Todo sábado à noite, Sterling e eu fazemos algo juntas. É um lance nosso. Isso contribui para que a gente se sinta um pouquinho menos mal por não termos namorados. Em nosso mundo ideal, nossos namorados nos levariam para sair todo sábado à noite. E o melhor programa em noites de sábado incluiria jantar e cinema. O programa clássico.
Não me leve a mal. Não é que as duas fiquem reclamando de não ter namorado, ou coisa do tipo. Arrumar um namorado é um dos itens do nosso pacto de nos reinventarmos, neste ano, e estamos determinadas a fazer isso acontecer. Sinto que, tipo, se eu não for beijada muito em breve, corro o sério risco de explodir.
— Não olha! — Sterling me alerta. Ela se coloca bem na minha frente, para o caso de eu não querer obedecer a suas instruções.
— Não olha pra onde?
— A Tabitha e um cara qualquer estão ali, no maior dos beijos de língua.
O Deque é o único lugar adequado para ficar em dias de frio, então a gente vem muito aqui no inverno. Mas, desde junho, a gente não aparecia. Acho que bateu uma saudade meio bizarra do lugar, então decidimos vir. Até minha ida ao acampamento, nestas férias, os verões para mim se resumiam a tomar banho de sol na praia (tecnicamente, só uma extensão de areia à beira do rio) com Sterling — o que, provavelmente, nos fazia muito mal, mesmo que sempre usássemos protetor solar.
Eu adoro praia. Papai e eu saímos para caminhar, recolhendo estas pedrinhas lisas que você encontra se procurar com cuidado. Ele coleciona as brancas, e eu, as pretas. No batente de minha janela, tenho um jarro de vidro com todas as minhas pedras brancas. Também gosto de caminhar até o farol e ficar olhando para ele durante o pôr do sol, sob a luz forte e brilhante. Além disso, muita gente por aqui tem barco, pratica windsurfe ou esqui; então você sempre consegue uma carona para ir até a Long Island Sound.
O Deque tem uma fonte enorme, bem no meio do local, com quatro áreas de lojas que começam a partir dela. Então, a coisa toda, de cima, parece um imenso X. Há uma pizzaria que projeta filmes num telão, com mesas de bilhar no fundo. Há uma sorveteria e uma quadra de bocha. E um cinema com quatro telas. Também ali estão o Cosmic Bowling, o Happy Mart e o Shake Shack, além de algumas lojas de rede.
Vários adolescentes da escola estão aqui nesta noite. Todos gostam de ficar perto da fonte; dali, você pode observar as pessoas vindo de todos os lados. Estamos sentadas à beira da fonte e, pelo modo como Sterling está bloqueando minha visão, Tabitha provavelmente está sentada do outro lado.
— Ela não vai me ver se eu olhar — digo a Sterling.
— Espera um pouco.
Abro minha bolsa no compartimento de música. Pego dois CDs que estou louca para ouvir. O de Mat Kearney tem pelo menos uma música do seriado Grey’s Anatomy. Tento raspar, com a unha, a lateral do disco, para abrir a embalagem totalmente compacta. Em vão. Uma vez, fiquei tão impaciente tentando abrir uma embalagem de CD, que ele quebrou. Vou tentar o estilo relaxado, desta vez.
— OK — diz Sterling. — Agora.
Primeiro olho na direção oposta. Vejo um grupo andando e finjo que estou à procura de alguém. Então me viro de modo natural, e lá está Tabitha. Sentada no colo de um cara gato. Por que ela sempre tem que usar camisetas tão apertadas? Mas se você for bonita como Tabitha — e a beleza dela é quase que consensual — acho que tem direito a isso.
— Aquele cara em que ela está sentada no colo, quem é? — pergunto.
— Do 8º ou 9º ano, talvez...?
— Acho que não está na nossa escola.
— Uau, supervanguarda...!
A verdade é que eu sinto ciúme. A Tabitha atrai a atenção de todos os caras, o tempo todo. Tipo, ela nem tem dificuldade de conversar com ninguém, faz isso naturalmente. Onde é que ela aprendeu isso? Ou simplesmente nasceu assim? Se for genético, este é um traço que definitivamente está faltando em meu DNA.
Quero ser assim. Não apenas fazer sucesso entre os caras. Quero poder amar um deles.
Julia e Evan se aproximam e se sentam perto da gente. Estamos no mesmo grupo, em Estudos Globais, então digo “oi”, mas Sterling e eu não somos amigas muito chegadas deles. Acho que Julia está irritada comigo. Nós meio que tivemos uma briga na primeira semana de aula. Mas não foi culpa minha. Eu só fiquei chocada de saber que Julia não gosta de ler.
Quando ela me disse isso, eu perguntei:
— Como é que você consegue não gostar de ler?
— É chato — respondeu. — Sem querer ofender.
— Você já leu Speak? Ou Girl?
— Não.
— Acho que é por isso, então. Você não está lendo bons livros.
— É como eu disse: são chatos.
— Mas livros bons não são chatos!
— Não são pra você, talvez. Mas nem todos têm o mesmo gosto. Além de livros, há outras coisas para ler. Tipo revistas.
— Não é a mesma coisa.
— Por que não? É leitura do mesmo jeito.
