não é o candidato (à Presidência da República) que vai recorrer o país. É o anticandidato, para denunciar a antieleição imposta pela anticonstituição que homizia o AI-5.”

3) “Se o governo perdeu o povo, como a Arena poderá ganhar as eleições?”

4) “Meu mestre e amigo Mário de Andrade tem razão: ‘pior que uma baioneta é uma baioneta falante’.”

5) “A Revolução de 1964 desnacionalizou o Brasil. Desnacionalizou a economia pelas multinacionais, pelo capital forâneo não policiado e pelo descomunal empréstimo externo, que, além de outros malefícios, degradou as finanças em agiotagem; desnacionalizou o cidadão, tornando o brasileiro estrangeiro no Brasil, porque, como este, não vota para presidente da República, governadores, senadores biônicos e prefeitos das capitais; desmoralizou e desonrou o cruzeiro, mercadoria apodrecida pela inflação, mais perecível do que os produtos hortigranjeiros, desnacionalizou-o ou substituiu-o pelo salário mínimo, como medida de valor.”

6) “Essa oligarquia que aí está, como toda oligarquia, tudo pode e nada sabe!”

7) “Não se pode fazer política com o fígado, conservando o rancor e ressentimentos na geladeira. A pátria não é capanga de idiossincrasias pessoais. É indecoroso fazer política uterina, em benefício de filhos, irmãos e cunhados. O bom político costuma ser mau parente.”

8) “Eis um tema para o teatro do absurdo de Bertolt Brecht, que, em peça fulgurante, escarnece da insânia do arbítrio prepotente ao ironizar que, se o povo perde a confiança do governo, o governo deve dissolver o povo e eleger um outro.”

9) “Muitos políticos deveriam adotar o conselho de Perón a Isabelita: ‘Fale muito sobre as coisas, pouco sobre as pessoas, nada sobre você’.”

10) “O presidente Geisel é ventríloquo e a Arena é seu boneco mais obediente, famoso e hilariante pelo humor negro.”

11) “Que acho da Arena? Não acho, pois a Arena não é. Não é partido, é papel carbono, não é voz, é eco, é vaca de presépio do serviçal e eterno ‘sim, senhor’.”

12) “Adoro as campanhas políticas. Dão-me transporte, de comer e beber, o melhor quarto da casa, aplausos, votos e ainda me chamam de estadista.”

13) “Política é coisa de macho. Há horas terríveis para decidir, mas há que decidir, mesmo com riscos dramáticos. Todo político tem seu Rubicon. Atravessa-o, e se consagra, ou estaca na margem com medo e se liquida. Ninguém vai ao Rubicon para pescar, advertiu Malraux. Acrescento: ninguém vai ao Ipiranga para beber água. Se D. Pedro I o fizesse, não ganharia estátuas. Ninguém ganha estátuas só porque bebeu água.”

14) “A pior das crises é a crise do dicionário, disse Ortega y Gasset. É a que infelicita o Brasil. Falam em Constituição, com o AI-5; em liberdade, com cavalos e cachorros dissolvendo manifestações ordeiras de trabalhadores, estudantes, donas de casa, do MDB; em democracia, com governadores de proveta e senadores biônicos; em direitos operários, com o confisco de seus salários; em liberdade de comunicação, com a censura ao rádio, à televisão e a Lei Falcão; que a Arena é o maior partido do Ocidente, embora quem ganhe as eleições no Brasil seja o MDB; em independência externa, com quarenta bilhões em dívidas; em governo de estadistas, com inflação crônica de cinquenta por cento; em ‘milagre brasileiro’, com o flagelo da fome, da falta de teto, da carência do INPS, da taxa crescente de analfabetismo.”

15) “Político não é profeta, para quem o opositor é maldito, decai no plano moral.”

16) “O MDB é como pão de ló: quanto mais bate, mais ele cresce.”

17) “Governo xiquexique, este que aí está. Não dá sombra nem encosto. Para a nação, não dá. Para os amigos, parentes e protegidos, presenteia com governadorias, senatorias biônicas, embaixadas, empréstimos e negócios. Passa então a ser o governo sombra e água fresca.”

