Capítulo XVII

Razões Finais, Sentença e Coisa Julgada

1. Razões Finais

As razões finais, também chamadas de alegações finais, constituem faculdades conferidas às partes para se manifestarem nos autos logo depois da instrução e antes da prolação da sentença. Embora importantes, as razões finais não são obrigatórias.

O art. 850 da CLT prescreve, in verbis:

Terminada a instrução, poderão as partes aduzir razões finais, em prazo não excedente de dez minutos para cada uma. Em seguida, o juiz ou presidente renovará a proposta de conciliação, e não se realizando esta, será proferida a decisão.

Vê-se, assim, que o processo do trabalho, fiel aos princípios da oralidade e da concentração dos atos, prevê razões finais apresentadas oralmente, tendo cada parte o prazo de dez minutos para oferecê-las. Havendo pluralidade de reclamantes ou de reclamados, ainda que representados por diferentes procuradores, o prazo de dez minutos deve ser dividido entre os litisconsortes.

Quando a sentença não é proferida na própria audiência, os juízes têm permitido que as partes ofereçam razões finais por escrito, isto é, em forma de memoriais. Nesse caso, há a conversão das razões finais orais em memoriais. Tal conversão constitui faculdade do julgador e é extraída por aplicação analógica do § 3º do art. 454 do CPC, devendo o juiz designar dia e hora para o oferecimento dos memoriais.

Como já foi dito, não há obrigatoriedade da apresentação das razões finais pelas partes. Isso significa que, se a parte não manifestar interesse em apresentá-las ou se o juiz não conceder tal oportunidade e a parte não formular seu inconformismo na própria audiência, nenhuma nulidade será declarada, restando, portanto, preclusa a matéria. Nesse sentido:

ENCERRAMENTO DA INSTRUÇÃO. AUSÊNCIA DE PROTESTO. PRECLUSÃO. NULIDADE REJEITADA. Não se acolhe alegação de nulidade por cerceamento de defesa se a parte não se insurgiu oportunamente, deixando de formular imediato protesto contra o encerramento da instrução, a teor do artigo 795 da CLT. O protesto encontra-se consagrado pelos usos e costumes na Justiça do Trabalho, não existindo forma explícita para a sua formulação ou registro em ata. Indeferida a prova, cabe à parte requerer seja consignado seu inconformismo (protesto), sendo despicienda a indicação do fundamento legal (arts. 794 e 795 da CLT e 5º, LV, da CF), que se supõe conhecido pelo magistrado (jura novit curia). Outrossim, não se trata de arguir nulidade na sessão de audiência, por petição, ou em razões finais, e sim, tão somente de firmar o insurgimento sob a forma singela do protesto, para fins de oportuna arguição da nulidade em sede recursal, já que, por óbvio, a parte não pode saber de antemão, se o indeferimento da prova e encerramento da instrução irá causar-lhe prejuízo processual, sendo este, o pressuposto para a formulação da preliminar de nulidade no recurso (pas de nullité sans grief). Na situação dos autos, o juiz determinou o encerramento da instrução, limitando-se a parte e sua patrona, a subscrever o termo de audiência, sem qualquer ressalva ou protesto, razão pela qual a questão foi atingida por incontornável preclusão, restando rejeitada a nulidade arguida (TRT 2ª R., RO 01911200804702002 (20100000279), 4ª T., Rel. Des. Ricardo Artur Costa e Trigueiros, DOe 12-2-2010).

Como a audiência no processo do trabalho é una (CLT, art. 849), o chamado “protesto” apresentado por uma parte durante a instrução não precisa ser renovado em razões finais. Nesse sentido:

PRECLUSÃO. PROTESTOS. AUSÊNCIA DE RENOVAÇÃO. Exigência de renovação de protestos em sede de razões finais. Rigoroso formalismo que não se coaduna com o processo trabalhista. Preclusão que se afasta, por não configurada (TRT 2ª R., RO 02737.2003.070.02.00-8, 11ª T. Rel. Des. Ricardo Verta Luduvice, j. 28-8-2007, DOE 11-9-2007).

RECURSO DE REVISTA. PROVA TESTEMUNHAL. INDEFERIMENTO. NULIDADE POR CERCEAMENTO DE DEFESA. PRECLUSÃO. Segundo o disposto no artigo 795 da CLT, as nulidades não serão declaradas senão mediante provocação das partes, as quais deverão argui-las à primeira vez que tiverem de falar em audiência ou nos autos. Nesse contexto, esta Corte Superior tem entendido que o momento oportuno para se arguir nulidades processais é a audiência de instrução e julgamento, por intermédio do protesto. Logo, tendo ocorrido o protesto não está a parte obrigada a arguir a nulidade nas razões finais, podendo reafirmá-la nas razões do recurso ordinário. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido (TST-RR 7905/2006-002-09-00.8, 5ª T., Rel. Min. Emmanoel Pereira, DEJT 19-11-2009).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CERCEAMENTO DE DEFESA. NULIDADE PROCESSUAL. PROTESTO EM AUDIÊNCIA. PROVIMENTO. 1. Demonstrada a afronta à disposição inserta no artigo 795 da CLT, o destrancamento do recurso de revista é medida que se impõe. 2. Agravo de instrumento a que se dá provimento. RECURSO DE REVISTA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NULIDADE PROCESSUAL. PROTESTO EM AUDIÊNCIA. PROVIMENTO. 1. Na hipótese dos autos, o egrégio Colegiado Regional não acolheu a preliminar de nulidade da sentença por cerceamento de defesa arguida pela reclamada, sob o fundamento de que, de acordo com o artigo 795 da CLT, caberia a essa parte alegá-la na primeira oportunidade em que teria para se pronunciar nos autos, qual seja, nas razões finais, o que não fez. Consigna, ainda, que não basta mero protesto feito na audiência de instrução, uma vez que tal instituto inexiste no direito processual do trabalho. 2. Todavia, o fato de a reclamada não ter arguido a nulidade processual em razões finais, deixando para suscitar a questão apenas no recurso ordinário, não prejudica o exame da nulidade, porque está incontroversa a apresentação oportuna em audiência, o que constitui obstáculo para a configuração da preclusão. 3. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento (TST-RR 4858/2002-004-09-40.4, 7ª T., Rel. Min. Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT 25-6-2009).

Em sentido contrário:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. OITIVA DE TESTEMUNHA INDEFERIDA. NULIDADE PROCESSUAL NÃO ARGUIDA NO MOMENTO PRÓPRIO. CONSUMAÇÃO DA PRECLUSÃO. CERCEIO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. Circunstância em que na audiência de instrução foi indeferida a oitiva de testemunha da reclamada. Protesto indeferido, sem oportuna arguição de nulidade. Confirmação da preclusão pelo Tribunal Regional do Trabalho ante o fato de que, oportunizada nova manifestação para razões finais, ainda aí a nulidade não foi suscitada. Impossibilidade de, diante desse quadro, visualizar afronta direta e literal ao artigo 795, caput, da CLT, não havendo que se falar, assim, em cerceio de defesa. Impossibilidade de processamento do recurso de revista. Agravo de instrumento a que se nega provimento (TST-AIRR 813/2000-022-09-40, 6ª T., Rel. Min. Horácio Senna Pires, j. 21-3-2007, DO 13-4-2007).

RECURSOS DE REVISTA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO DE OITIVA DE TESTEMUNHAS. PROTESTO EM AUDIÊNCIA NÃO RATIFICADO NAS RAZÕES FINAIS. PRECLUSÃO. CARACTERIZAÇÃO. ARTIGO 795 DA CLT. Cinge-se a controvérsia a se saber se há ou não preclusão da arguição de cerceamento de defesa resultante do indeferimento de oitiva de testemunhas quando as Reclamadas, havendo protestado em audiência contra aquela decisão, nada mencionaram a respeito nas razões finais que se seguiram. Com efeito, do artigo 795 da CLT resulta a necessidade absoluta não apenas de as Reclamadas protestarem já na audiência em que se deu o indeferimento da oitiva de suas testemunhas, como se verificou, mas também de renovarem expressamente a arguição de tal nulidade nas razões finais, sob pena de demonstrarem conformação com o indeferimento e desistido do possível apelo quanto ao tema. Finalmente, como a arguição de nulidade não foi ratificada nas razões finais das Reclamadas, correta a conclusão do v. acórdão recorrido acerca da preclusão de tal matéria quando da interposição do recurso ordinário. Recursos de revista não providos (TST-RR 48900-92.2003.5.17.0007, 3ª T., Rel. Min. Horácio Raymundo de Senna Pires, DEJT 25-2-2010).

CERCEAMENTO DE DEFESA. Ressalte-se que as nulidades devem ser arguidas no primeiro momento em que a parte tiver de falar nos autos, sob pena de preclusão, sendo certo que, após o encerramento da audiência de instrução, o momento oportuno para a parte se manifestar nos autos é quando do oferecimento das razões finais, ocasião em que a parte deve arguir a ocorrência de eventuais nulidades. Não o fez o obreiro, uma vez que suas razões finais foram remissivas. Sequer manifestou seus protestos (...) (TRT 2ª R., RO 00698200825402006 (20100602490), 2ª T., Rel. Des. Ricardo Apostólico Silva, DOe 6-7-2010).

Tendo em vista que, de lege lata, o processo do trabalho adota a audiência una (ou única), as razões finais, embora facultativas, assumem um papel importantíssimo não apenas para a arguição de nulidades (CLT, art. 795), como também para facilitação do convencimento do juiz.

Como adverte Wagner D. Giglio, “as alegações finais fornecem valioso subsídio aos julgadores, podem convencê-los a adotar a tese defendida e até a mudar-lhes a convicção anterior e intimamente firmada”[495]

Impende notar que, nas causas de alçada, isto é, nas causas sujeitas ao procedimento sumário (Lei n. 5.584/70, art. 2º, § 4º), as razões finais cumprem uma função específica, uma vez que por meio delas “poderá qualquer das partes impugnar o valor da causa fixado” pelo juiz (Lei n. 5.584/70, art. 2º, § 1º). Vale dizer, a impugnação do valor da causa no procedimento sumário pode ser feita até o momento da apresentação das razões finais.

Nas causas submetidas ao procedimento sumaríssimo, não há previsão legal para as razões finais[496], mas também não há proibição para que o juiz, logo após a instrução, também faculte às partes o oferecimento de alegações finais orais ou escritas.

Com a extinção da representação classista (EC n. 24/99), o parágrafo único do art. 850 da CLT tornou-se uma norma sem sentido, vigendo apenas temporariamente, ou seja, até o término do mandato dos juízes classistas. De toda sorte, cremos ser pertinente a mens legis do dispositivo em apreço apenas no tocante à obrigatoriedade de a decisão atender “ao cumprimento da lei” e “ao interesse social”.

2. CONCILIAÇÃO PRÉ-DECISÓRIA

Já estudamos que a conciliação constitui um dos princípios peculiares do processo do trabalho. A CLT consagra-o em diversos artigos. Interessa-nos, agora, enfrentar o problema da ausência da derradeira proposta conciliatória no processo do trabalho.

Pois bem.

Findas as alegações finais, o juiz, por força do art. 850 da CLT, deve renovar a proposta de conciliação. No mesmo sentido, o art. 831 do mesmo diploma legal determina que a decisão somente será proferida “depois de rejeitada pelas partes a proposta de conciliação”.

Parece-nos que essa segunda proposta de conciliação tem peso maior que a primeira, pois esta deve ser feita na abertura da audiência (CLT, art. 846), isto é, quando ainda o juiz desconhece a litiscontestatio. Noutro falar, a ausência da primeira proposta conciliatória, a nosso sentir, não nulifica o processo, mas, se o juiz, antes de proferir a sentença, não apresentar a segunda proposta de conciliação, a sentença estará contaminada de vício insanável, por violação à regra cogente contida nos arts. 831 e 850 da CLT. Nesse sentido:

NULIDADE. RENOVAÇÃO DA PROPOSTA CONCILIATÓRIA. O descumprimento da regra contida no art. 850 da CLT (que determina a renovação da proposta de conciliação, após razões finais e antes da prolação da sentença) atrai a nulidade dos atos processuais, porquanto se trata de violação de norma cogente, de ordem pública. Esse momento processual, quando já encerrada a instrução, é propício para a renovação da proposta de conciliação, porquanto as partes têm condições de considerar os elementos concretos de prova e reavaliar a postura inicial concernente à rejeição da primeira proposta conciliatória. Ora, apesar de ser possível a celebração de acordo em qualquer fase do processo (art. 764, caput e § 3º, da CLT), não há dúvida de que a prolação da sentença, sem que seja conferida às partes a oportunidade de conciliação, dificulta ou até mesmo inviabiliza a realização de acordo, sobretudo pela parte que se viu beneficiada pelo resultado do julgamento. Nulidade que se declara, determinando-se o retorno dos autos à MM. Vara do Trabalho de origem, para que seja designada nova audiência de encerramento (com a devida notificação das partes), em que deverá ser proposta a conciliação, proferindo-se nova decisão, como se entender de direito (TRT 3ª R., RO 00667-2004-043-03-00-6, 7ª T., Rel. Des. Alice Monteiro de Barros, DJMG 24-1-2006).

O TST, no entanto, entende que a ausência da segunda proposta conciliatória não é essencial à validade do processo. É o que se infere do seguinte julgado:

RECURSO DE REVISTA. PRELIMINAR DE NULIDADE PROCESSUAL. AUSÊNCIA DE RENOVAÇÃO DA PROPOSTA DE CONCILIAÇÃO. Ausente a alegada ofensa ao art. 850 da CLT, já que a renovação da proposta de conciliação não se configura essencial. Basta a primeira tentativa. Se houvesse interesse do Reclamado em conciliar, poderia fazê-lo a qualquer tempo (art. 764, § 3º, da CLT), o que, consoante o Regional, não foi manifestado. Divergência não demonstrada, por desatendidas as Súmulas ns. 296 e 337 do TST. Recurso de Revista não conhecido. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA. A decisão do Regional está em conformidade com a OJ n. 92 da SBDI-1 do TST. Divergência não caracterizada, por força do disposto no parágrafo 4º do artigo 896 da CLT. Recurso de Revista não conhecido (TST-RR 52998/2002-900-16-00, 3ª T., Rel. Min. Carlos Alberto Reis de Paula, j. 9-4-2008, DJ 2-5-2008).

RECURSO DE REVISTA. PROPOSTA CONCILIATÓRIA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. Nos termos do artigo 794 da CLT, a decretação de nulidade no processo trabalhista pressupõe manifesto prejuízo processual à parte. Registrou a Corte de origem, com base na ata de audiência, que saíram as partes cientes de que, após apresentadas suas razões finais, os autos seriam encaminhados para julgamento, sendo, pois, descabida a realização de nova audiência apenas para que a proposta conciliadora fosse renovada. Na hipótese, não há falar em nulidade a ausência da segunda proposta conciliatória, porquanto daí não deriva prejuízo às partes, que a todo momento podem alcançar autocomposição da lide. Incólume, portanto, o artigo 850 da CLT. Revista não conhecida, no aspecto (...) (TST-RR 174900-04.2004.5.15.0058, 3ª T., Rel. Min. Rosa Maria Weber, DEJT 8-4-2010).

Parece-nos, contudo, que, em caso de recurso, o Tribunal somente poderá decretar a nulidade da sentença se a ausência de proposta conciliatória implicar manifesto prejuízo às partes (CLT, art. 794), sendo certo que, nos termos do art. 764, § 3º, da CLT, é “lícito às partes celebrar acordo que ponha termo ao processo, ainda mesmo depois de encerrado o juízo conciliatório”. Nesse sentido:

NULIDADE DO PROCESSO. CERCEAMENTO DE DEFESA. PROVA INÚTIL. Não se constitui cerceamento de defesa o indeferimento de prova oral que tem por escopo comprovar fato irrelevante à solução da demanda. Recurso de Embargos não conhecidos. NULIDADE DO PROCESSO. AUSÊNCIA DE NOVA PROPOSTA CONCILIATÓRIA. ARTIGO 850 DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. Afigura-se insuficiente à declaração de nulidade dos atos processuais a mera alegação de que não houve renovação da proposta conciliatória, se a parte não demonstra que tal omissão causou-lhe prejuízo. Hipótese em que incide o comando do artigo 794 da Consolidação das Leis do Trabalho, segundo o qual só haverá nulidade quando resultar dos atos inquinados manifesto prejuízo às partes litigantes. Recurso de Embargos não conhecidos. HORAS EXTRAS HABITUAIS. INCIDÊNCIA. AVISO-PRÉVIO TRABALHADO. As horas extras habituais integram o salário para todos os efeitos legais. Revela-se equivocado o alcance dado pela Turma à então Súmula n. 94 deste Tribunal Superior, no sentido de excluir as horas extras habituais do cálculo do aviso-prévio trabalhado. Embargos conhecidos e providos (TST-E-RR 452.468/1998.1, SBDI-1, Rel. Min. Maria de Assis Calsing, j. 29-10-2007, DO 09-11-2007).

