Minha tia Katie é a pessoa mais legal que eu conheço. Embora ela seja irmã de minha mãe, você jamais diria que as duas são parentes. Enquanto mamãe é toda introvertida e contemplativa, tia Katie é justamente o oposto. Ela é muito divertida e espontânea. Pode acontecer de ela estar em casa assistindo a um filme e, quando você menos perceber, ela já está na estrada, dirigindo rumo a Nova York porque precisa ver uma treliça qualquer no Central Park, sob a qual alguns caras estão caminhando naquele mesmo instante.
Tia Katie é uma especialista em topiaria. Basicamente, isso quer dizer que recebe quantias consideráveis para podar as árvores dos jardins das pessoas e dar a elas formas de animais. Além disso, tem uma empresa própria de topiaria e jardinagem; portanto, as pessoas, na verdade, trabalham para ela. Não que isso contribua para você acreditar que ela tenha 32 anos, pois ela age como se tivesse 16. Ela compra roupas na seção infantil e chega mesmo a usar minhas roupas emprestadas, às vezes.
— OK — diz ela. — O que você me diz deste aqui?
Dou uma olhada na tela de meu laptop.
— Hum.
— Seja sincera.
— Ele é gato, mas...
— Mas o quê?
— É que... o que é isso no braço dele?
Tia Katie se inclina, chegando mais perto da tela.
— Onde?
— Bem aqui. — Aponto para uma coisa no pulso dele, que parece uma tatuagem.
— Uau! — Ela aperta os olhos para enxergar. — Parece com um personagem danificado de desenho animado, não?
— Isso é um dos Muppet Babies?
— Hum... é. O próximo!
Tia Katie inscreveu-se no eHarmony algumas semanas atrás. Está cansada de sair com caras que não estão a fim de um relacionamento sério. No início, eles demonstram grande interesse, mas, no final, acabam dizendo a ela que não querem nada sério. Isso é ridículo, pois tia Katie é supersexy além de ser muito meiga, interessante, inteligente e divertida. Não consigo entender como os caras não querem ficar com ela. Deve ser um problema em comum, deles.
Meus pais se conheceram quando foram convocados como membros de júri num processo penal. Segundo papai, foi amor à primeira vista. Mamãe levou um pouco mais de tempo para perceber isso. Eles se deram bem já no primeiro dia em que se encontraram, sentados na mesma sala o tempo todo e trocando ideias sobre o porquê de nunca terem sido chamados a participar de um júri. Então, nunca tiveram de se preocupar com coisas como encontros on-line. Aliás, isso nem existia, na época.
Tia Katie clica no nome “Octavio”.
— Que nome legal — digo, com sarcasmo.
— Seja boazinha.
Quando a foto de Octavio aparece, de cara detecto um grande problema.
— E então? — ela pergunta.
— Acho que não.
— O quê? Por que não? Eu acho ele gato. E é dentista.
— Isso em si já é metade do problema. Dentistas são sádicos.
— Não. Isso significa que ele tem uma verdadeira profissão, em vez de ficar em casa todas as noites jogando video game no mesmo quarto em que foi criado pela mãe.
— Ele não tem lábios.
— Esse seu papo está meio maluco.
— Tô falando sério! Olha!
Tia Katie se inclina de novo.
— Estou enxergando muito bem os lábios dele.
— Onde?
— Ahn... no lugar da boca, de preferência.
— Ah, sim, se você gosta de boca de peixe.
— Boca de peixe? Que diabo é boca de peixe?
— A boca do Octavio.
— De jeito nenhum.
— Como é que ele beija sem ter lábios? Tipo... como é, ele simplesmente pressiona a boca da garota e espera que aconteça um efeito de sucção?
Tia Katie clica para ampliar a foto.
— Alguém já lhe disse que você é toda muito enjoada?
— Ah! É por isso, então, que eu nunca tive namorado. Obrigada, agora eu entendo.
Ela ri.
— É... como se fosse pra você ter vários ex-namorados aos 15 anos de idade.
Pela janela, dou uma espiada no rio que aparenta estar num tédio total. Sem qualquer agitação nas águas e cinza.