— É, mas os livros são... — Como é que se explica que livros não têm nada a ver com revistas para alguém que nem sequer lê revista? — Esquece. — Tive que deixar quieto, porque estava claro que ela não estava interessada em ler, e esse era o jeito dela.
Julia está contando ao Evan sobre um webcast que ela ouviu ontem à noite.
— Este cara vai ao ar quase todas as noites, às 23 horas. Ele é hardcore total.
— Quem é ele? — pergunta Evan.
— Ele se mantém anônimo. Mas sabe de coisas sobre a escola.
— Tipo o quê?
— Ele fez a maior propaganda sobre uma menina do último ano. Ela tinha dito a todo mundo que estava com gripe, quando, na real, ela fora pega dirigindo bêbada.
— Talvez ele tenha inventado a história.
— Acho que não. Ele sabe. — Julia, então, conta a ele sobre tudo que estava no programa de ontem à noite. E sobre como as afirmações do cara têm fundamento, as provas que ele tem etc. Aparentemente, ele sabe muito a respeito de nossa escola.
— É óbvio que as informações que ele tem são, tipo, de alguma fonte de dentro da escola.
— Mas de que modo?
— Invadiu a caixa de e-mails de alguém, talvez?
— Não dá pra ter todas essas informações pessoais apenas por e-mail.
Estou ficando entediada com esse papo de espionagem.
Então Sterling diz:
— Ei, aquele não é o Derek?
Ambas olhamos para alguém em frente ao Shake Shack. Ele está longe, mas, mesmo assim, sei que é o Derek. Se eu pudesse, estaria agora sentada no colo dele, assim como Tabitha e seu paquera.
Mas a vida nunca é fácil quando você quer que ela seja.
Em geral, quando estamos aqui, Sterling me faz escolher um cara que acho gato. Há um número razoável deles, pois adolescentes de outras cidades também vêm para cá, já que esta é a única cidade com um local parecido com shopping num raio de 50 quilômetros. Ela tenta, então, fazer com que eu converse com algum cara que eu mal conheço. Para Sterling, a coisa funciona assim: se eu quero fazer novos amigos, e acabar arrumando um namorado, tenho que me expor do jeito que ela faz. Não que o fato de ser supergentil a tenha ajudado a encontrar um namorado. Sterling tem mais ou menos a mesma experiência que eu. Ou seja, quase nenhuma.
Só que, para ela, tudo é mais fácil. Sterling faz amigos o tempo todo. Ela tem atividades fora da escola, coisas como aulas de culinária e ioga. Portanto, está sempre encontrando novas pessoas. Ela sempre convida os amigos para refeições em sua casa. Tento não sentir inveja da vida dela, mas é difícil. Sterling é toda sofisticada em sua vida social fora da escola, um ambiente em que há liberdade para você ser o que quer. Por isso ela conhece um monte de gente de quem ela realmente deseja ser amiga, em vez de ficar limitada às mesmas pessoas sem-noção com quem somos obrigadas a conviver, ano após ano.
— Aaaah, ele é um gato — diz Sterling.
— É mesmo.
— Não o Derek. Na boa, o Derek é um gato, mas... — Ela aponta para outro cara, que está comprando cookies na Mrs. Fields. — Que tal ele?
— Aquele ali na Mrs. Fields?
— A-hã.
— Ele é, tipo, dez anos mais velho que nós.
Sterling olha demoradamente para ele, uma expressão de esperança no rosto.
— Vamos experimentar algumas calças jeans — diz.
Dou um resmungo. Ela é tão pequena que, para ela, experimentar jeans é uma coisa fácil. É completamente diferente do meu caso.
— Você sempre acha que nenhuma calça serve para você — diz ela —, mas não é verdade.
— Talvez seja por isso que eu só tenha três calças jeans?
— Você só tem três porque não dedica tempo suficiente para melhorar seu guarda-roupa.
É fácil, para ela, dizer isso. Se eu tivesse 1,58 metro e fosse magra (mas, ainda assim, com curvas), a calça jeans cairia tão bem no meu corpo como cai no dela. Só que sou 10 centímetros mais alta, meu quadril é enorme, tenho coxas grossas demais e as calças não ficam com um caimento bom na bunda. Encontrar jeans que caibam em mim é um verdadeiro milagre.
Faço um esforço enorme para entrar na primeira calça que escolho.
— Quem é que fabrica esta droga? — reclamo. Sterling está no provador ao lado.
— É mesmo! — diz ela. Só para ser gentil, tenho certeza.
— Por que é que sempre fica sobrando na cintura, atrás? Fala sério. Será tão difícil assim fabricar uma calça jeans com cintura normal?
— E por que meu rego tem sempre que ficar à vista?
— Talvez seja alguma moda obscura da qual ainda não ouvimos falar.
— Aaagghh! Esta calça está horrível.
— Não serve em você?
— Apertada demais.
— Tabitha talvez fosse gostar dela.
Sterling ri, bufando. Quando dá suas gargalhadas, sempre bufa ao mesmo tempo.
Puxo a calça com força para baixo e a atiro longe com os pés. Nem me dou o trabalho de experimentar as outras quatro calças. Nada serve em mim, nunca. Tem coisas que eu não consigo controlar, e não posso fazer nada quanto a isso.