Sobre a ausência de propostas conciliatórias, colacionamos os seguintes julgados:

RECURSO DE REVISTA. 1. NULIDADE PROCESSUAL. AUSÊNCIA DA RENOVAÇÃO DA PROPOSTA CONCILIATÓRIA. O acórdão regional afastou a arguição de nulidade, pela ausência de renovação da proposta conciliatória, por diversos fundamentos, quais sejam: audiência una; impossibilidade do Município de fazer acordo e ausência e prejuízo. Por divergência, o recurso não merece conhecimento, já que o único aresto citado não abrange todos os fundamentos. Súmula n. 23 desta Corte. Não se vislumbra caracterizada ofensa ao art. 850 da CLT. Recurso de Revista não conhecido. 2. DESMEMBRAMENTO DE MUNICÍPIO. ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL N. 92/SBDI-1. Como a decisão recorrida está em consonância com a iterativa, notória e atual jurisprudência deste Tribunal Superior, sedimentada na OJ n. 92 da SBDI-1 do TST, é incabível a revista, por força do disposto no art. 896, § 4º, da CLT e na Súmula n. 333 desta Corte. Recurso de Revista não conhecido (TST-RR 699423/2000.0, 1ª T., Rel. Min. Dora Maria da Costa, DJ 6-9-2007).

(…) NULIDADE DO PROCESSO. AUSÊNCIA DE PROPOSTA CONCILIATÓRIA. Para ser declarada a nulidade do feito, necessário a existência de manifesto prejuízo às partes, posto que a nulidade, em última análise, assume efeito de retrocesso processual o que vai de encontro aos princípios da celeridade e da efetividade processual (art. 5º, LXXVIII da CF). Se não por isso, os autos estão a indicar que os Reclamados não estão com animus de conciliar-se com a Reclamante, porquanto assim manifestaram-se na audiência de instrução (…) (TRT 23ª R., RO 01749.2006.007.23.00-7, 2ª T., Rel. Des. Leila Calvo, j. 30-5-2007, DO 6-6-2007).

RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA. AUSÊNCIA DE ENCERRAMENTO DA INSTRUÇÃO E DA SEGUNDA PROPOSTA DE CONCILIAÇÃO. NULIDADE DO PROCESSO. Ainda que se possa entender que a ausência de formulação da segunda proposta conciliatória não enseja prejuízo às partes, pois elas podem compor o litígio em qualquer fase do processo, é cogente a regra do art. 850 da CLT ao determinar ao Juiz a formulação de duas propostas conciliatórias no decorrer da fase instrutória. A par disso, mostra-se insuperável in casu a nulidade decorrente do fato de a instrução ter sido reaberta para a expedição de ofício à autarquia previdenciária, sendo proferida sentença sem que tenha havido novo encerramento da fase instrutória. Apelo patronal parcialmente provido, com amparo na regra cogente do art. 850 da CLT (TRT 4ª R., RO 00106-2003-403-04-00-4, 2ª T., Rel. Des. Denise Pacheco, j. 9-12-2004, DO 12-1-2005).

CONCILIAÇÃO PRÉVIA. AUSÊNCIA DE PROPOSTA CONCILIATÓRIA PATRONAL. EFEITOS. Descabida e até reveladora de má-fé é a pretensão da parte que já recusara a proposta conciliatória em Juízo, de querer extinguir o feito a pretexto de ausência de trâmite da pretensão perante a Comissão de Conciliação Prévia. A conciliação recusada em Juízo supre perfeitamente a tentativa conciliatória de que trata a Lei 9.958/00, em face do princípio da instrumentalidade das formas. Inteligência que se extrai do art. 244 do Código de Processo Civil, de aplicação subsidiária ao processo trabalhista (art. 769, CLT). Preliminar que se rejeita (TRT 2ª R., RO 00074.2007.045.02.00-0, 4ª T., Rel. Des. Ricardo Artur Costa e Trigueiros, j. 24-6-2008, DOE 4-7-2008).

NULIDADE PROCESSUAL – RAZÕES FINAIS E SEGUNDA PROPOSTA DE CONCILIAÇÃO. A inexistência de razões finais e de renovação da segunda proposta de conciliação constitui afronta ao devido processo legal (art. 850 da CLT) (TRT 5ª R., RO 00718-2006-291-05-00-0, 1ª T., Rel. Des. Ivana Mércia Nilo de Magaldi, DJ 25-3-2009).

CONCILIAÇÃO – AUSÊNCIA DA SEGUNDA PROPOSTA – NULIDADE DE SENTENÇA. Verificada a ausência da segunda tentativa conciliatória, imposta pelo art. 850 da CLT, forçosa a declaração da nulidade da decisão havida em primeiro grau e, por via de consequência, dos demais atos processuais a ela posteriores, por ter o Juízo de origem se precipitado em julgar o feito antes de exauridas as tentativas de conciliação, violando o iter processual ao suprimir formalidade essencial à conversão do juízo conciliatório em arbitral (art. 764, § 2º, da CLT) (TRT 23ª R., RO 0462/2000 (1646/2000), TP, Rel. Juiz Roberto Benatar, DJMT 27-7-2000, p. 23).

NULIDADE DA DECISÃO A QUO – PROCESSO ORIUNDO DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL – AUSÊNCIA DE RAZÕES FINAIS E SEGUNDA PROPOSTA DE CONCILIAÇÃO. Declara-se nula a decisão de primeira instância, com o retorno dos autos à Vara do Trabalho de origem a fim de que, em se tratando de processo oriundo da Justiça Comum estadual, sejam observados os procedimentos estabelecidos pela legislação processual trabalhista, no sentido de que seja designada audiência, notificando as partes, para dar seguimento (se entender necessário o Juízo a quo) à instrução do processo, ou mesmo para declarar a sua conclusão, bem como seja aberto prazo para razões finais e, por derradeiro, apresentada a segunda proposta de conciliação (TRT 20ª R., 00940-2005-016-20-00-8, Rel. Des. Maria das Graças Monteiro Melo, j. 30-5-2006, DO 19-6-2006).

No procedimento sumaríssimo, ao contrário do que se dá nos procedimentos ordinário e sumário, só há uma tentativa de proposta de conciliação. Não obstante, o art. 852-E da CLT dispõe que o juiz deve esclarecer às partes presentes sobre as vantagens da conciliação e usará os meios adequados de persuasão para a solução conciliatória do litígio “em qualquer fase da audiência”.

Para encerrar este tópico, cumpre lembrar que o juiz não está obrigado a homologar proposta de acordo, ainda que formulada por ambas as partes. Afinal, o processo é instrumento de efetivação do direito material, razão pela qual o juiz pode (e deve) recusar-se a chancelar propostas conciliatórias que, na essência, impliquem autênticas renúncias a direitos fundamentais/indisponíveis do trabalhador. É preciso, porém, que a recusa judicial seja devidamente fundamentada, como exige o art. 93, IX, da CF. Nesse sentido:

RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. INDEFERIMENTO DE HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER. I – Na conformidade dos arts. 652, 764 e § 1º, 846 e 850 da CLT, indicados pelo recorrente, os processos submetidos à apreciação da Justiça do Trabalho estão sempre sujeitos à conciliação, sendo lícito às partes celebrar acordo e ao juiz propor solução conciliatória dos conflitos. II – Desses dispositivos não se infere, contudo, a obrigatoriedade de o juiz homologar acordo celebrado entre as partes, podendo não fazê-lo, por cautela. III – É o que se constata do ato impugnado, em que a autoridade registrou ser necessária prévia intervenção do Ministério Público na qualidade de custos legis, porque a matéria versada nos autos refere-se às condições do ambiente de trabalho. IV – Diante do fundamento da decisão e não consistindo a homologação de acordo em obrigação do julgador, resta afastado o alegado direito líquido e certo a ser protegido nesta ação. V – Nesse sentido, aliás, é a Súmula n. 418 desta Corte, segundo a qual, “A concessão de liminar ou a homologação de acordo constituem faculdade do juiz, inexistindo direito líquido e certo tutelável pela via do mandado de segurança”. VI – Recurso a que se nega provimento (TST-ROAG 700/2008-000-15-40.2, SBDI-2, Rel. Min. Antônio José de Barros Levenhagen, j. 24-3-2009, DJ 3-4-2009).

3. ACORDO (TERMO DE CONCILIAÇÃO)

Vaticina o parágrafo único do art. 831 da CLT que, no caso de conciliação, “o termo que for lavrado valerá como decisão irrecorrível, salvo para a Previdência Social, quanto às contribuições que lhe forem devidas”.

Dito de outra forma, no processo do trabalho o acordo homologado judicialmente será equiparado à sentença de mérito, pois somente por ação rescisória poderá ser impugnado (TST, Súmula 259), e produzirá eficácia de coisa julgada em relação às partes que figurarem no título executivo, exceto para a Previdência Social, uma vez que esta não figurou como sujeito da lide no processo (ou fase) de conhecimento.

Na verdade, por força do inciso VIII do art. 114 da CF, com redação dada pela EC n. 45/2004, a União (sucessora processual da autarquia federal – INSS, ex vi do novel § 4º do art. 832 da CLT, com redação dada pela Lei n. 11.457/2007) poderá interpor recurso ordinário contra a decisão homologatória de acordo (transação) entre as partes, cujas razões recursais ficam adstritas às contribuições previdenciárias devidas àquela autarquia federal, cabendo ao TRT apreciar e julgar o referido recurso.

Sobre outras considerações sobre o termo de conciliação, seu objeto e conteúdo, remetemos o leitor ao Capítulo XIII, itens 11 e 12.

4. CONVERSÃO DO JULGAMENTO EM DILIGÊNCIA

Se no momento de redigir a sentença o juiz verificar a existência de irregularidades que poderiam ter sido corrigidas no momento oportuno e não o foram, poderá converter o julgamento em diligência, cujo escopo reside no saneamento da irregularidade.

A base legal para a conversão do julgamento em diligência encontra-se no art. 765 da CLT, que permite ao juiz ampla liberdade na condução do processo, e no art. 796, a, da mesma Consolidação, uma vez que a nulidade não será pronunciada “quando for possível suprir-se a falta ou repetir-se o ato”.

Na verdade, a conversão do julgamento em diligência é medida salutar, pois o próprio juiz, verificando que existe no processo alguma irregularidade que possa acarretar a sua nulidade, determina, de ofício, a (re)ratificação de determinado ato importante para a validade da relação jurídica processual.

Assim, a conversão do julgamento em diligência constitui uma providência saneadora[497] que se encontra em sintonia com o princípio da economia processual, na medida em que pode evitar a decretação de nulidade do processo pelo tribunal competente para processar e julgar o recurso correspondente, como, por exemplo, na hipótese em que o juiz verificar que não formulou a segunda proposta de conciliação ou que não tenha oferecido oportunidade para uma parte manifestar-se sobre o laudo pericial ou documento juntado pela outra parte. Em tais circunstâncias, o juiz estará salvaguardando o processo de eventuais nulidades.

5. SENTENÇA

5.1. Atos do juiz

Na dicção do art. 162 do CPC, com nova redação dada pela Lei n. 11.232, de 22 de dezembro de 2005 (DOU 23-12-2005), os atos processuais escritos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos. Nos §§ 1º, 2º e 3º do mesmo preceptivo, há a definição de cada um desses atos judiciais, in verbis:

§ 1º Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei.

§ 2º Decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente.

§ 3º São despachos todos os demais atos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte, a cujo respeito a lei não estabelece outra forma.

É certo que existem outros atos, não escritos, que o juiz pratica no processo, como, por exemplo, o ato de presidir audiências, a inspeção judicial etc., os quais não se encaixam adequadamente na moldura do art. 162 do CPC.

A CLT não adota a metodologia do CPC; mas a teoria geral do processo está a revelar que os referidos atos judiciais são praticados em qualquer processo, seja ele civil, penal, eleitoral ou trabalhista.

Na verdade, a CLT, em regra, emprega o termo “decisão” no sentido amplo, o que exige do intérprete a devida cautela para desvendar, no contexto, o seu exato sentido. Noutro falar, a expressão “decisão” pode ser utilizada em lugar de “sentença” ou de “decisão interlocutória”.

Um exemplo suficiente para corroborar tal assertiva é extraído do art. 799, § 2º, da CLT, in verbis:

Das decisões sobre exceções de suspeição e incompetência, salvo, quanto a estas, se terminativas do feito, não caberá recurso, podendo, no entanto, as partes alegá-las novamente no recurso que couber da decisão final. (grifos nossos)

No primeiro caso (“decisão sobre exceções”), estamos diante de decisão interlocutória, pois por meio dela o juiz resolve questão incidente sem extinguir o processo. No segundo caso (“decisão terminativa do feito sobre incompetência”), estamos, igualmente, diante de decisão interlocutória, pois a decisão que pronuncia a incompetência da Justiça do Trabalho para processar a causa não extingue o processo, mas apenas remete os autos ao juízo que o magistrado entender competente para prosseguir no julgamento da demanda. A expressão “terminativa do feito” significa apenas que a decisão (interlocutória) determina que o processo “sai” do âmbito da Justiça do Trabalho e é remetido a outro ramo do Poder Judiciário, o que empolga, excepcionalmente, a interposição de recurso ordinário, embora não se trate de sentença. É o que se depreende da Súmula 214 do TST (com nova redação dada pela Resolução TST n. 127/2005):

Na Justiça do Trabalho, nos termos do art. 893, § 1º, da CLT, as decisões interlocutórias não ensejam recurso imediato, salvo nas hipóteses de decisão: a) de Tribunal Regional do Trabalho contrária à Súmula ou Orientação Jurisprudencial do TST; b) suscetível de impugnação mediante recurso para o mesmo Tribunal; c) que acolhe exceção de incompetência territorial, com a remessa dos autos para Tribunal Regional distinto daquele a que se vincula o juízo excepcionado, consoante o disposto no art. 799, § 2º, da CLT.

No terceiro caso (“decisão final”), estamos diante de autêntica sentença, que pode ser terminativa ou definitiva, ou seja, com ou sem resolução de mérito.

No procedimento sumaríssimo há no art. 852-G da CLT uma regra a respeito do momento de proferir decisões interlocutórias e sentença nos seguintes termos: “Serão decididos, de plano, todos os incidentes e exceções que possam interferir no prosseguimento da audiência e do processo. As demais questões serão decididas na sentença”.

5.2. Sentença e justiça

Para os defensores do formalismo jurídico a sentença nada mais seria do que uma peça processual calcada num silogismo: a premissa maior (lei), a premissa menor (fatos que gravitam em torno do caso concreto) e o dispositivo (conclusão).

Essa fórmula lógica e matemática atribuída à sentença tem sido alvo de fundadas críticas na moderna fase do direito processual. Dito de outro modo, há, atualmente, uma resistência a essa concepção formalística da sentença como mera operação lógica que considera o juiz um autômato na condução do processo e na aplicação da lei.

Com efeito, há nítida tendência à socialização do processo, o que permite ao juiz libertar-se do legalismo (forma deturpada do princípio da legalidade) e buscar a promoção da justiça social. Nessa sua nova função promocional, o juiz deixa de ser “escravo da lei” para se transformar em autêntico agente político. Político com “P” maiúsculo, isto é, o juiz passa a ser o principal ator estatal cuja missão precípua repousa na promoção da justiça social.

Essa moderna fase do direito processual está a exigir urgente mudança de mentalidade dos operadores jurídicos em geral, principalmente dos juízes, pois o novo ordenamento jurídico inaugurado a partir da Constituição de 1988 insere os princípios fundamentais da cidadania, da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da livre-iniciativa como verdadeiras “normas de introdução” ao direito brasileiro.

O julgar com equidade passa a ser não apenas uma necessidade para corrigir as desigualdades sociais, mas, sobretudo, um dever do juiz.

É preciso deixar claro que essa nova função política do juiz não deve ser exercida de forma aleatória, o que poderia implicar decisões arbitrárias. Ao revés, a atuação do juiz há de ser pautada na fiel aplicação dos princípios (e objetivos) constitucionais nos casos que lhe são submetidos à cognição e julgamento. Esses princípios, pois, servirão de alicerce não apenas para a solução da lide (função normativa dos princípios), mas também para a nova hermenêutica das normas que compõem o direito positivo (função interpretativa dos princípios).

Com efeito, as recentes reformas do direito processual penal, civil e trabalhista apontam nessa direção, como se infere do art. 6º da Lei n. 9.099/95, que introduziu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, in verbis:

O Juiz adotará em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum.

Nos domínios do direito processual do trabalho, podemos dizer que a Lei n. 9.957, de 12 de janeiro de 2000, que introduziu na CLT o procedimento sumaríssimo, seguiu a mesma diretriz, ao prescrever no art. 852-I, § 1º, que “o juízo adotará em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum”.

Colhem-se, neste passo, as lúcidas palavras de Manoel Antonio Teixeira Filho, para quem:

O vocábulo equidade (do latim aequitas, de aequus: igual, igualitário) significa, no plano jurídico, a regra de Direito Natural, capaz de sobrepor-se ao próprio Direito Positivo. Os princípios da equidade, por isso, se fundam na razão absoluta. O juízo de equidade é o que se baseia, portanto, nas circunstâncias especiais de cada caso concreto, levando-se em conta os critérios de justiça e razoabilidade. Desta forma, se determinada norma legal revelar-se injusta, poderá o juiz, valendo-se do mencionado princípio, desfazer a injustiça, aplicando as regras que derivam do Direito Natural[498].

No mesmo sentido, observa Sálvio de Figueiredo:

A interpretação das leis não deve ser formal, mas sim, antes de tudo, real, humana, socialmente útil (...) Se o juiz não pode tomar liberdades inadmissíveis com a lei, julgando contra legem, pode e deve, por outro lado, optar pela interpretação que mais atenda às aspirações da Justiça e do bem comum[499].

