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Darius é um nerd do estilo hardcore.

Você conhece o tipo. É daqueles que se sentam na primeira fila da sala e que levanta a mão para responder a todas as perguntas. Seus óculos são maiores que seu rosto. Não usa produto nenhum para os cabelos. As roupas dele, então, sem comentários. Ele é um desses CDFs que se inscrevem numa quantidade excessiva de atividades durante a semana de orientação. Se você diz algo errado durante a aula, ele logo se antecipa para corrigi-lo antes que o professor diga algo. É o avesso total de um cara relaxado.

Darius está certamente a caminho de Harvard, e só tem 15 anos.

Fazer trabalho em grupo com ele me traz sentimentos contraditórios. Isso porque ele sempre toma a iniciativa e faz a maior parte do trabalho. Mas, ao mesmo tempo, isso é um saco. Porque... sabe como é? Esse cara é o Darius.

Faz dez minutos que estamos trabalhando nesta atividade de Estudos Globais. Nenhum dos demais colegas tem mais qualquer sugestão ou ideia. Estamos neste projeto chamado “Corrente do Bem”, em que você deve bolar um modo de mudar a vida de três pessoas que conhece. Em seguida, precisa delinear um plano do que fará para ajudá-las. A ideia é que estas pessoas não deverão retribuir a você; deverão levar o plano adiante, transformando a vida de outras três pessoas. Se a corrente der certo, ela ficará enorme e, no final, isso poderá mudar a vida de milhares de pessoas. Numa situação ideal, o mundo todo poderá mudar de modo significativo.

É claro que Darius está apenas começando. Então, enquanto ele coloca suas ideias no papel (provavelmente descartando as ideias do restante do grupo), Julia começa a conversar sobre outro assunto. Ela acaba de fazer umas luzes no cabelo. As luzes têm uma aparência tão horrível que mal consigo me concentrar no que ela diz.

— Meu Deus! — me diz ela. — Você ouviu, ontem à noite?

— Ouvi o quê?

Julia dá uma bufada, toda dramática.

— O programa.

— Não, ainda não.

— Aqui está. — Julia escreve algo no canto de sua folha e rasga a ponta. — Este é o website dele. Você tem que começar a ouvir.

— Obrigada. — Pego o pedaço de papel. Ela não é a única que fez comentários sobre o programa. Acho que vou conferir.

A seguir, Julia se queixa de não ter conseguido dormir na noite passada.

— Meus pais ficaram brigando até pelo menos 3 horas da manhã — diz ela. — Eles acham que, se entrarem no quarto e fecharem a porta, tudo o que fizerem lá dentro vai estar automaticamente protegido por um isolamento acústico. Tipo, eles não percebem que consigo ouvir tudo?

— Pelo menos seus pais ainda vivem na mesma casa — diz Evan.

— Isso não é nada — diz Julia. — Os meus nem mesmo se falam. Essa briga já foi um avanço.

— Eu preferia ter isso do que a guarda compartilhada — provoca Evan. — Ter que ficar retirando os pertences do seu quarto todo fim de semana é um saco.

Fico calada.

Todos ficam olhando para mim, na expectativa. Menos Darius, que continua escrevendo freneticamente.

— Isso é muito cruel — digo ao grupo, de modo geral.

Já que ficou evidente que meus pais são pessoas normais, eles não me dão bola e voltam a fazer comparações para saber que pais são os piores.

Normalmente não penso a respeito, mas quando esse tipo de coisa acontece é que me dou conta de como tenho sorte. Meus pais têm um ótimo relacionamento. Eles são os exemplos daquilo que quero ser quando crescer. Não sei o que eu faria sem meu pai. Ele sempre faz com que eu me sinta melhor. Está sempre a meu lado, não importa o que aconteça.

Minha mãe tenta isso do jeito dela, mas é diferente. Tipo, ela insiste para que a gente jante juntos todas as noites, e sei que isso não acontece na maioria das famílias. Aparentemente, eu sou bizarra por ter uma família normal que faz coisas de uma família normal. Mas isso até é legal. Antes ser bizarra e estar numa situação conveniente do que ser normal e miserável.

A caminho do consultório do psicólogo, vejo Derek e Sierra no corredor. Meu coração acelera e fico toda empolgada, como sempre acontece quando eu o encontro. A coisa é particularmente séria quando encontro com ele desse jeito, por acaso, sem esperar. Ele é tão gato! Passo um tempão imaginando como seria ser a namorada dele. Mas Sierra é quem tem essa sorte.