18) “Os candidatos da Arena têm vergonha do nome de seu partido, que aparece, quando aparece, pequenino nas faixas e cartazes. Como acontece com os vinhos nacionais: bem grande está escrito Château Duvalier, Château Lacave, Liebfraumilch. Embaixo, em letra miudinha, ‘Indústria Brasileira’.”

19) “Em política há amadores que furiosamente salvam o Brasil em banquetes e uiscadas e acreditam, como ironizava o Andrada, que perna de peru é bandeira.”

20) “O drama dos censores é que se fazem mais furiosos quanto mais acreditam nas verdades que censuram. Seu engano fatal é presumir que a censura, como a mentira, pode eliminar os fatos. O futuro e a História são incensuráveis.”

21) “O poder absoluto, erigido em infalível pela censura, corrompe e fracassa absolutamente.”

22) “Os executores da prepotência e do AI-5, com as promessas protelatórias de democracia, querem que a nação, sequiosa de vida e participação, implore ao sistema como madame Du Barry na guilhotina: ‘Um momento mais, Excelentíssimo Senhor Carrasco’.”

23) “Desenvolvimento sem liberdade e justiça social não tem esse nome. É crescimento ou inchação, é empilhamento de coisas e valores, é estocagem de serviços, utilidades e divisas, estranha ao homem e a seus problemas, é inacessível tesouro no fundo do mar, inatingível pelas reivindicações populares.”

24) “É equívoco, fadado à catástrofe, o Estado absorver o homem e a nação. A grandeza do homem é mais importante do que a grandeza do Estado, porque a felicidade do homem é a obra-prima do Estado.”

25) “Ordem e segurança sem liberdade são a permissividade das penitenciárias. As penitenciárias modernas são minicidades, com trabalho remunerado, restaurante, biblioteca, escola, futebol, cinema, jornais, rádio e televisão. Os infelizes que as povoam têm quase tudo, mas não têm nada, porque não têm a liberdade.”

26) “A estátua dos estadistas não é forjada pelo varejo da rotina ou pela fisiologia do cotidiano.”

27) “O MDB está rouco de tanto criticar. A Arena, muda de tanto ignorar. O governo, desacreditado de tanto descumprir.”

28) “Não há direito nem liberdade para o mal.”

29) “Na política, como na ciência, o erro é o dramático preço da evolução rumo à verdade. São os deslizamentos, avalanches e quedas que conduzem aos cimos.”

30) “Levantar-se depois de cair, ainda coberto de pó ou sujo de lama, isso é ser homem. Quem tomba e não mais se ergue não é digno da vitória.”

31) “A civilização é a longa e fascinante história da libertação do homem. A liberdade é o roteiro da civilização. Toda invenção é triunfo da libertação humana. Com a roda, o homem começou a libertar-se do espaço e do tempo; com a agricultura, do nomadismo e da fome; com a medicina, da doença; com a casa, a roupa e o fogo, das intempéries, do frio e das feras; com a escola, da ignorância; com a sociedade, da solidão; com a imprensa, o rádio e a televisão, da desinformação; com a democracia, dos tiranos.”

32) “A política, o Estado e a lei são invenções do homem. Ao inventá-los e mantê-los, o homem está convicto de que não inventou o demônio ou o carrasco.”

33) “A segurança do Estado não pode ser a insegurança da nação e a grandeza do homem é mais importante do que a grandeza do Estado.”

34) “O poder não corrompe o homem; é o homem que corrompe o poder. O homem é o grande poluidor da natureza, do próprio homem, do poder. Se o poder fosse corruptor, seria maldito e proscrito, o que acarretaria a anarquia.”

35) “A oposição é atividade estatal. Subversão não é exercê-la, mas embaraçá-la ou impedi-la. Como é inevitável que os governos pratiquem erros e abusos, também é inevitável denunciá-los. É o princípio da oposição do Estado ao governo do Estado.”