5.3. Novo conceito de sentença à luz da Lei n. 11.232/2005

Na dicção do art. 162 do CPC, com nova redação dada pela Lei n. 11.232, de 22 de dezembro de 2005 (DOU 23-12-2005), os atos processuais escritos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos. Os §§ 1º, 2º e 3º do mesmo preceptivo definem cada um desses atos judiciais.

Não houve alteração da definição legal de despacho e de decisão interlocutória.

Sentença, porém, deixou de ser ato do juiz que põe termo ao processo, com ou sem julgamento do mérito, e passou a ser o “ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269” do CPC.

Corrigiu-se, assim, uma tautologia, pois, na verdade, a extinção do processo não ocorre com a sentença (ou acórdão), e sim com o esgotamento do prazo para eventual recurso destinado à sua reforma ou anulação.

Andou bem o legislador, no particular, uma vez que, com o desaparecimento do “processo de execução de título judicial” e o surgimento de uma “fase de execução” dentro do próprio processo de conhecimento, a sentença definitiva deixa de ser o ato pelo qual o juiz “esgota” a sua função jurisdicional.

Com efeito, a redação original do art. 463 do CPC dispunha que, com a publicação da “sentença de mérito, o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional”. Todavia, com o advento da Lei n. 11.232/2005, o referido dispositivo passou a dispor simplesmente: “Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la...”.

Vale dizer, com a vigência da nova lei processual, a prolação da sentença definitiva, isto é, aquela que aprecia mérito (pedido), já não mais implicará o término do ofício jurisdicional, na medida em que o juiz continuará praticando, no mesmo processo cognitivo, isto é, independentemente de instauração de um “novo” processo (de execução)[500], atos destinados ao cumprimento das obrigações nela contidas, nos termos do novel Capítulo X do Título VIII do CPC.

Houve, portanto, substancial alteração do conceito de sentença, pois o sistema anterior apenas levava em conta os seus efeitos, enquanto no atual o que importa, a rigor, é o seu conteúdo. Dito de outro modo, antes da alteração legislativa, a sentença era definida pelo seu efeito (“ato que põe termo ao processo”); agora, isto é, a partir de 24 de junho de 2006, termo final da vacatio legis da Lei n. 11.232/2005, o conceito de sentença deverá ser examinado não mais pelo seu efeito, e sim pelo seu conteúdo[501].

Afinal, como se infere da Exposição de Motivos da Lei n. 11.232/2005, “a efetivação forçada da sentença condenatória será feita como etapa final do processo de conhecimento, após um tempus iudicati, sem a necessidade de um processo autônomo de execução (afastam-se os princípios teóricos em homenagem à eficiência e brevidade)”.

Marcelo Moura, a propósito, faz importante observação acerca da necessidade de heterointegração dos subsistemas do direito processual civil e trabalhista no sentido de que sentença passou a ser o “pronunciamento judicial pelo qual o juiz, analisando ou não o mérito da causa, põe fim a uma etapa (cognitiva ou executiva) do procedimento em primeira instância”[502]. E isto porque, antes da Lei n. 11.232, havia duas sentenças: uma para extinguir o processo de conhecimento e outra para extinguir o processo de execução. Depois da vigência da referida lei, aquelas duas sentenças foram fundidas numa só, ou seja, com o processo sincrético haverá apenas uma sentença que extingue não apenas a fase de cognição como também a fase de execução.

De toda sorte, parece-nos que é possível esboçar, com base no seu conteúdo, dois conceitos de sentença.

5.3.1. Novo conceito de sentença terminativa

Conceituamos a sentença terminativa como o provimento judicial que, sem apreciar o mérito, resolve o procedimento no primeiro grau de jurisdição.

É o que se dá com todas as hipóteses previstas nos incisos do art. 267 do CPC. A sentença terminativa tem por escopo resolver a relação jurídica processual sem se pronunciar sobre a lide (pedido). Em regra, ao proferir a sentença terminativa, o juiz acaba o seu ofício jurisdicional.

Há, porém, situações, como as previstas nos arts. 296 e 463 do CPC e no art. 897-A da CLT, em que a sentença, mesmo terminativa, não implica automática extinção do procedimento em primeiro grau, pois se houver interposição de apelação (ou recurso ordinário trabalhista) ou de embargos de declaração (com efeitos infringentes) a sentença pode, em tese, ser modificada pelo próprio juiz que a proferiu e em seu lugar surgir uma sentença definitiva.

5.3.2. Novo conceito de sentença definitiva

Com a Lei n. 11.232, a sentença definitiva passa a ser o provimento judicial que, apreciando e resolvendo o mérito da demanda, pode implicar a extinção do procedimento em primeiro grau de jurisdição. É o que ocorre com as hipóteses do art. 269 do CPC.

Com efeito, a sentença definitiva pode implicar a extinção do procedimento em primeiro grau, tal como se dá com a sentença eminentemente declaratória de procedência, ou com qualquer sentença de improcedência[503].

Não há negar que nestes casos ocorre a extinção do procedimento no primeiro grau de jurisdição (e do próprio processo de conhecimento, se não houver interposição de recurso), já que, com a prolação da sentença, o juiz cumpre e acaba o seu ofício jurisdicional, razão pela qual não praticará nenhum outro ato judicial subsequente, salvo, é claro, aqueles que tiverem por objeto, se for o caso, o pagamento das despesas processuais decorrentes da sucumbência ou, ainda, nas hipóteses dos arts. 285-A, § 1º, 296 e 463 do CPC e art. 897-A da CLT.

Fenômeno semelhante ocorre com as sentenças constitutivas de procedência, pois estas simplesmente criam, modificam ou extinguem relações jurídicas, ou seja, contêm operações meramente cognitivas. Se de tal sentença não houver recurso, estará realmente exaurido o ofício jurisdicional do juiz que a prolatou.

Tratando-se, porém, de sentença condenatória, mandamental ou executiva lato sensu, parece-nos não haver dúvida de que, nestes casos, não existirá extinção do procedimento mesmo depois de proferida a sentença, uma vez que o próprio juiz que a proferiu continuará praticando atos posteriores, visando ao efetivo cumprimento do seu conteúdo.

Como bem observam Marinoni e Arenhart:

As sentenças de procedência que não precisam que o processo se desenvolva em uma fase de execução, para satisfazer o autor, obviamente extinguem o processo (sentenças declaratória e constitutiva). Apenas a sentença que condena ao pagamento de quantia certa, assim como as sentenças que impõem não fazer, fazer ou entrega de coisas (arts. 461 e 461-A, CPC), acolhem o pedido sem extinguir o processo[504].

Além disso, andou bem o legislador ao alterar a antiga redação do art. 269 do CPC (“Extingue-se o processo com julgamento do mérito...”) para “Haverá resolução de mérito...”, na medida em que “julgamento do mérito” só ocorria, a rigor, na hipótese do inciso I (“quando juiz acolher ou rejeitar o pedido do autor”)[505], ao passo que nos casos dos incisos II, III e V não se observava, em precisão científica, “julgamento do pedido”. Correta, pois, a alteração do termo julgamento por resolução, “já que a expressão resolver é mais ampla que julgar[506].

A sentença definitiva, portanto, salvo a de conteúdo eminentemente declaratório ou constitutivo – com as observações que expendemos alhures –, passa a ser, com a vigência da Lei n. 11.232, o ato pelo qual o juiz resolve o mérito, sem, contudo, extinguir o processo. E a razão é simples: o cumprimento da sentença dar-se-á, a princípio, no mesmo processo e nos mesmos autos, perante o mesmo “juízo que processou a causa no primeiro grau de jurisdição” (CPC, art. 475-P, II), independentemente de instauração de um “processo de execução de sentença”.

Com razão Daniel Amorim Assumpção Neves, ao salientar que o

advento generalizado das ações sincréticas, independentemente da natureza da obrigação objeto da condenação, obrigou o legislador a repensar o conceito de sentença, modificando o critério utilizado anteriormente. Em vez do efeito da decisão, o novo conceito de sentença tem como critério conceitual o conteúdo do pronunciamento, fazendo expressa remissão aos arts. 267 e 269 do CPC (...) Com o novo conceito de sentença, o que importará será o conteúdo do ato, passando a ser irrelevante sua repercussão na continuidade do processo[507].

Como a CLT não define a sentença, impõe-se a aplicação subsidiária do CPC, tendo em vista a lacuna normativa e ontológica do texto obreiro e a perfeita compatibilidade do novel conceito de sentença do processo civil com as normas (gênero), princípios e regras (espécies de normas) do processo do trabalho (CLT, art. 769). Ademais, se a sentença é o ato judicial com aptidão de produzir a coisa julgada, que é um direito ou garantia fundamental proclamado solenemente no art. 5º, XXXVI, da CF, então o conceito de sentença civil não pode ser diferente da sentença trabalhista.

Na verdade, a CLT emprega genericamente o vocábulo “decisão”, ora no sentido de acórdão ou sentença (terminativa ou definitiva), ora de decisão interlocutória (v.g., arts. 659, IX e X, 672, § 2º, 797, 832, 833, 834, 835 e 850).

Nesse passo, adverte Júlio César Bebber:

A omissão de regulamentação específica pelas normas processuais trabalhistas, bem como a ausência de incompatibilidade com a ordem jurídica processual trabalhista e com os princípios do processo do trabalho, por isso, conduzem à utilização subsidiária do art. 162 do CPC (CLT, art. 769)[508].

Esse mesmo autor conclui:

Assim, (a) se a sentença é o pronunciamento do juiz que examina a relação jurídica processual (extingue o processo) e material, e (b) se a sentença que examina o mérito não extingue o processo (CPC, art. 269), inegável a conclusão de que também no processo do trabalho foi instalado o modelo do processo sincrético para as obrigações de pagar[509].

De nossa parte, pois, parece-nos inegável a necessidade da adoção do novo conceito de sentença previsto nos arts. 162, § 1º, 267 e 269 do CPC nos sítios do processo do trabalho. Do contrário, ficará seriamente ameaçado o sistema do Direito Constitucional Processual, que é integrado pelos subsistemas do processo civil e trabalhista.

Há, pois, que instaurar uma nova mentalidade a respeito da mitigação do dogma constante da regra do art. 769 da CLT, como já advertimos anteriormente com a aplicação do sistema do acesso à jurisdição trabalhista metaindividual, segundo o qual nas ações civis públicas as fontes normativas primárias são LACP (Lei n. 7.347/1985) e a parte processual do CDC (Lei n. 8.078/1990), restando à CLT o papel de mera fonte secundária ou subsidiária e, ainda, assim, sujeita ao controle de compatibilidade do novel sistema de acesso coletivo à Justiça do Trabalho[510].

É preciso, portanto, romper com o formalismo jurídico e estabelecer o diálogo das fontes normativas infraconstitucionais do CPC e da CLT, visando à concretização do princípio da máxima efetividade das normas (princípios e regras) constitucionais de direito processual, especialmente o novel princípio da “duração razoável do processo com os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (EC n. 45/2004, art. 5º, LXXVIII).

Como bem salienta Francisco Montenegro Neto:

Os processos civil e trabalhista, agora com as suas execuções de título judicial assemelhadas, porquanto sejam fases processuais – passando a recente alteração do processo civil (Lei n. 11.232) a eliminar burocracia e orientar-se pelo maior desembaraço que sempre norteou a execução trabalhista (o processo de execução de título judicial no processo civil doravante correrá nos mesmos autos da ação de conhecimento, como sempre ocorreu no processo do trabalho) –, são regramentos que se entrelaçam e fazem parte de um ordenamento jurídico único, jungidos a uma mesma Lex Mater, a Constituição Federal, à qual devem forçosamente se adaptar, não esperando que o contrário ocorra por via das emendas que se sucedem[511].

Ademais, se o processo nada mais é do que instrumento de realização do direito material, é condição necessária a aplicação das normas do CPC que, na prática, impliquem a operacionalização do princípio da máxima efetividade da tutela jurisdicional, que tem no princípio da celeridade uma de suas formas de manifestação. Isso significa que as normas do processo civil, desde que impliquem maior efetividade à tutela jurisdicional dos direitos sociais trabalhistas, devem ser aplicáveis nos domínios do processo do trabalho como imperativo de promoção do acesso do cidadão-trabalhador à jurisdição justa[512].

O próprio TST acabou abarcando, implicitamente, essa nova hermenêutica constitucional ao romper com o dogma da autonomia absoluta do processo do trabalho (art. 769 da CLT), como se pode extrair, v.g., da Súmula 303 daquela Corte[513], segundo a qual – mesmo diante da norma processual trabalhista constante do art. 1º, V, do Decreto-lei n. 779/69, que determina a remessa necessária obrigatória de sentença total ou parcialmente desfavorável aos entes públicos – é aplicável a norma do § 2º do art. 475 do CPC, que não admite a remessa necessária “sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos” ou “quando a decisão estiver em consonância com decisão plenária do Supremo Tribunal Federal ou com súmula ou orientação jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho”.

Por outro lado, não é razoável admitir que a ampliação da competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar ações oriundas das relações de trabalho distintas da relação de emprego (EC n. 45/2004) possa implicar (pela não aplicação das novas normas do CPC nas hipóteses em que estas se mostrarem mais efetivas do que as da CLT) retrocesso (jurídico e social) do acesso dos novos cidadãos (trabalhadores lato sensu) à Justiça do Trabalho.

Dito de outro modo, seria ilógico e manifestamente injusto transferir, via Emenda Constitucional n. 45/2004, as demandas oriundas da relação de trabalho lato sensu para a competência da Justiça do Trabalho e, pela não aplicação de novas normas do CPC, reduzir a efetividade da tutela jurisdicional (em sentido formal e material) dos sujeitos das referidas demandas.

Oportuna, nesse passo, a percuciente advertência de José Roberto dos Santos Bedaque:

A efetividade da tutela jurisdicional depende muito da sensibilidade do jurista, principalmente do estudioso do direito processual, que deve criar soluções visando a tornar o instrumento adequado à realidade social a que ele será aplicado[514].

Na mesma esteira, Valentin Carrion já salientava, em comentário ao art. 769 da CLT:

Perante novos dispositivos do processo comum, o intérprete necessita fazer uma primeira indagação: se, não havendo incompatibilidade, permitir-se-ão a celeridade e a simplificação, que sempre foram almejadas. Nada de novos recursos, novas formalidades inúteis e atravancadoras[515].

Em semelhante escólio, lembra Daisson Flach que o

direito ao devido processo legal, ou ao justo processo, garantia que, de certa forma, sintetiza as demais, é, portanto, entendido em suas duas dimensões: formal e material. Deve o processo estruturar-se formalmente de modo a dar cumprimento, tanto quanto possível, aos vários princípios implicados, estabelecendo, a cada passo, a sua devida ponderação. A noção atual de instrumentalidade postula um processo tecnicamente estruturado que possa atender aos aspectos éticos da atividade judiciária. As garantias formais não são um fim em si mesmas, devendo oferecer, dentro das possibilidades, resultado materialmente justo[516].

É, pois, na Justiça do Trabalho que o princípio da máxima efetividade da tutela jurisdicional encontra solo fértil para ampla aplicação, mormente na fase de cumprimento de sentença que contenha obrigação por quantia certa (créditos de natureza alimentícia). Eis aí a aproximação do direito processual ao direito material, propiciando o acesso à jurisdição justa.

Afinal, o nosso ordenamento jurídico guarda em seu patamar mais alto, como verdadeiras cláusulas de direito fundamental, o princípio do direito (norma) mais favorável à pessoa humana, em geral (CF, art. 5º, § 2º), e o princípio do direito (norma) mais favorável ao cidadão-trabalhador, em particular (CF, art. 7º, caput), não havendo distinção constitucional entre normas que contemplam direito material e direito processual.

Como bem lembra Luiz Guilherme Marinoni:

Diante da transformação da concepção de direito, não há mais como sustentar antigas teorias da jurisdição, que reservavam ao juiz a função de declarar o direito ou de criar a norma individual, submetidas que eram ao princípio da supremacia da lei e ao positivismo acrítico. O Estado constitucional inverteu os papéis da lei e da Constituição, deixando claro que a legislação deve ser compreendida a partir dos princípios constitucionais de justiça e dos direitos fundamentais. Expressão concreta disso são os deveres de o juiz interpretar a lei de acordo com a Constituição, de controlar a constitucionalidade da lei, especialmente atribuindo-lhe novo sentido para evitar a declaração de inconstitucionalidade, e de suprir a omissão legal que impede a proteção de um direito fundamental. Isso para não falar do dever, também atribuído à jurisdição pelo constitucionalismo contemporâneo, de tutelar os direitos fundamentais que se chocam no caso concreto[517].

Aliás, a busca pela efetividade do processo do trabalho é, inegavelmente, uma maneira de aplicar princípios e direitos fundamentais, além de melhorar a condição social dos trabalhadores, especialmente em nosso país, na medida em que, por meio dele (processo do trabalho), podem ser reprimidas (ou evitadas) condutas socialmente indesejáveis dos “tomadores de serviços” que, sistemática e massivamente, lesam os direitos sociais trabalhistas, o que exige uma nova mentalidade a respeito do papel da Justiça do Trabalho como instituição guardiã da ordem justrabalhista.

