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— Nem pense em fazer isso — Nash me alerta.

— Só um pouquinho?

— Não.

— Por favor...?

— Este “não” está fora de negociação.

Essa é a terceira vez que vou à casa de Nash. E, pela terceira vez, ele não me deixa abrir a janela. A essa altura, ele já deveria saber que eu preciso de ar. Mas mantém a temperatura de seu quarto perfeitamente regulada e odeia quando eu ameaço interferir nisso.

— Vou abrir só uma frestinha — prometo. — Você nem vai perceber!

— Então pra que abrir?

— Tipo... eu vou perceber, você não.

— Você está querendo dizer que eu não percebo as coisas acontecerem?

Temos esse lance um com o outro: ele me provoca, e eu finjo que não gosto de ser provocada.

— Por que você sempre tenta deturpar minhas palavras? — pergunto.

— Por que você sempre tenta abrir a janela quando a temperatura ambiente daqui está perfeita? — ele rebate.

Desisto. Não tem como ganhar desse cara pela argumentação. Nash é mais inteligente que eu, e não tenho problema nenhum em admitir isso.

— Vamos continuar — digo. Percebo, então, que Nash tem papel quadriculado em diversas cores. — Onde você conseguiu isso?

— Na secretaria.

— Que secretaria?

— Da escola.

— Eles lhe dão papel quadriculado na secretaria?

— Não. Quer dizer, sim. Mas eu faço para eles trabalhos que valem crédito, no segundo horário, daí consigo um pouco de papel.

— E que tipo de trabalho você faz?

— Trabalhos em geral. Sabe como é, tipo listas de chamada e coisas assim.

Isso é muito estranho. Nunca pensei que Nash fosse do tipo que trabalha na secretaria para obter créditos. Mas claro que faz sentido. Ainda estamos no segundo ano, e Nash já está se preparando para a faculdade.

— Em que pé estamos com os dados?

— Hum... meio perdidos?

Nash me lança um olhar de raiva por cima de uma pilha de papéis avulsos.

— Achei que você tinha terminado os cálculos ontem.

— Sim, mas sabe como é... é que... Bem, esse era o plano; terminar isso ontem, enquanto fazia a tabela de dados. Mas... ahn... — Como explicar a idiota que sou? Não sou, exatamente, “habilidosa em Matemática e Ciências”. Sou boa em coisas como Redação, Arte e Música. E gosto desta matéria facultativa que estou fazendo: Psicologia. Mas Matemática e Ciências... simplesmente não são a minha praia. Ninguém me avisou que Ciências envolveria tanta Matemática. É uma decepção completa, total.

Se eu não estivesse formando dupla com Nash no laboratório, estaria perdida. Já no primeiro relatório que fizemos juntos, ele deixou claro que tudo teria de estar perfeito, caso contrário não permitiria que entregássemos o trabalho. Daí que já nos encontramos duas vezes para fazer um estúpido relatório que todos os demais, provavelmente, estão esperando até a véspera do dia da entrega para começar a fazer. Isso está me ajudando muito com a nota de Química, mas não é o único motivo que me faz gostar de vir à casa de Nash. Eu admiro o jeito diferente e esquisito dele.

Nash dá um resmungo. Folheia mais alguns papéis.

— Eu poderia tentar de novo hoje à noite, mas...

— Tudo bem. Vamos simplesmente terminar isso. — Ele se levanta do chão, onde estava sentado, do outro lado da mesinha de centro, e vai até a escrivaninha. Nash é o único que conheço que tem uma mesinha de centro dentro do quarto.

Ele abre uma gaveta com força. Ao lado de seu computador, um sininho de vaca cai fazendo um barulho abafado.

Nash tem sinos. Vários sinos. Eles estão por toda parte. Pendurados no teto, no batente das janelas, nas paredes, nas estantes de livros e na escrivaninha, e retinindo num cordão amarrado ao puxador de sua cômoda. Nash coleciona sinos vindos do mundo inteiro. Diz que foi inspirado por seu avô, que tinha uma coleção enorme. Nash herdou os primeiros sinos de seu avô, quando este morreu, e desde então vem colecionando. Acho que é um modo de se sentir mais próximo do avô. É capaz de pegar qualquer um dos sinos e lhe dizer exatamente de onde veio. E, claro, tem toda uma história que acompanha cada sino.

Ele volta com uma calculadora.

— OK, vamos começar com a primeira coluna. Está com ela aí?

— Estou. — Leio os dados em voz alta, ele digita rapidamente na calculadora enquanto espia, de vez em quando, sua planta-aranha pendurada ao lado da janela. É uma planta amistosa.

Uma coisa que tenho de bizarra é minha afeição por alguns objetos inanimados. Tipo, eu adoro este meu lápis listrado. Na verdade, ele nem é tão especial assim. Veio numa embalagem com cinco itens, da Staples. Eu simplesmente adoro as cores e a largura das listras, a maciez com que a borracha apaga, a alta qualidade do grafite deslizando no papel.

Tenho certeza de que sou a única pessoa que repara nessas coisas.

Mas talvez não seja. Talvez meu futuro namorado também seja assim. E talvez ele esteja sentado em seu quarto, agora mesmo, seja lá onde for, se perguntando se é a única pessoa que repara nessas coisas. E eu estou aqui. Simplesmente esperando que ele me encontre. Esperando que ele descubra que eu existo de verdade.