36) “A democracia é técnica desconcentradora do poder, método redutor e repartidor de competências, reverso do arbítrio pessoal ou oligárquico, concentracionista e invasor de competências.”

37) “Na política, o povo ou é tudo ou é nada, ou é personagem como cidadão ou é vítima como vassalo.”

38) “A força da democracia é a institucionalização de sua fraqueza humana, a humildade com que confessa a fatalidade do erro e inventa dispositivos para evitá-los, diminuí-los, denunciá-los e puni-los. Judge Black fez o registro da substância dos duzentos anos de vigência da democracia nos Estados Unidos, sem golpes nem ditadores: ‘É esse direito, o direito de errar, que nos mantém fortes como nação’.”

39) “É o voto, somente ele, que faz a acoplagem dos cidadãos com os homens públicos e o Estado.”

40) “Sem propaganda no rádio e na televisão, a eleição é a mímica de uma farsa. Fingir que cumpre um dever, quando o trai. Eleição sem propaganda é tão perigosa como casamento sem noivado. A noiva, isto é, o povo, desconhece com quem casa, isto é, elege.”

41) “As nações democráticas e de economia de mercado são as mais ricas e as mais fortes. São ricas por serem democráticas e não democráticas por serem ricas.”

42) “A desordem política, e não há pior nem maior do que a carente de democracia, contamina de desordem a ordem econômica e a ordem social.”

43) “Mais importante do que a quantidade de bens que temos é a qualidade de vida que usufruímos.”44. “A verdade não desaparece quando é eliminada a opinião dos que divergem. A verdade não mereceria esse nome se morresse quando censurada.”

45) “A crítica só é viável quando o regime é mais forte do que a vaidade dos governantes e a intriga de seus bajuladores.”

46) “Foi o homem quem derrotou Hitler. Derrotaram-no as nações baseadas na liberdade e nos direitos humanos, em que o homem é fim e não meio.”

47) “Não vou ao exagero de dizer, como Peter Druck, que a única coisa que o Estado pode fazer melhor do que a sociedade é inflacionar a moeda e promover a guerra.”

48) “No Brasil não haverá verdadeiramente política enquanto não for limpo da sujeira do arbítrio e das punições ignóbeis.”

49) “O governo enviou ao Congresso a apelidada ‘reforma constitucional’. Como o vício, o pecado, o crime, também o arbítrio não pode ser reformado, porque deve ser extirpado como o câncer. Reformar o arbítrio é confirmá-lo, ainda que atenuado.”

50) “O AI-5 é forte para cassar mandatos, demitir, exilar, prender e torturar. Mas é fraco até à pusilanimidade frente à inflação e é diariamente derrotado pelo custo de vida.”

51) “Na autocracia, um homem ou um grupo toma o poder e seu projeto supremo e intocável é continuar no poder. Embora para efeito externo declamem grandes, belas e puras palavras, como liberdade, democracia e justiça, o que a oligarquia realmente quer e faz é a institucionalização do continuísmo.”

52) “A tragédia do Brasil é ser um país sem política, pois, a começar pela terminologia, não há política sem povo, assim como lexicamente não há democracia sem povo. Política e cidadão têm a mesma raiz etimológica e a mesma origem histórica, grega a primeira e latina a outra.”

52) “Esse vácuo popular da política brasileira é perverso e desumano, pois quando o povo é expulso da política, simultaneamente é deserdado do desenvolvimento.”

54) “Ao reconhecer as virtudes de seu caráter e sua integridade como cidadão e como soldado (do presidente Ernesto Geisel), sem servilismo, pois tenho nojo dos áulicos, e sem outro medo senão o de que não ouça a convocação do Brasil a lhe dizer que se ocupe com a nação e não se preocupe exclusivamente com a Arena, que aceite o repatriamento da liberdade, que sua vontade deve ser a vontade política da sociedade expressa pela democracia, que o povo não é passivo rebanho de súditos submissos ou de robôs teleguiados, porque é o autor da História, o conteúdo da Geografia, o destinatário da civilização e o fim do Estado.