5.4. A classificação quinária das sentenças

Demonstrada a necessidade, tanto no processo civil quanto no processo do trabalho, de se estabelecer novo conceito de sentença, procuraremos, neste tópico, ensaiar uma nova classificação das sentenças.

As sentenças, segundo doutrina tradicional, são classificadas segundo os efeitos que exercem no processo. Teríamos, então, as sentenças que extinguiriam o processo sem e com “julgamento” do mérito. Esta classificação era extraída da redação original dos arts. 162, § 1º, 267 e 269, do CPC.

A partir da vigência da Lei n. 11.232, tal classificação, como vimos alhures, já não pode mais ser adotada. Na verdade, antes mesmo da Lei n. 11.232, alguns processualistas já classificavam a sentença de acordo com o provimento jurisdicional solicitado pelo autor. Teríamos, assim, sentenças declaratória, constitutiva, condenatória, mandamental ou executiva lato sensu, conforme provenham de ações declaratória, constitutiva, condenatória, mandamental ou executiva lato sensu, respectivamente.

Não obstante, existe ainda certa corrente doutrinária que rejeita essa classificação quinária, sob o fundamento de que a sentença condenatória já abrangeria o que se reconhece hoje como sentença mandamental ou executiva lato sensu.

Ocorre que os arts. 461 e 461-A do CPC (e arts. 84 do CDC e 11 da LACP) positivaram no nosso direito processual as chamadas sentenças mandamentais e executivas lato sensu, uma vez que na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer, não fazer ou entregar coisa, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

Adotamos, assim, a classificação quinária das sentenças. Essa classificação tem importância especialmente didática, porquanto é sabido que, na prática, as sentenças contêm comandos mistos, ou seja, declaratórios, constitutivos, condenatórios ou mandamentais. A sentença que declara a existência da relação empregatícia, por exemplo, condena o réu em custas e demais despesas processuais. Na sentença que condena o réu a indenizar danos materiais ou morais, há a declaração relativa ao direito violado e a constituição da respectiva obrigação.

Pode-se dizer, assim, que a classificação das sentenças definitivas leva em conta o seu conteúdo preponderante. É dizer que as sentenças definitivas são predominantemente condenatórias, constitutivas, declaratórias, mandamentais ou executivas lato sensu.

5.4.1. Sentença declaratória

Em todas as ações de conhecimento, existe um acertamento, ou seja, uma declaração acerca do objeto do processo. Daí se denominarem também ações de acertamento, pois nelas são proferidas decisões que reconhecem a existência e a certeza de um direito. Diz-se que é declaratória (ou meramente declaratória) a sentença que se limita a declarar a existência ou inexistência de uma relação jurídica ou autenticidade ou falsidade de um documento.

Com efeito, dispõe o art. 4º do CPC, aplicável ao processo do trabalho por força do art. 769 da CLT, que o interesse do autor pode limitar-se à declaração: I – da existência ou da inexistência de relação jurídica; II – da autenticidade ou falsidade de documento.

O nosso sistema processual admite a ação declaratória, ainda que tenha ocorrido a violação do direito (CPC, art. 4º, parágrafo único). A SBDI-1 do TST editou a OJ n. 276, segundo a qual é “incabível ação declaratória visando a declarar direito à complementação de aposentadoria, se ainda não atendidos os requisitos necessários à aquisição do direito, seja por via regulamentar, ou por acordo coletivo”. Vale dizer, não cabe ação declaratória visando à declaração de um direito (relação jurídica) se o reconhecimento deste ainda depende da satisfação de alguma condição.

Na verdade, são sentenças declaratórias não apenas as que julgam procedente pedido inscrito em ação exclusivamente declaratória, como também as proferidas em quaisquer outras ações condenatórias ou constitutivas. Afinal, em todas as sentenças há um conteúdo declaratório.

Em todas as ações cujos pedidos são julgados procedentes ou improcedentes, há, de forma implícita, uma declaração positiva ou negativa, na medida em que é preciso que o juiz, preambularmente, acerte o direito em questão para, ao depois, extrair desse direito as consequências impostas pela sentença.

Cumpre advertir que a sentença de improcedência do pedido será sempre declaratória (ou declaratória negativa), ainda que a ação seja constitutiva ou condenatória.

No processo do trabalho, são declaratórias as sentenças que reconhecem a existência de relação empregatícia entre autor e réu[518]. Na prática, porém, o pedido não se limita à declaração de reconhecimento do vínculo de emprego, pois o autor também formula pedidos condenatórios correspondentes às verbas trabalhistas contratuais ou rescisórias de que alega ser credor.

Os efeitos da sentença declaratória são ex tunc, isto é, retroagem no tempo à data da celebração da relação jurídica reconhecida judicialmente.

5.4.1.1. Sentença que declara a inexistência de relação empregatícia

Outra questão muito debatida nos domínios do processo do trabalho é a que diz respeito à sentença que, reconhecendo a inexistência de vínculo empregatício entre autor e réu, declara o primeiro “carecedor da ação” por ilegitimidade ativa ad causam.

A nosso sentir, não obstante conste do dispositivo da sentença a extinção do feito sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC, parece-nos que, se houve necessidade de instrução probatória para tal conclusão, deve-se interpretar a sentença como definitiva (CPC, art. 269, I).

A questão não é meramente cerebrina, pois, se se admite a sentença terminativa, poderá o autor, após seu trânsito em julgado, ajuizar novamente a mesma ação quantas vezes quiser. Mas, se a opção for pela sentença definitiva, com o seu trânsito em julgado, restará apenas a ação rescisória como única possibilidade de modificá-la.

Reconhecendo tratar-se de sentença definitiva aquela que não reconhece a existência de relação empregatícia, recolhemos o seguinte julgado:

A decisão que, após exame de fatos e provas, conclui não ter havido relação de emprego entre o Reclamante e a Reclamada, extingue o processo com exame de mérito, ainda que adote como desfecho o da “carência de ação”, sendo passível, portanto, de reexame em “ação rescisória”. Se assim não se entender, aberta estará a possibilidade de ajuizamento de novas ações idênticas, pelo mesmo Autor da ação primitiva (TST ROAR 66875/92.7, Ac. SBDI2, 103/97, 18-2-97, rel. Min. Manoel Mendes de Freitas, in Revista LTr 61-05/661).

Em sentido contrário, isto é, reconhecendo que é terminativa a sentença que não reconhece vínculo empregatício, colacionamos o seguinte julgado:

NEGATIVA DA EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE EMPREGO. MÉRITO DA QUESTÃO INCIDENTAL POSTA PELA RECLAMADA. DECLARAÇÃO DE CARÊNCIA DA AÇÃO. PRELIMINAR ARROLADA NO ARTIGO 301 DO CPC. CARÊNCIA DA AÇÃO E MÉRITO NÃO SE CONFUNDEM. Primeiramente, e com a devida vênia, deve-se considerar que não se pode rejeitar o pedido de carência da ação, argumentando-se que “a existência ou não da relação de emprego diz respeito ao mérito e em seus contornos será analisada”, porque esta existência da relação de emprego, realmente, é mérito da questão incidental a que se refere o artigo 5º do CPC, e não ao mérito do pedido. E, se for admitida a existência da relação de emprego entre reclamante e reclamado, passa-se ao julgamento dos pedidos contidos na peça de ingresso. Caso contrário, declarando-se que o reclamante não era empregado da empresa, o seu pedido de pagamento de direitos trabalhistas enfrenta a sua impossibilidade jurídica de ser deferido, sendo considerado carecedora da ação trabalhista. Assim, examina-se, incidentalmente, a existência, ou não da relação de emprego – de trabalho subordinado – declarado pela reclamada como inexistente (TRT 3ª R., RO 00428-2005-039-03-00-8, 2ª T., Rel. Des. Hegel de Brito Boson, DJMG 17-8-2005).

5.4.1.2. Declaração incidental de existência de relação jurídica litigiosa

Outra questão que a Justiça do Trabalho passou a enfrentar a partir da EC n. 45/2004 é a que diz respeito à declaração incidental de existência ou inexistência de relação empregatícia, quando o réu pede seja o autor declarado carecedor da ação pelo fato de ser trabalhador autônomo.

Sabe-se que, se no curso do processo tornar-se litigiosa relação jurídica de cuja existência ou inexistência depende o julgamento da lide, qualquer das partes poderá requerer que o juiz a declare por sentença (CPC, art. 5º). Nesse sentido:

PRESCRIÇÃO. RELAÇÃO JURÍDICA LITIGIOSA. A contagem do prazo fica condicionada à prova das alegações de ambas as partes e não apenas ao que se alegou na inicial. Quando a relação jurídica é controvertida quanto à data do término, não basta, para efeito de contagem da prescrição, tomar a data alegada pelo trabalhador na petição inicial. Há de ser considerada também a data alegada na contestação, tendo em vista o que dispõe o art. 5º do CPC (“Se, no curso do processo, se tornar litigiosa relação jurídica de cuja existência ou inexistência depender o julgamento da lide, qualquer das partes poderá requerer que o Juiz a declare por sentença”). O resultado da prova é que irá definir, preliminar e incidentalmente, até quando durou a relação jurídica, para efeito de contagem da prescrição (TRT 2ª R., RO 00441.2003.271.02.00-5, 9ª T., Rel. Des. Luiz Edgar Ferraz de Oliveira, j. 3-8-2006, DO 18-8-2006).

VÍNCULO EMPREGATÍCIO. NÃO ACOLHIMENTO. CARÊNCIA DA AÇÃO. QUESTÃO INCIDENTAL RELATIVA À RELAÇÃO JURÍDICA DE TRABALHO. MÉRITO. A reclamada arguiu que o reclamante fosse declarado carecedor da ação trabalhista, pelo fato de não ser empregado seu, tendo prestado, nos seus dizeres, trabalhos em condição de autonomia, e, portanto, sem vínculo de emprego. Neste caso, tratando-se de pedido de pagamento oriundos do contrato de trabalho regido pela CLT, há de se apurar, incidentalmente, a teor do que preceitua o artigo 5º do Código de Processo Civil, se havia relação jurídica de emprego para se determinar o alcance da decisão trabalhista. E, para se examinar a condição de empregado – a existência da relação jurídica a que se refere o referido artigo 5º do CPC –, deve-se adentrar no mérito desta questão, verificando a pessoalidade da prestação de serviço, a dependência econômica do trabalhador, a não eventualidade dos trabalhos realizados, e se foi mediante salário, a empregador, que assume os riscos do empreendimento e conduzindo a relação jurídica, impondo, por consequência, a dependência jurídica e a dependência econômica do prestador de serviços. Se neste mérito, sendo examinado, se concluir pela existência da relação de emprego regida pela CLT, ultrapassar-se-á a preliminar de carência da ação postulada, que será, obviamente, rejeitada e, em seguida, será examinada a lide, que é a pretensão resistida, culminando-se com a procedência ou a improcedência de tais pedidos. Se, por outro lado, no mérito da questão incidental – a existência da relação jurídica que embasa a pretensão resistida, a relação de emprego – o reclamante será julgado carecedor da ação trabalhista e o processo será julgado extinto, sem julgamento do mérito, sendo esta a penúltima das preliminares contidas no artigo 301, inciso X, do CPC. Portanto, não se fala em improcedência dos pedidos, que não são examinados, sendo imprópria a decisão neste sentido, porque se define direito para o qual a Justiça do trabalho não teria competência para julgar. Não teria, porque, agora, conforme a nova redação do artigo 114 da Constituição da República, conferida pela Emenda à Constituição n. 45, de 2004, cabe a esta Especializada decidir também sobre os termos que a reclamada arguiu na sua contestação. E, decidindo pela improcedência dos pedidos, porque o trabalhador não seria empregado, estar-se-ia conferindo eficácia de coisa julgada à sentença proferida por juiz incompetente – antes da alteração da redação do artigo 114 da CRF – ou, agora, pior, improcedência de pedido, pela própria Justiça do Trabalho, que tem, por força da nova norma da Lei Maior, competência para dizer sobre tais direitos, ainda que o laborista não detenha a condição de empregado. Portanto, não se fala em improcedência do pedido, quando, havendo relação de trabalho, não seja o trabalhador empregado. No máximo, a carência da ação trabalhista com base no texto da CLT (TRT 3ª R., RO 00408-2005-058-03-00-5, 2ª T., Rel. Luís Felipe Lopes Boson, DJMG 13-7-2005).

ACIDENTE DE TRABALHO: DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE VÍNCULO DE EMPREGO: POSSIBILIDADE: CPC, ART. 5º. Não há nulidade na sentença que declara, em caráter incidental, a existência do vínculo de emprego para o exame do pedido de indenização por acidente de trabalho, ainda quando inexistente pedido pela parte obreira para o reconhecimento, se da controvérsia emerge a questão e existe explícito pedido da defesa no sentido de declaração negativa, concernente à inexistência do vínculo como pressuposto para desoneração da responsabilidade do art. 7º, XXVIII, da Constituição. O art. 5º do CPC admite que o Juiz possa declarar incidentalmente a existência ou inexistência de situação necessária ao exame da controvérsia principal, quando assim provocada por qualquer das partes envolvidas, não resultando, da sentença que assim proceda, nulidade, porque resolvida a lide nos limites impostos pelas partes, ainda que decidindo em contrário à tese autoral ou de resistência dos réus. ACIDENTE DE TRABALHO: CULPA PATRONAL. Considerada a cooperativa como verdadeira empresa e assim reconhecido o vínculo de emprego, possível o exame da responsabilidade por acidente de trabalho ante culpa para a ocorrência do evento, ainda que sem dolo, por conta de negligência, imperícia ou imprudência para as condições de segurança no ambiente de trabalho, como nexo causal necessário, nos termos do art. 7º, XXVIII, da Constituição. A existência de pensão previdenciária não se confunde com o pensionamento correspondente à indenização material, condizente com valor que perceberia em vida para o sustento próprio e de seus familiares, enquanto sob dependência econômica, nem inibe a indenização por danos morais, concomitantemente, decorrente da dor íntima no âmbito da família do obreiro falecido, sendo razoável o estabelecimento, pelo Juiz, de exigência para o devedor constituir fundo com capital suficiente a garantir o pensionamento devido aos herdeiros, nos termos do anterior art. 602 do CPC (atual art. 475-Q do CPC). Caso concreto: queda de trabalhador de cobertura de edifício, com morte, considerada a negligência na fiscalização das condições de segurança por falta de cinto de segurança e guarda-corpo no edifício em construção: procedência do pedido de indenização e de pensão vitalícia, com razoabilidade dos valores e parâmetros fixados. ACIDENTE DE TRABALHO: EMPREITADA: RESPONSABILIDADE. O tomador dos serviços, construtora, atua como empreiteira para a consecução da obra sob sua responsabilidade, resultando responsabilidade nos termos do art. 455 da CLT e da OJ-191/TST-SDI-1, inclusive quanto à indenização e pensionamento por acidente de trabalho ocorrido em relação a operário que lhe prestava serviços como terceirizado. Preliminares rejeitadas. Recursos das Rés desprovidos (TRT 10ª R., RO 01014-2005-018-10-85-0, 2ª T., Rel. Des. Alexandre Nery de Oliveira, j. 15-8-2007, DO 6-9-2007).

AÇÃO DECLARATÓRIA INCIDENTAL. PERDA DO OBJETO. A pretensão de declaração incidental de regularidade da relação cooperativista é diretamente contrária ao vínculo de emprego reconhecido no processo principal. Logo, houve sua perda de objeto. Sentença que extinguiu a ação declaratória incidental, por carência de ação, que se mantém (TRT 4ª R., RO 01064-2003-016-04-00-2, 5ª T., Rel. Des. Leonardo Meurer Brasil, j. 29-9-2005, DO 19-10-2005).

5.4.1.3. Declaração incidental de inconstitucionalidade exercida por juiz singular

Como é sabido, o controle de constitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público no sistema constitucional brasileiro pode ser exercido na forma concentrada ou na forma difusa.

O controle concentrado é exercido monopolisticamente pelo Supremo Tribunal Federal, por meio das seguintes ações de sua competência originária: ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade (CF, art. 102, I, a), ADC – Ação Declaratória de Constitucionalidade (idem), ADPF – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (CF, art. 102, § 1º), ADI por omissão (CF, art. 103, § 2º) ou ADI interventiva (CF, art. 36, III).

Já o controle difuso, também chamado de controle repressivo, é exercido pela via da exceção ou defesa. Por isso mesmo, o controle difuso é aberto, porquanto exercido por qualquer juiz ou tribunal do Poder Judiciário, observando-se as regras de competência funcional.

Interessa-nos aqui o controle difuso, que é exercido por um juiz do trabalho diante de um caso concreto que exige uma declaração incidenter tantum (declaração incidental no curso do processo), prejudicialmente ao exame do mérito (pedido). A declaração incidental de inconstitucionalidade pode ser proferida de ofício pelo juiz ou a requerimento do autor, réu ou terceiro juridicamente interessado.

Vamos a um exemplo.

Se o autor, servidor público celetista municipal, pede o pagamento de uma vantagem criada por lei municipal cuja iniciativa não fora do prefeito, o juiz pode, de ofício ou a requerimento do réu, declarar incidentalmente a inconstitucionalidade da referida lei com fundamento no art. 61, § 1º, a, da CF, pois a iniciativa das leis que impliquem aumento de remuneração dos servidores é de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo Federal, Estadual ou Municipal.

