A melhor coisa num acampamento de verão é o último dia. É o dia em que você pode finalmente ir para casa e viver de novo como uma pessoa normal.
Não me leve a mal. O acampamento foi demais. Passei o verão inteiro em Maine, num acampamento especialmente voltado à área de artes. No ano passado, meu pai me deu sua velha câmera Nikon e me ensinou a revelar fotos. Desde então, eu sou apaixonada por fotografia. As câmeras vintage são capazes de captar o “agora” de um modo que as digitais não conseguem. As cores todas ficam mais atenuadas. Sem contar que o tradicional método de revelar as próprias fotos, exatamente como queremos, é bem legal.
É verdade, no acampamento eu aprendi muito sobre fotografia, e deu para praticar bastante. Venho tocando violino desde o 8º ano, por isso tive umas aulas de violino ali também. Chegamos a apresentar um concerto ontem à noite.
Faz, tipo, umas três horas que cheguei em casa. Mas depois do acampamento já fiz algumas coisas essenciais:
A única coisa que falta fazer em minha lista é voltar a encontrar com Sterling, que não vejo desde que nos separamos em junho, o que me deixa superanimada. Não vejo a hora de reencontrá-la. Não só porque ela é minha melhor amiga, mas porque as aulas começam daqui a uma semana e nós duas estamos eufóricas com isso.
Eu adoro o início das aulas. É uma época de renovação, de reinventar a si mesma, transformar-se na pessoa que sempre quis ser. Você pode voltar para a escola como uma pessoa completamente nova e viver experiências totalmente diferentes. A cada ano, eu fico toda entusiasmada, pensando em como tudo vai ser diferente, mas isso nunca acontece. Estou cansada de me decepcionar sempre. Este tem que ser o nosso ano.
Dá uma sensação boa bater à porta da casa de Sterling com a melodia de “Wheel” na cabeça. É como se eu estivesse voltando à mesma situação do passado depois de uma longa viagem, mesmo que eu tenha ficado num acampamento longe de casa só por dois meses. Mas este momento tem tudo a ver com “Wheel”! Essa música é demais. A melhor parte é aquela em que John Mayer fala como nossas ligações são permanentes: quando você se afasta de uma pessoa, há sempre a chance de fazer parte da vida dela novamente. Como tudo volta ao princípio. Minha teoria é que as perguntas para todas as grandes questões da vida podem ser encontradas numa música de John Mayer.
Sterling abre a porta com tudo. O cabelo dela não é mais castanho. Ela ficou loira.
— Meu Deus... o seu cabelo! — grito.
Então, ela me agarra, a gente se abraça, começa a dar gritinhos e pulinhos.
— Não é demais? — diz ela. — Era pra ficar mais parecido com o seu, mas a cabeleireira disse que esta sua cor é meio complicada.
— Por que você não me falou que ia tingir?
— Queria fazer uma surpresa.
— E conseguiu.
— Então, o que achou? — Sterling se vira de um lado e de outro pra eu olhar seu cabelo de todos os ângulos. Ficou com um tom mais loiro do que o meu, porque meu cabelo tem diferentes tons de loiro misturados. Não sei se o tingimento dela funcionou muito bem.
— Ficou sexy — respondo. Acho que o que preciso é me acostumar com ele.
Ela aponta para o banquinho onde normalmente me sento.
— Senta — diz ela.
Sterling começou a se virar na cozinha quando tinha 12 anos, já que sua mãe não sabe cozinhar. Sem contar que ela nunca está em casa. E Sterling não aguentava mais comer coisas como cachorro-quente e Tater Tots, e aquele macarrão tipo instantâneo, toda noite, no jantar. Então, um belo dia, Sterling avisou que começaria a preparar todas as refeições. Está tendo aulas de culinária e tudo o mais. A mãe dela achou o máximo. O acordo entre as duas é que Sterling faz uma lista de tudo o que precisa do mercado para a semana e sua mãe faz as compras.
Quatro panelas estão no fogo. Legumes de todas as cores competem por espaço na bancada. Há dois jogos americanos, dispostos um de frente para o outro, na outra bancada onde sempre nos sentamos, com guardanapos de pano e objetos de prata extravagantes.
— Não precisava fazer isso tudo — digo.
— Claro que precisava. Ou você achou que eu ia preparar um jantar de boas-vindas sem graça?
— OK, mas... tem tanta coisa! — Tive que implorar aos meus pais para me deixarem vir jantar com Sterling, já que é o primeiro dia desde que voltei e tal, mas, no fim, eles deixaram. E depois nós vamos a uma festa no píer.
— Tudo de melhor pra você, amiga.
— Uau! — Tem alguma coisa borbulhando dentro de uma das panelas. O cheiro é delicioso. — Obrigada por ter preparado tudo isso.
— Ora, você é que está me fazendo um favor. Ninguém ainda experimentou um desses. Eu fui a única que provou, mas sou meio suspeita para opinar. — Sterling apanha algo de uma tigela e coloca na boca. — Não consigo parar de comer isso — diz ela. — Experimenta um.
