NOTA DA AUTORA
Este romance é denso de histórias e personagens das mais variadas culturas. Gostaria de agradecer aos amigos generosos, às experiências que vivi, às fontes que consultei e a que recorri, e sobre as quais me habituei a escrever. No primeiro capítulo, a frase «a vida acontece para a frente, mas só pode ser entendida para trás» foi inspirada na obra do filósofo dinamarquês, Søren Kierkegaard. O conto infantil preferido de Candy, acerca da rainha que espera tanto tempo pelo regresso do seu amado que acaba por se transformar na orquídea do padrão do seu vestido, foi baseado no conto filipino The Legend of Waling-Waling. As histórias indianas de Sita e Draupadi, as que as Flores partilham com Alice foram, também elas, partilhadas comigo por Tanmay Barhale. A história da filha do rei que usava sempre o mesmo tom de azul foi inspirada por Alice Roosevelt Longworth, filha de Theodore Roosevelt, que também sempre usou o mesmo tom azul-celeste, e que ficou conhecida por nunca se vergar às regras da sociedade. O conto búlgaro que Oggi refere na carta que escreve a Alice, sobre o lobo e a raposa, foi inspirado por uma versão do conto popular búlgaro The Sick and the Healthy, que por sua vez me foi traduzido e contado por Iva Boneva. As histórias de Lulu sobre as borboletas monarca, guerreiras de fogo e filhas do sol, foram inspiradas por contos mexicanos que Viridiana Alfonso-Lara me foi contando. Para mim foi fundamental recorrer a elementos ficcionais no que respeita aos locais da Austrália Central que Alice visita, e onde vive e trabalha, porque identificar essas partes do romance com locais existentes e facilmente reconhecíveis seria, para mim, contar histórias que não me pertencem e, logo, não posso nem devo partilhar. Esta minha decisão de ficcionar os locais em questão, passou por um aconselhamento prévio com Ali Cobby Eckermann, mulher Yankunytjatjara e poetisa aclamada a nível mundial. Ela concordou que seria a atitude mais razoável a seguir. Kililpitjara, ou Earnshaw Crater – e tudo o que lhe diga respeito – o seu nome, a sua história, a sua paisagem, são meramente ficcionais. O local a que chamei Kililpitjara é fictício no sentido em que o inventei, mas o idioma Pitjantjatjara a que recorri para o criar, e que é utilizado ao longo de todo o romance, é a língua falada pelo povo Anangu. Kilipi significa “estrela”. Tjara significa “parte de algo ou de um grupo maior”. A tradução mais literal será então “que pertence às estrelas”. A referência que me serviu de ferramenta principal foi o “dicionário” IAD Press Pitjantjatjara/Yankunytjatjara para Inglês. O que me inspirou na criação da estrutura geológica do Kililpitjara foram as imagens de Kandimalal (Cratera de Wolfe Creek) e de Tnorala (Cratera de Gosse Bluff), mas a presença, energia e grandiosidade de ambas foram transmitidas in loco, quando eu própria vivi no deserto central. Em 2016, encontrei-me com o Dr. John Goldsmith em Perth, que me transportou pelas suas incursões em primeira-mão pela Kandimalal, bem como a sua experiência como fotógrafo das estrelas do deserto ocidental. O Dr. Goldsmith foi igualmente de uma ajuda inestimável ao esclarecer-me sobre o fenómeno dos círculos concêntricos de estrelas e crateras, e da própria probabilidade do crescimento dos tufos das ervilhas-do-deserto na formação rochosa, que eu tantas vezes descrevi. A história da criação do Kililpitjara foi inspirada na própria crença do povo Arrernte quanto à sua origem: a história de Tnorala, a cratera de onde um bebé caiu do seu berço de madeira nas estrelas, embatendo na terra, e dos pais que, do céu, eternamente o procuraram. As flores roubadas e devolvidas pelos turistas, plenas de remorso, bem como as cartas de arrependimento que as acompanham – que Ruby mostra a Alice a determinada altura – são inspiradas pelas «pedras roubadas» que os guias turísticos recebem diariamente em Uluru, enviadas por turistas arrependidos de todo o mundo. O poema da Ruby, Sementes, é da autoria da própria Ali Cobby Eckermann, que me deu absoluta permissão para o usar neste contexto. Enquanto vivi no deserto, tive o grato prazer de conhecer muitas mulheres como a Ruby. Partilharam comigo as suas histórias e índoles, que me ensinaram coisas que jamais aprendi noutro sítio qualquer. A Austrália tem uma história negra. Sempre foi e sempre será terra aborígene.