Nos tribunais, a competência para o controle difuso de constitucionalidade é atribuído ao Tribunal Pleno ou a um Órgão Especial, sendo exigido um quórum específico: a maioria absoluta dos membros do Tribunal Pleno ou Órgão Especial (CF, art. 97; Súmula Vinculante STF 10).

5.4.2. Sentença constitutiva

Sentença constitutiva é aquela que julga procedente uma ação constitutiva. Diz-se que uma ação é constitutiva quando tem por objeto criar, modificar ou extinguir determinada relação jurídica. Ex.: divórcio, anulação de casamento, falência, interdição etc.

No processo do trabalho, são exemplos de sentenças constitutivas as que julgam procedente pedido de rescisão indireta (CLT, art. 483), autorizam a resolução do contrato de trabalho do empregado portador de estabilidade ou garantia no emprego (CLT, art. 494) etc.

Em geral, as sentenças constitutivas produzem efeitos ex nunc, isto é, a partir do seu trânsito em julgado, mas a lei pode dispor diferentemente. No processo do trabalho, por exemplo, a sentença que anula a transferência de um empregado produz efeitos retroativos à data em que houve a alteração contratual, uma vez que o art. 9º da CLT considera nulos os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos direitos materiais trabalhistas.

5.4.3. Sentença condenatória

Sentença condenatória é a que julga procedente o pedido inscrito em uma ação condenatória. Tecnicamente, a expressão “sentença condenatória” só deveria ser usada na ação condenatória. Todavia, no quotidiano forense ela tem sido observada no decisum (parte dispositiva) da sentença proferida em qualquer tipo de ação. Isso ocorre porque, via de regra, a sentença, ainda que proferida em ação meramente declaratória, condena a parte sucumbente a pagar despesas processuais, como custas, honorários advocatícios, honorários periciais etc.

São condenatórias as sentenças que impõem ao vencido uma obrigação de satisfazer o direito reconhecido judicialmente. As obrigações impostas ao vencido nas sentenças condenatórias podem ser de: fazer, não fazer, entregar ou pagar quantia (CPC, art. 475-I).

As sentenças condenatórias são as mais usuais no processo do trabalho, como, por exemplo, a que condena o réu a pagar horas extras, salários em atraso, férias etc. Por isso mesmo as sentenças condenatórias, em regra, produzem efeitos ex tunc, isto é, retroagem à data da violação do direito.

5.4.4. Sentenças mandamentais e executivas lato sensu

Embora a doutrina tradicional do processo não reconheça a classificação quinária das sentenças de conhecimento, sob o fundamento de que a sentença condenatória já abrangeria o que se reconhece hoje como sentença mandamental ou sentença executiva lato sensu, valemo-nos das lúcidas palavras de Sérgio Torres Teixeira, para quem:

sentença mandamental se aproxima, mas não se confunde com a sentença executiva lato sensu. Ambas guardam estreitas semelhanças em virtude da natureza auto-operante dos respectivos provimentos jurisdicionais, prescindindo de posterior processo de execução ex intervallo. Distinguem-se, contudo, quanto ao objeto imediato da respectiva tutela jurisdicional. Na decisão executiva em sentido amplo, o objetivo é entregar o bem litigioso ao credor, proporcionando transformações no plano empírico mediante a transferência do domínio da coisa litigiosa. Almeja, portanto, a passagem para a esfera jurídica do vencedor aquilo que deveria estar lá (mas não está). Há, pois, atividade essencialmente executiva na sua operação: retirar do patrimônio do sucumbente o bem e transferir esta para a órbita material do credor. Na sentença mandamental, por outro lado, o objeto imediato é a imposição de uma ordem de conduta, determinando a imediata realização de um ato pela parte vencida ou sua abstenção quanto a certa prática. Atua sobre a vontade do vencido e não sobre o seu patrimônio, utilizando medidas não propriamente executivas, no sentido técnico do termo, mas meios para pressionar psicologicamente o obrigado a satisfazer a prestação devida e, com isso, cumprir o comando judicial emitido pelo Estado-Juiz[519].

Tais sentenças, é bem de ver, não podem ser adequadamente inseridas na classificação trinária, pois, a rigor, não são tipicamente declaratórias, constitutivas ou condenatórias.

Com efeito, o moderno direito processual civil, seguindo as tendências de ampliação de acesso à justiça e da instituição de um “processo de resultados”, passou a admitir a existência de sentenças mandamentais, como as previstas nas ações de mandado de segurança, habeas data e habeas corpus, bem como as previstas nos arts. 461, § 4º, e 461-A, do CPC. Essas sentenças contêm uma ordem, uma determinação, dirigida à autoridade impetrada ou ao réu para que faça ou deixe de fazer alguma coisa.

Lembra Ada Pellegrini Grinover que: “O artigo 84 do Código de Defesa Consumidor e, agora, o artigo 461 do Código de Processo Civil demandam uma profunda revisão da crítica à existência da sentença mandamental, hoje realidade incorporada ao processo civil comum”[520].

Destarte, na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento, sendo certo que o juiz poderá, na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.

Além disso, foram positivadas em nosso ordenamento as sentenças executivas lato sensu, pois, nas ações que tenham por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz poderá, na sentença, se procedente o pedido, determinar providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento, independentemente da instauração de um processo de execução. É o que ocorre, por exemplo, com as sentenças previstas nos arts. 461, § 5º, e 461-A, do CPC. Estas normas facultam ao juiz, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, determinar, de ofício ou a requerimento, as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.

As referidas normas, tendo em vista a lacuna normativa da CLT e a perfeita compatibilidade com a principiologia do processo do trabalho, podem e devem ser amplamente utilizadas na Justiça Obreira.

5.5. Colusão ou lide simulada

Há outra hipótese de sentença terminativa que está prevista não no art. 267 do CPC, mas no art. 129 do mesmo Código, in verbis:

Convencendo-se, pelas circunstâncias da causa, de que o autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim proibido por lei, o juiz proferirá sentença que obste aos objetivos das partes.

Na verdade, essa forma de extinção do processo sem resolução do mérito está autorizada no inciso XI do próprio art. 267 do CPC. Trata-se, pois, de uma categoria especial de sentença normativa. Nesse sentido:

LIDE SIMULADA – 129 CPC – EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. Cumpre ao Juiz evitar a prática de ato simulado, tal como a conciliação pretendida pelas partes, com fulcro no disposto no artigo 129 do CPC, que estabelece que se convencendo, pelas circunstâncias da causa, de que autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim proibido por lei, o juiz proferirá sentença que obste aos objetivos das partes. Com isso, não há razões que justifiquem a reforma da r. sentença que extinguiu o feito sem resolução de mérito face em virtude da comprovação de lide simulada (TRT-9ª R., RO 542-2009-91-9-0-1, Rel. Des. Luiz Celso Napp, 4ª T., DO 18-5-2010).

RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA – CONLUIO – FRAUDE – SIMULAÇÃO DE RECLAMATÓRIA TRABALHISTA. Ação rescisória movida pelo Ministério Público do Trabalho, na qual resta evidenciado terem as partes engendrado ação trabalhista, utilizando-se do processo judiciário com o intuito manifesto de, em fraude à lei, constituir título executivo privilegiado, em detrimento de direitos de terceiros. A relação de parentesco próximo entre o reclamante e a reclamada na ação trabalhista originária – respectivamente, pai e filho – que indica, concomitantemente com outros elementos de convicção, entre eles o desinteresse da executada na sua defesa, a colusão que reclama desconstituição mediante rescisória. Pleito rescisório nos termos do art. 485, inciso III, do CPC, acolhido pelo juízo a quo, com a desconstituição da sentença de conhecimento proferida nos autos da reclamatória trabalhista e novo julgamento com extinção do processo, a teor do disposto no art. 129 do CPC. Recurso ordinário conhecido e desprovido (TST-ROAR 3500-95.2008.5.10.0000, Rel. Min. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, SBDI-2, DEJT 11-11-2011).

A jurisprudência majoritária, não obstante, vem interpretando o preceptivo em causa como hipótese de extinção do feito sem resolução do mérito por carência do direito de ação, combinando, assim, o art. 129 com o inciso VI do art. 267 do CPC. É o que se infere dos seguintes julgados:

AÇÃO RESCISÓRIA. COLUSÃO. LIDE SIMULADA. Uma vez comprovado que autor e réu formularam acordo perante a Justiça do Trabalho com a específica finalidade de salvaguardar imóvel de propriedade do demandado, há que se acolher a ação rescisória ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho para desconstituir a sentença homologatória de acordo proferida na reclamatória trabalhista, extinguindo-a sem julgamento do mérito, nos termos dos artigos 129, 267, VI e 485, III, do CPC. Pedido rescisório que se julga procedente (TRT 23ª R., AR 00292.2009.000.23.00-1, TP, Rel. Des. Beatriz Theodoro, DEJT 29-3-2010).

LIDE SIMULADA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. Havendo fortes indícios que as partes se utilizaram de processo simulado com o intuito de atingir fim ilícito, desviando o exercício da prestação jurisdicional de sua finalidade que é a resolução de conflitos de interesses, deve ser mantida a sentença que concluiu pela ocorrência de lide simulada e extinguiu o feito sem resolução do mérito, com espeque no art. 129 c/c art. 267, VI, ambos do CPC. Recurso ordinário conhecido e não provido (TRT-16ª R., RO 00078-2011-021-16-00-9, Rel. Des. Alcebíades Tavares Dantas, DO 21-9-2011).

SIMULAÇÃO DA LIDE – AUSÊNCIA DE LEGÍTIMO INTERESSE PROCESSUAL – APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 129 E 267, VI, DO CPC – Constatado que a ação trabalhista tratou-se de lide simulada entre as partes, com o propósito de lesar os direitos trabalhistas da reclamante (a qual prestou serviços ao Município através da APMI), compete ao juiz, nos termos do art. 129 do CPC, obstar os efeitos pretendidos pelas partes que agem em conluio. Portanto, correto o Juízo “a quo” que proferiu sentença que obstou os objetivos das partes e extinguiu o processo sem julgamento do mérito, nos termos do artigo 267, VI, do CPC (TRT-9ª R., RO 478-2009-91-9-0-9, Rel. Des. Sérgio Murilo Rodrigues Lemos, 4ª T., DO 31-8-2010).

LIDE SIMULADA. Comprovado nos autos que a propositura da presente ação trabalhista teve como objetivo a colusão entre as partes, a fim de causar prejuízo a terceiro, bem como fraudar a aplicação da lei, correta a r. sentença originária que declarou o autor carecedor de ação e, por conseguinte, julgou extinto o processo sem resolução do mérito, de acordo com o inciso VI do art. 267 c/c art. 129, ambos do CPC (TRT-10ª R., RO 00203-2012-821-10-00-0 RO, Rel. Des. Maria Regina Machado Guimarães, 2ª T., DEJT 1º-3-2013).

5.6. Sentença e termo de conciliação

No âmbito do processo do trabalho, existe cizânia doutrinária e jurisprudencial acerca da natureza do termo de conciliação previsto no art. 831, parágrafo único, da CLT.

Alguns o equiparam à sentença de mérito, a teor do art. 269, III, do CPC, uma vez que, na literalidade do preceptivo em causa, o termo de conciliação “valerá como decisão irrecorrível”, desafiando, apenas, ação rescisória, nos estreitos limites dessa ação especial, como já firmou jurisprudência o TST (Súmula 259), “salvo para a Previdência Social quanto às contribuições que lhe forem devidas”, como ressalta a parte final do parágrafo único do art. 831 da CLT, com redação dada pela Lei n. 10.035/2000.

Outros mencionam que o termo de conciliação não corresponde à sentença de mérito, pois o Judiciário não apreciou a lide, isto é, não houve pronunciamento judicial acerca do pedido, mas mera administração judicial de interesses privados. Para os defensores dessa corrente, o termo de conciliação seria mero ato processual de jurisdição voluntária, com o que, “em ação ordinária, poder-se-á discutir o alcance do conteúdo e rescindir o ato jurídico que não constitui coisa julgada”[521].

Interessante e fecunda é a posição de Elaine Noronha Nassif, para quem a conciliação é o “negócio jurídico homologado pelo juiz, resultante de um procedimento autônomo em relação ao processo oral e informal do qual pode ter ou não participado o juiz, empregando ou não seus bons ofícios e persuasão. O conceito de conciliação judicial, tal como disposto pelo ordenamento jurídico brasileiro é: o procedimento irritual, oral e informal, realizado antes ou depois de instaurado o processo (contraditório), com vistas a buscar uma solução da controvérsia fora da jurisdição e do processo, mediante a elaboração de um acordo que, após homologado por despacho, substitui eventual medida cautelar ou sentença, faz coisa julgada imediata e adquire a qualidade de título executivo judicial”[522].

Vê-se, assim, que, independentemente da natureza jurídica do termo de conciliação, o certo é que ele adquire a qualidade de coisa julgada em relação às partes que figuraram na relação jurídica processual cognitiva e a força de título executivo judicial. Nesse sentido:

... ACORDO HOMOLOGADO EM JUÍZO – EFEITOS – CARACTERIZAÇÃO DE COISA JULGADA – NÃO PROVIMENTO DA REVISTA. Segundo preceitua o art. 831, parágrafo único, da CLT, a sentença homologatória de acordo firmado em juízo tem força de decisão irrecorrível. Assim, os limites fixados no termo de acordo, a partir da livre manifestação de vontade das partes, devem ser estritamente observados, sob pena de violação direta à coisa julgada. Prevendo o acordo firmado a quitação geral de todas as parcelas relativas ao extinto contrato de trabalho, revela-se acertada a decisão firmada pela instância regional que declarou a extinção do processo sem exame do mérito. Revista conhecida e não provida (TST, RR 495958, 1ª T., Rel. Min. Conv. Maria de Assis Calsing, DJU 7-11-2003).

RECURSO DE REVISTA DOS RECLAMANTES JOSÉ ALAIR E LUIZ JOSÉ. COISA JULGADA – QUITAÇÃO TOTAL DO CONTRATO DE TRABALHO – DIREITO ÀS DIFERENÇAS DO ACRÉSCIMO DA MULTA DE 40% SOBRE O FGTS – EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. O termo de conciliação, assinado pelas partes e homologado pelo juiz equivale à sentença, a teor do artigo 448 do Código de Processo Civil, e conforme o artigo 831 da Consolidação das Leis do Trabalho, trata-se de decisão irrecorrível. A transação produz entre as partes coisa julgada material, somente podendo ser atacada por ação rescisória, em face de dolo, violência ou erro essencial. Lei posterior, no caso a Lei Complementar n. 110, promulgada depois do trânsito em julgado da decisão judicial homologatória, não pode retroagir para alterar as condições do acordo, sem ofensa ao artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal, que dispõe: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Recurso de revista conhecido e desprovido (...) (TST-RR 513/2004-111-03-00.8, 2ª T., Rel. Min. Renato de Lacerda Paiva, DEJT 19-11-2009).

ACORDO JUDICIAL – IRRECORRIBILIDADE. O parágrafo único do art. 831/CLT estabelece que, “no caso de conciliação, o termo que for lavrado valerá como decisão irrecorrível”. Assim dispondo, o legislador deixou claro que pretendeu conferir ao termo de conciliação lavrado e homologado em juízo a eficácia da coisa julgada. Por isso mesmo, aliás, dispõe a Súmula 259/TST: Só por ação rescisória é atacável o termo de conciliação previsto no parágrafo único do art. 831 da Consolidação das Leis do Trabalho (TRT 3ª R., AP 1402/2007-112-03-00.8, 8ª T., Rel. Juíza conv. Ana Maria Amorim Rebouças, DEJT 5-6-2009).

5.7. Requisitos essenciais da sentença

M. P. Fabreguettes escreveu que uma sentença deve ser completa, clara e concisa. É o que se chama de teoria dos três “c”[523].

No processo do trabalho, o art. 832 da CLT dispõe expressamente sobre os elementos que devem constar da sentença. São eles:

o nome das partes;

o resumo do pedido e da defesa;

a apreciação das provas;

os fundamentos da decisão;

a respectiva conclusão.

Já o art. 458 do CPC disciplina os requisitos essenciais da sentença nos seguintes termos:

Art. 458. São requisitos essenciais da sentença:

I – o relatório, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da resposta do réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;

II – os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;

III – o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões, que as partes lhe submeterem.

A interpretação lógica do art. 832 da CLT autoriza-nos a dizer que os requisitos constantes das alíneas a e b supra equivalem ao relatório (inciso I do art. 458 do CPC); os das letras c e d, aos fundamentos (inciso II), e a “conclusão” (letra e) corresponde ao dispositivo (inciso III).

5.7.1. Relatório

No relatório, deve constar o nome das partes. Em se tratando de ações individuais plúrimas, todos os litisconsortes devem estar nominados. Na substituição processual, a parte é o substituto processual, e não o substituído, razão pela qual não há necessidade da identificação destes últimos, malgrado o entendimento jurisprudencial consubstanciado na já cancelada Súmula 310, V, do TST, que, a nosso ver, acabava por descaracterizar o instituto e, o que é mais grave, impedia ou dificultava o amplo acesso coletivo dos trabalhadores à Justiça, ante o temor de perderem o emprego em virtude de sua identificação nos autos do processo, além de estarem vulneráveis a pressões para “desistirem” da ação.

