Para fins meramente didáticos, podemos dizer que a CLT contém 3 (três) ações como procedimentos especiais, a saber:
• o inquérito judicial para apuração de falta grave (arts. 853 a 855);
• o dissídio coletivo (arts. 856 a 871 e 873 a 875); e
• a ação de cumprimento (art. 872 e seu parágrafo único).
Todavia, por força do art. 769 da CLT, outras ações especiais não previstas na legislação processual trabalhista são também cabíveis no processo do trabalho. Tais ações geralmente contemplam procedimentos específicos que exigem algumas adaptações quando transplantadas para os domínios da processualística laboral.
Há, portanto, ações especiais não trabalhistas largamente utilizadas no processo do trabalho. Algumas de competência originária dos tribunais, como o mandado de segurança e a ação rescisória; outras, das Varas do Trabalho, como a ação civil pública, a ação de consignação em pagamento, a ação monitória etc.[852]
Analisaremos, neste Capítulo, as ações especiais previstas expressamente na CLT: o inquérito judicial para apuração de falta grave, o dissídio coletivo e a ação de cumprimento.
O termo “inquérito” deve-se ao fato de que a Justiça do Trabalho, quando criada em 1939, era um órgão de feição administrativa, porquanto vinculado ao Poder Executivo. Daí as diversas expressões típicas do direito administrativo contidas na CLT.
À luz da teoria geral do direito processual, podemos afirmar que o inquérito judicial para apuração de falta grave possui natureza de ação constitutiva (negativa) necessária para apuração de falta grave que autoriza a resolução do contrato de trabalho do empregado estável por iniciativa do empregador.
Diz o art. 494 da CLT que o empregado estável acusado de falta grave poderá ser suspenso de suas funções, mas a sua despedida só se tornará efetiva após o inquérito (rectius, ação) em que se verifique a procedência da acusação.
Nos termos do art. 492 da CLT:
O empregado que contar mais de 10 (dez) anos de serviço na mesma empresa não poderá ser despedido senão por motivo de falta grave ou circunstância de força maior, devidamente comprovadas.
Com a promulgação da Constituição da República em 5 de outubro de 1988, que consagrou o FGTS como regime único de todos os trabalhadores urbanos e rurais (art. 7º, III), o instituto da estabilidade decenal foi extinto em nosso ordenamento jurídico, remanescendo apenas o direito adquirido daqueles empregados, não optantes pelo FGTS, que antes da referida data já contavam com pelo menos 10 anos de serviços prestados ao mesmo empregador, tal como reconhecido expressamente no art. 14 da Lei n. 8.036, de 11 de maio de 1990.
Não obstante, o inquérito judicial continua sendo ação imprescindível para validar a dispensa de alguns trabalhadores, como veremos adiante.
Alguns trabalhadores em situações especiais só podem ser validamente despedidos se praticarem falta grave devidamente apurada nos autos de ação de inquérito judicial, como:
• dirigentes sindicais (CF, art. 8º, VIII, e Súmula 197 do STF);
• representantes dos trabalhadores no Conselho Curador do FGTS (Lei n. 8.036/90, art. 3º, § 9º);
• dirigentes de Cooperativa de Empregados (Lei n. 5.764/71, art. 55);
• representantes dos trabalhadores no Conselho Nacional de Previdência Social (Lei n. 8.213/91, art. 3º, § 7º);
• representantes dos trabalhadores nas Comissões de Conciliação Prévia (CLT, art. 625-B, § 1º).
No que concerne ao servidor investido em emprego público da Administração Direta, Autárquica ou Fundacional[853] por meio de concurso público, o TST entende que ele adquire a estabilidade após três anos de efetivo exercício, sendo, portanto, destinatário da estabilidade prevista no art. 41 da CF, considerando esta norma não se aplica ao servidor investido em emprego das empresas públicas e sociedades de economia mista (Súmula 390, I e II).
Não obstante a discrepância entre a Súmula 390, item I, do TST e a literalidade do art. 41 da CF, que só confere estabilidade ao servidor investido em cargo de provimento efetivo (servidor estatutário), parece-nos que deve prevalecer o verbete do TST, que garante a estabilidade ao servidor investido em emprego público. Logo, a sua dispensa somente será válida mediante ajuizamento, pelo empregador público, da ação de inquérito judicial para apuração de falta grave por aplicação analógica do art. 853 combinado com os arts. 494 a 499, todos da CLT. Nesse sentido:
SERVIDOR PÚBLICO CELETISTA. ADMINISTRAÇÃO DIRETA. CARGO EFETIVO. ESTABILIDADE CONSTITUCIONAL. Servidor Público Celetista nomeado para exercício de cargo de provimento efetivo em virtude de aprovação em concurso público, expirado o triênio probatório, é estável na forma prevista no art. 41 da Constituição Federal, somente podendo ser demitido por justa causa, com falta grave devidamente apurada em processo administrativo e confirmado em inquérito judicial, sob pena de ser reintegrado, com o pagamento dos salários e vantagens contratuais (TRT 2ª R., RO 01591.2003.317.02.00-9, 3ª T., Rel. Des. Décio Sebastião Daidone, j. 25-7-2006, DOE 7-8-2006).
Há, porém, quem defenda a validade da dispensa mediante processo administrativo em que seja assegurada ampla defesa ao servidor celetista na esfera administrativa. Nesse sentido:
RECURSO DE REVISTA. SERVIDOR PÚBLICO. ESTABILIDADE. ARTIGO 19 DO ADCT. DEMISSÃO. FALTA GRAVE. INQUÉRITO JUDICIAL. O art. 19 do ADCT consagra a estabilidade extraordinária ou excepcional no serviço público, que se assemelha àquela delimitada no art. 41, § 1º, da Constituição Federal, em que o servidor estável tem a garantia de não ser demitido senão em virtude de sentença judicial transitada em julgado ou mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada a ampla defesa, sendo desnecessária, pois, a instauração do inquérito judicial previsto no artigo 853 da CLT para apuração da falta grave, que era exigido nos casos de dispensa de empregados detentores da estabilidade decenal ou definitiva garantida aos trabalhadores antes da Constituição Federal de 1988. Recurso de revista conhecido e não provido (TST-RR 1315/2001-079-15-00.0, 6ª T., Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, j. 3-5-2006, DJ 2-6-2006).
Quanto ao servidor concursado investido em cargo público de provimento efetivo, que adquire estabilidade após três anos de efetivo exercício, vaticina o art. 41, § 1º, da CF que ele só perderá o cargo: a) mediante processo administrativo no qual lhe seja assegurada ampla defesa; b) mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa; c) em virtude de sentença judicial transitada em julgado.
Nesse último caso, parece-nos que a interpretação sistemática dos arts. 114, I, 41, § 1º, I, da CF e dos arts. 494 e 853 da CLT autoriza afirmar que se o ente público optar pelo ajuizamento de ação para perda do cargo público do servidor estatutário estável, deve valer-se do inquérito judicial para apuração de falta grave, cuja competência, em virtude da EC n. 45/2004, é da Justiça do Trabalho. Todavia, por força da decisão proferida pelo STF, nos autos da ADI n. 3.395, fica prejudicado esse entendimento, uma vez que a Justiça do Trabalho é incompetente para processar e julgar a demanda entre o servidor estatutário e o ente público.
Há, ainda, os servidores públicos celetistas da Administração Direta, Autárquica ou Fundacional não concursados que, na data da promulgação da CF/88, contavam com cinco anos ou mais de serviço público contínuo (ADCT, art. 19). Ora, se são estáveis, parece-nos que somente podem ser dispensados por autorização judicial, mediante inquérito judicial para apuração de falta grave. Este entendimento, contudo, não é pacífico na jurisprudência.
Quanto ao servidor concursado de empresa pública ou sociedade de economia mista, a OJ n. 247 da SBDI-1/TST prevê, no seu item I, que a “despedida de empregados de empresa pública e de sociedade de economia mista, mesmo admitidos por concurso público, independe de ato motivado para sua validade”, ou seja, estes servidores, segundo o TST, podem ser dispensados sem qualquer motivação (e sem necessidade de inquérito ou processo administrativo), o que, data venia, é lamentável, pois, se houve motivação para ingressarem no serviço público (concurso público), também deveria haver motivação para serem dispensados. Trata-se, a nosso ver, da aplicação dos princípios da impessoalidade, publicidade, moralidade e eficiência que devem nortear os atos da Administração Pública Direta e Indireta (CF, art. 37, caput), pois a realidade está a mostrar que, não raro, tais servidores são dispensados por perseguições políticas ou mediante certos expedientes de administradores públicos inescrupulosos para favorecerem outros candidatos de sua preferência que se encontram na fila de aprovados do concurso público.
Entretanto, o item II da OJ n. 247 da SBDI-1/TST faz uma ressalva quanto aos servidores dos Correios, nos seguintes termos:
A validade do ato de despedida do empregado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) está condicionada à motivação, por gozar a empresa do mesmo tratamento destinado à Fazenda Pública em relação à imunidade tributária e à execução por precatório, além das prerrogativas de foro, prazos e custas processuais.
Tal verbete, porém, merece uma crítica, pois se se confere aos servidores da ECT tratamento isonômico com os servidores das pessoas jurídicas de direito público, então o correto seria exigir o inquérito para apuração de falta grave como condição de validade do ato de dispensa, ou, pelo menos, um processo administrativo que assegurasse ampla defesa do servidor, e não apenas simples “motivação” do ato de dispensa.
Todavia, sobreleva destacar que o STF, em sessão de 20 de março de 2013, passou a entender que o servidor público concursado das empresas públicas e sociedades de economia mista, ou seja, servidor celetista, não adquire a estabilidade prevista no art. 41 da CF, mas a validade da sua dispensa depende de ato motivado da Administração Pública. Dito doutro modo, para o STF, há necessidade de motivação para a validade do ato de rescisão unilateral do contrato de trabalho do “empregado público concursado” das empresas públicas e sociedades de economia mista. Consignou-se, ainda, naquele julgado do STF, que foi rejeitada questão de ordem do advogado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, que suscitava fossem modulados os efeitos da decisão. Sinale-se que, havendo decisão proferida pelo Plenário da Suprema Corte, não há necessidade de se aguardar a publicação ou o trânsito em julgado do acórdão para o julgamento de ações que versem sobre a mesma matéria (STF-AI 823.849 AgR-segundo/DF, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª T., DJe 22-5-2013; ARE 707.863 ED/RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 2ª T., DJe 30-10-2012).
De toda sorte, como o servidor público concursado das empresas públicas e sociedades de economia mista não adquire estabilidade, a ele não se aplica o inquérito judicial para apuração de falta grave.
Fora das hipóteses de estabilidade ou garantia provisória no emprego indicadas na epígrafe precedente, isto é, dirigentes sindicais (CF, art. 8º, VIII, e Súmula 197 do STF), representantes dos trabalhadores no Conselho Curador do FGTS (Lei n. 8.036/90, art. 3º, § 9º), dirigentes de Cooperativa de Empregados (Lei n. 5.764/71, art. 55), representantes dos trabalhadores no Conselho Nacional de Previdência Social (Lei n. 8.213/91, art. 3º, § 7º) e representantes dos trabalhadores nas Comissões de Conciliação Prévia (CLT, art. 625-B, § 1º), não há necessidade do inquérito judicial.
Vale dizer, não há interesse processual do autor (empregador) para ajuizar a ação de inquérito judicial para apuração de falta grave dos seguintes trabalhadores:
• empregado acidentado (Lei n. 8.213/93, art. 118);
• empregada gestante;
• empregado membro eleito de CIPA ou “cipeiro” (ADCT, art. 10, II);
• qualquer outro empregado destinatário da garantia no emprego (CF, art. 7º, I; OIT, Convenção n. 158; Convenção ou Acordo Coletivo etc.).
Em todos esses casos, os trabalhadores são titulares do direito de garantia provisória no emprego, mas a lei não exige a apuração judicial da falta grave para eles serem dispensados, razão pela qual o empregador não necessita de autorização judicial para extinguir o contrato de trabalho.
Com relação a tais trabalhadores, se o empregador, inadvertidamente, ajuizar o inquérito judicial para apuração de falta grave, o juiz deve extinguir o processo sem resolução de mérito (CPC, art. 267, VI), por carência de ação, em função da ausência de interesse processual (necessidade e adequação da via eleita). Nesse sentido:
INQUÉRITO JUDICIAL – INTERESSE PROCESSUAL – INEXISTÊNCIA. A requerida foi contratada em 01.08.2003, tendo o contrato de trabalho sido suspenso em 19.10.2005, não adquirindo, portanto, estabilidade no emprego a amparar a interposição do inquérito judicial (art. 41, da CF/88). Sobre o tema, releva mencionar os ensinamentos de Carlos Henrique Bezerra Leite, na obra Curso de Direito Processual do Trabalho, Editora LTr, 3ª edição, pág. 245: “No processo do trabalho seria carecedor da ação, por falta de interesse processual, (...), o empregador que ajuiza ação de inquérito para apuração de falta grave de empregado não portador de estabilidade. Ora, o empregado não estável pode ser despedido por justa causa sem necessidade de autorização judicial (sentença constitutiva negativa) para pôr termo à relação empregatícia. Disso resulta que não há interesse processual do autor para invocar a máquina judiciária a fim de obter algo que ele poderia conseguir diretamente, isto é, sem a necessidade da prestação jurisdicional do Estado”. Sentença que se reforma para extinguir o feito sem julgamento de mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC (TRT 9ª R. RO 95003-2005-091-09-00-9 (00040-2008), 4ª T., Rel. Des. Sérgio Murilo Rodrigues Lemos, DJ 15-1-2008).
INQUÉRITO PARA APURAÇÃO DE FALTA GRAVE. MEMBRO DA CIPA – CARÊNCIA DE AÇÃO – o Empregado eleito membro da CIPA, detém garantia no emprego. Posto que vedada a dispensa arbitrária, não há obstáculo para a despedida, desde que se dê por motivos disciplinares, técnicos, econômicos ou financeiros. Nesse sentido, não há interesse jurídico no ajuizamento de inquérito para apuração de falta grave, já que o manejo deste instituto só tem lugar para desconstituir o contrato de trabalho de empregados em que a dispensa é vedada sem autorização judicial (TRT 3ª R., RO 0065200-45.2009.5.03.0093, 9ª T., Red. Desig. Des. Antonio Fernando Guimaraes, DEJT 1º-6-2010).
INQUÉRITO PARA APURAÇÃO DE FALTA GRAVE. ESTABILIDADE ACIDENTÁRIA. Nos termos da lei, o empregador pode dispensar o empregado beneficiário da garantida de emprego por acidente de trabalho sem a figura do inquérito judicial, na hipótese de justa causa. Desta forma, acompanhando o voto vista, impõe-se o reconhecimento da ausência de interesse da indiciante para a presente demanda, extinguindo-se o processo de ofício, nos termos do disposto no art. 267, VI, do CPC. O presente voto, ou parte dele, é fruto de minuta aprovada pela Exma. Juíza Relatora originária e, em razão da Resolução Administrativa n. 06/2008-(1087), publicada no DJU de 14.03.2008, p. 955, referendada pelo atual Relator (TRT 10ª R., ROPS 00405-2007-821-10-00-4, 2ª T., Rel. Des. José Leone Cordeiro Leite, DO 18-7-2008).
INQUÉRITO JUDICIAL PARA APURAÇÃO DE FALTA GRAVE – INTERESSE DE AGIR – EMPREGADA GESTANTE. 1. Consoante o disposto no art. 853 da CLT, reputado violado pelo Agravante, para a instauração do inquérito para apuração de falta grave contra empregado garantido com estabilidade, o empregador apresentará reclamação por escrito à Vara do Trabalho ou Juízo de Direito, dentro de 30 dias, contados da data da suspensão do empregado. 2. No caso, o Regional manteve a sentença que extinguiu o feito sem a resolução de mérito, salientando que afigura-se desnecessário o ajuizamento de inquérito judicial para a apuração de falta grave de empregada gestante, ou seja, portadora de garantia provisória de emprego. 3. O entendimento adotado pelo Regional não viola o art. 853 da CLT invocado no recurso de revista e reiterado no agravo de instrumento, o qual trata do procedimento a ser observado no inquérito a que se refere o art. 494 da CLT, que, por sua vez dispõe apenas sobre a estabilidade decenal. Mesmo se considerarmos que é necessário o ajuizamento de inquérito para a apuração de falta grave cometida por outros empregados estáveis, não há como estender essa exigência para a empregada gestante que apenas detém garantia provisória de emprego. Tampouco resta violado o art. 4º, I, do CPC, uma vez que o Colegiado de origem interpretou de forma razoável a norma contida nesse dispositivo, incidindo o óbice da Súmula 221, II, do TST. 4. No que tange à violação do art. 5º, XXXV, da CF, o apelo não merece prosperar, na medida em que a ofensa ao referido dispositivo é, em regra, reflexa, não atendendo, portanto, a exigência contida no art. 896, c, da CLT. Agravo de instrumento desprovido (TST-AIRR 1577/2005-001-15-40, 7ª T., Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho, DJ 13-6-2008).