Já é tarde, mas ainda há tempo.”

55) “Há fidelidade e fidelidade, como há cadeia e cadeia. Há a cadeia do opróbrio que é a cadeia do ladrão, do assassino, do proxeneta. Há a cadeia que é a honra e glória, a cadeia de Tiradentes, de Mangabeira, de Siqueira Campos, de Juscelino Kubitschek, de Armando Sales Oliveira, de Júlio de Mesquita, de Sobral Pinto, dos jornalistas Castelo Branco e Vladimir Herzog.”

56) “Caxias, caluniosamente acusado da prática de crimes infamantes, até de ladrão de cavalos, não ameaçou, não prendeu, não torturou, nem cassou mandatos. Na histórica sessão de 15 de julho de 1870, entrou no Senado do Império como réu e dele saiu como herói, nos braços das aclamações.”

57) “A grande força da democracia é confessar-se falível de imperfeição e impureza, o que não acontece com os sistemas totalitários, que se autopromovem em perfeitos e oniscientes para que sejam irresponsáveis e onipotentes.”

58) “O homem, seus direitos, segurança e bem-estar, eis a deontologia do Estado democrático.”

59) “O que há de dramático no óbvio, notadamente em política, é ser muito declamado e pouco praticado. A biografia dos santos e dos estadistas é o exercício do óbvio: a fraternidade, o perdão, o amor ao povo, a verdade, por isso são presos, caluniados, apedrejados, crucificados, exilados, cassados.”

60) “O Brasil precisa de uma Constituição em que o povo seja o fundador, por votação direta, do governo e da lei.”

61) “Ouçamos o provérbio chinês ‘Há três pontos de vista: o meu, o teu e o verdadeiro’.”

62) “Cristo é o símbolo do político, isto é, do amigo do povo. Mais do que pregou, morreu pela humanidade. Sem a cruz, não haveria o cristianismo. É importante ter ideias, mas fundamental praticá-las.”

63) “A dúvida é o preço da imperfeição do homem e da democracia. Até Cristo duvidou, quando reclamou do alto da cruz: ‘Meu Pai, meu Pai, por que me abandonaste?’”

64) “A liberdade de expressão é apanágio da condição humana e socorre as demais liberdades ameaçadas, feridas ou banidas. É a rainha das liberdades, disse Rui Barbosa.”

65) “Vale a pena lutar. Sempre vale a pena. Uma só andorinha pode fazer verão, como profetizava Otávio Mangabeira.”

66) “Deixem o povo votar. Ainda que erre, acabará acertando. Mais importante do que dar o peixe, é ensinar a pescar, ensina o provérbio chinês. Pela receita não se sabe o gosto do pudim. É preciso prová-lo.”

67) “O jeito também é força. Se vence obstáculos e antagonismos, é força. ‘Suaviter in modo, fortiter in re’, eis a receita pessedista dos romanos, que dominaram o mundo. A toupeira, quando em seu caminho encontra a pedra, não podendo escalá-la, não tem jeito para contorná-la. Morre ao sol, à fome ou à sanha dos inimigos. O PSD foi o laboratório do jeito.”

68) “Ao repudiar Pompeia, embora inocentando-a de infidelidade, com o dito famoso ‘Não basta à mulher de César ser honesta, deve parecer honesta’, César fundou o PSD. Essa tirada hábil tem versão brasileira no antológico ‘Em política, o que importa é a versão, não o fato’. Disputam-lhe a autoria José Maria Alkmin e Gustavo Capanema, embora em verdade atribuída a Antônio Carlos.”

69) “É preciso lutar e não lamentar. ‘Never explain, never complain’, eis a máxima favorita de Disraeli. É melhor acender uma vela do que amaldiçoar a escuridão, professa a sabedoria chinesa.”

70) “A impaciência é uma das faces da estupidez. Joaquim Nabuco admoesta que o tempo não perdoa o que se faz sem ele.”