O relatório ou histórico da sentença tem por objetivo registrar o objeto da lide, com o resumo do pedido e da resposta, bem como as principais ocorrências processuais, como provas, propostas de conciliação, razões finais etc. Também objetiva a comprovação de que o juiz examinou e estudou as questões discutidas nos autos, sendo essa, segundo a doutrina, a função mais importante do relatório.

Observa José Augusto Rodrigues Pinto que, na atualidade,

marcada pela técnica redutora da informática, o relatório deve deixar de lado o papel de repetidor do texto dos autos, para assumir o de índice de seus componentes, facilitando a localização das peças fundamentais[524]

No processo do trabalho, a prática tem demonstrado que os relatórios geralmente não observam o comando legal (CLT, art. 832), o que tem gerado a proliferação de recursos nos quais são arguidas preliminares de nulidade do julgado por ausência de prestação jurisdicional completa, retardando, assim, a entrega desta última.

Em se tratando de ação sujeita ao procedimento sumaríssimo, a lei dispensa-o expressamente (CLT, art. 852-I), não obstante o juiz seja obrigado, na sentença, a fazer constar “o resumo dos fatos relevantes ocorridos na audiência”, o que não deixa de ser, a nosso ver, uma forma sintética de relatório, que, via de regra, acaba ficando implícito na fundamentação.

Sentença sem relatório, salvo se for prolatada em procedimento sumaríssimo, é nula de pleno direito, tendo em vista o caráter imperativo do art. 832 da CLT, combinado com o art. 458, I, do CPC. Nesse sentido, recolhemos o seguinte julgado:

1. RITO – CONVOLAÇÃO DE ORDINÁRIO PARA SUMARÍSSIMO – MOMENTO PROCESSUAL – 2. SENTENÇA – ELEMENTOS ESSENCIAIS – AUSÊNCIA – NULIDADE. 1. A convolação de rito ordinário para o sumaríssimo somente por ocasião da prolação da sentença, resulta equivocada, fugindo totalmente à mens legis. 2. Estando evidenciado que o processo se constituiu e se desenvolveu validamente sob o rito ordinário, mostra-se nula de pleno direito, por ofensa ao art. 832 da CLT e art. 458 do CPC, a sentença proferida sem relatório. 3. Recurso que se conhece como sendo de rito ordinário. Nulidade da sentença que se declara com determinação de retorno dos autos à douta Vara de origem para que outra seja prolatada, observando-se o rito em que se desenvolveu o processo (TRT 21ª R., RO 04-04437-00-0, Ac. 36.480, rel. Juiz Carlos Newton Pinto, DJERN 30-5-2001).

5.7.2. Fundamentação

A fundamentação ou motivação constitui a base intelectual da sentença ou as razões de decidir do magistrado. Nela, o juiz revela todo o raciocínio desenvolvido acerca da apreciação das questões processuais, das provas produzidas e das alegações das partes, que são os dados que formarão o alicerce da decisão.

A fundamentação de toda e qualquer decisão judicial, seja sentença terminativa ou definitiva, seja decisão interlocutória, ostenta dignidade de garantia constitucional, porquanto encontra residência expressa no art. 93, IX, da CF. Sua inobservância implica nulidade absoluta da decisão judicial.

Há, na fundamentação, uma ordem lógica que deve nortear o enfrentamento das questões fáticas e jurídicas, ainda que não tenham sido suscitadas pelas partes.

Assim, devem ser objeto de exame circunstanciado na fundamentação: em primeiro lugar, os pressupostos processuais (de constituição e de desenvolvimento); em seguida, as condições da ação (possibilidade jurídica do pedido, legitimação das partes e interesse processual); depois, as questões prejudiciais de mérito (prescrição, decadência), e, por último, o mérito propriamente dito, ou seja, o pedido, a lide, o objeto litigioso.

A ausência de motivação ou fundamentação enseja negativa de prestação jurisdicional, consoante iterativa e atual jurisprudência do TST:

NULIDADE – NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL – ACÓRDÃO – FUNDAMENTAÇÃO – DEFICIÊNCIA. Os arts. 93, IX, da Constituição e 832 da CLT impõem ao Poder Judiciário o dever de fundamentar suas decisões. Cabe ao magistrado expor os fundamentos fáticos e jurídicos que geraram sua convicção exteriorizada no decisum, mediante análise circunstanciada das alegações formuladas pelas partes. No âmbito da instância extraordinária, revela-se ainda mais imperioso o fato de a fundamentação ser explícita e detalhada, ante a imprescindível necessidade do prequestionamento da matéria e igualmente porque não pode o juízo ad quem conhecer do recurso fora da realidade retratada pelo juízo a quo (Súmulas ns. 297 e 126 do TST). A persistência da omissão, pelo julgador, mesmo após a oposição de oportunos embargos declaratórios, interpostos com objetivo de ver definida a moldura fático-jurídica de aspectos relevantes da lide, constitui vício de procedimento que implica a nulidade da decisão proferida, ante a caracterização de inequívoca negativa de prestação jurisdicional. Recurso de embargos provido (TST ERR 375573, SBDI-1, Rel. Min. Milton de Moura França, DJU 21-9-2001, p. 393).

NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL – AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO – NULIDADE CARACTERIZADA. A decisão judicial carente de fundamentação é nula, porque deixa de observar as regras dos arts. 832 da CLT, 458 do CPC ou 93, IX, da CF. No caso, nenhum dos argumentos de natureza fática foi examinado pelo TRT, não obstante a oposição de embargos declaratórios, nos quais se esgrimiram os elementos fáticos que assegurariam o direito. Assim, considerando que o TRT permaneceu silente sobre questões fáticas e insuscetíveis de revisão por esta Corte, a teor da Súmula n. 126 do TST, impõe-se o acolhimento da prefacial de nulidade. Recurso de revista provido (TST-RR 154100-71.1996.5.05.0006, Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho, 4ª T., DJ 3-2-2006).

No mesmo sentido:

NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NULIDADE DA SENTENÇA. Nula é a sentença, por ausência de fundamentação (CF/88, art. 93, IX), se o Juízo não se manifesta sobre questões de fato e de direito essenciais à solução da lide, suscitadas pela parte (TRT 17ª R., AP 134200-13.2007.5.17.0191, 1ª T., Rel. Des. Gerson Fernando da Sylveira Novais, DEJT 5-4-2010).

Alguns juízes, venia permissa, talvez por excesso de trabalho, sustentam que não são obrigados a examinar todas as questões suscitadas pelas partes, bastando apenas informar, na decisão, os motivos do seu convencimento. Exemplifica-se com o seguinte julgado:

NULIDADE DE SENTENÇA. Inicialmente, rejeita-se a arguição de nulidade, pois a sentença satisfaz as condições específicas, sendo inconsistente a alegação de ausência de prestação jurisdicional por parte do Colegiado de origem. Isso porque a sentença está corretamente fundamentada, e preencheu os requisitos impostos pelos arts. 458 do CPC e 832 da CLT. O raciocínio utilizado pela parte para tentar convencer o julgador não compõe a estrutura da decisão. Acrescente-se que a sentença não consiste em diálogo entre as partes, em que cada arguição do reclamante deva ser respondida com a fundamentação pretendida pela parte. A decisão efetivada resolveu a lide, sendo que os embargos de declaração apenas rejeitaram nova análise da matéria, decidida de acordo com o entendimento do julgador de origem (TRT 15ª R., RO 13443/01, ac. 48636/01, Rel. Juíza Elency Pereira Neves, DOESP 6-11-2001, p. 41).

Não é esse, segundo pensamos, o melhor procedimento a ser adotado, haja vista que a fundamentação exauriente traduz a verdadeira prestação jurisdicional e encerra garantia fundamental reconhecida a todo litigante em processo judicial. Entendimento contrário impede que a parte possa ter acesso amplo às Cortes Superiores, o que viola o princípio da ampla defesa. Nesse sentido, colacionamos julgados do STJ e do TST:

PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS DECLARATÓRIOS – REJEIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO – RECURSO ESPECIAL. 1. Buscando a efetiva deliberação do Tribunal, bem como prequestionar a matéria para eventual Recurso Especial, não é de se imputar descabidos os Embargos de declaração para tanto opostos. 2. A CF, art. 93, IX, exige a fundamentação de todos os decisórios judiciais, sob pena de nulidade. Prestação jurisdicional que deve ser a mais completa e imparcial possível. 3. Recurso Especial conhecido e provido, para cassar o Acórdão recorrido e determinar o retorno dos autos à origem, para apreciação das questões suscitadas nos Embargos Declaratórios (STJ REsp 268648, RJ, 5ª T., Rel. Min. Edson Vidigal, DJU 5-3-2001, p. 215).

FUNDAMENTAÇÃO – REQUISITO DE VALIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL – NECESSIDADE DE AVALIAÇÃO DE TODOS OS ARGUMENTOS REGULARMENTE OFERECIDOS PELAS PARTES LITIGANTES, SOB RISCO DE NULIDADE. A completa prestação jurisdicional se faz pela resposta a todos os argumentos regulares postos pelos litigantes, não podendo o julgador resumir-se àqueles que conduzem ao seu convencimento. A omissão quanto aos pontos relevados pelas partes pode conduzir a prejuízos consideráveis, não só pela possibilidade de sucesso ou derrota, mas também em face das imposições dos desdobramentos da competência funcional. O imperativo do prequestionamento, para acesso à instância extraordinária (Súmula n. 297 do TST), exige o pronunciamento judicial sobre todos os aspectos manejados pelas partes, em suas intervenções processuais oportunas, sob pena de se impedir a verificação dos pressupostos típicos do recurso de revista (CLT, art. 896), sem menção ao manifesto defeito de fundamentação (Constituição Federal, art. 93, IX; CLT, art. 832). Agravo de instrumento conhecido e provido. Recurso de revista provido (TST RR 684428, 2ª T., Rel. Min. Conv. Alberto Luiz Bresciani Pereira, DJU 24-5-2001, p. 427).

Registre-se que o STF, no julgamento do RE-222.368-PE, Rel. Ministro Celso de Mello, em 28 de fevereiro de 2002, com publicação no DJU de 8 de março de 2002, já decidiu que

o que a Constituição exige, no art. 93, IX, é que a decisão judicial seja fundamentada. Não, que a fundamentação seja correta, na solução das questões de fato ou de direito da lide: declinadas no julgado as premissas corretamente assentadas ou não, mas coerentes com o dispositivo do acórdão, está satisfeita a exigência constitucional (RTJ 150/269, Rel. Min. Sepúlveda Pertence).

É importante ressalvar, enfim, que todas as questões deduzidas ou suscitadas no processo devem ser apreciadas na fundamentação da sentença. Entretanto, o juiz não está obrigado a rebater teses jurídicas levantadas pelas partes:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AUSÊNCIA DE VÍCIOS. A teor do artigo 897-A da CLT, com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 9.957/00, bem como do art. 535 do CPC, revelam-se restritas as hipóteses de cabimento dos embargos declaratórios. Não se prestam os embargos de declaração para rebater questionamentos acerca de teses jurídicas (TRT 17ª R., RO 0126600-79.2010.5.17.0014, 3ª T., Rel. Des. Carlos Henrique Bezerra Leite, DEJT 4-8-2011).

5.7.3. Dispositivo

Dispositivo, conclusão ou decisum são expressões sinônimas empregadas para designar a parte final da sentença que será, posteriormente, coberta pelo manto da coisa julgada.

O decisum há de observar o princípio lógico ou da congruência[525].  Isso significa que a conclusão deve guardar rigorosa sintonia com as demais partes da sentença, ou seja, com as razões fáticas e jurídicas que conduziram o raciocínio do juiz e com os elementos noticiados no relatório.

É, pois, na conclusão que o juiz cumpre a sua função no processo de cognição, acolhendo ou rejeitando as pretensões das partes ou, ainda, declarando extinto o processo sem resolução do mérito.

Sentença sem dispositivo é mais que nula. É inexistente[526]. Essa assertiva é de fundamental importância para se aferir, por exemplo, a necessidade ou não de propositura de ação rescisória para a sua desconstituição.

O dispositivo, quanto à forma, pode ser direto ou indireto.

No dispositivo direto, o juiz exprime diretamente, com as suas próprias palavras, a conclusão da sentença, como, por exemplo: “... julgo procedente o pedido, para condenar o réu a pagar ao autor as diferenças salariais decorrentes do desvio de função, referentes ao período de 1º.1.1999 a 10.3.2000...”.

Já no dispositivo indireto, o juiz reporta-se ao pedido descrito na petição inicial, declarando-o procedente ou improcedente. Exemplo: “... julgo procedente o pedido formulado na alínea a do item 15 da petição inicial...”. Há casos em que o juiz simplesmente sentencia: “... julgo procedente a ação na forma do pedido”.

Pertinente, neste passo, a observação de Francisco Antonio de Oliveira, para quem:

o dispositivo indireto deve ser evitado por desmerecer o julgado e dificultar sobremaneira os demais atos posteriores, em especial a liquidação de sentença e a própria execução, obrigando a todos, inclusive ao próprio juiz, com leitura ociosa que poderia ser evitada com decisum direto, claro. A fazer uso da lei do mínimo esforço o julgador demonstra preguiça e deixa expresso na sentença esse seu defeito para que todos vejam[527].

Por outro lado, a prática forense trabalhista tem revelado, não raro, a existência de sentenças em que o dispositivo se limita a reportar-se à fundamentação. Há quem sustente que o decisum remissivo à fundamentação não invalida a decisão, pois a sentença, como norma jurídica que é, comporta interpretação e, com isso, o intérprete deve pesquisar no conjunto da sentença onde está a parte ou o item que realmente contempla o dispositivo.

Parece-nos, no entanto, que a prática de se remeter à fundamentação do desfecho da lide pode redundar em insegurança e incertezas a respeito do que, efetivamente, transitou ou não em julgado, gerando discussões intermináveis, o que, convenhamos, acaba por retardar a prestação jurisdicional.

5.8. Requisitos complementares da sentença

Além dos requisitos essenciais, acima mencionados, o processo do trabalho exige alguns requisitos complementares que devem constar da parte final da sentença, ou seja, no dispositivo.

Com efeito, a CLT prevê em seu art. 832 e seus parágrafos, in verbis:

Art. 832. Da decisão deverão constar o nome das partes, o resumo do pedido e da defesa, a apreciação das provas, os fundamentos da decisão e a respectiva conclusão.

§ 1º Quando a decisão concluir pela procedência do pedido, determinará o prazo e as condições para o seu cumprimento.

§ 2º A decisão mencionará sempre as custas que devam ser pagas pela parte vencida.

§ 3º As decisões cognitivas ou homologatórias deverão sempre indicar a natureza jurídica das parcelas constantes da condenação ou do acordo homologado, inclusive o limite de responsabilidade de cada parte pelo recolhimento da contribuição previdenciária, se for o caso (Incluído pela Lei n. 10.035/2000).

§ 4º A União será intimada das decisões homologatórias de acordos que contenham parcela indenizatória, na forma do art. 20 da Lei n. 11.033, de 21 de dezembro de 2004, facultada a interposição de recurso relativo aos tributos que lhe forem devidos (Redação dada pela Lei n. 11.457/2007).

§ 5º Intimada da sentença, a União poderá interpor recurso relativo à discriminação de que trata o § 3º deste artigo (Incluído pela Lei n. 11.457, de 2007).

§ 6º O acordo celebrado após o trânsito em julgado da sentença ou após a elaboração dos cálculos de liquidação de sentença não prejudicará os créditos da União (Incluído pela Lei n. 11.457/2007).

§ 7º O Ministro de Estado da Fazenda poderá, mediante ato fundamentado, dispensar a manifestação da União nas decisões homologatórias de acordos em que o montante da parcela indenizatória envolvida ocasionar perda de escala decorrente da atuação do órgão jurídico (Incluído pela Lei n. 11.457/2007).

5.8.1. Prazo e condições para cumprimento da sentença

De acordo com o § 1º do art. 832 da CLT, a sentença que julgar procedente o pedido deverá determinar o prazo e as condições para o seu cumprimento.

Nesse caso, deve-se fazer coincidir o prazo para cumprimento com o último recurso cabível da decisão a ser cumprida, ou seja, 8 (oito) dias. Tal regra, porém, não se aplica nas sentenças desfavoráveis aos entes de direito público, salvo na hipótese de não cabimento do duplo grau de jurisdição obrigatório (Súmula 303 do TST).

Sobre cumprimento da sentença trabalhista, remetemos o leitor ao Capítulo XXII.

5.8.2. Despesas processuais

Remetemos o leitor ou a leitora ao Capítulo XVIII.

5.8.3. Responsabilidade pelo recolhimento da contribuição previdenciária e imposto de renda

Seguindo a diretriz do inciso VIII do art. 114 da CF, que prevê a competência da Justiça do Trabalho para a execução, de ofício, das contribuições sociais, decorrentes das sentenças que proferir, o § 3º do art. 832 da CLT determina que as sentenças cognitivas (rectius, sentenças condenatórias) ou homologatórias deverão sempre indicar a natureza jurídica das parcelas constantes da condenação ou do acordo homologado, inclusive o limite de responsabilidade de cada parte pelo recolhimento da contribuição previdenciária, se for o caso.

Tratando-se de sentença homologatória de acordo entabulado entre as partes, apelidado de “Termo de Conciliação” (CLT, art. 831, § único), que contenha parcela indenizatória, será dela intimado o INSS, por via postal, para, querendo, interpor recurso relativo às contribuições que entender lhe forem devidas. Sobre esse “recurso”, remetemos o leitor ao Capítulo XIX, item 12.3.