Derek me pegou olhando fixo para ele, na aula de Artes, dia desses, e isso já foi potencialmente humilhante. Sobretudo porque ele já me pegou olhando para ele na festa da Andrea, no píer. Ele já deve estar achando que estou seguindo todos os seus passos, feito uma maluca. Mas sua atitude diante disso foi bastante meiga, e ele simplesmente sorriu para mim.

Aquele foi um dia realmente bom.

Já, hoje, está sendo uma droga. Levei décadas para terminar a tarefa de casa. Levei, tipo, três horas só para preparar as leituras e as questões de Literatura. Meu cérebro está cozinhando. Preciso relaxar, caso contrário minha mente não vai me dar descanso a noite inteira. Então, faltando três minutos para as 23 horas, resolvo ouvir o programa que todos estão comentando.

Tiro da bolsa o papel em que Julia escreveu o site do cara do webcast. Porém, o site não dá qualquer dica sobre quem é ele. Diz, apenas, que seu nome é Dirty Dirk, e dá o link para seu programa. Tem ali um histórico com as edições anteriores do programa desde agosto. É incrível que os adolescentes já estivessem falando deste cara no início das aulas!

Clico no link, onde vejo a contagem regressiva para as 23 horas. Quando o programa começa, fica óbvio que ele está usando algum tipo de recurso que melhora a qualidade da voz, de modo que ninguém consiga identificá-lo.

— Bem-vindos a mais uma edição de All Talk, No Action. Meu nome é Dirty Dirk. Sou sombrio, sou perigoso e totalmente imundo. Portanto, lembre-se do alerta que normalmente se dá aos pais: “Este programa não é recomendável etc.”

Dos alto-falantes, sai um som familiar de heavy metal. Dirk prossegue.

— Todos vocês têm questões que desejam compartilhar com o mundo, então vamos a elas. Aos nossos novos ouvintes: façam suas perguntas, comentários, expressem suas preocupações, quando quiserem. Se quiserem entrar em contato, os dados estão em meu site. A vocês que têm me acompanhado desde o início, obrigado pela audiência. Espero não estar entediando vocês.

Se ele soubesse... Será que ele tem ideia de quantas pessoas têm feito comentários a respeito deste programa, todos os dias? Cheguei a ver um adolescente passando seu iPod de mão em mão com o download de edições anteriores do programa, no caso de alguém ter perdido o da noite passada. Aparentemente, aquela foi a noite em que Dirk fez alguma crítica dura sobre a inconstitucionalidade das suspensões na escola.

— Tenho aqui uma mensagem enviada por “Desesperado”, de Hicksville: “Dirk, você tem que me ajudar, mano. Estou indo à loucura neste fim de mundo. O que você sugere que eu faça para não morrer de tédio?”. É, não é fácil. Todos sabemos o que você está sentindo, parceiro. Quantas vezes alguém pode ir ao Deque e se divertir, me diga? Espere, não responda ainda.

Gostei deste Dirk. Ele é autêntico. E pelos demais e-mails e mensagens que recebe, fica claro que todos os que escrevem para ele estudam em nossa escola ou, pelo menos, vivem na redondeza.

— Ouça bem, cara — diz Dirk —, estamos todos afundando no mesmo barco. Estamos todos entediados, desesperados e à espera que algo aconteça. Esperando que a vida melhore. Esperando que as coisas mudem. Esperando que aquela pessoa em particular finalmente preste atenção em nós. Estamos todos à espera.

— Mas precisamos perceber, também, que temos, todos, a capacidade de operar estas mudanças em nós mesmos. Sim, sou a última pessoa que defenderia a ideia de exercer algum controle sobre a sua vida. Eu falo sobre coisas grandiosas, mas ajo como um pateta na maior parte das vezes. Mas isso não me impede de alimentar a expectativa de que eu possa mudar. Todos nós podemos mudar a situação em que estamos. Talvez não da maneira como a gente queira, mas podemos pelo menos melhorar algumas coisas.

Juro, era como se ele estivesse falando diretamente comigo. Como é que ele sabe dos problemas com que estou lidando? Ele me dá a sensação de que não sou a única que se sente perdida. E já estou certa de que ouvirei o programa dele todas as noites.