Nessa ordem, o empregador não necessita (ausência de interesse de agir) de autorização judicial para dispensar o(a) empregado(a) acidentado(a), gestante ou cipeiro(a). Ao revés, o empregador deve ficar em posição defensiva, aguardando eventual ação ajuizada pelo trabalhador e, em contestação, comprovar que a dispensa se deu por justa causa ou não arbitrária, como se infere do art. 165, parágrafo único, da CLT, que é aplicável, por analogia, a todos os casos em que haja vedação de dispensa arbitrária ou sem justa causa.
É importante destacar que nos termos da Súmula 443 do TST: “Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego”.
Em tal hipótese, está-se diante de vedação de dispensa discriminatória, e não de garantia ou estabilidade no emprego. O fundamento dessa proteção especial à dignidade do cidadão trabalhador repousa na Lei n. 9.029/95, cujo art. 1º dispõe, in verbis:
Art. 1º Fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal.
No caso de dispensa discriminatória, o art. 4º da referida lei prescreve:
Art. 4º O rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, nos moldes desta Lei, além do direito à reparação pelo dano moral, faculta ao empregado optar entre: (Redação dada pela Lei n. 12.288, de 2010)
I – a readmissão com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente, acrescidas dos juros legais;
II – a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais.
Parece-nos que, nestes casos, pode empregado optar entre a readmissão (rectius, reintegração) ou a indenização em dobro, desde o afastamento até o dia em que ajuizou a ação. Logo, também não se aplica nestes casos o inquérito para apuração de falta grave, devendo o empregador aguardar em posição defensiva eventual propositura de ação pelo trabalhador.
O procedimento do inquérito judicial para apuração de falta grave encontra-se regulado nos arts. 853 a 855, bem como nos arts. 494 a 499, todos da CLT.
Assim, nos termos do art. 853 da CLT, para a apuração de falta grave contra empregado garantido com estabilidade, nos moldes alhures ressaltados, o empregador (autor) ajuizará reclamação por escrito (não é permitida a reclamação verbal) perante a Vara do Trabalho, dentro de trinta dias, contados da data da suspensão do empregado (réu). Esse prazo é decadencial, pois se trata de ação constitutiva de direito, isto é, por meio dela o empregador objetiva extinguir uma relação jurídica. Esse entendimento está cristalizado na Súmula 62 do TST.
Se não houver suspensão do empregado, parece-nos que a interpretação a contrario sensu do art. 853 da CLT autoriza a ilação de que o empregador terá o prazo de até dois anos para ajuizar o inquérito (CF, art. 7º, XXIX, c/c o art. 11 da CLT)[854], uma vez que o objetivo precípuo da ação é justamente extinguir o contrato de trabalho do empregado estável. Logo, parece-nos razoável concluir que, caso não tenha havido suspensão do empregado estável, o prazo bienal para o aforamento do inquérito é decadencial e inicia-se a partir do momento em que o empregador tomou ciência da falta grave imputada ao empregado. Nesse caso, porém, será discutível a questão do perdão tácito do empregador. Mas aí estar-se-á tratando do próprio mérito da demanda, e não de decadência (prejudicial de mérito).
As custas, em se tratando de inquérito judicial, constituíam exceção à regra do pagamento ao final, na medida em que o art. 789, § 4º, da CLT, dispunha que elas deveriam ser pagas antes do julgamento da causa.
Com o advento da Lei n. 10.537, de 27 de agosto de 2002, que entrou em vigor trinta dias depois de sua publicação, restou suprimida a regra constante do referido parágrafo, donde se infere que não há mais previsão para o pagamento prévio das custas. Aliás, o novel § 1º do art. 789 da CLT, sem qualquer exceção, dispõe que as “custas serão pagas pelo vencido após o trânsito em julgado da decisão”, e, no caso de recurso, “as custas serão pagas e comprovado o recolhimento dentro do prazo recursal”.
Se o pedido de resolução contratual formulado no inquérito judicial for julgado improcedente, ou seja, reconhecida a inexistência de falta grave praticada pelo empregado (réu), fica o empregador (autor) obrigado a readmiti-lo (e não a “readmiti-lo no serviço”, como consta equivocadamente do art. 495 da CLT) no emprego e a pagar-lhe os salários e demais vantagens a que teria direito no período de afastamento, o que demonstra a natureza dúplice dessa ação especial, pois o empregado não necessita reconvir ou ajuizar outra ação para ser reintegrado. Nesse sentido:
REINTEGRAÇÃO. ART. 495, CLT. Na sentença que determina a reintegração do empregado, já está implícita a obrigação do empregador de pagar os salários decorrentes do período de suspensão, inteligência do art. 495 da CLT. DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO. Da decisão sob a qual se operou o trânsito em julgado não comporta mais discussões, tendo em vista a necessidade de se manter a estabilidade nas relações jurídicas, inclusive, com observância obrigatória aos princípios da segurança e certeza jurídicas (TRT 14ª R., AP 00074.1997.001.14.00-8, Rel. Juiz Mário Sérgio Lapunka, DO 19-4-2006).
DANO MORAL. NÃO PAGAMENTO DE SALÁRIOS. INQUÉRITO PARA APURAÇÃO DE FALTA GRAVE IMPROCEDENTE. CLT, ARTIGO 495. 1. É lícito ao empregador suspender o empregado que figura como réu em inquérito para apuração de falta grave, suspendendo, igualmente, o pagamento de salários relativo ao período. Contudo, julgada improcedente aquela pretensão, afastando o caráter de justa causa da falta, é devido o pagamento dos salários do período de suspensão. 2. O não pagamento depois de mais de um ano de transitado em julgado o inquérito não pode ser tolerado, mormente no caso em tela, em que transpareceu a motivação política escusa de tal atitude. Pelos transtornos comprovadamente causados ao reclamante, é devida compensação pelo dano moral sofrido. Recurso do reclamante provido (TRT-9ª R., RO 493-2011-656-9-0-3, Rel. Des. Cássio Colombo Filho, 1ª T., DEJT 28-8-2012).
A respeito da sentença de improcedência na ação de inquérito para apuração de falta grave, lembra com percuciência Cláudio Armando Couce de Menezes que:
A sentença que rejeita o pedido do inquérito assume caráter condenatório ao estabelecer a responsabilidade do empregador no pagamento de salários e todas as vantagens referentes ao período de afastamento do empregado. E adquire conteúdo mandamental no momento em que ordena o imediato retorno ao trabalho do obreiro suspenso. Em não havendo suspensão, a sentença de procedência consiste em uma mera declaração (negativa), podendo gerar, no máximo, futura ação reparatória por danos morais. A reintegração, conforme já noticiado, traz para o trabalhador todos os direitos, devidos a título de aumentos salariais e de remuneração, promoções, reajustes, inclusive férias (arts. 495, 471 e 131, V, da CLT). Resta saber até que momento suportará o empregador os ônus de sua sucumbência. A resposta não pode ser outra que não o efetivo trânsito em julgado da sentença ou, se necessário for ainda medidas executivas, da data do efetivo cumprimento do comando reintegratório. Cabe lembrar a frequência com que essa ordem reintegratória frequentemente é resistida, ou simplesmente ignorada pelo empregador, obrigando o juiz a lançar mão de sanções e do apoio policial para ver finalmente atendida a sua ordem. Consistiria, portanto, em despropositado estímulo e injusta premiação da desobediência, desconsiderar o período em que o empregador descumpriu o mandamento judicial. Em certas ocasiões, porém, o retorno ao trabalho não acarreta o percebimento das vantagens contratuais e dos consectários legais. Com efeito, pode acontecer de a falta cometida pelo obreiro ser insuficiente para resolver o contrato, pois destituída da gravidade que lhe empresta o reclamado. Nesses casos, admite a jurisprudência a figura da readmissão, em que o retomo ao trabalho vem desacompanhado do pagamento dos salários e das outras rubricas trabalhistas. A conversão da reintegração do empregado estável em indenização, segundo a regra geral do direito das obrigações (arts. 879 e 880 do CC e 633 do CPC), hoje já não representa um cânone jurídico. Com o advento da tutela antecipada específica das prestações de fazer, admite-se agora o emprego de todos os meios necessários à efetividade da decisão (art. 461, caput e parágrafos, do CPC). De modo que deve o juiz fazer valer sua decisão reintegratória, manu militari se for o caso (§ 5º, do art. 461, do CPC), sem prejuízo de multas e outros instrumentos legítimos de persuasão e pressão contra aquele que se recusa a acatar a ordem do juízo (§§ 3º, 4º e 5º, do art. 461), sob pena de tornar letra morta a proteção legal e constitucional da estabilidade[855].
Destarte, a improcedência do inquérito implica interrupção do contrato de trabalho, pois o tempo de serviço do período de afastamento é integralmente computado, fazendo jus o obreiro aos salários do mesmo período e a todas as demais vantagens como se não tivesse sido afastado do emprego.
Tendo em vista que o inquérito judicial para apuração de falta grave possui natureza dúplice, o empregado (réu) não necessita reconvir ou ajuizar outra ação para ser reintegrado e receber salários e demais vantagens trabalhistas relativas ao período de afastamento. Neste caso, o empregado seria carecedor da ação reconvencional por ausência de interesse na modalidade necessidade.
Todavia, se o empregado pretender verbas outras não vinculadas diretamente ao contrato de trabalho, como, por exemplo, danos morais, parece-nos que ele terá interesse processual em propor a ação de reconvenção. Nesse sentido:
INQUÉRITO PARA APURAÇÃO DE FALTA GRAVE. ESTABILIDADE DE CIPEIRO. INADEQUAÇÃO. A extinção da estabilidade do “cipeiro” ocorre ope iuris, isto é, por simples declaração de vontade, dispensado o ajuizamento de inquérito judicial. Não há nos autos norma contratual ou coletiva que disponha sobre a necessidade do inquérito para dispensa do membro da CIPA. Assim, a requerente não precisava opor o inquérito para ver extinta a relação de emprego. Bastava dispensar o réu por justa causa ou um dos motivos previstos em lei, e, caso este interpusesse reclamação, comprovar o motivo. Esta é a exegese do parágrafo único, do art. 165, da CLT. Portanto, falta uma das condições da ação, pois não há interesse de agir. RECONVENÇÃO. INDENIZAÇÃO PELO PERÍODO ESTABILITÁRIO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Comprovado o motivo justo para dispensa do CIPEIRO, mantenho a improcedência do pedido reconvencional, pois indevida a indenização do período estabilitário, já que a estabilidade teve fim com justa causa reconhecida (art. 165, da CLT). Indevida, ainda, a indenização por danos morais, já que comprovadas todas as alegações da requerente, e não demonstrado que o reconvinte tenha sido exposto por conta dos fatos narrados (TRT 1ª R., RO 02023001920065010282, Rel. Des. Volia Bomfim Cassar, 2ª T., DEJT 10-7-2014).
Não obstante o acórdão supra não contemple a procedência do pedido de danos morais na reconvenção, apreciou o mérito e julgou improcedente a demanda reconvencional.
A lei prevê que quando a reintegração do empregado estável for desaconselhável, dado o grau de incompatibilidade resultante do dissídio, especialmente quando for o empregador pessoa física, o juiz do trabalho poderá converter a obrigação de fazer (reintegrar) em obrigação de indenizar (CLT, art. 496).
A indenização corresponderá ao dobro dos valores que seriam devidos ao empregado caso fosse despedido sem justa causa nos contratos por tempo indeterminado (CLT, art. 497).
Quando se tratar de “estabilidade provisória” que demande a instauração do inquérito judicial, a reintegração também poderá ser convertida em indenização, tanto na hipótese do art. 496 da CLT, quanto no caso de exaurimento do período estabilitário.
É importante lembrar que a Súmula 396 do TST disciplina que:
I – Exaurido o período de estabilidade, são devidos ao empregado apenas os salários do período compreendido entre a data da despedida e o final do período de estabilidade, não lhe sendo assegurada a reintegração no emprego.
II – Não há nulidade por julgamento extra petita da decisão que deferir salário quando o pedido for de reintegração, dados os termos do art. 496 da CLT.
Diz o art. 855 da CLT que, se tiver havido prévio reconhecimento da estabilidade do empregado, o julgamento do inquérito não prejudicará a execução para pagamento dos salários devidos ao empregado, até a data da instauração do mesmo inquérito. Esse artigo carece de clareza, o que autoriza a ilação de que se está diante daquelas situações em que o empregado estável continua prestando serviços à empresa (sem a ocorrência de suspensão).
De toda a sorte, parece-nos que a data da extinção do contrato de trabalho, se procedente o pedido objeto do inquérito, deve ser considerada como a do ajuizamento dessa ação especial.
Já vimos no Capítulo I, item 11, que existem diversas formas (ou métodos) de solução dos conflitos individuais e coletivos. No que tange aos conflitos coletivos podemos destacar as formas:
a) autocompositivas, como os acordos coletivos, as convenções coletivas e a mediação;
b) heterocompositivas, como a arbitragem e a jurisdição.
A greve, citada por alguns como forma de solução dos conflitos coletivos, constitui, para nós, um meio de autodefesa ou um instrumento de pressão econômica e política conferido aos trabalhadores socialmente organizados que possibilitará a solução do conflito. Vale dizer, não é a greve em si que soluciona o conflito, pois a greve possui natureza instrumental, mas sim as normas autocompositivas ou heterocompositivas que certamente dela – greve – surgirão.
Nas formas autocompositivas, as normas coletivas que irão solucionar o conflito são criadas pelos próprios atores sociais interessados, como nos casos de convenção ou acordo coletivo, ou com o auxílio de um terceiro cuja tarefa é apenas aconselhar as partes para a solução do impasse.
As formas autocompositivas são, portanto, extrajudiciais e decorrem da negociação coletiva e do princípio da autonomia privada coletiva.
Como bem observa Wagner D. Giglio,
o resultado da autocomposição dos conflitos coletivos depende da liberdade da negociação, e essa liberdade requer igualdade de situação, que já não existe mais. A pressão exercida pelas condições da economia atual, de desemprego generalizado, sem perspectiva de melhora, torna ineficazes as formas tradicionais de composição dos conflitos: a negociação direta, a mediação e a conciliação delas resultantes. Como consequência das condições atuais, os resultados dessas formas de autocomposição dos conflitos coletivos têm sido bastante desfavoráveis aos trabalhadores: na melhor das hipóteses, são mantidos os direitos anteriores e garantidos, temporariamente, os empregos; na pior, reduzem-se benefícios, negociam-se rescisões contratuais e generaliza-se a insatisfação, que vai eclodir nas etapas seguintes de negociação[856].
Já as formas heterocompositivas podem ser extrajudiciais, como a arbitragem, que é largamente utilizada nos Estados Unidos e em quase todos os países da Europa ocidental, ou judiciais, como é o caso do Brasil.
A arbitragem consiste em atribuir a solução do conflito à decisão de um terceiro, pessoa ou grupo de pessoas físicas, entidade administrativa ou órgão judicial.
Nos domínios do direito processual do trabalho brasileiro, a arbitragem é prevista expressamente como meio alternativo à solução dos conflitos coletivos de trabalho, como se infere do art. 114, §§ 1º e 2º, da CF, in verbis:
(...)
§ 1º Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.
§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente (Redação dada pela EC n. 45/2004).
Há, por outro lado, previsão no art. 83, XI, da Lei Complementar n. 75/93, segundo o qual o MPT pode “atuar como árbitro, se assim for solicitado pelas partes, nos dissídios de competência da Justiça do Trabalho”.
Pertinente a lição de Wagner D. Giglio, para quem
a submissão do conflito coletivo à solução arbitral pode resultar de previsão em norma jurídica, caso em que se diz obrigatória. Se não houver previsão, a arbitragem será facultativa. Se decorrer de regra ajustada entre os contendores, a arbitragem será contratual; se resultar de norma prevista em lei, será legal. Se o árbitro ou árbitros forem escolhidos entre os opositores, teremos a arbitragem particular; se for fornecido pelo Estado, a arbitragem será oficial[857].
No Brasil, a solução jurisdicional dos conflitos coletivos de trabalho entre categorias profissionais e econômicas é feita por meio do dissídio coletivo.