Reparo numa tigela de salgadinhos com um formato estranho, como se fossem objetos de papelão recortado.
— O que é isso?
— Biscoitinhos de arroz feng shui. — Quando eu perguntava a Sterling o que era algo, ela usava este tom, tipo: “Como é que você não conhece isso?”. Mas ela já se acostumou à minha ignorância culinária. Minha família pertence, basicamente, à categoria “carne + batatas”.
Devagar, estico a mão até alcançar a tigela, como se o biscoitinho de arroz fosse me dar uma dentada. Eles parecem meio grudentos. Mas não quero ofender Sterling, então dou uma mordidinha no meu biscoito.
— Hum.
— Não são uma delícia?
Acho que não sou muito fã de biscoitinho de arroz.
— Eles são... diferentes — digo a ela. Sei que isso vai deixá-la contente. Isso, tipo, é o maior elogio que você pode fazer à Sterling em relação a qualquer coisa que ela cozinhe. Ela é chegada em comidas exóticas.
— São mesmo! — Ela dá uma mordida em mais um biscoito. — Já cheguei a comer, tipo, um saquinho inteiro deles.
É difícil não sentir inveja de Sterling. Ela é pequenininha, mas come o tempo todo. Já eu, só de olhar para um donut, imediatamente engordo dois quilos.
Sterling corre até o fogão e cuida, ao mesmo tempo, de duas panelas e um caldeirão imenso.
— O que você está preparando? — pergunto.
— Risoto. Espera, preciso me concentrar nesta parte. Aqui, o tempo exato é tudo.
Enquanto comemos, Sterling me conta sobre seus planos para um novo estilo de vida. Ela começou um período de autoaperfeiçoamento no primeiro dia das férias de verão e vai continuar até o segundo ano da escola.
— OK. Então... — Ela põe o garfo na mesa. — Quer mais molho?
— Não, pra mim está bom. — Os pratos têm um gosto incrível. Sterling já poderia estar trabalhando como chef profissional; os fregueses de seu restaurante nem desconfiariam de que ela só tem 15 anos. Claro, se ela ficasse, tipo assim, escondida na cozinha.
— Então — diz ela. — Você sabe que não consigo parar quieta, né?
— Sei muito bem.
— Adivinha qual é meu interesse mais recente?
— Hã... competição de pingue-pongue?
— Não.
— Mecânica de automóveis?
— Não! Tenta adivinhar com coisas mais reais.
— Desisto.
Sterling coloca as mãos para cima, tipo “espere pra ver”. Então anuncia:
— Ioga!
— E isso é legal ou não?
Estou mais inclinada a achar que não. Se fosse para qualquer outro, com exceção de Sterling, eu diria que é legal. Mas ela é a pessoa mais hiperativa que eu conheço. A menos que se trate de uma receita de cozinha, a capacidade de concentração dela é inexistente. Ela mal consegue sentar quieta durante mais de três minutos. E está fazendo ioga? Como pode?
Claro que não posso dizer nada disso. Sou a melhor amiga dela. Tenho que dar apoio.
Pergunto, então:
— É divertido?
— A ioga já está mudando minha vida! Consigo sentir a minha capacidade de concentração aumentando.
— Maravilha!
— Total. É a sua vez, agora.
Fazemos isso todos os anos. Nós nos encontramos antes do início das aulas, num momento em que todas as energias de possíveis acontecimentos estão circulando a mil por hora, e fazemos um pacto sobre os novos rumos que queremos dar às nossas vidas.
— Estou cansada de ficar esperando o início de uma vida pra valer — digo. — Tipo, quando é que todas as coisas boas vão finalmente começar a acontecer?
— Agora! Este vai ser o nosso ano!
— Como você sabe?
— Só sei dizer que vai ser.
Espero mesmo que ela tenha razão. Tem um limite de tempo que uma pessoa pode aguentar antes de começar a achar que nada de estimulante vai acontecer com ela. Tipo, nunca.
— A sua espera terminou — insiste Sterling. — Confia em mim.
O problema dos últimos dias do verão é que você não consegue segurá-los. Eles simplesmente voam. Você vive esses dias como um sonho, até que eles terminam. É quando tudo desacelera, chegando a um ritmo da era glacial.
Em geral, não fico ansiosa até a véspera do início das aulas. Mas hoje estou nervosa, pois vamos à festa de Andrea, no píer, e todos vão estar lá. Pelo menos, a pessoa que me deixa particularmente ansiosa estará lá.
Ao chegarmos à casa de Andrea, damos a volta e a encontramos sentada na areia. Ela acena para nós.
— Ei, meninas! — diz Andrea. — Como foi o verão de vocês?
— Foi demais! — respondemos juntas. Dou uma espiada no local, em busca dele, tentando fingir que não estou à procura de ninguém.
É quando eu o vejo.