A respeito da competência e da responsabilidade pelo recolhimento das contribuições previdenciárias, o TST deu nova redação ao item I da Súmula 368 (Res. 181/2012, DEJT divulgado em 19, 20 e 23-4-2012), para reafirmar que:

A Justiça do Trabalho é competente para determinar o recolhimento das contribuições fiscais. A competência da Justiça do Trabalho, quanto à execução das contribuições previdenciárias, limita-se às sentenças condenatórias em pecúnia que proferir e aos valores, objeto de acordo homologado, que integrem o salário de contribuição.

As sentenças condenatórias que julgam procedente o pedido de obrigação de pagar, ou as que homologarem acordos, deverão sempre indicar a natureza jurídica das parcelas constantes da condenação ou do acordo homologado, inclusive o limite de responsabilidade de cada parte pelo recolhimento da contribuição previdenciária, se for o caso. É o que diz o § 3º do art. 832 da CLT, com redação dada pela Lei n. 10.035/2000.

Nesse sentido, a SBDI-1/TST editou as OJs ns. 363 e 368:

DESCONTOS PREVIDENCIÁRIOS E FISCAIS. CONDENAÇÃO DO EMPREGADOR EM RAZÃO DO INADIMPLEMENTO DE VERBAS REMUNERATÓRIAS. RESPONSABILIDADE DO EMPREGADO PELO PAGAMENTO. ABRANGÊNCIA (DJ 20, 21 e 23.05.2008). A responsabilidade pelo recolhimento das contribuições social e fiscal, resultante de condenação judicial referente a verbas remuneratórias, é do empregador e incide sobre o total da condenação. Contudo, a culpa do empregador pelo inadimplemento das verbas remuneratórias não exime a responsabilidade do empregado pelos pagamentos do imposto de renda devido e da contribuição previdenciária que recaia sobre sua quota-parte (SBDI-1, OJ n. 363).

DESCONTOS PREVIDENCIÁRIOS. ACORDO HOMOLOGADO EM JUÍZO. INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO. PARCELAS INDENIZATÓRIAS. AUSÊNCIA DE DISCRIMINAÇÃO. INCIDÊNCIA SOBRE O VALOR TOTAL (DJe divulgado em 03, 04 e 05.12.2008). É devida a incidência das contribuições para a Previdência Social sobre o valor total do acordo homologado em juízo, independentemente do reconhecimento de vínculo de emprego, desde que não haja discriminação das parcelas sujeitas à incidência da contribuição previdenciária, conforme parágrafo único do art. 43 da Lei n. 8.212, de 24.07.1991, e do art. 195, I, “a”, da CF/1988 (SBDI-1, OJ n. 368).

Caso a sentença seja omissa a respeito dos descontos relativos à contribuição previdenciária ou ao imposto de renda, o TST entende que não há violação à lei a ponto de rescindir o julgado, salvo se expressamente a sentença excluiu a incidência de tais descontos. É o que se infere da Súmula 401 daquela Corte:

AÇÃO RESCISÓRIA. DESCONTOS LEGAIS. FASE DE EXECUÇÃO. SENTENÇA EXEQUENDA OMISSA. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À COISA JULGADA. Os descontos previdenciários e fiscais devem ser efetuados pelo juízo executório, ainda que a sentença exequenda tenha sido omissa sobre a questão, dado o caráter de ordem pública ostentado pela norma que os disciplina. A ofensa à coisa julgada somente poderá ser caracterizada na hipótese de o título exequendo, expressamente, afastar a dedução dos valores a título de imposto de renda e de contribuição previdenciária.

5.9. Julgamento citra, ultra e extra petita

A validade da sentença não fica adstrita à satisfação dos requisitos essenciais consubstanciados no art. 832 da CLT, uma vez que, em nosso sistema processual, o juiz não pode, ressalvados alguns casos especiais, decidir acima, fora ou aquém dos limites da lide, ou seja, do pedido. Daí falar-se em proibição de julgamentos ultra petita, extra petita ou citra petita.

Com efeito, diz o art. 460 do CPC que é defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que Ihe foi demandado.

Enfatizando tal proibição, o art. 128 do CPC prescreve que o juiz deve decidir a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte.

Obtempera o saudoso Valentin Carrion que:

a sentença que julga ultra petita (além do pleiteado) e a que o faz extra petita (fora do que o autor pretendeu) são reformáveis, mediante recurso; a sentença citra petita (que não se manifesta sobre algum dos pedidos) é anulável[528].

Além de ser atacável por recurso, a sentença que contém julgamento extra, ultra ou citra petita pode ser passível de ataque por ação rescisória, a teor do art. 485, inciso V, do CPC, por violação aos arts. 832 da CLT e 460 do CPC.

Cumpre assinalar, no entanto, que há algumas exceções legais que autorizam o julgamento extra ou ultra petita. Exemplo de julgamento extra petita é o previsto no art. 496 da CLT, segundo o qual:

Quando a reintegração do empregado estável for desaconselhável, dado o grau de incompatibilidade resultante do dissídio, especialmente quando for o empregador pessoa física, o tribunal do trabalho poderá converter aquela obrigação em indenização.

Assim, mesmo se o autor, portador de estabilidade no emprego, tiver pedido apenas a reintegração, a sentença poderá decidir fora do pedido formulado na petição inicial.

Nesse sentido, a Súmula 396 do TST dispõe, in verbis:

ESTABILIDADE PROVISÓRIA. PEDIDO DE REINTEGRAÇÃO. CONCESSÃO DO SALÁRIO RELATIVO AO PERÍODO DE ESTABILIDADE JÁ EXAURIDO. INEXISTÊNCIA DE JULGAMENTO EXTRA PETITA. I – Exaurido o período de estabilidade, são devidos ao empregado apenas os salários do período compreendido entre a data da despedida e o final do período de estabilidade, não lhe sendo assegurada a reintegração no emprego. II – Não há nulidade por julgamento extra petita da decisão que deferir salário quando o pedido for de reintegração, dados os termos do art. 496 da CLT.

Como exemplo de julgamento ultra petita, apontamos a hipótese contemplada no art. 467 da CLT, in verbis:

Em caso de rescisão de contrato de trabalho, havendo controvérsia sobre o montante das verbas rescisórias, o empregador é obrigado a pagar ao trabalhador, à data do comparecimento à Justiça do Trabalho, a parte incontroversa dessas verbas, sob pena de pagá-las acrescidas de cinquenta por cento (Nova redação dada ao artigo pela Lei n. 10.272, de 5-9-2001, DOU 6-9-2001).

Nesse caso, o juiz poderá, mesmo se omissa a petição inicial, proferir decisão que condene o empregador a pagar as verbas incontroversas acrescidas de cinquenta por cento.

No que tange ao julgamento citra petita, o TST pacificou o entendimento de que tal vício empolga até mesmo ação rescisória (OJ n. 41 da SDI-2). Um exemplo válido de sentença citra petita é, a nosso sentir, o previsto no art. 484 da CLT, que permite ao juiz, no caso de culpa recíproca, reduzir a indenização que seria devida ao empregado.

É importante salientar que no caso de sentença citra (ou infra) petita, a parte interessada deve opor embargos de declaração para sanar a omissão do julgado e, caso persista o vício, deve interpor recurso ordinário com preliminar de nulidade da sentença por negativa de prestação jurisdicional ou ausência de prestação jurisdicional completa. Não adotando nenhuma dessas providências, haverá preclusão. Nesse sentido:

JULGAMENTO CITRA PETITA. AUSÊNCIA DE OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PARA SANAR OMISSÕES E NÃO VEICULAÇÃO, EM SEDE RECURSAL, DE NULIDADE DA SENTENÇA POR JULGAMENTO CITRA PETITA. No caso de julgamento citra (ou infra) petita, ou seja, quando a sentença é omissa a respeito de pedido (arts. 832 da CLT e 128, 458 e 460 da CLT), a parte interessada pode apresentar embargos declaratórios, inclusive com efeito modificativo, ou interpor, desde logo, recurso ordinário com preliminar de nulidade da sentença por julgamento citra petita. Omitindo-se o recorrente e não opondo embargos de declaração para sanar omissões e não suscitando, em sede recursal, nulidade da sentença por julgamento citra petita, impedido está o conhecimento do apelo quanto às matérias não analisadas pelo juízo a quo (...) (TRT 17ª R., RO 0099400-06.2010.5.17.0012, Rel. Des. Carlos Henrique Bezerra Leite, DEJT 9-11-2012).

5.10. Intimação da sentença

De acordo com o disposto no art. 852 da CLT, as partes serão intimadas da sentença na própria audiência em que for proferida, salvo no caso de revelia, pois o reclamado revel será intimado nos termos do art. 841, § 1º, da CLT, isto é, mediante registro postal com franquia[529]. Se o reclamado criar embaraços ao recebimento da notificação intimatória ou não for encontrado, far-se-á a tal notificação por edital, inserto no jornal oficial ou no que publicar o expediente forense, ou, na falta, afixado na sede da Vara do Trabalho ou Juízo de Direito (com jurisdição estendida).

O prazo para recurso da parte que, intimada, não comparecer à audiência em prosseguimento para a prolação da sentença, conta-se, no entanto, da sua publicação (TST, Súmula 197).

Vaticina o § 2º do art. 851 da CLT que: “A ata será, pelo juiz ou presidente, junta ao processo, devidamente assinada, no prazo improrrogável de 48 horas”. Se esse prazo não for observado pelo juízo, as partes deverão novamente ser intimadas da sentença, desta feita por via postal. Nesse caso, o prazo para o recurso correspondente será contado da data em que a parte receber a intimação da sentença (TST, Súmula 30).

6. COISA JULGADA

Durante muito tempo a coisa julgada foi considerada como principal efeito da sentença. Modernamente, a coisa julgada deixa de ser mero efeito e passa a ser concebida como qualidade especial da sentença, que, por força de lei, a torna imutável e as questões nela decididas indiscutíveis, dentro ou fora do processo. Na verdade, é a coisa julgada que produz efeitos dentro (coisa julgada formal) ou fora do processo (coisa julgada material).

O fundamento da coisa julgada reside não na preocupação de valorar a sentença diante dos fatos (verdade) ou dos direitos (justiça), mas no imperativo de ordem prática, qual seja, o de não mais permitir que retornem à discussão questões já soberanamente decididas pelo Poder Judiciário. Em outros termos, o objeto da coisa julgada repousa na segurança das relações jurídicas e na pacificação dos conflitos, possibilitando, assim, a convivência social.

No direito positivo brasileiro, o art. 301, §§ 1º e 2º, do CPC oferece-nos alguns elementos que servem para identificar a coisa julgada, não apenas como qualidade da sentença, mas também como pressuposto de validade da relação processual.

Assim, verifica-se a coisa julgada quando se reproduz ação anteriormente ajuizada, sendo certo que uma ação é idêntica a outra quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.

E, no § 3º do mesmo artigo, explicita que “há coisa julgada, quando se repete ação que já foi decidida por sentença, de que não caiba recurso”.

De outra parte, o art. 467 do CPC preceitua, in verbis: “Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”.

Na verdade, o adjetivo “material” é apenas indicativo, isto é, serve para evidenciar, metodologicamente, a existência de outra espécie de coisa julgada além da material: a formal.

6.1. Coisa julgada formal

Embora não seja pacífico o entendimento de que a coisa julgada formal não seria propriamente coisa julgada, mas simples forma de preclusão impeditiva da impugnação e reexame da sentença na mesma relação processual, o certo é que se tornou lugar-comum a distinção entre coisa julgada material e formal.

De tal arte, podemos dizer que a coisa julgada formal representa a estabilidade que a sentença adquire no processo em que foi proferida, quer tenha havido análise de mérito, quer não tenha ocorrido tal investigação.

Com efeito, tanto as sentenças terminativas (CPC, art. 267) quanto as definitivas (CPC, art. 269) atingem o estado de coisa julgada formal, uma vez que esta surge tão somente como consequência da preclusão recursal, isto é, no mesmo processo já não será mais possível impugnar, seja por meio de recurso ou qualquer outro meio, a sentença que transitou em julgado.

A coisa julgada formal não impede a propositura de nova demanda, porquanto torna a decisão imodificável apenas no processo em que esta foi prolatada, salvo nas hipóteses previstas no art. 267, V, do CPC, isto é, quando o processo anterior tenha sido extinto sem resolução de mérito em virtude de sentença que pronunciara a coisa julgada, a litispendência ou a perempção, este último instituto incompatível, como já vimos, com o processo do trabalho.

6.2. Coisa julgada material

A sentença que julgar total ou parcialmente a lide, ou seja, o pedido, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas. É exatamente a sentença, que resolve o processo com apreciação do pedido, acolhendo-o total ou parcialmente, que transitada em julgado produz a coisa julgada material, também chamada de res judicata.

A coisa julgada material (CPC, art. 467) merece especial proteção da ordem constitucional, já que a Carta Magna a põe a salvo até mesmo da eficácia retroativa de lei superveniente (CF, art. 5º, XXXVI). Trata-se, igualmente, de evento típico, que só diz respeito às sentenças de mérito, isto é, às sentenças que resolvem, no todo ou em parte, a lide (art. 468)[530]

Se há dois pesos que equilibram a balança do Direito – o ideal de justiça e o de segurança –, a coisa julgada material consagra o último, pois seria intolerável a possibilidade eterna de demandas sobre uma mesma lide[531]

Na verdade, a coisa julgada material abrange a coisa julgada formal. Dito de outro modo: toda coisa julgada material é também formal.

A distinção basilar entre coisa julgada formal e material repousa na circunstância de que aquela limita sua eficácia ao processo em que a sentença foi proferida, não impedindo, assim, que a lide possa ser novamente submetida à apreciação judicial, contanto que em outro processo, salvo nas hipóteses previstas no inciso V do art. 267 do CPC, por expressa determinação do art. 268 do mesmo diploma; enquanto esta projeta sua eficácia para fora do processo no qual foi prolatada a sentença, tornando-a imutável, não apenas no processo originário, mas em qualquer outro que porventura venha a ser iniciado.

O principal objetivo, pois, da coisa julgada material é estabilizar definitivamente a relação jurídica que foi submetida à prestação jurisdicional do Estado-juiz.

Somente a coisa julgada material pode ser impugnada pela ação rescisória (CPC, art. 485).

Resumindo, a sentença que resolver o processo sem apreciação do mérito transita em julgado, fazendo apenas coisa julgada formal; porém não gera os drásticos efeitos da coisa julgada material, pois esta só se forma na sentença que resolve o processo com análise do mérito.

No processo do trabalho, a Súmula 259 do TST reconhece implicitamente que o termo de conciliação homologado judicialmente produz os mesmos efeitos da coisa julgada material, já que somente “por ação rescisória é impugnável o termo de conciliação previsto no parágrafo único do art. 831 da CLT”.

A OJ n. 132 da SBDI-2/TST corrobora tal entendimento, nos seguintes termos:

AÇÃO RESCISÓRIA. ACORDO HOMOLOGADO. ALCANCE. OFENSA À COISA JULGADA (DJ 04.05.2004). Acordo celebrado – homologado judicialmente – em que o empregado dá plena e ampla quitação, sem qualquer ressalva, alcança não só o objeto da inicial, como também todas as demais parcelas referentes ao extinto contrato de trabalho, violando a coisa julgada, a propositura de nova reclamação trabalhista.

Uma questão interessante que pode surgir no processo do trabalho em decorrência da ampliação da competência da Justiça do Trabalho diz respeito à sentença homologatória de acordo extrajudicial celebrado entre o empregador e os herdeiros do empregado falecido vítima de acidente do trabalho perante uma Vara da Justiça Comum antes da EC n. 45/2004, no qual as partes deram plena quitação de todos os direitos e obrigações decorrentes do referido acidente do trabalho. Se aqueles mesmos herdeiros ajuizarem uma ação acidentária perante a Justiça do Trabalho postulando os mesmos direitos daquela ação anteriormente proposta perante a Justiça Comum, pode-se falar em eficácia preclusiva da coisa julgada? A nosso ver, se a competência material na época do ajuizamento da ação era da Justiça comum, a sentença homologatória do acordo extrajudicial firmado entre as partes é título executivo judicial (CPC, art. 475-N, V) e, a nosso sentir, produz idênticos efeitos aos da coisa julgada (preclusão máxima), razão pela qual na ação acidentária ajuizada na Justiça do Trabalho o réu pode levantar preliminar de existência de coisa julgada (e o juiz deve conhecê-la de ofício), devendo o processo trabalhista ser extinto sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, IV, do CPC aplicado subsidiariamente à espécie.

6.2.1. Relativização da coisa julgada material

Por força da MP n. 2.180-35/2001, houve acréscimo do § 5º ao art. 884 da CLT, que introduziu, em nosso sistema processual, uma forma de relativização da coisa julgada material[532].

Com efeito, dispõe o § 5º do art. 884 da CLT, in verbis:

Considera-se inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal.

Este dispositivo consolidado autoriza a desconsideração do título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidos pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal. De tal arte, presentes as hipóteses mencionadas no referido § 5º do art. 884 da CLT, a coisa julgada não seria obstáculo para afastar a exigibilidade do título judicial. Em suma, ter-se-ia a relativização da coisa julgada sempre que esta fosse “inconstitucional”.