Dissídio coletivo, segundo Amauri Mascaro Nascimento,
é um processo destinado à solução de conflitos coletivos de trabalho, por meio de pronunciamentos normativos constitutivos de novas condições de trabalho, equivalentes a uma regulamentação para os grupos conflitantes. Assim, dissídios coletivos são relações jurídicas formais, geralmente da competência originária dos Tribunais, destinadas à elaboração de normas gerais. Confia-se, assim, à jurisdição, a função de criar direito novo, como meio para resolver as controvérsias dos grupos[858].
Para Valentin Carrion,
os dissídios, como os denomina a CLT, na acepção de “processo”, ou seja, o meio de exercer uma ação para compor a lide, podem ser individuais ou coletivos. Aqueles têm por objeto direitos individuais subjetivos, de um empregado (dissídio individual singular) ou vários (dissídio individual plúrimo). O dissídio coletivo visa direitos coletivos, ou seja, contém as pretensões de um grupo, coletividade ou categoria profissional de trabalhadores, sem distinção dos membros que a compõem, de forma genérica[859].
É preciso, no entanto, analisar o dissídio coletivo não como processo em si, mas, ao revés, como ação, pois é esta que instaura o processo. Vale dizer, dissídio coletivo não é um processo, e sim uma ação. Melhor seria, então, chamada de “ação de dissídio coletivo”.
Assim, a natureza jurídica do dissídio coletivo é de uma espécie de ação coletiva, porque a legitimidade ativa ad causam é conferida a ente coletivo e a decisão (“sentença normativa”) produzirá efeitos ultra partes, como o dissídio de natureza econômica (interesse coletivo da categoria) ou erga omnes, como o dissídio de greve em atividade essencial (interesse difuso da coletividade).
Além disso, urge conceituar o dissídio coletivo sob a perspectiva da nova ordem constitucional brasileira, inaugurada a partir da Constituição Federal de 1988 e à luz da EC n. 45/2004.
Para nós, portanto, o dissídio coletivo é uma espécie de ação coletiva de matriz constitucional conferida a determinados entes coletivos, geralmente os sindicatos, para a defesa de interesses cujos titulares materiais não são pessoas individualmente consideradas, mas sim grupos ou categorias econômicas, profissionais ou diferenciadas, visando à criação ou interpretação de normas que irão incidir no âmbito dessas mesmas categorias[860].
Quando mencionamos determinados entes coletivos, devemos lembrar que no ordenamento jurídico brasileiro não apenas os sindicatos das categorias econômicas e das categorias profissionais são legitimados para propor o dissídio coletivo, como também o Ministério Público do Trabalho, nos casos de greve que atinja interesse público, ou a própria empresa, na hipótese de malogro de celebração de acordo coletivo ou de greve.
Para o jurista José Augusto Rodrigues Pinto[861] o dissídio coletivo pode ser primário (de interesse), que gera a sentença normativa. Esse dissídio coletivo de interesse, por sua vez, pode dar lugar a três outros dissídios coletivos, secundários ou derivados, visando a estender-lhe os efeitos (dissídio coletivo de extensão), revisar-lhe as condições (dissídio coletivo de revisão) ou interpretar-lhe os dispositivos (dissídio coletivo jurídico).
É importante assinalar que, de acordo com o art. 220 do RITST, os dissídios coletivos podem ser:
I – de natureza econômica, para a instituição de normas e condições de trabalho;
II – de natureza jurídica, para interpretação de cláusulas de sentenças normativas, de instrumentos de negociação coletiva, acordos e convenções coletivas, de disposições legais particulares de categoria profissional ou econômica e de atos normativos;
III – originários, quando inexistentes ou em vigor normas e condições especiais de trabalho decretadas em sentença normativa;
IV – de revisão, quando destinados a reavaliar normas e condições coletivas de trabalho preexistentes que se hajam tornado injustas ou ineficazes pela modificação das circunstâncias que as ditaram; e
V – de declaração sobre a paralisação do trabalho decorrente de greve. (grifo nosso)
Para nós, os dissídios coletivos podem ser classificados em dissídio coletivo de natureza econômica, jurídica ou mista, pois, a rigor, os dissídios coletivos originários e os de revisão são subespécies de dissídios coletivos de natureza econômica. Os dissídios coletivos de greve são ecléticos (natureza jurídica e econômica), porquanto declaram a abusividade (ou não) da greve e instituem (ou não) cláusulas que tratam de condições de trabalho.
Trata-se de ação constitutiva, pois visa à prolação de sentença normativa que criará novas normas ou condições de trabalho que irão vigorar no âmbito das relações empregatícias individuais (CF, art. 114, § 2º).
Os dissídios coletivos de natureza econômica podem ser subclassificados em:
• originário ou inaugural – quando não há norma coletiva anterior (CLT, art. 867, parágrafo único, a);
• revisional – objetiva à revisão de norma coletiva anterior (CLT, arts. 873 a 875);
• de extensão – visa estender a toda a categoria as normas ou condições que tiveram como destinatários apenas parte dela (CLT, arts. 868 a 871).
O dissídio coletivo de natureza jurídica é, na verdade, uma ação declaratória, cujo objeto reside apenas na interpretação de cláusulas previstas em instrumentos normativos coletivos preexistentes que vigoram no âmbito de uma dada categoria.
Não é cabível quando se pretende interpretar norma legal de caráter geral para toda a classe trabalhadora (TST/SDC, OJ n. 7).
O dissídio coletivo de greve (Lei n. 7.783/89, art. 8º) pode ter natureza meramente declaratória, se seu objeto residir apenas na declaração de abusividade ou não do movimento paredista.
Se, todavia, o tribunal apreciar e julgar os pedidos versados nas cláusulas constantes da pauta de reivindicações, o dissídio coletivo de greve terá natureza mista, pois, a um só tempo, a sentença normativa correspondente declarará a abusividade (ou não) do movimento paredista e constituirá (ou não) novas relações coletivas de trabalho (CF, art. 114, § 3º; Lei n. 7.783/89, art. 8º).
Sobre dissídio coletivo de greve, colecionamos as principais OJs da SDC/TST:
OJ 10 – GREVE ABUSIVA NÃO GERA EFEITOS. É incompatível com a declaração de abusividade de movimento grevista o estabelecimento de quaisquer vantagens ou garantias a seus partícipes, que assumiram os riscos inerentes à utilização do instrumento de pressão máximo.
OJ 11 – GREVE. IMPRESCINDIBILIDADE DE TENTATIVA DIRETA E PACÍFICA DA SOLUÇÃO DO CONFLITO. ETAPA NEGOCIAL PRÉVIA. É abusiva a greve levada a efeito sem que as partes hajam tentado, direta e pacificamente, solucionar o conflito que lhe constitui o objeto.
OJ 38 – GREVE. SERVIÇOS ESSENCIAIS. GARANTIA DAS NECESSIDADES INADIÁVEIS DA POPULAÇÃO USUÁRIA. FATOR DETERMINANTE DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DO MOVIMENTO. É abusiva a greve que se realiza em setores que a lei define como sendo essenciais à comunidade, se não é assegurado o atendimento básico das necessidades inadiáveis dos usuários do serviço, na forma prevista na Lei n. 7.783/89.
No âmbito do direito laboral pátrio, sabe-se que o tradicional sistema processual coletivo do trabalho recebeu forte influência da Carta del Lavoro, apresentando-se, por isso mesmo, ultrapassado e incapaz de solucionar satisfatoriamente os novos e cada vez mais complexos conflitos trabalhistas de massa.
Entre os inúmeros fundamentos que empolgam essa afirmação, podemos destacar a opinião corrente de que a função anômala do Poder Normativo da Justiça do Trabalho, como criador de normas heterônomas gerais e abstratas aplicáveis às categorias profissionais e econômicas e que produzirão efeitos nas relações individuais de trabalho, inibe ou desencoraja a desejável solução democrática da autocomposição dos conflitos coletivos adotada em quase todas as democracias contemporâneas.
O Poder Normativo da Justiça do Trabalho encontra fundamento no § 2º do art. 114 da CF, com nova redação dada pela EC n. 45/2004, segundo o qual:
Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.
Há entendimentos de que o preceptivo constitucional em causa instituiu a arbitragem oficial no Brasil, extinguindo, assim, o Poder Normativo da Justiça do Trabalho. De nossa parte, pensamos que a sentença normativa, que é recorrível, não se equipara à sentença arbitral (irrecorrível), razão pela qual não nos parece que a EC n. 45/2004 teria proscrito o poder normativo. A exigência do “comum acordo” para a instauração dos dissídios coletivos de natureza econômica restringe, sem dúvida, a via de acesso ao exercício do poder normativo, mas não foi intenção do constituinte derivado a extinção desse poder anômalo conferido à Justiça do Trabalho.
A competência para processar e julgar os dissídios coletivos é original e funcionalmente dos Tribunais (Superior ou Regionais) do Trabalho (CLT, arts. 856 e 860).
Nesse sentido, dispõe o Precedente Normativo n. 29 do TST que: “Compete aos Tribunais do Trabalho decidir sobre o abuso do direito de greve”. Logo, os juízes das Varas do Trabalho não têm competência funcional para declarar a abusividade ou não da greve.
No entanto, os juízes das Varas do Trabalho têm competência para processar e julgar “as ações que envolvam exercício do direito de greve” (CF, art. 114, II), como os interditos proibitórios que tenham pertinência com o exercício do direito de greve.
Já vimos em outra parte deste livro que a lei processual civil brasileira estabelece como uma das causas de extinção do processo sem resolução do mérito a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo (CPC, art. 267, IV).
Nos domínios do direito processual do trabalho, embora omissa a CLT, podemos dizer que também o processo atinente ao dissídio coletivo deve satisfazer determinados pressupostos de cabimento.
Os pressupostos processuais em sede de dissídio coletivo podem ser: subjetivos e objetivos.
• Subjetivos:
a) competência – a competência para apreciar dissídios coletivos é dos Tribunais do Trabalho, ou seja, as Varas do Trabalho são incompetentes para essa espécie de demanda coletiva. O dissídio coletivo é, portanto, de competência funcional originária dos tribunais trabalhistas, segundo o âmbito territorial do respectivo dissídio coletivo. Trata-se, portanto, de cumulação de competência funcional e territorial. Por exemplo, se o dissídio for circunscrito à base territorial de TRT (CLT, art. 678, I, a, e Lei n. 7.701/88, art. 6º), será este o competente funcional e territorialmente para apreciar e julgar a ação dissidial; se ultrapassar tal base, tal competência será do TST (CLT, art. 702, I, b, e Lei n. 7.701/88, art. 2º, I, a);
b) capacidade processual – no dissídio coletivo quem postula em juízo não é a categoria diretamente (o conjunto dos empregados), mas o sindicato que a representa (CF, arts. 8º, III, e 114, § 2º; CLT, art. 857), sendo certo que a nova redação dada pela EC n. 45/2004 ao § 2º do art. 114 da CF estabelece que as partes, ou seja, sindicatos ou empresas, poderão, de comum acordo, ajuizar o dissídio coletivo de natureza econômica.
• Objetivos:
a) negociação coletiva prévia – alguns autores referem a frustração da negociação coletiva (CF, art. 114, §§ 1º e 2º) como pressuposto processual objetivo[862]. De nossa parte, isso não é pressuposto processual, e sim condição da ação, ou seja, a ausência de negociação coletiva prévia implica falta de interesse de agir do suscitante, na medida em que o bem da vida reivindicado no dissídio coletivo poderia ser alcançado, previamente, sem a necessidade de intervenção do Poder Judiciário, isto é, mediante autocomposição das partes. De toda sorte, a não comprovação do exaurimento das tentativas de negociação coletiva desaguará na extinção do processo sem resolução do mérito;
b) inexistência de norma coletiva em vigor – tanto as convenções coletivas e os acordos coletivos quanto a sentença normativa têm vigência temporária (CLT, arts. 614, § 3º, 867 e 873), impedindo o ajuizamento de novo dissídio coletivo durante esse período, salvo na hipótese de greve, tal como previsto no art. 14, parágrafo único, da Lei n. 7.783/89;
c) observância da época própria para ajuizamento – não há prazo prescricional para o ajuizamento do dissídio coletivo, tendo em vista que nele não se postulam créditos previstos em normas preexistentes, ou seja, não se buscam na ação de dissídio coletivo direitos subjetivos, mas, tão somente, a criação de normas gerais e abstratas (direito objetivo) que irão reger as relações – individuais e coletivas – de trabalho das categorias representadas na ação. Todavia, a CLT estabelece algumas regras para o ajuizamento do dissídio coletivo apenas no que concerne à eficácia no tempo da sentença normativa (art. 867, a e b). Dito de outro modo, se ultrapassados os prazos previstos nas alíneas a e b do art. 867 da CLT, “a categoria ficará exposta ao vazio normativo temporário, na medida em que a sentença normativa prolatada não poderá retroagir à data-base da categoria (CLT, art. 867, parágrafo único, b), mas entrará em vigor apenas a partir de sua publicação (CLT, art. 867, parágrafo único, a). Para estimular a continuidade da negociação coletiva e, ao mesmo tempo, preservar a data-base da categoria, caso seja finalmente frustrada a negociação, criou o TST a figura do protesto judicial (IN n. 4/93, item II)[863], proposto pelo sindicato, de forma a postergar por mais de 30 dias o ajuizamento do dissídio, sem perda da data-base”[864];
d) petição inicial (representação) apta – a petição inicial do dissídio coletivo, além de ser obrigatoriamente escrita, deve conter os requisitos enumerados no item 3.5.1 infra;
e) “comum acordo” entre as partes – tendo em vista a nova redação dada pela EC n. 45/2004 ao § 2º do art. 114 da CF, foi criado – para uns, um novo pressuposto processual, para outros, uma nova condição da ação – para o cabimento do dissídio coletivo de natureza econômica: as partes deverão estar “de comum acordo” para o ajuizamento da demanda.
No tocante ao mútuo consentimento, se uma das partes não concordar com a propositura do DC de natureza econômica, a Justiça do Trabalho deverá extinguir o processo, sem resolução do mérito.
Há, porém, cizânia doutrinária e jurisprudencial acerca da constitucionalidade do novel § 2º do art. 114 da CF, introduzido pela EC n. 45/2004, pois há entendimento de que essa regra fere o princípio da inafastabilidade do acesso à justiça (CF, art. 5º, XXXV), mas também há quem entenda que o dissídio coletivo de natureza econômica implica criação de direito novo (interesse para instituição de novas normas de trabalho), e não lesão a direito subjetivo preexistente, ou seja, o princípio constitucional não seria violado porque não se trata de hipótese de lesão ou ameaça a direito subjetivo, e sim de interesse da categoria na criação de direito novo. Com a palavra o Supremo Tribunal Federal. Voltaremos a examinar a questão na epígrafe 3.5.1.1, letra g, infra.
A petição inicial do dissídio coletivo, também chamada de “representação” ou “instauração da instância” na linguagem do texto consolidado, deve ser obrigatoriamente escrita, segundo dispõe o art. 856 da CLT, e deve satisfazer às exigências comuns a todas as petições iniciais (CPC, art. 282), bem como aos requisitos objetivos e subjetivos.
Há determinados documentos que são imprescindíveis ao ajuizamento do DC, pois por meio deles será possível verificar o preenchimento das condições da ação e dos pressupostos processuais. São documentos essenciais à propositura da ação dissidial coletiva:
a) edital – edital de convocação da assembleia geral da categoria;
b) ata – ata da assembleia geral;
c) listagem – lista de presença da assembleia geral;
d) registros da frustração da negociação coletiva – correspondência, registros e atas referentes à negociação coletiva tentada ou realizada diretamente ou mediante a intermediação do órgão competente do Ministério do Trabalho;
e) norma anterior – norma coletiva anterior (acordo coletivo, convenção coletiva ou sentença normativa), se for o caso, isto é, se o dissídio é revisional;
f) instrumento de mandato – procuração passada pelo presidente do suscitante ao advogado subscritor da representação (é, porém, facultativa a representação por advogado, conforme o art. 791, § 2º, da CLT, observando-se, contudo, o conteúdo da Súmula 425 do TST);
g) mútuo consentimento – comprovação da concordância – tácita ou expressa – entre as partes para o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica. Este novo requisito foi criado pela EC n. 45/2004, que deu nova redação ao § 2º do art. 114 da CF (vide item 3.6.2.1, infra).
