5

Temos um convidado para o jantar. Uma pessoa que mamãe conhece do trabalho. O nome dele é Jack, e sua casa está sendo pintada. Acho que ela sentiu pena dele e o convidou para jantar com a gente.

Aposto como Jack gostaria que alguém o tivesse alertado sobre Sandra, minha irmã, antes de vir. Talvez tivesse decidido que era mais negócio ficar sozinho, em casa, respirando cheiro de tinta diante de um prato recém-pedido por telefone.

— Mas como é que você pode dizer uma coisa dessas? — Sandra pergunta a Jack.

— Isso não é modo de falar com um convidado — papai diz a ela.

Mamãe não diz uma palavra. Ultimamente, durante o jantar, ela tem mostrado uma expressão de quem parece estar em algum ponto distante, enquanto conversamos ao redor. Mas hoje ela está agitada. Dá mais uma garfada em seu prato de salada. A alface iceberg está crocante. Se Sterling estivesse aqui, se sentiria ofendida por estar a uma mesa onde a única alface da salada é a iceberg. Sterling é fã da salada parisiense, com três tipos de alface. Mas quando vem jantar conosco ela nunca se queixa. Este é o jeito condescendente dela.

Sandra tenta mais uma vez.

— Mas... por que você acha isso?

— Este país nunca vai utilizar energia nuclear — insiste Jack.

— A energia nuclear tem o menor impacto sobre o meio ambiente...

— Mas quando, nos depósitos de resíduos nucleares, ocorre um vazamento de substâncias radioativas, o que sempre acaba acontecendo, milhares de pessoas podem morrer.

— ... entre todas as fontes de energia, ela não produz emissões que contribuem para o aquecimento global...

— A redução do aquecimento global é mais importante do que impedir que as pessoas tenham câncer? Ou tudo isso está tornando mais fácil a destruição do planeta pelas armas nucleares?

— ... e a água que as usinas nucleares usam nunca está poluída, então...

— Não vale a pena arriscar.

— Tente ser sensato. Como é que você pode ser contra o uso da energia nuclear?

Ninguém jamais poderia imaginar que Sandra ainda está no 9º ano. Seu jeito de agir, falar e se vestir é de alguém mais velho do que eu. E ela tem uma estabilidade emocional muito maior do que a minha. É justo que ela tenha herdado todos os genes mais avançados?

O fato é que, das pessoas que conheço, Sandra é a pessoa que mais gosta de bater de frente com os outros. Ela adora discutir. Já está cursando, inclusive, a disciplina “Pré-Debate”. Portanto, quando estiver no 1º ano do Ensino Médio, será uma espécie de monstro verbal enlouquecido, solto por aí. Um monstro com um excelente vocabulário.

Sandra tem feito uma compilação de formas alternativas de energia, pois esse é o assunto que os minidebatedores estão abordando no momento. Foi assim que começou a discussão com Jack.

Papai lança um olhar de advertência na direção de Sandra. Uma pena que ele não dirija o mesmo olhar para Jack.

— Então... sua mãe comentou que você faz parte do grupo de debates...? — diz Jack.

— Você sabe, pelo menos, o que é o urânio 238? — continua Sandra.

OK. Sandra acaba de passar dos limites. Uma coisa é começar um “debate” com um convidado no jantar. Outra, bem diferente, é insinuar que o convidado não sabe do que está falando.

— Jack é nosso convidado — papai informa Sandra. — Você está dispensada do jantar.

— Mas eu...

— Agora.

Sandra empurra a cadeira para trás de modo tão violento que quase a derruba.

— Isso não é justo — diz, bufando.

Ela adora fazer dramalhão.

Sandra sai pisando duro na direção do quarto. Bate a porta.

Dirijo o olhar para mamãe. Ela garfa mais um pouco de salada, olhando para papai.

Ele percebe o olhar dela.

— O que foi? — pergunta ele.

Ela só balança a cabeça e fala:

— Mais um pouco de vinho, Jack?

— Não, obrigado. Estou bem.

— Eu quero um pouco mais — papai diz.

Meus pais quase nunca brigam. Estão sempre fazendo piada, rindo e segurando um na mão do outro, como se não se dessem conta da idade que têm. É raro isso não acontecer, só em situações extremas. Mesmo assim, fazem um esforço para se entender.

Mamãe sempre foi de guardar as coisas para si. Você percebe isso no olhar distante dela. Ou então quando, às vezes, ela “precisa de um minuto”, que significa ir para o quarto para ler ou assistir à TV sozinha. O que acaba levando muito mais do que um minuto. Acho que isso é só uma questão de personalidade. Ela tem bastante necessidade de passar um tempo sozinha. Já papai é o total oposto. Quanto mais gente à volta dele, mais contente ele está. Você poderia achar que um casamento entre duas pessoas tão diferentes não poderia dar certo, mas, de algum modo, o deles funciona. Eles simplesmente têm este lance de introvertido-extrovertido, yin-yang, entre eles.

Jack sorri para mim. Não sorrio de volta. Tem algo nele que não me agrada. Que tipo é esse que discute com uma garota de 13 anos sobre energia nuclear desse jeito?

— Ouvi dizer que você curte fotografia — Jack diz.

— É.

— É uma Nikon que você usa?

Faço que sim com a cabeça.

— Meu pai me deu a velha câmera dele.

Jack olha para papai.

— Legal — comenta.

Um lado meu tem vontade de perguntar a Jack por que é que ele agiu de modo tão desagradável com Sandra. Ele é o adulto, afinal. Ela não passa de uma adolescente. Mas isso já faz parte da minha ansiedade. Fico guardando estes sentimentos ruins, e isso só piora as coisas. Simplesmente odeio brigas. Sandra adora bater de frente, e isso faz que eu tente evitar discussões sempre que posso.

Fico à espera de outra pergunta insossa deste cara que, obviamente, não sabe interagir com adolescentes, mas Jack simplesmente continua comendo. Continuamos, todos.

A caminho de meu quarto, passo pela porta de Sandra. Há mensagens espalhadas pela porta toda, tipo: “A leitura aguça a inteligência do cérebro”, “Faça amor, não faça guerra” e “Curto muito encher o seu saco”. Penso em bater à porta para ver se ela está bem, mas continuo andando. Todos nós precisamos de um minuto, às vezes.