As pessoas estão numa partida de vôlei, e Derek se prepara para dar o saque. Está sem camisa e usa uma sunga sexy, vermelha e com uma faixa estreita, num tom alaranjado-vivo. Ele jogando vôlei é simplesmente perfeito, pois tem o look clássico de um surfista da Califórnia. Se não morássemos em Connecticutt, você poderia muito bem achar que ele é de San Diego ou um lugar assim.
Fico observando ele jogar. Ainda não consegui assimilar totalmente a perfeição do corpo de Derek.
— Hello-ou! Planeta Terra chamando Marisa!
Saio do transe em que havia entrado com Derek. Sterling e Andrea estão olhando para mim, de cima a baixo. Quando foi que Sterling estendeu sua toalha? Quanto tempo fiquei olhando para o Derek? Será que todo mundo me viu olhando para ele feito uma tonta?
“OK, fique calma. Lembre-se: controle seus pensamentos para poder controlar suas atitudes.”
Estendo a toalha e tento prestar atenção ao que elas estão dizendo. Como de costume, Sterling está babando por algum cara que é velho demais para ela.
— Quem é aquele? — pergunta ela a Andrea.
— Quem, o Dan? — diz Andrea. — É um amigo do meu irmão, da faculdade.
— Que idade ele tem?
— Tipo, 21? Vinte e dois...
— Ele tem namorada? — Sterling quer saber.
Andrea a encara.
— O quê?
— Por que você não consegue gostar de caras da sua idade?
— Ei! Porque eles são pessoas desagradáveis!
Talvez ela tenha razão. Mas Andrea também tem. Sterling sempre é atraída por caras muito mais velhos que ela. E depois reclama quando eles só estão a fim de uma paquera.
— Estou só fazendo um comentário — diz Andrea.
— É. Bem, meu comentário é que Dan é muito sexy — diz Sterling. — Me apresenta pra ele?
Andrea faz uma careta.
— O que foi? — diz Sterling.
— Esquece — diz Andrea. Mas é óbvio que ela acha que Sterling está dando uma de galinha, dando em cima de caras mais velhos. Só que Sterling nunca teve nada com nenhum deles.
— A coisa aqui está quente — Sterling diz.
— Mais quente que isso, acho que só no inferno — comento.
— A água está uma delícia — diz Andrea. — Vocês deveriam entrar.
— Legal. Você vem? — Sterling me pergunta.
— Estou bem aqui.
— Eu vou — diz Andrea. — Já estou fritando.
De início, eu as observo no mar, converso com algumas meninas que conheço da orquestra e me convenço de que não devo ficar olhando mais para Derek. Mas a decisão não funciona: continuo dando umas espiadas nele.
É quando uma coisa incrível acontece. Algo que tem o poder verdadeiro de transformar uma vida.
Derek olha para mim e sorri.
Ele está sorrindo diretamente para mim!
Acho que sorrio de volta, mas não sei se meu rosto está respondendo bem. Ele me dá um rápido aceno e continua jogando vôlei.
Meu desejo é que a cena fique congelada para sempre, já prevendo tudo o que virá depois.
É sempre estranho encontrar todo mundo no final do verão. Alguns estão mais bronzeados. Outros, mais magros. Algumas mudaram completamente o corte de cabelo. É interessante perceber como as pessoas se reinventam durante o verão. Pergunto-me se alguém acha que eu mudei.
Caminhando de volta para casa, vejo Nash no píer. Está sentado sob o poste de luz, provavelmente adiantando as leituras que temos que fazer para a aula de Literatura. É estranho que já não tenhamos a mesma intimidade de antes; ele era praticamente parte de minha vida. Brincávamos juntos no 4º e no 5º ano. Passávamos praticamente o tempo inteiro no píer durante o verão, nadando no rio e brincando na água. Foi então que tudo mudou, com nossa entrada no 7º ano. Simplesmente não tinha mais vontade de andar com ele. O fato é que não consigo me lembrar do porquê disso.
Nós nos conhecemos há séculos. Far Hills é uma dessas cidadezinhas de Connecticut onde todo mundo se conhece. Onde você estuda com as mesmíssimas pessoas, do jardim de infância até a graduação. Além disso, Nash e eu somos vizinhos. Ele mora a três casas de distância da minha, e ainda usamos o mesmo píer para nadar durante o verão (nossa cidade fica numa península que se projeta na direção do Rio Five Mile).
Na verdade, curtimos estar no píer ao longo do ano. É um ótimo lugar para ir quando você precisa de um espaço só para você. Só que, agora, um evita ficar por ali se o outro já estiver na área. Às vezes, quando vejo que Nash está no píer, tenho vontade de me aproximar e dizer “oi”, ou algo assim, como fazíamos muitos anos atrás. Mas aí, tipo, ele chegou primeiro, e eu tenho que respeitar sua privacidade. Sei bem como é quando você precisa ficar sozinho por um tempo, se isolar do mundo.
É estranho como se pode viver tão perto de alguém, crescer com ele, sem de fato saber quem ele é. Talvez você o conhecesse, mas agora você e ele são como estranhos. É esquisito como o tempo é capaz de mudar algo que você achou que continuaria para sempre inalterado.