Os requisitos subjetivos dizem respeito à forma pela qual deve ser articulada a pretensão do suscitante (CLT, arts. 857 e 858), a saber:
a) designação da autoridade competente
A autoridade competente para o endereçamento da petição inicial no dissídio coletivo é sempre o Presidente do TRT ou do TST, conforme a extensão da base territorial da categoria profissional representada pela entidade sindical correspondente, como, por exemplo, os dissídios instaurados em face do Banco do Brasil ou da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, a competência originária é do TST, sendo a petição inicial dirigida ao seu Ministro Presidente, enquanto aqueles dissídios instaurados em face do BANESTES-Banco do Estado do Espírito Santo são dirigidos ao Presidente do TRT da 17ª Região/ES;
b) qualificação dos suscitantes e suscitados
Deve-se indicar a delimitação territorial de representação das entidades sindicais, as categorias profissionais e econômicas envolvidas no dissídio coletivo e, ainda, o quorum estatutário para deliberação da assembleia;
c) bases da conciliação
A petição inicial deverá conter a proposta das cláusulas que o sindicato deseja ver instituídas. Trata-se, pois, da pauta de reivindicação da categoria profissional representada pelo sindicato que deve ser reproduzida na petição inicial;
d) fundamentos da demanda
Nos termos do art. 12 da Lei n. 10.192/2001:
No ajuizamento do dissídio coletivo, as partes deverão apresentar, fundamentadamente, suas propostas finais, que serão objeto de conciliação ou deliberação do Tribunal, na sentença normativa.
Assim, a petição inicial do dissídio coletivo deverá conter os motivos do dissídio e as bases de conciliação. Vale dizer, a inicial deve indicar os motivos que justificam as cláusulas constantes da pauta de reivindicações da categoria profissional. São as razões fáticas (econômicas e sociais) que empolgarão a instituição ou alteração das condições legais e convencionais mínimas vigentes no âmbito da categoria, como, por exemplo, reajuste salarial, adicional de produtividade, adicional de horas extras (cláusulas econômicas), concessão de licença para fins de aperfeiçoamento, ampliação da licença à gestante (cláusulas sociais). A fundamentação específica de cada cláusula passa a ser um requisito essencial à petição inicial do dissídio coletivo.
Segundo o Precedente Normativo n. 37 do TST: “Nos processos de dissídio coletivo só serão julgadas as cláusulas fundamentadas na representação, em caso de ação originária, ou no recurso”. Noutros termos, as cláusulas (pedidos) não fundamentadas devidamente são indeferidas de plano sem resolução do mérito.
No mesmo sentido é a OJ n. 32 da SDC/TST, in verbis:
REIVINDICAÇÕES DA CATEGORIA. FUNDAMENTAÇÃO DAS CLÁUSULAS. NECESSIDADE. APLICAÇÃO DO PRECEDENTE NORMATIVO N. 37 DO TST (inserida em 19.08.1998). É pressuposto indispensável à constituição válida e regular da ação coletiva a apresentação em forma clausulada e fundamentada das reivindicações da categoria, conforme orientação do item VI, letra “e”, da Instrução Normativa n. 4/93[865].
Por interpretação lógica, se o pedido deve ser fundamentado, com muito mais razão a sentença normativa também deverá ser fundamentada, sob pena de nulidade, como, aliás, dispõe o art. 93, IX, da CF.
Por ser o dissídio coletivo uma ação, o seu exercício encontra-se condicionado à satisfação de todos os requisitos exigidos para as demais ações civis, como a possibilidade jurídica do pedido, a legitimação ad causam e o interesse processual, já estudados.
A ausência de quaisquer dessas condições implica extinção do processo sem resolução do mérito, a teor do art. 267, VI, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo do trabalho, por força do art. 769 da CLT.
As partes no dissídio coletivo são: no polo ativo, suscitante; no passivo, suscitado.
vaticina o art. 856 da CLT que a “instância será instaurada mediante representação escrita ao presidente do Tribunal. Poderá ser também instaurada por iniciativa do presidente, ou, ainda, a requerimento da Procuradoria da Justiça do Trabalho, sempre que ocorrer suspensão do trabalho”. No artigo seguinte, declara que a “representação para instaurar a instância em dissídio coletivo constitui prerrogativa das associações sindicais, excluídas as hipóteses aludidas no art. 856, quando ocorrer suspensão do trabalho”.
O art. 114, § 2º, da CF/88, com nova redação dada pela EC n. 45/2004, dispõe que, se as partes do conflito coletivo se recusarem à negociação coletiva ou à arbitragem, “é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente”.
A conjugação das normas acima transcritas permite-nos dizer que são partes legítimas ad causam nos dissídios coletivos, de um lado, obrigatoriamente, o sindicato da categoria profissional, que geralmente atua no polo ativo da demanda, e, do outro lado, o sindicato da categoria econômica ou empresa(s) isoladamente considerada(s).
Quando os sujeitos da lide coletiva são os sindicatos, estamos diante de um conflito intercategorial, na medida em que envolve duas categorias – econômica e profissional – distintas. Esse dissídio coletivo decorre de uma convenção coletiva frustrada.
De outro giro, quando os sujeitos da lide são o sindicato da categoria profissional e uma ou mais empresas isoladamente consideradas (não representadas pelo sindicato da categoria econômica), o dissídio coletivo é de âmbito mais restrito, já que ele ocorre diretamente entre um grupo de trabalhadores de determinada empresa, devidamente representados pelo sindicato da categoria profissional correspondente, e o respectivo empregador. Nesse caso, o dissídio coletivo decorre de um acordo coletivo frustrado.
O art. 856 da CLT faculta, ainda, aos Presidentes dos Tribunais do Trabalho a iniciativa da “instauração da instância”, isto é, a legitimação para o ajuizamento do dissídio coletivo. Parece-nos, contudo, que essa norma, no tocante à legitimação conferida ao Presidente do Tribunal do Trabalho, não foi recepcionada pelo art. 114, § 2º, da Constituição Federal, que somente faculta às partes, de comum acordo, a legitimação ad causam da ação coletiva em estudo.
O MPT também pode ajuizar dissídio coletivo de greve perante a Justiça do Trabalho, nos termos do art. 83, VIII, da LC n. 75/93:
Art. 83. Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho:
(omissis)
VIII – instaurar instância em caso de greve, quando a defesa da ordem jurídica ou o interesse público assim o exigir.
Essa norma, a nosso ver, não colidia com a redação original do art. 114, § 2º, da CF, uma vez que o MPT, quando ajuizava o dissídio coletivo de greve, não estava defendendo interesses categoriais, e sim interesses públicos. Dito de outro modo, a legitimação do Parquet Laboral já encontrava fundamento no art. 127, caput, da CF, que lhe conferia poderes para defender a ordem jurídica e os interesses sociais e individuais indisponíveis, como o direito à vida, à segurança, à saúde. Por essa razão, pensávamos que o MPT estaria autorizado a ajuizar dissídio coletivo em caso de greve que colocaria em risco iminente a vida, a saúde ou a segurança das pessoas direta ou indiretamente atingidas pelo movimento de paralisação.
Com o advento da EC n. 45/2004, que deu nova redação ao § 3º do art. 114 da CF, foi reconhecida expressamente a legitimação do Ministério Público do Trabalho para ajuizar dissídio coletivo “em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público”. Pensamos, porém, que não apenas nas greves em atividades essenciais, mas também nas demais greves, o Ministério Público do Trabalho estará sempre legitimado para ajuizar dissídio coletivo em defesa dos interesses sociais ou individuais indisponíveis, como já frisado no parágrafo anterior.
Nos dissídios coletivos de greve, o natural legitimado ativo da demanda é o sindicato representativo da categoria econômica ou a(s) empresa(s) isoladamente considerada(s) e atingida(s) pelo movimento paredista.
O TST não vinha admitindo o dissídio de greve ajuizado pelo próprio sindicato da categoria profissional que deflagrou o movimento paredista. Nesse sentido, era a OJ n. 12 da SDC que, em boa hora, foi cancelada (Resolução TST n. 166/2010, DEJT divulgado em 30-4-2010 e 3 e 4-5-2010). Logo, não há mais o óbice da legitimação sindical obreira para ajuizar dissídio coletivo de greve.
Ajuizado o dissídio de greve, o art. 8º da Lei n. 7.783/89 dispõe que a
Justiça do Trabalho, por iniciativa de qualquer das partes ou do Ministério Público do Trabalho, decidirá sobre a procedência, total ou parcial, ou improcedência das reivindicações, cumprindo ao Tribunal publicar, de imediato, o competente acórdão.
A legitimação ativa para o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica é, como já ressaltado, conferida aos sindicatos (ou sindicato da categoria profissional e empregador), consoante a regra estabelecida no art. 114, § 2º, da CF.
Embora alguns autores sustentem que, quando o sindicato obreiro figura como demandante, seria o caso de substituição processual, pensamos que se trata efetivamente de representação legal. É que, a nosso ver, a substituição processual concerne apenas à legitimação ad causam conferida a alguns entes coletivos (MPT, sindicatos, associações etc.) para, independentemente de autorização dos substituídos, defender interesses individuais homogêneos (ou individuais da categoria, segundo a dicção do art. 8º, III, da CF). Na substituição processual, portanto, o substituto atua em nome próprio defendendo interesse alheio.
O sindicato, como suscitante no dissídio coletivo, atua em nome da categoria, desde que autorizado por Assembleia Geral, e na defesa de interesse da categoria que representa. Vale dizer, ele atua em nome alheio (categoria) na defesa de interesse alheio (categoria). Não é o caso de substituição processual, pois nesta, além de não ser exigida a autorização assemblear, os integrantes da categoria, individualmente considerados, não têm legitimação ad causam para ajuizarem a ação dissidial coletiva.
No caso de dissídio coletivo em face de empresa, ou seja, aquele decorrente de malogro na celebração de acordo coletivo de trabalho, a SDC/TST editou a OJ n. 19, in verbis:
DISSÍDIO COLETIVO CONTRA EMPRESA. LEGITIMAÇÃO DA ENTIDADE SINDICAL. AUTORIZAÇÃO DOS TRABALHADORES DIRETAMENTE ENVOLVIDOS NO CONFLITO (DEJT divulgado em 16, 17 e 18.11.2010). A legitimidade da entidade sindical para a instauração da instância contra determinada empresa está condicionada à prévia autorização dos trabalhadores da suscitada diretamente envolvidos no conflito.
Quando não houver sindicato representativo da categoria econômica ou profissional, poderá o dissídio coletivo ser ajuizado pelas federações correspondentes e, na falta destas, pelas confederações respectivas, no âmbito de sua representação (CLT, art. 857, parágrafo único).
Nos termos da OJ n. 15 da SDC, a comprovação da legitimidade ad processum da entidade sindical se faz por seu registro no órgão competente do Ministério do Trabalho, mesmo após a promulgação da Constituição Federal de 1988.
A legitimidade da entidade sindical para a instauração da instância contra determinada empresa está condicionada à prévia autorização dos trabalhadores da suscitada diretamente envolvidos no conflito (SDC, OJ n. 19).
Segundo o disposto na OJ n. 22 da SDC:
LEGITIMIDADE AD CAUSAM DO SINDICATO. CORRESPONDÊNCIA ENTRE AS ATIVIDADES EXERCIDAS PELOS SETORES PROFISSIONAL E ECONÔMICO ENVOLVIDOS NO CONFLITO. NECESSIDADE (DEJT divulgado em 16, 17 e 18.11.2010). É necessária a correspondência entre as atividades exercidas pelos setores profissional e econômico, a fim de legitimar os envolvidos no conflito a ser solucionado pela via do dissídio coletivo.
Ainda sobre legitimidade no dissídio coletivo, a OJ n. 23 da SDC vaticina:
LEGITIMIDADE AD CAUSAM. SINDICATO REPRESENTATIVO DE SEGMENTO PROFISSIONAL OU PATRONAL. IMPOSSIBILIDADE. A representação sindical abrange toda a categoria, não comportando separação fundada na maior ou menor dimensão de cada ramo ou empresa.
Para finalizar este tópico, convém colecionar a atual jurisprudência da SDC/TST a respeito da legitimidade ativa no dissídio coletivo:
DISSÍDIO COLETIVO DE GREVE. LEGITIMIDADE ATIVA. DISSÍDIO DE NATUREZA ECONÔMICA. ART. 114, PARÁGRAFOS 2º E 3º, CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. A partir da EC n. 45/2004, só é viável o dissídio coletivo econômico havendo mútuo consenso entre as partes (art. 114, § 2º, CF). Porém, havendo greve em andamento, torna-se possível a propositura de dissídio coletivo por qualquer das partes, empregador e sindicato de trabalhadores, ou pelo Ministério Público do Trabalho (art. 114, § 3º, CF; art. 8º, Lei n. 7.783/89). No dissídio coletivo de greve, o conteúdo pode ser também econômico, em face de a Constituição determinar, genericamente, caber à Justiça do Trabalho decidir o conflito (§ 3º do art. 114), ao passo que o art. 8º da Lei de Greve se refere a decisão sobre todo o conteúdo do dissídio (“A Justiça do Trabalho ... decidirá sobre a procedência, total ou parcial, ou improcedência das reivindicações...”). DISSÍDIO COLETIVO DE GREVE. MOVIMENTO PAREDISTA EM CONFORMIDADE COM O ART. 9º DA CF E COM OS REQUISITOS DA LEI N. 7.783/89. GREVE NÃO ABUSIVA. A Carta Constitucional reconhece a greve como um direito fundamental de caráter coletivo, resultante da autonomia privada coletiva inerente às sociedades democráticas. Não constitui abuso no seu exercício quando há observância dos requisitos estabelecidos pela ordem jurídica do país para a validade do movimento paredista: tentativa de negociação; aprovação da respectiva assembleia de trabalhadores; aviso prévio à parte adversa. Na hipótese dos autos, percebe-se que o direito de greve foi exercido pelos empregados dentro dos limites legais. Não houve atentado à boa-fé coletiva. Relembro que a empresa tem unidades em praticamente todos os municípios do país – são mais de 5.000 municípios. No caso concreto, não se teve notícias de grandes incidentes durante todo o movimento da categoria profissional. Tal fato corrobora com a conclusão de que a greve não foi abusiva. Declaro não abusiva a greve (TST-DC 6535-37.2011.5.00.0000, j. 11-10-2011, Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, SDC, DEJT 17-10-2011).
Quanto ao interesse processual, a própria Constituição condiciona o ajuizamento da ação de dissídio coletivo ao prévio exaurimento da negociação coletiva ou impossibilidade de recurso das partes à arbitragem (CF, art. 114, § 2º), o que nem sempre é fácil implementar, seja pelo aspecto cultural do empresariado brasileiro e dos próprios sindicalistas, seja pelas exigências estabelecidas no art. 219 do RITST, segundo o qual somente quando “frustrada, total ou parcialmente, a autocomposição dos interesses coletivos em negociação promovida diretamente pelos interessados, ou mediante intermediação administrativa do Órgão competente do Ministério do Trabalho, poderá ser ajuizada a ação de dissídio coletivo”.
De outra parte, o TST havia editado a (já cancelada) Jurisprudência Normativa n. 1 (DJU 27-4-1993), in verbis:
AUSÊNCIA DE NEGOCIAÇÃO PRÉVIA. EXTINÇÃO DO PROCESSO. Nenhuma ação de dissídio coletivo de natureza econômica será admitida sem antes se esgotarem as medidas relativas à formalização da convenção ou acordo coletivo, nos termos dos arts. 114, 2º, da Constituição da República e 616, 4º, da CLT, sob pena de indeferimento da representação inicial ou de extinção do processo, ao final, sem julgamento do mérito. O interessado que não conseguir efetivar a negociação coletiva direta com a parte contrária poderá solicitar a mediação do órgão local ou regional do Ministério do Trabalho, devendo este obter uma ata do ocorrido. Após a manifestação do suscitado, as partes esclarecerão os pontos em relação aos quais houve acordo e as matérias litigiosas[866].
É importante assinalar que a jurisprudência do TST tem sido rigorosa quanto ao exaurimento da negociação prévia como condição da ação coletiva stricto sensu. É o que se infere do seguinte julgado:
DISSÍDIO COLETIVO – AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTOS DE CONSTITUIÇÃO E DE DESENVOLVIMENTO VÁLIDO E REGULAR DO PROCESSO. A ausência, nos autos, da listagem do total de trabalhadores da empresa SABESP (motoristas, operadores) que inviabiliza a comprovação do quorum estatuído pelo art. 612 da CLT, bem como a não comprovação de que tenham as partes, efetivamente, tentado a prévia composição do conflito, pressuposto indispensável ao ajuizamento da ação (inobservância do art. 114, § 2º, da Constituição da República), acarretam a extinção do processo sem julgamento do mérito nos termos do art. 267, IV, do CPC (TST RODC 789773, SDC, Rel. Min. Ronaldo José Lopes Leal, DJU 15-3-2002).