71) “Enquanto houver cachaça, samba, carnaval, mulata e campeonato de futebol, não haverá rebelião no Brasil. O Coríntians segura mais o povo do que a Lei de Segurança Nacional.”

72) “O Estado de direito há de ser o estado do bem-estar popular.”

73) “Como dizia De Gaulle: ‘Sua Excelência, o fato’. A política é o fato. A teoria social veste o fato social. Sem isso, é devaneio ou science fiction.”

74) “Vale para o político a qualidade essencial que Jimenez de Asua exigia para o grande advogado: ‘Hay que tener gana’.”

75) “Dizem que tenho estrela. Pelo árduo trabalho em madrugadas e vigílias, para que ela brilhe, vivo passando Kaol nessa estrela.”

76) “A sorte faz parte da carreira do político vitorioso. Há o político azarado: chove no dia de seu comício, dá defeito no microfone na hora em que vai falar, o bêbado – o inevitável bêbado postado sempre à frente do palanque – arrasa seu discurso com apartes hilariantes. Tão desastrado que cai de costas e quebra o nariz, como ironizava Chamfort. Napoleão, antes de entregar o bastão de marechal a um de seus generais, investigava se tinha sorte.”

77) “A coragem é a primeira virtude do estadista. Sem ela, a coragem, todas as outras virtudes desaparecem na hora do perigo, hierarquizou Churchill.”

78) “Gosto das palavras. Se fosse poeta, seria parnasiano ou simbolista. A mim cabe a crítica a Flaubert: lambe as palavras como a vaca lambe a cria.”

79) “Ninguém conhece ninguém. Até meus amigos íntimos se surpreendem com minha veemência. Sou sereno por fora e inflamado por dentro. Sem a pretensão do paralelo, os cabelos brancos do ardente Manuel Bernardes sugeriram ao padre Vieira a comparação: ‘Neve sobre o vulcão’.”

80) “Meu tempo é comandado em dois períodos: das seis às dez horas da manhã, comando meu tempo, absolvo-me nos problemas do partido, elaboro entrevistas, preparo conferências, leio o que me interessa. Às dez, vou para o gabinete da Presidência Nacional do MDB. Meu tempo passa a ser comandado pelos outros, caio no varejo, fico prisioneiro na teia do fait divers. Na política, como na vida, é fundamental ser dono de seu tempo. Ai dos que se esquecem da advertência vital do filósofo grego: ‘Do que se gasta na vida, o tempo é o mais caro. Não pode ser reposto, nem readquirido’.”

81) “Oportunidade é servir ao tempo.

Oportunismo é servir-se do tempo. A definição de Geraldo Vandré é genial: ‘Quem sabe faz a hora, não espera acontecer’.”

82) “Como na maldição de Tasso, é o tipo do sujeito que só nasceu para fazer esterco. Como a irmã da Gata Borralheira, como castigo, de sua boca sai merda, não palavras.”

83) “Política é conversa de adulto, não de moleque. É doloroso ter de repreender imaturos com o convite latino ‘Puer, sacer est locus: extra migite’. Em língua crioula: Menino, o lugar é sagrado. Vá fazer pipi lá fora.”

84) “O MDB ingressa na via indireta para destruí-la como acesso ao poder, pois é a cidadela do arbítrio e a fonte envenenada dos males que desesperam o povo.”

85) “Em política é preciso ter inesgotável e santa paciência. Principalmente para ouvir os néscios que querem ensinar pai a fazer filho, reinventar a roda, redescobrir a lei da oferta e da procura, que têm ideias como os que têm filhos e os abandonam à porta da igreja para outros criarem. É isso que dá enfarte ou úlcera no duodeno.”

86) “Sempre sigo e exijo nos debates a cautela de Voltaire: ‘Se queres discutir comigo, defina primeiro tuas palavras’. A maioria das discussões não passa de logomaquia, barulhentas e ocas batalhas de palavras, desconhecendo-lhes a significação.”