— Eu só preciso que um destes seja o cara — diz tia Katie, percorrendo a lista de cima para baixo.
— Quantos deles você já encontrou?
— Só três. Mas estou com um bom pressentimento em relação a um deles... — Ela clica no nome “Bill”. Quando aparece a foto dele, entendo o porquê do bom pressentimento.
— Ele é superlindo! — digo.
— Parece ainda melhor pessoalmente.
— Cala a boca...
— É sério.
— Quantas vezes vocês se encontraram?
— Duas. Mas vamos sair juntos de novo, neste fim de semana.
— Quanto ele tem de altura?
— Hum... — Tia Katie percorre a página, em busca dos dados pessoais dele. — Um e oitenta e cinco. E tem mesmo. Não é como alguns caras que dizem ter um e oitenta e tantos e, na hora que você os encontra, eles batem no seu queixo.
— Vai lá, Bill!
— É isso. Bom, veremos.
— Eu achei que você gostasse do Bill.
— E gosto. Mas ainda preciso sair com outros rapazes.
— Por quê?
— Preciso ter certeza de que é a pessoa certa para mim. Tenho que saber quem mais existe por aí, sabe como é? Além disso, ele deve estar encontrando outras pessoas, também.
— Não é estranho, isso?
— Num mundo normal, sim. Mas neste negócio de encontros on-line... é típico.
— Estranho.
— Leva tempo para ter essa certeza em relação a alguém. E também para ter certeza do que você mesma quer quando está ao lado dele.
— O que você quer dizer com isso?
— E se eu estiver com o cara errado? Não vou ter a sensação de que estou sendo autêntica. Talvez tome decisões irracionais.
— Decisões irracionais do tipo... julgar a pessoa com base na aparência?
— É. Espera, não. Às vezes a gente faz isso e não é uma coisa irracional.
— Tipo quando uma pessoa tem um sério caso de boca de peixe?
— Olha, tem mesmo outras coisas a considerar. Que tal a personalidade? E o modo como o cara trata você?
— OK, mas qual o sentido disso tudo se você nem mesmo se sente atraída por ele?
— Entendo você, mas... — Tia Katie continua percorrendo a página do website. — Às vezes, a atração entre as pessoas aumenta. Lembra-se do Campbell?
Como é que eu poderia esquecer o Campbell? Na noite em que tia Katie apareceu para jantar ao lado de Campbell, minha reação foi: “É uma piada, não?”. Ele não tinha nada a ver com ela. Ele simplesmente não era uma pessoa que se pudesse considerar atraente. Estava mais para vagamente passável. Mas tia Katie o amava. Então, a impressão inicial que eu tive dele foi mudando e, no fim, acabei achando que um era perfeito para o outro. Ficaram juntos um tempão, quase dois anos.
Fato é que eu gostava do Campbell. Ele era muito divertido. Ele me fazia rir tanto que minha barriga às vezes doía, e meu rosto também. E sempre me trazia um presentinho, uma Beanie Baby, um slinky ou um desses pirulitos multicolores. Ainda não sei bem por que eles terminaram. Talvez tia Katie tivesse percebido que gostava dele mais como um amigo.
— Mas vocês dois terminaram — digo.
— É verdade. Mas ainda assim foi o melhor relacionamento que eu já tive.
— Sério?
— Com certeza. E no começo eu nem me sentia atraída por ele. Mas, depois de algum tempo, comecei a achar que ele era bem gato.
Tento entender o que ela quer dizer com isso. Não é fácil.
— Então você quer dizer que uma pessoa pode ficar mais bonita com o passar do tempo?
— A-hã. Mas não é a pessoa que muda. É você quem muda.
Tia Katie me mostra mais alguns perfis. Ela quer muito se casar. Consigo entendê-la perfeitamente. Tanto eu quanto ela estamos à espera da pessoa que vai dar um fim à nossa espera.
Quando penso em como minha vida será diferente quando essa espera terminar, sinto medo e excitação em relação a essa nova experiência. Um tipo de experiência que você nunca teve, mas sabe que estará no lugar certo. Porque, depois de todo esse tempo, você sabe que sua vida real, finalmente, estará começando.