O TST já decidiu que o quorum mínimo de um terço dos presentes (CLT, art. 612) prevalece sobre as regras fixadas no estatuto da entidade sindical suscitante. Com base nesse entendimento, a SDC julgou extinto sem resolução do mérito um dissídio coletivo ajuizado pelo Sindicato dos Empregados no Comércio nas cidades de Guaíba, Eldorado do Sul, Barra do Ribeiro, Charqueadas, São Jerônimo e Arroio dos Ratos (RS). Nessa ação, o sindicato profissional, que declarou contar com 2.600 associados em sua base territorial, pretendia representar os empregados lotados nas seis cidades gaúchas. Para tanto, realizou uma assembleia em cada uma das localidades, mas nenhuma das reuniões ocorreu em primeira convocação por inexistência do quorum previsto no estatuto do sindicato – de metade mais um dos associados. Já em segunda convocação, o sindicato entendeu que o número de presentes nas reuniões era suficiente para colher assinaturas e passar a representar a categoria. O Ministro João Oreste Dalazen considerou que houve desconformidade no procedimento adotado pelo sindicato com a regra de seu próprio estatuto. Conforme dados do processo, as assembleias em segunda convocação reuniram 241 comerciários da base de 2.600 associados, total que não atendia o mínimo previsto na CLT, que no caso seria de 867 sindicalizados. O estatuto do sindicato admitia a instalação de assembleia em segunda convocação com “o número que houvesse” de associados, o que violava o art. 612 da CLT. O Ministro João Oreste Dalazen afirmou que, se a prevalência fosse do quorum fixado no estatuto, bastaria que apenas um associado estivesse presente em cada uma das assembleias para que se considerasse o sindicato autorizado a negociar por toda a categoria de comerciários. “A liberdade sindical, mesmo enquanto uma forma de liberdade coletiva constitucional, pode sofrer regulação restritiva para que se configure seu legítimo exercício, evitando que preponderem os interesses, nem sempre legítimos, de algumas lideranças sindicais”, afirmou o ministro. Dalazen votou pela extinção do processo sem exame do mérito, sendo seguido pela maioria dos ministros. Ficaram vencidos o Ministro Luciano de Castilho e o Relator do processo, Juiz Luiz Philippe Vieira de Mello Filho (TST-RODC 731917/01).
O TST vem entendendo que a propositura de dissídio coletivo de natureza econômica durante a vigência de convenção ou acordo coletivo implica ausência de interesse processual, como se depreende do seguinte julgado:
RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO COLETIVA DE NATUREZA ECONÔMICA. AJUIZAMENTO NA VIGÊNCIA DE CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. SINDICATO-SUSCITANTE. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. AUSÊNCIA DO EDITAL DE CONVOCAÇÃO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. ANÁLISE DE OFÍCIO. O ajuizamento de ação coletiva de natureza econômica na vigência de convenção coletiva, regendo as relações de trabalho entre as categorias profissional e econômica envolvidas, sem que se tenha ressalvado a possibilidade de continuação ou reabertura de negociação durante a vigência do ajuste ou demonstrado a ocorrência de fato imprevisto e imprevisível posterior à celebração do instrumento coletivo que justificasse a alteração das condições pactuadas mediante a intervenção do Poder Judiciário, em período muito anterior à data-base, configura a falta de interesse de agir do Sindicato-Suscitante. Ilegitimidade ativa ad causam que também se verifica, em decorrência da ausência do edital de convocação da categoria para a assembleia geral dos trabalhadores em que se autorizaria o sindicato representante da categoria profissional a ajuizar a ação coletiva. Orientação Jurisprudencial n. 29 da Seção Especializada em Dissídios Coletivos deste Tribunal. Extinção do processo sem resolução de mérito que se decreta, na forma do inc. VI do art. 267 do Código de Processo Civil (TST-RODC-20.148/2005-000-02-00.2, ac. SDC, Rel. Min. Gelson de Azevedo, DJU 10-11-2006).
No que tange à pleonástica expressão “comum acordo” contida no § 2º do art. 114 da CF em função da nova redação dada pela EC n. 45/2004, há divergência doutrinária sobre o seu enquadramento jurídico-processual. Para uns é pressuposto processual, enquanto outros sustentam ser uma condição da ação. Há, ainda, os que sustentam a inconstitucionalidade da nova exigência imposta pela EC n. 45/2004.
Sabe-se que tramitam no STF algumas Ações Diretas de Inconstitucionalidade ajuizadas por entidades sindicais de trabalhadores, nas quais sustentam, em linhas gerais, que o § 2º do art. 114 da CF, com redação dada pela EC n. 45/2004, viola o inciso XXXV do art. 5º da CF, que consagra o princípio da inafastabilidade do acesso ao Poder Judiciário e assegura o direito de ação. Na ADI n. 3.432-4/DF (Rel. Min. Cezar Peluso), o Procurador-Geral da República emitiu parecer pela improcedência da demanda com os seguintes argumentos:
Ação direta de inconstitucionalidade em face do § 2º do art. 114 da Constituição, com a redação dada pelo art. 1º da Emenda Constitucional n. 45, de 8 de dezembro de 2004. O poder normativo da Justiça do Trabalho, por não ser atividade substancialmente jurisdicional, não está abrangido pelo âmbito normativo do art. 5º, inciso XXXV, da Constituição da República. Assim sendo, sua restrição pode ser levada a efeito por meio de reforma constitucional, sem que seja violada a cláusula pétrea que estabelece o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário.
De nossa parte, cremos que o inciso XXXV do art. 5º da CF não se mostra violado pelo novel § 2º do art. 114 da CF, uma vez que a garantia do acesso ao Judiciário ocorre nas hipóteses de lesão ou ameaça a direitos individuais, coletivos ou difusos. O inciso XXXV do art. 5º da CF, na linha do art. 8º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, assegura o amplo acesso à prestação jurisdicional na hipótese de lesão a direitos fundamentais, reconhecidos pela Constituição ou pela lei.
Ora, o dissídio coletivo de natureza econômica não tem por objeto proteger direito subjetivo preexistente, lesado ou ameaçado de lesão. Ao revés, por meio dele o que se pretende é criar direito novo, de natureza abstrata, por meio do poder normativo especialmente atribuído à Justiça do Trabalho, destinado à categoria profissional representada pela entidade sindical suscitante. Daí a natureza constitutiva desse tipo especial de ação coletiva, pois cria novos direitos entre os representantes das categorias econômica e profissional.
No mesmo sentido, posiciona-se Enoque Ribeiro dos Santos, que sustenta o
descabimento da tese da inconstitucionalidade do “comum acordo”, por supostamente afrontar o princípio da Inafastabilidade do Judiciário (art. 5º, XXXV, da CF/1988), pelo fato de que, no exercício do poder normativo, os tribunais do trabalho não aplicam o direito preexistente ao caso concreto, em típica atividade jurisdicional, mas, pelo contrário, agora “podem decidir o conflito” e estabelecer novas condições de trabalho e de remuneração para a categoria, respeitando-se os novos limites impostos pelo § 2º do art. 114 da CF/1988, quais sejam: as disposições legais mínimas e as convencionadas anteriores, no exercício de função legislativa atípica[867].
A nosso ver, a exigência do mútuo consentimento para o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica é uma condição da ação, pois a sua ausência implica ausência de interesse processual, na modalidade necessidade (CPC, arts. 3º e 267, VI). Vale dizer, sem o mútuo consentimento das partes no dissídio coletivo de natureza econômica não há necessidade de intervenção do Estado-Juiz para prestar o serviço jurisdicional.
De outro giro, parece-nos que a expressão “de comum acordo” não significa que as partes deverão obrigatoriamente subscrever em conjunto a petição inicial do dissídio coletivo. Basta que uma delas comprove que a outra concordou com a propositura da demanda coletiva. Essa concordância poderá ser tácita ou expressa. Será expressa quando houver um documento assinado por ambas as partes interessadas concordando com a propositura da ação coletiva. Será tácita quando houver prova de que uma parte tenha convidado a outra para, em determinado prazo, manifestar sua concordância ou não com o ajuizamento da demanda coletiva, valendo o silêncio como concordância tácita.
Também pensamos que a concordância tácita pode ser extraída do comportamento do suscitado na audiência de conciliação ou ao contestar a ação de dissídio coletivo. Em outros termos, se na audiência de conciliação o réu apresentar contraproposta ou na contestação o réu se manifesta sobre o mérito da pretensão, impugnando as cláusulas e condições postuladas pelo autor (suscitante), mas silencia-se sobre a inexistência de comum acordo para a propositura do dissídio coletivo, há de se interpretar que houve, por parte do réu, concordância tácita.
Assim, sem o mútuo consentimento, que pode ser expresso ou tácito, para instaurar o dissídio coletivo de natureza, impõe-se a extinção do processo sem resolução de mérito, nos termos do inciso VI do art. 267 do CPC. Nesse sentido, é a jurisprudência da SDC/TST:
DISSÍDIO COLETIVO E AGRAVO REGIMENTAL EM DISSÍDIO COLETIVO. a manifestação expressa da empresa em contrário ao ajuizamento do Dissídio Coletivo torna inequívoca a ausência do comum acordo, condição da ação prevista no § 2º do art. 114 da Constituição da República. Preliminar que se acolhe para extinguir o processo sem resolução do mérito, à luz do art. 267, VI, do CPC (TST-AG-DC167901/2006-000-00-00-00.9, ac. SDC, Rel. Min. Carlos Alberto Reis Paula, DJU 27-10-2006).
COMUM ACORDO. DISSÍDIO COLETIVO DE NATUREZA ECONÔMICA. ART. 114, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. AUSÊNCIA. CONSEQUÊNCIA. A Emenda Constitucional 45, de 8 de dezembro de 2004, trouxe mudanças significativas no âmbito dos dissídios coletivos. A alteração que vem suscitando maiores discussões diz respeito ao acréscimo da expressão “comum acordo” ao § 2º do art. 114 da Constituição da República. O debate gira em torno do consenso entre suscitante e suscitado como pressuposto para o ajuizamento do dissídio coletivo. A jurisprudência desta Corte consagra o entendimento segundo o qual o comum acordo exigido para se ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, conforme previsto no § 2º do art. 114 da Constituição da República, constitui-se pressuposto processual cuja inobservância acarreta a extinção do processo sem resolução do mérito, nos termos do inc. VI do art. 267 do CPC. Recurso Ordinário de que se conhece e se nega provimento (TST-RODC 244/2006.000.12-00, SDC, DJU 30-11-2007)[868].
É importante notar que nos dissídios de greve não há a exigência do comum acordo, ainda que o suscitante seja o empregador. Nesse sentido:
RECURSO ORDINÁRIO. DISSÍDIO COLETIVO DE NATUREZA ECONÔMICA. AJUIZAMENTO. COMUM ACORDO. NOVA REDAÇÃO DO § 2º DO ARTIGO 114 DA CONSTITUIÇÃO ATUAL APÓS A PROMULGAÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 45/2004. A Seção Especializada em Dissídios Coletivos deste Tribunal Superior do Trabalho firmou jurisprudência no sentido de que a nova redação do § 2º do artigo 114 da Carta Política do País estabeleceu o pressuposto processual intransponível do mútuo consenso dos interessados para o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica. A EC n. 45/2004, incorporando críticas a esse processo especial coletivo, por traduzir excessiva intervenção estatal em matéria própria à criação de normas, o que seria inadequado ao efetivo Estado Democrático de Direito instituído pela Constituição (de modo a preservar com os sindicatos, pela via da negociação coletiva, a geração de novos institutos e regras trabalhistas, e não com o Judiciário), fixou o pressuposto processual restritivo do § 2º do art. 114, em sua nova redação. Nesse novo quadro jurídico, apenas havendo “mútuo acordo” ou em casos de greve, é que o dissídio de natureza econômica pode ser tramitado na Justiça do Trabalho. Recurso ordinário desprovido (TST-RO 863-44.2010.5.05.0000, j. 12-12-2011, Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, SDC, DEJT 3-2-2012).
Há alguns julgados do TST que apontam no sentido de que o “comum acordo”, nos dissídios de natureza econômica, é pressuposto processual:
RECURSO ORDINÁRIO. FALTA DE COMUM ACORDO. ART. 114, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 45/2004. Hipótese em que se configura a falta do comum acordo exigido no art. 114, § 2º, da Constituição Federal, com a redação conferida pela Emenda Constitucional n. 45/2004. Expressa e oportuna discordância do suscitado com a instauração do dissídio coletivo. Dissídio coletivo extinto, sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, IV, do CPC (TST-RODC 2520/2007-000-04-00.0, SDC, Rel. Min. Kátia Magalhães Arruda, j. 9-3-2009, DEJT 27-3-2009).
RECURSO ORDINÁRIO. DISSÍDIO COLETIVO AJUIZADO ANTERIORMENTE À PROMULGAÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL 45. AUSÊNCIA DE COMUM ACORDO. ART. 114, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. INEXIGIBILIDADE ANTES DE SUA VIGÊNCIA. 1. A Emenda Constitucional 45 entrou em vigor no dia 31.12.2004, data de sua publicação, portanto a concordância do suscitado como pressuposto para o desenvolvimento válido do Dissídio Coletivo, tal como inscrito no § 2º do art. 114 da Constituição da República, não pode ser exigida em relação aos Dissídios Coletivos suscitados antes daquela data. Do contrário, estar-se-á dando aplicação retroativa à norma constitucional que instituiu pressuposto processual. 2. Os autos revelam que foram realizadas várias reuniões na fase de negociação (nos dias 12 e 21 de julho de 2004, 2 e 18 de agosto de 2004; 8 de setembro de 2004) tendo sido infrutíferas as tentativas de acordo, de forma que restou demonstrado o atendimento do pressuposto essencial da negociação prévia da época do seu ajuizamento. Essa circunstância é o quanto basta para que se dê regular processamento ao feito, sem se importar com a discordância dos suscitados, visto que, quando foi ajuizado, o pressuposto da concordância do demandado não existia e a parte suscitante tem direito adquirido ao processo de dissídio coletivo, uma vez observados os seus pressupostos específicos, vigentes à época em que o suscitou. É o direito adquirido ao processo. Recurso Ordinário de que se conhece e a que se dá provimento (TST-RODC 562/2004-000-06-00, SDC, Rel. Min. João Batista Brito Pereira, j. 16-8-2007, DJ 21-9-2007).
Para finalizar este tópico, é importante trazer a lume o Enunciado n. 35 aprovado na 1ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, realizada em Brasília-DF[869], in verbis:
DISSÍDIO COLETIVO. COMUM ACORDO. CONSTITUCIONALIDADE. AUSÊNCIA DE VULNERABILIDADE AO ART. 114, § 2º, DA CRFB. Dadas as características das quais se reveste a negociação coletiva, não fere o princípio do acesso à Justiça o pré-requisito do comum acordo (§ 2º, do art. 114, da CRFB) previsto como necessário para a instauração da instância em dissídio coletivo, tendo em vista que a exigência visa a fomentar o desenvolvimento da atividade sindical, possibilitando que os entes sindicais ou a empresa decidam sobre a melhor forma de solução dos conflitos.
Entendemos por impossibilidade jurídica, conforme já vimos em outra parte desta obra, a existência de veto expresso no direito positivo que impeça o deferimento da pretensão deduzida em juízo.
Hipótese de impossibilidade jurídica do pedido em dissídio coletivo ocorre quando o sindicato postula o deferimento de cláusula que estabeleça vinculação da remuneração ao salário mínimo, pois, nesse caso, há vedação expressa na própria Constituição Federal (art. 7º, IV, in fine).
A jurisprudência vinha considerando juridicamente impossível o dissídio coletivo de natureza econômica ajuizado por sindicato dos servidores públicos em face de pessoa jurídica de direito público, conforme a redação original da OJ n. 5 da SDC/TST. Segundo esse verbete, somente o Poder Executivo tem competência para deflagrar o processo legislativo que permitirá o aumento da remuneração do servidor público ou concessão de qualquer outra vantagem (CF, arts. 61, § 1º, II, a, e 169, § 1º).
A rigor, o caso seria de improcedência da pretensão deduzida no dissídio coletivo, e não de extinção sem resolução de mérito.
Ocorre que o Tribunal Pleno, por meio da Res. 186/2012 (DEJT divulgado em 25, 26 e 27-9-2012), alterou a OJ n. 5 da SDC, que passou a ter a seguinte redação:
Em face de pessoa jurídica de direito público que mantenha empregados, cabe dissídio coletivo exclusivamente para apreciação de cláusulas de natureza social. Inteligência da Convenção n. 151 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Decreto Legislativo n. 206/2010.
Andou bem o TST, porquanto as cláusulas de natureza social não encontram óbice nos arts. 61, § 1º, II, a, e 169, § 1º, da CF. Além disso, a nova redação do verbete em causa harmoniza-se com o conteúdo da Convenção n. 151 da OIT, que é um tratado internacional de direitos humanos ratificado pelo Brasil, e suas normas, a nosso sentir, passaram, com a ratificação, à categoria de direitos fundamentais sociais dos trabalhadores/servidores do setor público, por força do § 2º do art. 5º da CF.