87) “Minha paciência é tão infinita como a do povo brasileiro. Só se irrita com o bêbado e com o chato. O chato é o inimigo do gênero humano. É o vento encanado que acaba com qualquer reunião, é o maçante a quem você pergunta ‘como vai?’ e ele resolve contar. Na conceituação exata de Benedetto Croce, que Santiago Dantas me revelou, o chato não lhe faz companhia e não deixa você ficar só. Governo chato é esse que aí está, a impaciência nacional chegou à exaustão.”

88) “Nas campanhas políticas, é a permissividade do ‘é só um minuto mais’ que explode o programa e o desmoraliza pelos atrasos. ‘Só um minuto’ para cumprimentar a mulher do prefeito, visitar a Santa Casa, tomar lanche na casa do candidato local. Como previnem os árabes: é a pluma que acaba derrubando o camelo.”

89) “A sublegenda obriga o candidato a andar com revólver em punho dentro de casa. O adversário não está lá fora, está dentro do partido. Faz lembrar Clemenceau: A política é pior do que a guerra. Nesta pelo menos o inimigo está na frente.”

90) “Muita gente julga o deputado pela ribalta: os banquetes, as homenagens, as recepções, o aplauso das multidões. Desconhece o bastidor: as calúnias, a vida longe de casa, da mulher e dos filhos, a regra da não reeleição com o drama da retomada do escritório ou do consultório sem clientes, do emprego perdido, da fazenda desmantelada.

É a parábola matuta do chefe pessedista que encontrei no botequim em Avanhandava, festejado por todos porque a todos pagava cachaça.

– Que vidão, hein, ‘seu’ Gutemberg. Comentei.

– É, ‘dotor’, mercê vê os goles que eu bebo, mas não vê os tombos que eu levo.”

91) “Não pode apontar quem tem o dedo sujo. O corrupto suja a denúncia que faz. Não quer a moral, quer cúmplices.”

92) “É terrível o ofício dos que dependem da opinião pública. Tantos são assassinados, crucificados, arruinados, frustrados. Foi trágico o fim de Cristo, Kennedy, Garrincha, Marilyn Monroe, Elvis Presley. Os asilos dos artistas testemunham as terríveis palavras ‘Sic transit gloria mundi’.”

93) “Bonzinho e besta começam com b. Desconhecem a palavra não. Sendo mulher, estaria sempre grávida.”

94) “Em política, estar com a rua não é o mesmo que estar na rua.”

95) “Quem só cuida de coisas pequenas, torna-se pequeno: a ninharia é o ofício do pigmeu e o terreno dos répteis. ‘Meu pai negociava poeira e foi destruído por um golpe de ar’, adverte o provérbio oriental.”

96) “A Revolução de 1964 ressuscitou do cemitério da oligarquia perrepista, sepultado que foi pela Revolução de 1930 o lema cínico de que ‘feio em política é perder as eleições’. Feio não é prender arbitrariamente, fraudar eleições pelo dinheiro e pela pressão da máquina administrativa, admitir ou remover funcionários por perseguição, espancar estudantes, nomear parente, amigos e sexagenários. A inflação não é feia. Feio é perder as eleições para o MDB.”

97) “Já tenho o título para quando escrever minhas memórias: ‘Muitos episódios e poucos personagens’. Sim, muitas pessoas, mas escassas personalidades.”

98) “Clóvis Soares, o talentoso presidente do diretório do MDB de Campos de Jordão, ao deputado que lhe reapareceu às vésperas da eleição para novamente pedir votos: ‘Não sou Santa Casa, que se procura somente quando se precisa!’.”

99) “Pessoal, familiar e empresarialmente, máxime em política, não se pode ser absorvido por bugigangas. Quem só cuida de coisas pequenas torna-se pequeno, a ninharia é o ofício do pigmeu e o venenoso terreno dos répteis e das fofocas.”

100) “Que beleza o convite de Jean Cocteau: ‘Fechamos com doçura os olhos dos mortos. Com a mesma doçura, devíamos abrir os olhos dos vivos!’.”