Antes de abordamos a “coisa julgada inconstitucional”, cabe indagar se a medida provisória que a consagrou não é, por sua vez, inconstitucional[533]. Isto porque não são poucos os juristas que vislumbram afronta aos requisitos formais da Magna Carta no tocante à expedição de medidas provisórias, além de afronta direta à Constituição por desrespeito ao mandamento que agasalha a intangibilidade da coisa julgada.

No aspecto formal, cabe a indagação acerca da possibilidade de inovação processual veiculada por meio de medida provisória. Na ADI n. 1.910-1 (j. 22-4-1999, Rel. Min. Sepúlveda Pertence), o STF suspendeu a eficácia de norma processual levada a efeito por MP, já se antecipando à EC n. 32/2001 que vedou, taxativamente, a edição desses expedientes legislativos em matéria processual, para evitar os abusos cometidos nessa área. Cumpre lembrar que o Executivo estava a legislar diariamente, em desrespeito ao poder competente e, pior ainda, de maneira casuística e arbitrária.

Quanto ao requisito material, há uma corrente doutrinária que sustenta ser a coisa julgada um direito/garantia fundamental, verdadeira cláusula pétrea, imune à relativização, até mesmo por emenda constitucional, salvo, é claro, nas hipóteses de cabimento da ação rescisória. Mas há outra corrente que advoga ser possível a relativização da coisa julgada, sobretudo nas sentenças proferidas nas ações de investigação de paternidade (quando ainda não existia o exame de DNA) ou na chamada coisa julgada inconstitucional, que é a hipótese do § 5º do art. 884 da CLT.

Na verdade, não é a coisa julgada que pode ser acoimada de inconstitucional e, sim, a sentença da qual ela se originou. Ora, vivemos em um estado democrático de direito e não seria razoável admitir a intangibilidade absoluta da coisa julgada em situações em que ela se mostra em clara e manifesta contrariedade à Constituição Federal. Nesse sentido, colacionamos o seguinte julgado:

COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL. INEXIGIBILIDADE DO TÍTULO EXECUTIVO. CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE. POSSIBILIDADE. EMBARGOS À EXECUÇÃO. A Constituição possui preeminência dentro da ordem jurídica pátria, e, por isso, todas as leis e atos normativos devem guardar conformidade com seus preceitos. O sistema de controle de constitucionalidade permite ao Juiz, pelo meio difuso e em cada caso concreto, rejeitar a aplicação de leis e atos normativos que não estejam em consonância com as normas e princípios constitucionais. Essa possibilidade de controle incidental não afasta da fiscalização jurisdicional de constitucionalidade as decisões exaradas pelo próprio Poder Judiciário, mesmo que transitadas em julgado, por se constituírem também em atos normativos, ainda que de aplicação restrita. Desta forma, torna-se inadmissível que, por apego à coisa julgada, uma decisão judicial que afronte diretamente os princípios e normas constitucionais possa ser considerada válida e executada pelo mesmo poder que tem o dever de recusar a aplicação de normas contrárias à Constituição. A coisa julgada inconstitucional não produz os efeitos jurídicos programados quando a própria sentença possui vícios insanáveis, dentre os quais a desconformidade direta com a Constituição. Os embargos à execução, dentre outros, constituem-se em meio processual próprio para declaração de inexigibilidade do título executivo por incompatível com a Constituição Federal (art. 884, § 5º da CLT) (TRT 12ª R., AP 04485.1991.001.12.01-0, 1ª T., Rel. Juíza Sandra Márcia Wambier, j. 25-5-2004).

É preciso, entretanto, estabelecer certos limites para a aplicabilidade do § 5º do art. 884 da CLT (caso o STF o declare constitucional). Nesse sentido, lembra com razão Elpídio Donizetti que o título judicial “somente pode ser reputado inexigível quando: a) o trânsito em julgado do acórdão do STF, contendo a declaração de inconstitucionalidade da lei ou a aplicação ou interpretação tida por inconstitucional, tiver ocorrido antes do trânsito em julgado da decisão exequenda; b) os efeitos da declaração de inconstitucionalidade da lei, ou da aplicação ou interpretação tida por inconstitucional, por erga omnes, isto é, decorrer de acórdão do STF, oriundo de controle abstrato (ADI, ADC ou ADPF), ou de controle concreto (RE, por exemplo), se o Senado Federal tiver expedido resolução suspendendo a execução da lei (CF, art. 52, X) antes do trânsito em julgado do título exequendo; c) a arguição de inconstitucionalidade se der em impugnação (prazo de quinze dias, a contar da impugnação da penhora) ou em ação rescisória (CPC, art. 485, V), no prazo de dois anos a contar do trânsito em julgado do título exequendo”[534]. E adverte o renomado autor que essa “é a interpretação que harmoniza a possibilidade de desconstituição de título judicial com a garantia da coisa julgada. Qualquer outra interpretação fora desses parâmetros ofende o art. 5º, XXXVI, da CF e, portanto, será reputada inconstitucional”[535].

No tocante à coisa julgada nas ações coletivas (ações civis públicas e ações civis coletivas), é importante lembrar o sistema próprio e específico, cujas fontes normativas primárias são a LACP (Lei n. 7.347/85, art. 16) e a parte processual do CDC (Lei n. 8.078/90, art. 103). Assim, por força do art. 21 da LACP – que autoriza a aplicação subsidiária do Título III do Código de Defesa do Consumidor –, pode-se dizer que a sentença (definitiva) proferida em ação civil pública fará coisa julgada: a) erga omnes, salvo se o pedido for julgado improcedente, por insuficiência de provas, quando o seu objeto for a defesa de interesses ou direitos difusos (CDC, art. 81, I, c/c art. 103, I); b) ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe de pessoas, exceto na hipótese de improcedência por falta de provas, quando a ação tiver por escopo a defesa de direitos ou interesses coletivos (CDC, art. 81, II, c/c. art. 103, II); c) erga omnes, apenas em caso de procedência do pedido (in utilibus), para beneficiar todos os trabalhadores ou sucessores (CDC, art. 81, III, c/c art. 103, III)[536].

7. LIMITES OBJETIVOS E SUBJETIVOS DA COISA JULGADA

A doutrina é praticamente unânime em afirmar que a coisa julgada material deve obedecer a certos limites. Esses limites são chamados de subjetivos e objetivos.

7.1. Limites subjetivos

Para examinar os limites subjetivos da coisa julgada, deve-se formular a seguinte pergunta: quem, na sentença, é atingido pela autoridade da coisa julgada?

Para responder à primeira pergunta, mister distinguir as ações em que se formou a res judicata, porquanto, nas ações individuais (simples ou plúrimas), a regra geral é no sentido de que somente as partes são atingidas pela autoridade de coisa julgada e, apenas por exceção, terceiros juridicamente interessados poderão ser atingidos, como, por exemplo, o sucessor (causa mortis) e o cessionário. É o que prescreve o art. 472 do CPC, in verbis:

A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros.

Já nas ações coletivas lato sensu, a ideologia que inspirou o modelo individualista do CPC e da CLT (na parte dos “dissídios individuais”) mostra-se inadequada e insuficiente para a solução da pergunta. Na coisa julgada nas diversas espécies de ações coletivas, como a ação popular, a ação civil pública, o dissídio coletivo etc., a regra básica é a de que as sentenças nelas proferidas fazem coisa julgada erga omnes ou ultra pars. Daí a necessidade de aplicação apriorística das normas previstas no CDC (Título III) em tema de tutela de interesses metaindividuais, que são os interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos.

Com efeito, dispõe o art. 103 do CDC, in verbis:

Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este Código, a sentença fará coisa julgada:

I – erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;

II – ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81;

III – erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.

§ 1º Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe.

§ 2º Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedido, os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual.

§ 3º Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste Código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99.

§ 4º Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal condenatória.

Vê-se, portanto, que, na temática da tutela dos interesses metaindividuais, a coisa julgada possui regramento legal próprio, razão pela qual somente em caso de lacuna caberá a aplicação das normas da CLT e do CPC como fontes subsidiárias, e, ainda assim, desde que, para isso, não haja incompatibilidade com o novo sistema integrado de acesso metaindividual ao Poder Judiciário[537], formado pelas normas da Constituição Federal, do Código de Defesa do Consumidor, da Lei da Ação Civil Pública, da Lei Complementar n. 75/1993 etc.

Como bem acentua Sérgio Gilberto Porto:

O rompimento imposto por estes diplomas com o sistema, que até então estava a viger, verdadeiramente se impunha, eis que novas categorias estavam sendo postas em causa, reclamando, pois, nova disciplina. Assim, flagrante o acerto da conduta adotada pelo legislador, o qual, com isso, implicitamente reconheceu a imprestabilidade (ao menos parcial) do ordenamento processual existente para a integral solução dos conflitos não individuais[538].

7.2. Limites objetivos

Quanto aos limites objetivos da coisa julgada, a pergunta é: o que, na sentença, efetivamente adquire autoridade de coisa julgada?

Não há, em doutrina, a desejável uniformidade para responder à indagação, mormente se levarmos em conta a discussão travada, no Brasil, entre Liebman e Barbosa Moreira a respeito da natureza jurídica da coisa julgada, pois, para o mestre peninsular, seria uma qualidade da sentença que a torna intangível no mesmo ou em qualquer outro processo, enquanto para o mestre patrício essa qualidade não seria capaz de tornar os efeitos imodificáveis, pois estes são absolutamente mutáveis[539].

De lege lata, o art. 468 do CPC prescreve, in verbis: “A sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas”.

De tal arte, a coisa julgada faz lei entre as partes nos limites da lide, ou seja, do pedido e da causa de pedir, bem como das questões decididas no processo, desde que constem do decisum.

Por outro lado, o art. 469 do CPC oferece-nos, por via reflexa, as matérias que não estão cobertas pelo manto da coisa julgada, a saber:

I – os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença;

II – a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença;

III – a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no processo.

Todavia, diz o art. 470 do CPC que a decisão sobre questão prejudicial pode fazer coisa julgada, “se a parte o requerer (arts. 5º e 325), o juiz for competente em razão da matéria e constituir pressuposto necessário para o julgamento da lide”.

Cumpre assinalar, para encerrar este tópico, que não são alcançadas pela coisa julgada material as sentenças que têm como base relação jurídica continuativa (CPC, art. 471). Adverte, neste passo, Wagner Giglio que “não transitam em julgado as sentenças proferidas com a cláusula rebus sic stantibus”(46), que não deixa de ser uma forma de aplicação da teoria da imprevisão na seara processual. Um exemplo na seara laboral pode ocorrer nas ações em que as empresas são condenadas a pagar adicional de insalubridade. Alteradas as condições que ensejavam o respectivo pagamento, nova sentença poderá vir a ser prolatada, desde que a parte interessada ajuíze ação revisional. Outro exemplo é o previsto no art. 873 da CLT.

Em suma, se é factível ação revisional contra determinada sentença é porque há indícios de que ela não reúne as qualidades necessárias para produzir a coisa julgada material.

8. AUTONOMIA DA COISA JULGADA NO PROCESSO DO TRABALHO

Cuida-se agora da polêmica questão em torno do alcance da coisa julgada formada no processo civil (e penal) e sua repercussão no processo do trabalho.

Tendo em vista a lacuna do texto obreiro, impõe-se, por inexistência de incompatibilidade, a aplicação analógica – tal como autorizado pelo art. 8º e seu parágrafo da CLT – do art. 935 do CC, in verbis:

A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.

A migração de tal norma para os domínios do processo do trabalho tem sido observada principalmente nas demandas em que se discute a existência de justa causa, em que o empregado é acusado de prática de ato de improbidade (CLT, art. 482, a).

Desse modo, havendo condenação do empregado, v.g., por apropriação indébita, mediante sentença criminal transitada em julgado, cujo decisum certifica o fato e a autoria do delito, essas duas questões já não mais poderão ser objeto de discussão no processo do trabalho. Isso porque a garantia constitucional da coisa julgada não faz distinção a respeito do processo em que ela se cristaliza, seja no processo penal, no civil, no trabalhista, no eleitoral.

Do mesmo modo, se a coisa julgada no processo criminal reconhecer a inexistência do fato delituoso, ou a não autoria do empregado, bem como se reconhecer a sua autoria, mas o absolver por excludentes de criminalidade, v.g., a legítima defesa, tais matérias estarão cobertas pelo manto da coisa julgada material (penal) e, em razão disso, não poderão ser objeto de nova decisão no processo do trabalho.

Colhem-se, a propósito, os seguintes julgados:

SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA COM TRÂNSITO EM JULGADO. CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA. REPERCUSSÃO NO JUÍZO TRABALHISTA. ART. 935 DO CÓDIGO CIVIL. FATO NOVO. ART. 462 DO CPC. 1. Sendo una a jurisdição, é de se compreender a inspiração da norma contida no art. 935 do Código Civil, para reconhecer os efeitos extrapenais da sentença criminal transitada em julgado, de sorte que não será possível, independentemente das provas produzidas durante a instrução da Reclamação Trabalhista, solução diversa daquela proferida na ação penal acerca dos fatos até então debatidos, qual seja os atos de improbidade praticados pela reclamante. 2. Hipótese que não configura reexame de fatos em sede extraordinária, procedimento vedado pela Súmula n. 126 desta Corte, porque os fatos já foram apreciados pelo juízo criminal, que a eles deu o devido enquadramento jurídico, cabendo, agora, declarar os efeitos jurídicos na extinção do vínculo de emprego, por justa causa, capitulado no art. 482, alínea a, da CLT. Do contrário, significaria remeter os autos ao juízo trabalhista para que pudesse, diante de novos fatos, proferir nova decisão de mérito, em ofensa ao art. 463 do CPC, segundo o qual ao publicar a sentença de mérito, o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional, só podendo alterá-la mediante embargos de declaração ou para corrigir inexatidões materiais ou retificar erros de cálculo. 3. É nesta Corte que a repercussão da sentença penal condenatória, com trânsito em julgado, deve influir no julgamento do Recurso de Embargos (transitada a sentença penal condenatória em 17.11.2004, após a interposição do presente Recurso de Embargos, em 8.8.2003). 4. Manifestação da reclamada, apresentando sentença penal condenatória da reclamante transitada em julgado, que se recebe para, atendendo aos fins do art. 462 do CPC, reconhecer a dispensa por justa causa da reclamante em face dos atos de improbidade, e, consequentemente julgar improcedentes os pedidos deduzidos na reclamação trabalhista, invertendo-se o ônus da sucumbência em relação às custas (TST-E-RR-809.622/2001.5, ac. SBDI-1, DJ 1º-9-2006, Rel. Min. João Batista Brito Pereira).

JUSTA CAUSA – FURTO DE MATERIAL DO ALMOXARIFADO DA RECLAMADA – FRAGILIDADE DA PROVA PRODUZIDA – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA – DECISÃO REGIONAL PROFERIDA COM BASE NOS ELEMENTOS CONSTANTES DOS AUTOS. 1. De acordo com os arts. 131 do CPC e 852-D da CLT (princípios do livre convencimento e da busca da verdade real), o julgador apreciará livremente as provas produzidas nos autos, valorando-as conforme o seu convencimento e conferindo, a cada uma delas, o peso que, diante do caso concreto, considerar apropriado. 2. In casu, o Regional, com base no conjunto fático-probatório colacionado, concluiu que não restaram robustamente comprovados os fatos que deram ensejo à dispensa por justa causa do Obreiro, qual seja, furto de barras de cobre do almoxarifado, sendo insuficiente a existência de meros indícios. Ponderou que a apresentação de sentença proferida em ação penal, como fato novo, não importa em modificação do julgado em sede de embargos de declaração, tendo sido a controvérsia dirimida com base nos elementos constantes dos autos. 3. Muito embora a apresentação da sentença penal condenatória proferida pelo Juízo Criminal de Curitiba pudesse, em tese, modificar o julgado na seara trabalhista, a teor do que dispõe o art. 935 do CC, na hipótese em análise a Reclamada não apresentou a prova do trânsito em julgado da aludida sentença penal, o que, efetivamente, tornaria indiscutível a autoria e a materialidade dos fatos alegados na presente ação, consoante citado dispositivo legal, bem como da ilação que se extrai da alínea “d” do art. 482 da CLT. 4. Assim sendo, considerando que não foi trazida aos autos o trânsito em julgado da aludida sentença penal, forçoso reconhecer que a prova da justa causa ensejadora da dispensa do Reclamante deveria ter sido robustamente demonstrada nesta esfera do Poder Judiciário, cabendo ao juiz proferir decisão aplicando a norma legal ao caso concreto, como de fato ocorreu na hipótese, onde restou afastada a penalidade máxima imposta ao Empregado, diante da fragilidade da prova produzida frente a gravidade do crime que lhe foi imputado. Recurso de revista não conhecido (TST-RR 710/2005-005-09-00.5, 7ª T., Rel. Min. Maria Doralice Novaes, DEJT 17-12-2009).

A primeira parte do art. 935 do CC, no entanto, prescreve que a responsabilidade civil, que abrange a trabalhista, é independente da responsabilidade penal, razão pela qual é juridicamente possível que, mesmo que o ato do empregado não configure ilícito penal, isso não afasta a possibilidade de restar configurada a justa causa para a resolução do contrato de trabalho.

Ademais, como já vimos no Capítulo XVI, item 5, não está o juiz do trabalho obrigado a suspender o processo trabalhista e aguardar o desfecho do processo criminal para fins de responsabilidade trabalhista.