Com efeito, dispõe o art. 8º da Convenção n. 151 da OIT:
A resolução dos conflitos surgidos a propósito da fixação das condições de trabalho será procurada de maneira adequada às condições nacionais, através da negociação entre as partes interessadas ou por um processo que dê garantias de independência e imparcialidade, tal como a mediação, a conciliação ou a arbitragem, instituído de modo que inspire confiança às partes interessadas.
Parece-nos inegável que o preceptivo em causa autoriza o dissídio coletivo, como processo (judicial) previsto na legislação brasileira (CF, art. 114, § 2º) para solução de conflitos coletivos envolvendo servidores públicos e os órgãos da Administração Pública que tenham por objeto a fixação de condições de trabalho.
A decisão proferida em DC (sentença normativa), por não ter carga condenatória, não comporta execução. Vale dizer, o não cumprimento espontâneo da sentença normativa rende ensejo não à execução do julgado, e sim à propositura da ação de cumprimento.
As sentenças normativas, nos dissídios de natureza constitutiva (ou dissídios de interesses), podem criar as seguintes cláusulas ou condições:
a) econômicas – geralmente, são cláusulas relativas a salários, como fixação de piso salarial, reajustes, abonos pecuniários, jornada de trabalho, valor dos adicionais etc.;
b) sociais – normalmente, versam sobre vantagens sem conteúdo econômico. Ex.: abono de faltas, extensão da garantia no emprego da empregada gestante e do empregado acidentado etc.;
c) sindicais – dizem respeito às relações entre os sujeitos passivo e ativo da relação processual coletiva, ou seja, entre os sindicatos ou entre estes e as empresas que figuram no dissídio coletivo. Geralmente, versam contribuições assistenciais a serem descontadas em folha, garantia dos dirigentes sindicais, permitindo sua atuação nas empresas etc.;
d) obrigacionais – estabelecem multas para a parte que descumprir as normas coletivas constantes da sentença normativa.
Nos termos do § 1º do art. 12 da Lei n. 10.192/2001, a decisão que puser fim ao dissídio coletivo “será fundamentada, sob pena de nulidade, deverá traduzir, em seu conjunto, a justa composição do conflito de interesse das partes, e guardar adequação com o interesse da coletividade”.
A fundamentação de qualquer decisão judicial, aliás, é exigência constitucional explícita, sob pena de nulidade (CF, art. 93, IX).
Nos termos do § 2º do art. 12 da Lei n. 10.192/2001, a “sentença normativa deverá ser publicada no prazo de quinze dias da decisão do Tribunal”.
Será que a sentença normativa produz coisa julgada? Para uns, a sentença normativa produz coisa julgada meramente formal, na medida em que permite o seu cumprimento definitivo antes mesmo do seu trânsito em julgado. Além disso, há a possibilidade do dissídio coletivo de revisão (CLT, art. 873), que é calcado na chamada cláusula rebus sic stantibus e destinado a rever total ou parcialmente a sentença normativa. Outro argumento é o de que a sentença normativa não comporta execução, ou seja, a efetividade da decisão fica condicionada à propositura da ação de cumprimento, que é também uma ação de cognição. Finalmente, prevê a Súmula 277 do TST que “as condições de trabalho alcançadas por força de sentença normativa vigoram no prazo assinado, não integrando, de forma definitiva, os contratos”. Logo, por ter vigência temporária, a sentença normativa não teria a característica da imutabilidade da res judicata.
Outros sustentam que ela produz tanto a coisa julgada formal quanto a material, uma vez que o parágrafo único, in fine, do art. 872 da CLT proíbe que na ação de cumprimento possam ser rediscutidas as matérias de fato e de direito já decididas na sentença normativa.
Para nós, a sentença normativa faz coisa julgada material (e, logicamente, formal), pois o art. 2º, I, c, da Lei n. 7.701/88 dispõe expressamente que compete, originariamente, à sessão especializada em dissídios coletivos “julgar as ações rescisórias propostas contra suas próprias sentenças normativas”, cabendo-lhe, nos termos do inciso II, alínea b, do referido artigo, julgar, em última instância, “os recursos ordinários interpostos contra as decisões proferidas pelos Tribunais Regionais do Trabalho em ações rescisórias e mandados de segurança pertinentes a dissídios coletivos”.
Ora, se cabe ação rescisória contra sentença normativa, então ela está apta a produzir a coisa julgada material (CPC, arts. 269 e 485, caput). Não é este, porém, o entendimento consubstanciado na Súmula 397 do TST, segundo a qual a sentença normativa produz apenas a coisa julgada formal.
Se as partes firmam acordo extrajudicial não há necessidade de sua homologação pela Justiça do Trabalho. Nesse sentido é a OJ n. 34 da SDC/TST:
ACORDO EXTRAJUDICIAL. HOMOLOGAÇÃO. JUSTIÇA DO TRABALHO. PRESCINDIBILIDADE (INSERIDA EM 07.12.1998). É desnecessária a homologação, por Tribunal Trabalhista, do acordo extrajudicialmente celebrado, sendo suficiente, para que surta efeitos, sua formalização perante o Ministério do Trabalho (art. 614 da CLT e art. 7º, inciso XXVI, da Constituição Federal).
Na verdade, o acordo extrajudicial firmado entre sindicato e empresa (ou entre sindicatos), compondo conflito de interesses constantes de pauta reivindicatória que empolgou o dissídio coletivo, possui natureza de acordo coletivo ou convenção coletiva, o que implica a automática extinção do dissídio coletivo correspondente, por carência superveniente do interesse processual (necessidade/utilidade). Nesse sentido:
CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO APRESENTADA NO CURSO DA AÇÃO DE DISSÍDIO COLETIVO. HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL. DESNECESSIDADE. AUSÊNCIA DE INTERESSE. EXTINÇÃO DO FEITO. A apresentação de ajuste coletivo (convenção ou acordo coletivo) entabulado pelos atores sociais, no curso da ação de dissídio coletivo, revela fato superveniente que, nos termos do art. 462, CPC, aplicável ao processo do trabalho, conforme entendimento consubstanciado na Súmula n. 394, TST, esvazia a função jurisdicional pela perda superveniente do objeto litigioso, ante a ausência de interesse jurídico para este Egrégio Tribunal homologar a presente Convenção Coletiva. O pacto coletivo revela-se norma criada a partir do sistema de autocomposição, com assento constitucional (art. 7º, XXVI, CF), que prefere à heterointegração com a participação estatal (...) (TRT 17ª R., DC 0020700-52.2010.5.17.0000, Pleno, Red. Desig. Des. Carlos Henrique Bezerra Leite, DEJT 10-8-2011).
GREVE. DECLARAÇÃO DE ABUSIVIDADE. CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO APRESENTADA NO CURSO DO DISSÍDIO COLETIVO DE GREVE. PERDA SUPERVENIENTE DO INTERESSE JURÍDICO. A apresentação de ajuste coletivo (convenção ou acordo coletivo) entabulado pelos atores sociais, no curso da ação de dissídio coletivo, revela fato superveniente que, nos termos do art. 462, CPC, aplicável de ofício ao processo do trabalho, conforme entendimento consubstanciado na Súmula n. 394, TST, esvazia a função jurisdicional pela perda superveniente do objeto litigioso, ante a ausência de interesse jurídico para julgar a ação proposta. O pacto coletivo revela-se norma criada a partir do sistema de autocomposição, com assento constitucional (art. 7º, XXVI, CF), que prefere à heterointegração com a participação estatal (...) (TRT 17ª R., DCG 0014100-15.2010.5.17.0000, Pleno, Rel. Des. Carlos Henrique Bezerra Leite, Rev. Des. Sérgio Moreira de Oliveira, DEJT 29-7-2011).
O dissídio coletivo tem seu procedimento especial regulado nos arts. 856 a 875 da CLT, admitindo, como não poderia deixar de ser, a aplicação subsidiária do direito processual comum, a teor do art. 769 da CLT, desde que omissa a legislação processual obreira e a migração normativa não seja incompatível com os princípios e com os procedimentos dessa espécie de demanda coletiva.
O ajuizamento do dissídio coletivo, como já destacado, é feito por meio de petição inicial escrita, formulada por entidade sindical da categoria profissional, que é o mais comum, ou da categoria econômica dirigida ao presidente do Tribunal Regional do Trabalho ou do Tribunal Superior do Trabalho, conforme a abrangência territorial do conflito ou a representação das entidades sindicais que figuram nos polos da relação processual.
Tendo em vista o disposto no § 2º do art. 114 da CF, com nova redação dada pela EC n. 45/2004, parece-nos que, se o autor do dissídio coletivo de natureza econômica não colacionar documento comprobatório da concordância do réu com o ajuizamento da demanda, poderá o órgão judicial competente aplicar analogicamente o art. 870, § 1º, da CLT e determinar a intimação do réu para que, no prazo assinalado, manifeste sua concordância ou não com a “instauração” do dissídio. Decorrido o prazo sem manifestação do réu, haverá concordância tácita. Se o réu não concordar expressamente no prazo assinalado, o processo deverá ser extinto sem resolução do mérito.
Não se admite o dissídio coletivo verbal, pois a petição inicial é sempre escrita, nos termos do art. 856 da CLT. Aliás, o art. 858 da mesma consolidação dispõe que a representação será apresentada em tantas vias quantos forem os reclamados e deverá conter: a) designação e qualificação dos reclamantes e dos reclamados e a natureza do estabelecimento ou do serviço; b) os motivos do dissídio e as bases de conciliação (Lei n. 10.192/2001, art. 12, caput; TST/SDC, OJ n. 32).
A conciliação nos autos do dissídio coletivo é tentada numa única audiência, que é designada exclusivamente para tal fim, presidida pelo Presidente do Tribunal (CLT, art. 860), que, in casu, detém a competência funcional. Alguns regimentos internos de tribunais atribuem tal competência ao Vice-Presidente, o que é de duvidosa constitucionalidade, já que compete à União legislar sobre direito processual (CF, art. 22, I) e há norma legal expressa disciplinando a matéria. Na verdade, a única delegação legalmente permitida para a prática do ato previsto no art. 860 da CLT é a prevista no art. 866 da CLT.
O Presidente do Tribunal não fica adstrito às propostas das partes, podendo apresentar a solução que entender pertinente para a solução do conflito (CLT, art. 862).
Havendo acordo, o Presidente submete o dissídio ao Tribunal Pleno (ou Seção de Dissídios Coletivos) para ser homologado. A decisão que homologa tal acordo é também uma sentença normativa, ou, para alguns, uma “decisão normativa”.
Firmado o acordo ou frustrada a conciliação, o processo será, mediante sorteio, distribuído a relator e revisor. Em seguida, o feito é submetido a julgamento pelo Tribunal Pleno (ou outro órgão especial previsto no regimento interno). No TST, a competência para os dissídios coletivos é da SDC.
O MPT poderá emitir parecer escrito, antes da distribuição do feito, ou oral, na sessão de julgamento (Lei n. 7.701/88, art. 11).
No dissídio coletivo, não há falar em julgamento extra ou ultra petita, pois nele não há pedido, mas proposta de criação de novas normas ou interpretação de normas antigas.
O procedimento do dissídio coletivo é de total flexibilidade, em virtude de ausência de normas formais.
De modo que não há lugar para revelia ou confissão, uma vez que está em debate o interesse abstrato de toda uma categoria profissional ou econômica, razão pela qual a decisão a ser proferida transcende a iniciativa das partes, já que nela se busca o exercício do poder normativo, manifestado pela criação de regras jurídicas, instituídas em dado contexto jurídico, político, econômico e social.
O TST exige que as cláusulas constantes da petição inicial estejam devidamente fundamentadas, o que nos parece lógico e razoável, pois qualquer sentença, inclusive a normativa, deve ser fundamentada, sob pena de nulidade (CF, art. 93, IX).
As sentenças normativas produzem coisa julgada com eficácia ultra partes, com relação aos integrantes das categorias profissional e econômica que figuraram como partes na demanda coletiva, por aplicação analógica do art. 103, II, do CDC.
Revendo posicionamento anterior, passamos a entender possível o efeito erga omnes da sentença normativa nos dissídios coletivos de greve ajuizados pelo MPT em defesa dos interesses difusos da coletividade, total ou parcialmente, atingida pelo movimento paredista. Invoca-se, neste caso, por analogia, o art. 103, I, do CDC.
De acordo com o parágrafo único do art. 867 da CLT, a sentença normativa vigorará:
a) a partir da data de sua publicação, quando ajuizado o dissídio após o prazo do art. 616, § 3º, da CLT, ou quando não existir acordo, convenção ou sentença normativa em vigor, na data do ajuizamento;
b) a partir do dia imediato ao termo final de vigência do acordo, convenção ou sentença normativa, quando ajuizado o dissídio no prazo do art. 616, § 3º, da CLT. Interpretando esta regra, o TST editou a Súmula 277, in verbis:
SENTENÇA NORMATIVA, CONVENÇÃO OU ACORDO COLETIVOS. VIGÊNCIA. REPERCUSSÃO NOS CONTRATOS DE TRABALHO. I – As condições de trabalho alcançadas por força de sentença normativa, convenção ou acordo coletivos vigoram no prazo assinado, não integrando, de forma definitiva, os contratos individuais de trabalho. II – Ressalva-se da regra enunciada no item I o período compreendido entre 23.12.1992 e 28.07.1995, em que vigorou a Lei n. 8.542, revogada pela Medida Provisória n. 1.709, convertida na Lei n. 10.192, de 14.02.2001.
Ocorre que a Súmula 277 do TST foi alterada pela Res. TST n. 185/2012 e passou a ter a seguinte redação:
CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO OU ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. EFICÁCIA. ULTRATIVIDADE. As cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho.
Vale dizer, a nova redação da Súmula em questão institui o princípio da ultratividade para as normas previstas em instrumentos de autocomposição (convenção ou acordo coletivo), mas deixa de mencionar a sentença normativa, razão pela qual não se pode olvidar do Precedente Normativo TST n. 120, in verbis:
SENTENÇA NORMATIVA. DURAÇÃO. POSSIBILIDADE E LIMITES (positivo) – (Res. 176/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011). A sentença normativa vigora, desde seu termo inicial até que sentença normativa, convenção coletiva de trabalho ou acordo coletivo de trabalho superveniente produza sua revogação, expressa ou tácita, respeitado, porém, o prazo máximo legal de quatro anos de vigência.
O art. 789 e seus parágrafos da CLT dispõem, in verbis:
Art. 789. Nos dissídios individuais e nos dissídios coletivos do trabalho, nas ações e procedimentos de competência da Justiça do Trabalho, bem como nas demandas propostas perante a Justiça Estadual, no exercício da jurisdição trabalhista, as custas relativas ao processo de conhecimento incidirão à base de 2% (dois por cento), observado o mínimo de R$ 10,64 (dez reais e sessenta e quatro centavos) e serão calculadas:
I – quando houver acordo ou condenação, sobre o respectivo valor;
II – quando houver extinção do processo, sem julgamento do mérito, ou julgado totalmente improcedente o pedido, sobre o valor da causa;
III – no caso de procedência do pedido formulado em ação declaratória e em ação constitutiva, sobre o valor da causa;
IV – quando o valor for indeterminado, sobre o que o juiz fixar.
§ 1º As custas serão pagas pelo vencido, após o trânsito em julgado da decisão. No caso de recurso, as custas serão pagas e comprovado o recolhimento dentro do prazo recursal.
§ 2º Não sendo líquida a condenação, o juízo arbitrar-lhe-á o valor e fixará o montante das custas processuais.
§ 3º Sempre que houver acordo, se de outra forma não for convencionado, o pagamento das custas caberá em partes iguais aos litigantes.
§ 4º Nos dissídios coletivos, as partes vencidas responderão solidariamente pelo pagamento das custas, calculadas sobre o valor arbitrado na decisão, ou pelo Presidente do Tribunal. (grifos nossos)
A interpretação sistemática do § 4º com as regras constantes do caput e dos demais parágrafos do art. 789 da CLT autoriza-nos dizer que no dissídio coletivo, que é uma ação de natureza preponderantemente declaratória, constitutiva ou mista, as custas serão de responsabilidade:
a) do suscitado, na hipótese de sentença normativa total ou parcialmente procedente, sendo calculadas sobre o valor da causa ou, se este for indeterminado, sobre o valor que a decisão (acórdão normativo) ou Presidente do Tribunal fixar (CLT, art. 789, III, IV, §§ 1º e 2º);
b) do suscitante, se a sentença terminativa (CPC, art. 267) julgar totalmente improcedente as cláusulas ou extinguir o dissídio coletivo sem resolução do mérito, sendo que o seu montante será calculado com base no valor da causa ou, se este for indeterminado, sobre o valor que a decisão (acórdão normativo) ou Presidente do Tribunal fixar (CLT, art. 789, II, IV, §§ 1º e 2º);
c) rateada entre suscitante e suscitado, ou seja, 1% (um por cento) para cada parte, na hipótese de acordo firmado nos autos do dissídio coletivo e homologado pelo Tribunal, calculada sobre o valor arbitrado na decisão (CLT, art. 789, §§ 3º e 4º);
d) solidária das partes vencidas, na hipótese de litisconsórcio em que os litisconsortes sejam total ou parcialmente sucumbentes (CLT, art. 789, § 4º).
No caso de recurso ordinário, as custas serão pagas e comprovado o respectivo recolhimento pelo vencido (total ou parcialmente) dentro do prazo recursal (oito dias), sob pena de deserção. Não há obrigatoriedade de intimação da parte para o recolhimento das custas, pois cabe ao interessado obter os cálculos para o respectivo preparo. Nesse sentido, dispõe a OJ n. 27 da SDC/TST:
CUSTAS. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO. DESERÇÃO. CARACTERIZAÇÃO. A deserção se impõe mesmo não tendo havido intimação, pois incumbe à parte, na defesa do próprio interesse, obter os cálculos necessários para efetivar o preparo.
Na hipótese de omissão da sentença normativa a respeito das custas, a parte interessada poderá interpor embargos de declaração (CLT, art. 897-A; CPC, art. 535). Mantendo-se a omissão, o Presidente do Tribunal, de ofício ou provocado pela parte interessada ou pelo MPT, fixará o valor das custas (CLT, art. 789, § 4º). Se não houver recurso, as custas serão pagas ao final, isto é, depois de transitada em julgado a sentença normativa.
De acordo com o art. 682, VI, da CLT, compete ao Presidente do Tribunal: “VI – executar suas próprias decisões e as proferidas pelo Tribunal”. Logo, ao Presidente do Tribunal compete cobrar as custas impostas nas decisões proferidas em dissídio coletivo.
Da sentença normativa cabe recurso ordinário ao TST, cuja competência para conhecê-lo e julgá-lo em última instância é da SDC (Lei n. 7.701/88, art. 2º, II, a). O prazo para o recurso ordinário é de oito dias, segundo dispõe o art. 895, b, da CLT.
É do recorrente, se for o caso, o ônus do recolhimento das custas e a juntada do respectivo comprovante de pagamento no prazo alusivo ao recurso, como já ressaltamos no item 3.8.1 supra. Não existe depósito recursal para recurso ordinário de sentença normativa.
Em caso de acordo, nos autos do dissídio coletivo (decisão normativa), só caberá recurso ordinário por parte do Ministério Público do Trabalho (LC n. 75/93, art. 83, VI, e Lei n. 7.701/88, art. 7º, § 5º).
O MPT está legitimado para interpor recurso ordinário, tanto nos dissídios coletivos em que for parte (DC de greve) como naqueles em que atuou como custos legis, ou seja, naqueles em que apenas emitiu parecer oral ou escrito (LC n. 75/93, art. 83, VI).
A Medida Provisória n. 1.398/96 facultava ao Presidente do TST conceder efeito suspensivo ao recurso ordinário da sentença normativa. Sobre essa medida provisória, o TST firmou o seguinte entendimento:
AGRAVO REGIMENTAL – DESPACHO QUE DEFERE PEDIDO DE CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO PROFERIDA POR TRT EM DISSÍDIO COLETIVO – Inexistência de cerceamento de defesa. O deferimento do efeito suspensivo requerido tem assento em regulação legal, consubstanciada na medida provisória mil trezentos e noventa e oito de noventa e seis, que não faz alusão à necessidade de vista ao requerido para se manifestar acerca do pedido. Não demonstrada, pois, a ofensa ao artigo quinto, incisos cinquenta e quatro e cinquenta e cinco, do texto constitucional. Alegação de inconstitucionalidade da medida provisória que autoriza a concessão de efeito suspensivo ao recurso manifestado contra sentença normativa. Desnecessária a remessa do processo ao órgão especial, dada a ausência dos elementos que justifiquem o encaminhamento, por não se configurar imprescindível a manisfestação daquele colegiado no caso concreto. O artigo quatorze da medida provisória mil trezentos e noventa e oito de noventa e seis compatibiliza-se com o contido no artigo cento e quatorze, parágrafo segundo, da Constituição Federal, pois permite que o presidente do TST restrinja, provisoriamente, a abrangência da decisão proferida em sentença normativa regional aos limites da jurisprudência desta corte e às regulações legais mínimas de proteção ao trabalho. Reajuste salarial. Deferimento parcial de concessão de efeito suspensivo a fim de limitar a eficácia de cláusula ao índice de reajustamento expressamente autorizado pela legislação salarial vigente à época da data-base da categoria. Imprópria a invocação de ofensa ao artigo noventa e três, inciso nove, da Constituição Federal, visto que devidamente motivada a decisão. Aviso prévio proporcional. A atual jurisprudência desta corte, seguindo a orientação do excelso STF, é no sentido de que não pode o prazo do aviso prévio ser ampliado para além de trinta dias por decisão judicial. Agravo regimental a que se nega provimento (TST AGES 455174/1998, SDC, Rel. Min. Ermes Pedro Pedrassani, DJU 12-2-1999, p. 32).
Sobreveio o § 6º do art. 7º da Lei n. 7.701/98, dispondo que “a sentença normativa poderá ser objeto de ação de cumprimento a partir do 20º (vigésimo) dia subsequente ao do julgamento, fundada no acórdão ou na certidão de julgamento, salvo se concedido efeito suspensivo pelo Presidente do Tribunal Superior do Trabalho”, sendo que o art. 9º do mesmo diploma legal previa que o “efeito suspensivo deferido pelo Presidente do Tribunal Superior do Trabalho terá eficácia pelo prazo improrrogável de 120 (cento e vinte) dias contados da publicação, salvo se o recurso ordinário for julgado antes do término do prazo”.
Atualmente, o art. 14 da Lei n. 10.192, de 14 de fevereiro de 2001, dispõe, in verbis:
O recurso interposto de decisão normativa da Justiça do Trabalho terá efeito suspensivo, na medida e extensão conferidas em despacho do Presidente do Tribunal Superior do Trabalho.
Corrigindo equívoco da edição anterior, pensamos que o referido dispositivo legal apenas autoriza que o Presidente do TST conceda efeito suspensivo ao recurso ordinário interposto contra sentença normativa proferida por Tribunal Regional do Trabalho por meio de “despacho” (rectius, decisão interlocutória fundamentada – CF, art. 93, IX), que é um ato discricionário (mas não arbitrário), no qual estabelecerá as consequências concretas do efeito suspensivo, como, por exemplo, indicando as cláusulas que podem produzir efeito imediato e as que deverão aguardar o trânsito em julgado da decisão a ser proferida posteriormente pela SDC. Noutro falar, o recurso ordinário da sentença normativa possui efeito devolutivo (CLT, art. 899) e, excepcionalmente, por decisão monocrática do Presidente do TST – sujeita a agravo regimental –, poderá ter efeito suspensivo. Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL – EFEITO SUSPENSIVO – REAJUSTE SALARIAL DEFERIDO EM SENTENÇA NORMATIVA – FUNDAMENTO DE POSSÍVEL ANUÊNCIA DE PROCESSO DE NEGOCIAÇÃO NÃO CONSUMADO – IMPOSSIBILIDADE – A mera existência de manifestação do Sindicato Patronal acerca de possível aceitação de percentual de reajuste, dentro do processo de negociação que não se consumou, não autoriza que se conceda reajuste salarial muito superior à inflação, com assento apenas no poder normativo. Agravo Regimental a que se nega provimento. BANCO DE HORAS – ACORDO COLETIVO ANTERIOR – MANUTENÇÃO DA COMUTATIVIDADE DA CONTRATAÇÃO COLETIVA – A existência de acordo de Banco de Horas, mediante pacto coletivo anterior, abrangendo algumas empresas integrantes da base da categoria econômica, deve ser preservado até o julgamento do Recurso Ordinário interposto contra sentença normativa. Ultratividade da norma coletiva como um todo, de modo a preservar a comutatividade da pactuação coletiva. Agravo Regimental a que se nega provimento (TST-AgR-ES 6188-33.2013.5.00.0000, Rel. Min. Carlos Alberto Reis de Paula, SDC, DEJT 25-10-2013).
AGRAVO REGIMENTAL. DESPACHO PROFERIDO EM EFEITO SUSPENSIVO. ATO DISCRICIONÁRIO. O exercício da prerrogativa de que tratam os arts. 7º, § 6º, da Lei n. 7.701, de 21 de dezembro de 1988, e 14 da Lei n. 10.192, de 14 de fevereiro de 2001, insere-se no âmbito do arbítrio do Ministro Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, o qual, na hipótese, pratica ato meramente discricionário. Em não havendo margem para que se cogite de equívoco ou extravasamento de limites legais pelo juízo monocrático, nega-se provimento ao agravo regimental cujas razões respeitam meramente ao conteúdo das cláusulas estabelecidas na sentença normativa já impugnada mediante recurso ordinário (TST-Agravo Regimental em Efeito Suspensivo n. 72696, SDC do TST, Rel. Min. Francisco Fausto. j. 8-5-2003, unânime, DJU 23-5-2003).
SENTENÇA NORMATIVA. EXECUÇÃO IMEDIATA. Conforme entendimento majoritário perfilhado na Súmula 246 do c. TST, a sentença normativa é exequível a partir do 20º (vigésimo) dia subsequente ao do julgamento, independendo do trânsito em julgado. O recurso ordinário interposto contra a decisão proferida pelo Regional no julgamento do dissídio coletivo tem efeito meramente devolutivo e, ainda que provido, não importa na restituição dos salários e vantagens pagos, de forma que não há qualquer impedimento à execução imediata. Eventual recebimento do apelo com efeito suspensivo pelo c. TST deverá ser objeto de inequívoca prova pela parte interessada, tendo em vista não se tratar da pura aplicação da regra processual, mas de mera faculdade conferida à Instância Superior de fazê-lo sempre que julgar adequado. A ausência de prova nesse sentido impede o sobrestamento da demanda que visa alcançar o comando jurisdicional contra o descumprimento das cláusulas inseridas no instrumento normativo (TRT 2ª R., RO em Rito Sumaríssimo 00964.2004.008.02.00-0, 4ª T., Rel. Paulo Augusto Câmara, j. 3-5-2005, DOE 13-5-2005).
AÇÃO DE CUMPRIMENTO – SUSPENSÃO PARCIAL DO RECURSO ORDINÁRIO CONTRA A SENTENÇA NORMATIVA. Tendo o colendo TST deferido o pedido de efeito suspensivo a recurso ordinário em DC, apenas para limitar o reajuste dos salários da categoria a 16%, a decisão deve ser adequada aos respectivos limites, sem necessidade da extinção do processo sem julgamento do mérito (TRT 3ª R., RO 00065-2004-039-03-00-0, 4ª T., Sete Lagoas, Rel. Luis Felipe Lopes Bóson, j. 26-5-2004, unânime, DJMG 5-6-2004).
AÇÃO DE CUMPRIMENTO – CUMPRIMENTO IMEDIATO. Nos termos da iterativa jurisprudência do colendo TST, consubstanciada na Súmula 246 do TST, dispensável o trânsito em julgado da sentença normativa para a propositura da ação de cumprimento. Não tendo sido conferido efeito suspensivo pelo Presidente do TST à cláusula concernente ao reajuste salarial, plenamente cabível o ajuizamento de ação de cumprimento objetivando o cumprimento de decisão normativa (TRT da 3ª Região, RO 15907/02, 3ª T., Belo Horizonte, Rel. Juiz Lucas Vanucci Lins. j. 22-1-2003, unânime, DJMG 1º-2-2003).
A natureza cautelar e os limites do ato monocrático do Presidente do TST que concede efeito suspensivo a recurso ordinário de sentença normativa podem ser extraídos dos seguintes arestos:
AGRAVO REGIMENTAL OPOSTO A DESPACHO QUE INDEFERIU O PEDIDO DE CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO AO RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO À SENTENÇA NORMATIVA. O requerimento de efeito suspensivo, a despeito da faculdade conferida em termos amplos ao Presidente do Tribunal pelo artigo 14 da Lei n. 10.192/2001, não se confunde com ação ou recurso nem pode ter o condão de transferir para o juízo monocrático competência recursal do Colegiado. Assim, a questão prefacial levantada relativa à necessidade de concordância das partes para o ajuizamento de dissídio coletivo não deve ser objeto de exame em pedido de efeito suspensivo, cuja natureza é precária e acautelatória. Relativamente à invocação da tese da excessiva onerosidade quanto às cláusulas impugnadas, deve ser reexaminada cuidadosamente por ocasião do julgamento do recurso ordinário interposto, uma vez que requer análise percuciente dos documentos carreados aos autos, e não agora, durante o pedido de efeito suspensivo, cujo juízo é de mera probabilidade. Agravo regimental a que se nega provimento (TST-AG-ES 1705016-42.2006.5.00.0000, Rel. Min. Ronaldo Lopes Leal, SDC, DJ 9-2-2007).
AGRAVO REGIMENTAL. EFEITO SUSPENSIVO. REAJUSTE SALARIAL. ACRÉSCIMO DE 5%. ALTERAÇÃO DA JORNADA. REAJUSTE SALARIAL DE 10%. EXTENSÃO DOS EFEITOS DA CLÁUSULA 16 DA CONVENÇÃO COLETIVA 2010/2012. 1. A SDC tem entendimento pacificado de que, considerando a natureza constitutiva da sentença normativa, não há julgamento extra petita em Dissídio Coletivo. O artigo 858, “b”, da CLT, não inclui a formulação de pedido como requisito da petição inicial, mencionando apenas “os motivos do dissídio e as bases da conciliação”. 2. O pedido de concessão de Efeito Suspensivo de que trata o artigo 14 da Lei n. 10.192/01 ostenta natureza cautelar, condicionando-se o seu acolhimento à demonstração de perigo de dano iminente e de plausibilidade jurídica da pretensão requerida. Questões que demandam cognição exauriente de peculiaridades do processo principal não se mostram compatíveis com a concessão de Efeito Suspensivo, por tratar-se de medida que se baseia em juízo de probabilidade, mediante cognição sumária. 3. Compulsando as razões do Agravante, percebe-se a nítida pretensão de reforma da sentença normativa, contexto que guarda pertinência com a fundamentação do Recurso Ordinário que se visa a suspender e não como o pedido de Efeito Suspensivo. 4. Pelo pedido de extensão dos efeitos da Cláusula 16 da Convenção Coletiva 2010/2012, o Agravante pretende, na verdade, a implção (sic) da jornada de trabalho 11 X 36. O pedido não se coaduna, portanto, com a finalidade da tutela de Efeito Suspensivo, que, como cediço, ostenta natureza precária e acautelatória. Agravo Regimental a que se nega provimento (TST-AgR-ES 761-55.2013.5.00.0000, Rel. Min. Carlos Alberto Reis de Paula, SDC, DEJT 21-6-2013).
A Súmula 246 do TST reforça a tese da relativização do efeito suspensivo do Recurso Ordinário de sentença normativa ao permitir a ação de cumprimento, independentemente do seu trânsito em julgado.
Visando à operacionalização do art. 14 da Lei n. 10.192/2001, o TST editou a Resolução n. 120, de 2 de outubro de 2003 (DJU 9-10-2003), aprovando a Instrução Normativa n. 24, que prescreve:
I – Ao Presidente do Tribunal Superior do Trabalho é facultada a designação de audiência de conciliação relativamente a pedido de concessão de efeito suspensivo a recurso ordinário interposto à decisão normativa da Justiça do Trabalho;
II – Poderá o Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, antes de designar audiência prévia de conciliação, conceder ao requerido o prazo de 5 (cinco) dias, para, querendo, manifestar-se sobre o pedido de efeito suspensivo;
III – O Ministério Público do Trabalho, por intermédio da Procuradoria-Geral do Trabalho, será comunicado do dia, hora e local da realização da audiência, enquanto as partes serão notificadas;
IV – Havendo transação nessa audiência, as condições respectivas constarão de ata, facultando-se ao Ministério Público do Trabalho emitir parecer oral, sendo, em seguida, sorteado Relator, que submeterá o acordo à apreciação da Seção Especializada em Dissídios Coletivos, na primeira sessão ordinária subsequente ou em sessão extraordinária designada para esse fim;
V – O Presidente do Tribunal Superior do Trabalho poderá submeter o pedido de efeito suspensivo à apreciação da Seção Especializada em Dissídios Coletivos, desde que repute a matéria de alta relevância.
Não obstante a regra prevista no art. 14 da Lei n. 10.192/2001, parece-nos cabível a ação cautelar incidental ao recurso ordinário, pois a lei não pode afastar da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (CF, art. 5º, XXXV). Tal demanda cautelar, distribuída por dependência, pode conter pedido de liminar dirigido ao Ministro Relator, que pode conceder, ou não, efeito suspensivo ao recurso ordinário da sentença normativa. Para tanto, o requerente/recorrente deverá demonstrar a existência do fumus boni iuris e do periculum in mora.
Em caso de dissídio coletivo que tenha por objeto estabelecer novas condições de trabalho e no qual figure como parte apenas uma fração de empregados de uma empresa, poderá o tribunal competente, na própria decisão, estender tais condições, se julgar justo e conveniente, aos demais empregados da empresa que forem da mesma profissão dos destinatários originais do DC. Trata-se do juízo de equidade conferido ao tribunal, por força do art. 868 da CLT.
Havendo extensão dos efeitos da sentença normativa, o tribunal fixará a data em que a decisão deve ser cumprida, bem como o prazo de sua vigência, o qual não poderá ser superior a quatro anos.
Importa assinalar que, nos termos do art. 869 da CLT, a decisão sobre novas condições de trabalho poderá também ser estendida a todos os empregados da mesma categoria profissional compreendida na jurisdição do tribunal:
a) por solicitação de 1 (um) ou mais empregadores, ou de qualquer sindicato destes;
b) por solicitação de 1 (um) ou mais sindicatos de empregados;
c) ex officio, pelo Tribunal que houver proferido a decisão;
d) por solicitação da Procuradoria da Justiça do Trabalho.
A validade da extensão dos efeitos da sentença normativa a todos os empregados da mesma categoria profissional, segundo o art. 870 da CLT, depende de concordância dos sindicatos que figurarem nos polos ativo e passivo da lide coletiva ou, se o dissídio coletivo decorrer de acordo coletivo frustrado, de pelo menos três quartos dos empregadores e três quartos dos empregados. Essa norma, a nosso ver, está em harmonia com a nova redação dada pela EC n. 45/2004 ao art. 114, § 2º, da CF.
Os interessados terão prazo não inferior a trinta nem superior a sessenta dias, para que se manifestem sobre a extensão dos efeitos da sentença normativa.
Decorrido o prazo para a manifestação dos interessados, e ouvido o MPT, será o processo submetido ao julgamento do tribunal. Se a decisão do tribunal concluir pela extensão dos efeitos da sentença normativa, deverá marcar a data em que ela entrará em vigor. É o que dispõe o art. 871 da CLT.
Parece-nos que o DC de extensão, por ter natureza econômica, não poderá mais ser instaurado de ofício, por provocação do MPT ou de uma das entidades sindicais. E a razão é simples: há necessidade de mútuo consentimento, nos termos do art. 114, § 2º, da CF.
De acordo com a OJ n. 2 da SDC/TST:
É inviável aplicar condições constantes de acordo homologado nos autos de dissídio coletivo, extensivamente, às partes que não o subscreveram, exceto se observado o procedimento previsto no art. 868 e seguintes, da CLT.
O dissídio coletivo revisional, que está disciplinado nos arts. 873 a 875 da CLT, tem lugar quando decorrido mais de um ano da vigência da sentença normativa.
Trata-se de um dissídio derivado do dissídio coletivo de natureza constitutiva (de interesse), quando a sentença normativa respectiva tiver fixado condições de trabalho que se tenham modificado em função de circunstâncias alheias à vontade das partes, como as condições que se hajam tornado injustas ou inaplicáveis.
Segundo o art. 874 da CLT, o dissídio coletivo revisional poderá ser promovido por iniciativa do Tribunal prolator, do MPT, das associações sindicais ou de empregador ou empregadores no cumprimento da decisão. Parece-nos, porém, que nem o Presidente do Tribunal nem o Ministério Público do Trabalho têm legitimação para a propositura do dissídio coletivo revisional, pois sendo este uma espécie de dissídio de natureza econômica, somente as partes interessadas, de comum acordo, poderão fazê-lo, por força do § 2º do art. 114 da CF, como nova redação dada pela EC n. 45/2004, sendo certo que não se trata de DC de Greve, o que obstaculiza a legitimação ministerial.
A competência para julgar o dissídio coletivo revisional é do mesmo tribunal prolator da decisão revisanda, sendo certo que a nova sentença normativa será proferida depois de ouvido o MPT, seja em parecer escrito, seja em parecer oral na sessão de julgamento.
O conteúdo da “sentença” normativa (ou da decisão que homologa acordo nos autos do dissídio coletivo) não se sujeita à execução forçada, e sim ao cumprimento pelos seus destinatários, tal como acontece com a eficácia das normas jurídicas de caráter geral e abstrato.
Esse cumprimento pode ser espontâneo, como se dá com a observância natural de uma lei; ou coercitivo, mediante a propositura da chamada ação de cumprimento.
Com efeito, diz o art. 872 e seu parágrafo da CLT, in verbis:
Art. 872. Celebrado o acordo, ou transitada em julgado a decisão[870], seguir-se-á o seu cumprimento, sob as penas estabelecidas neste Título.
Parágrafo único. Quando os empregadores deixarem de satisfazer o pagamento de salários, na conformidade da decisão proferida, poderão os empregados ou seus sindicatos, independente de outorga de poderes de seus associados, juntando certidão de tal decisão, apresentar reclamação à Junta (atualmente, Vara) ou Juízo competente, observado o processo previsto no Capítulo II deste Título, sendo vedado, porém, questionar sobre a matéria de fato e de direito já apreciada na decisão.
O acordo mencionado no caput do preceptivo em causa é aquele feito pelas partes na audiência de conciliação perante o presidente do tribunal, que o submete à homologação pelo tribunal nos autos do dissídio coletivo (CLT, art. 863). Daí o emprego do termo “decisão normativa”, que é ato judicial meramente homologatório, diverso da sentença normativa, pois esta é fruto de julgamento das cláusulas constantes do dissídio coletivo. Noutro falar, a sentença normativa aprecia o mérito da lide coletiva. A “decisão normativa” é meramente homologatória da conciliação levada a efeito pelas partes nos autos do dissídio coletivo.
Os direitos criados abstratamente por decisão (sentença) normativa proferida nos dissídios coletivos de natureza econômica podem ser defendidos, a título individual, pelo próprio trabalhador interessado ou a título coletivo, por meio do sindicato da respectiva categoria profissional, segundo o disposto no art. 872 e seu parágrafo único da CLT.
Vale dizer, a sentença normativa proferida nos dissídios de natureza econômica pode ser objeto de cumprimento por meio de:
• ação individual de cumprimento, simples ou plúrima (litisconsórcio ativo), proposta diretamente pelos trabalhadores interessados;
• ação coletiva de cumprimento, proposta pelo sindicato da categoria profissional em nome próprio, na defesa dos interesses individuais homogêneos dos trabalhadores (substituição processual) integrantes da respectiva categoria profissional.
O art. 1º da Lei n. 8.984, de 7 de fevereiro de 1995, porém, ampliou a competência da Justiça do Trabalho para “conciliar e julgar os dissídios que tenham origem no cumprimento de convenções coletivas de trabalho e acordos coletivos de trabalho, mesmo quando ocorram entre sindicatos ou entre sindicatos de trabalhadores e empregador”.
Assim, podemos dizer que a ação de cumprimento é o meio processual adequado para defesa dos interesses ou direitos dos trabalhadores constantes de sentença normativa, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho não cumpridos espontaneamente pelo(s) empregador(es).
A ação de cumprimento visa tanto à defesa dos interesses individuais simples ou plúrimos quanto à defesa dos interesses individuais homogêneos dos trabalhadores integrantes da categoria profissional representada no dissídio coletivo pelo sindicato correspondente.
Vê-se, pois, que a ação de cumprimento tem por escopo tornar concretos os direitos abstratos reconhecidos e positivados em instrumentos normativos coletivos.
Entendemos por natureza jurídica a operação complexa e concomitante de nominar e comparar. Assim, podemos dizer que a ação de cumprimento é uma ação de conhecimento, de natureza condenatória, que visa a obrigar o empregador ou empregadores a satisfazer os direitos abstratos criados por sentença normativa, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.
É, pois, uma ação cognitiva destinada à defesa de direitos ou interesses dos trabalhadores, cujo escopo repousa na condenação do(s) empregador(es) na(s) obrigação(ões) de dar, pagar, fazer, não fazer ou entregar coisa constante de título judicial (sentença normativa) ou de instrumento normativo de autocomposição (convenção coletiva ou acordo coletivo).
Para a propositura da ação de cumprimento, são legitimados tanto o sindicato quanto os empregados.
Em se tratando de ação coletiva de cumprimento, o sindicato autor da ação atua como substituto processual, espécie de legitimação extraordinária, uma vez que ele atua judicialmente em nome próprio (sujeito titular da ação), mas defendendo direitos ou interesses individuais homogêneos dos trabalhadores (titulares do direito material deduzido na ação). Cuida-se, aqui, de autêntica ação coletiva para defesa de interesses individuais homogêneos, nos moldes do art. 8º, III, da CF e do art. 92 do CDC.
Se for o empregado (ou empregados em litisconsórcio) o autor da ação, teremos uma autêntica ação (reclamação) trabalhista individual de cumprimento, pois o titular do direito material é o mesmo titular da ação.
A OJ n. 188 da SBDI-1/TST, no entanto, firmou o seguinte entendimento: “Falta interesse de agir para a ação individual, singular ou plúrima, quando o direito já foi reconhecido através de decisão normativa, cabendo, no caso, ação de cumprimento”.
Data venia, pouco importa o nomen iuris dado à ação. Se a ação de cumprimento é uma ação de conhecimento, parece-nos que a OJ n. 188 da SBDI-1 aparenta vício de inconstitucionalidade, por obstaculizar o acesso à Justiça (CF, art. 5º, XXXV) do trabalhador que propõe individualmente reclamação trabalhista em lugar de ação de cumprimento. Se o juiz reconhece que o direito vindicado na reclamação trabalhista consta de sentença normativa, deve ele, com muito mais certeza e razão, julgar procedente a demanda pela aplicação do apotegma da mihi factum, dabo tibi jus, e não extinguir o processo sem resolução do mérito, “por falta de interesse”.
Superando entendimento anterior, o TST (Súmula 286) passou, por força da Lei n. 8.984, de 7 de fevereiro de 1995, a estender a legitimação extraordinária (ou substituição processual) do sindicato para a ação de cumprimento de convenção ou acordo coletivo de trabalho.
A Súmula 359 do TST (cancelada pela Resolução TST n. 121/2003) não reconhecia às federações, e, por dedução lógica, às confederações, a legitimação para ajuizar ação de cumprimento prevista no art. 872, parágrafo único, da CLT, para, na qualidade de substitutas processuais, defenderem interesses dos trabalhadores pertencentes à categoria profissional inorganizada em sindicato. Era equivocado, data venia, o entendimento que estava consubstanciado no verbete jurisprudencial em apreço, pois, se os trabalhadores não estão organizados em sindicato, é a federação que poderá atuar judicialmente ou extrajudicialmente, desempenhando as atribuições daquele. Mesmo porque a própria lei (CLT, art. 872, parágrafo único) utiliza o termo “sindicatos”, o que, a nosso ver, exige sua interpretação ampliativa ou extensiva, para alcançar as “entidades sindicais” de qualquer grau.
A competência material e funcional para processar e julgar ação de cumprimento é das Varas do Trabalho do local da prestação do serviço (CLT, arts. 651 e 872, parágrafo único).
Trata-se de uma exceção à regra geral prevista no art. 575, incisos I e II, do CPC, uma vez que o órgão competente para o cumprimento da sentença normativa não é aquele que proferiu a decisão a ser cumprida (TST ou TRT), e sim a Vara do Trabalho.
O TST havia adotado o entendimento de que a Justiça do Trabalho seria incompetente para julgar ação de cumprimento na qual o sindicato, em nome próprio, pleiteasse o recolhimento de desconto assistencial previsto em convenção ou acordo coletivo. Era o que dispunha a Súmula 334 (cancelada pela TST n. 121/2003).
Com a edição da Lei n. 8.984, de 7 de fevereiro de 1995, e por força do art. 114, III, da CF, com redação dada pela EC n. 45/2004, não restam mais dúvidas acerca da ampliação da competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar ações entre sindicatos ou entre estes e os trabalhadores, bem como entre os empregadores e seus sindicatos, como já vimos no Capítulo V.
O procedimento da ação de cumprimento é semelhante ao de dissídio individual, com a ressalva de que não será permitido às partes discutir questões de fato ou de direito que já foram apreciadas na sentença normativa ou na decisão normativa, ainda que esta não tenha transitado em julgado (CLT, art. 872, parágrafo único, in fine).
É permitido o ajuizamento imediato da ação de cumprimento da sentença normativa, independentemente do seu trânsito em julgado, salvo se for dado efeito suspensivo ao recurso ordinário eventualmente interposto contra tal decisão (Lei n. 7.701/88, arts. 7º, § 6º, e 10).
Com o advento da Lei n. 10.192, de 14 de fevereiro de 2001 (art. 14), passou o Presidente do TST a ter competência para conceder efeito suspensivo ao RO interposto contra sentença normativa (IN TST n. 24/2003).
Tendo em vista a lacuna do texto obreiro sobre o procedimento, cremos serem aplicáveis à ação de cumprimento as normas do CDC respeitantes à ação coletiva para tutela de interesses individuais homogêneos.
A petição inicial será instruída com a cópia da sentença normativa (acórdão) ou certidão de julgamento do dissídio coletivo, contendo as cláusulas que foram deferidas pelo Tribunal, sob pena de seu indeferimento (art. 872 da CLT combinado com os arts. 267, IV, e 284 do CPC).
Tratando-se de ação de cumprimento de convenção ou acordo coletivo, esses instrumentos também devem obrigatoriamente instruir a petição inicial, sob pena de seu indeferimento (art. 787 da CLT combinado com os arts. 267, IV, e 284 do CPC).
Como a ação de cumprimento pode ser ajuizada independentemente do trânsito em julgado da sentença normativa (TST, Súmula 246), surge o problema da sua modificação superveniente em grau de recurso ordinário.
O TST vem decidindo que, nesse caso, a sentença normativa perde a sua eficácia executória, sendo declarada a sua inexistência jurídica. É o que se infere da OJ n. 277 da SBDI-1/TST.
Recentemente, foi editada a Súmula 397 do TST, in verbis:
AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 485, IV, DO CPC. AÇÃO DE CUMPRIMENTO. OFENSA À COISA JULGADA EMANADA DE SENTENÇA NORMATIVA MODIFICADA EM GRAU DE RECURSO. INVIABILIDADE. CABIMENTO DE MANDADO DE SEGURANÇA (conversão da OJ n. 116 da SDI-2, Res. 137/2005, DJU 22.8.2005). Não procede ação rescisória calcada em ofensa à coisa julgada perpetrada por decisão em ação de cumprimento, em face de a sentença normativa, na qual se louvava, ter sido modificada em grau de recurso, porque em dissídio coletivo somente se consubstancia coisa julgada formal. Assim, os meios processuais aptos a atacarem a execução da cláusula reformada são a exceção de pré-executividade e o mandado de segurança, no caso de descumprimento do art. 572 do CPC.
Assim, havendo reforma da sentença normativa em grau de RO, não há, segundo o TST, necessidade de ajuizamento de AR contra a sentença da ação de cumprimento, cabendo apenas MS ou exceção de pré-executividade. Sobre o tema, ver item 3.4. do Capítulo XXV.
No que tange ao prazo prescricional para a ação de cumprimento, o TST pacificou o entendimento de que o marco inicial conta-se da data do trânsito em julgado da decisão normativa (Súmula 350).
Quando se tratar, porém, de ação de cumprimento de convenção ou acordo coletivo de trabalho, parece-nos que o marco inicial da prescrição coincide com o término do prazo de vigência desses instrumentos coletivos.
Pensamos que o prazo deve ser de dois anos da data da extinção do contrato de trabalho ou cinco anos da data de extinção do prazo de vigência da norma coletiva criadora do direito, incidindo, em ambos os casos, a prescrição total.
A respeito da matéria, o STF editou a Súmula 349 (anterior à CF/88), in verbis:
A prescrição atinge somente as prestações de mais de dois anos, reclamadas com fundamento em decisão normativa da justiça do trabalho, ou em convenção coletiva de trabalho, quando não estiver em causa a própria validade de tais atos.