Se Derek não estivesse saindo com a Sierra, eu diria que ele está me paquerando.
Nossa aula de Artes começou não faz nem cinco minutos, e ele já veio até onde estou duas vezes. Numa delas, para pedir emprestada minha caixa de giz pastel, quando ele sabe muito bem que há um monte de caixas empilhadas na mesa de suprimentos. Fora que ele estava todo sorridente e foi supergentil, ao me pedir. Não é bem assim que ele interage comigo em circunstâncias normais.
Derek volta com a caixa de giz. Estende-a em minha direção e diz:
— Obrigado, Marisa!
— De nada! — Pego a caixa. Estou trabalhando num cenário de pôr do sol. Um lugar tropical e quente, onde não há motivo algum para ter pressa, já que ali o tempo não importa muito.
Misturo alguns traços de azul com cor-de-rosa com o polegar. Derek só observa. Quando olho na sua direção, ele diz:
— Gostei do que você fez aqui.
Ele gostou do que eu fiz onde? Em todo o cenário? Com as cores? Com a mistura? Não faço ideia do que este cara está dizendo, nem por que ele está conversando comigo, então digo “obrigada” e continuo trabalhando.
— Onde é que você aprendeu a misturar as cores desse jeito?
Hum, será que ele está falando sério? Não dá para saber. Quer dizer, ele parece sério, mas pode muito bem estar preparando uma situação de humilhação total. E me pegou olhando fixo para ele naquelas duas vezes, então, provavelmente, sabe que gosto dele.
— É um talento natural — digo.
— São as Ilhas Fiji, aqui?
— Como?
— O seu cenário. — Derek aponta para meu desenho. — Parece um lugar nos trópicos.
Uau! Ele realmente entende o que eu estou fazendo. Tipo, eu não desenhei nenhuma palmeira ainda, então como é que ele poderia saber sem realmente entender?
— É. Um lugar nos trópicos. Mas não necessariamente Fiji.
— Definitivamente, parece Fiji. — Derek examina meu desenho. — Parece muito com Fiji.
Dou um sorriso, não resisto. Ninguém nunca entendeu coisa nenhuma dos meus desenhos.
Ele também sorri.
E ele ainda tem uma namorada.
Paro de sorrir e pego outro giz.
— Até mais tarde — diz Derek, todo sorridente. Tenho a impressão de que ele está mesmo me paquerando.
Mas por quê? Ele nunca conversou comigo antes. Por que, então, agora? Deve estar sendo atraído pelo meu novo magnetismo. Quando Sterling me dá dicas sobre como fazer novos amigos sempre diz que as pessoas captam sua energia e reagem a você de modo subconsciente. Portanto, se você emana energia positiva, as pessoas vão ser mais gentis e vão querer estar a seu lado com mais frequência. Talvez Derek esteja captando minha energia.
E isso é justamente o que eu quero. Que certas pessoas estejam na mesma sintonia que eu, pois estas são as pessoas de quem eu quero ser amiga. Ou algo mais do que amiga.
Só que eu não quero ser mais do que amiga de rapazes que já têm namorada. Isso é simplesmente fora de moda. Ou então rapazes que saem com outra garota quando já têm namorada. O que isso revela a respeito deles? O fato é que se trata de Derek. Eu nem mesmo me lembro da primeira semana na aula de Artes: estava tão ligada nele que não conseguia me concentrar em mais nada.
Não consigo deixar de pensar nele. Então, depois do jantar, me tranco no banheiro que divido com Sandra. Sempre pratico violino aqui. A acústica é excelente. Tem algo de especial com as ondas sonoras que reverberam contra os azulejos.
Não faz nem um minuto que comecei a tocar, quando Sandra dá um murro na porta.
— Dá pra parar? — ela grita. — Estou tentando ler!
— Vá ler lá em baixo — grito de volta.
— Não! Eu quero ler aqui!
— Bom, sinto muito. Não posso fazer nada.
— Para de tocar!
— Não dá! Eu preciso ensaiar!
— Mãe! — Sandra berra. Ouço o ruído da porta dela sendo aberta com violência. Ela desce as escadas pisando duro, como um elefante. Sempre anda desse jeito. Isso me tira do sério.
Esta peça que estou ensaiando é superdelicada, como seria o som de um beijo. Não que eu entenda muito de beijos. Quando estava no 8º ano, fui a um baile e beijei um garoto durante um segundo. Foi tudo. E mesmo quando eu estava no meio do beijo, não considerava aquilo um beijo real. Estava mais para um ensaio de beijo. E o fato de eu saber que se tratava de um ensaio de beijo, enquanto a gente se beijava, significa, basicamente, que eu não deveria estar beijando ele.
Presto atenção à música. Meu foco é total.
“Bang, bang, bang!”
— Sai daí! — Sandra berra.
— Não!
— Não consigo me concentrar com essa barulheira!
Destranco e abro a porta com tudo.
— Nós duas temos que conviver aqui dentro, sabia? — informo a Sandra.
— Essa tem sido a maior alegria da minha vida.
— Então é melhor ir se acostumando. Se eu não praticar, nunca vou ser a spalla do grupo.
— Certo, mas por que você tem que praticar justo aqui?
— Porque a acústica é melhor.
— Que resposta mais capenga!
— Capenga ou não, é a minha resposta.
— Que saco! — Sandra se atira sobre a cama. — Eu preciso ler!
— O que está acontecendo aqui? — papai pergunta. Ele está parado em frente à porta de Sandra, fazendo sua careta habitual de toda vez que nós brigamos.
Começamos a gritar, as duas ao mesmo tempo.
— Eu preciso ensaiar, e este é o único lugar...
Sandra responde:
— Ela não me deixa ler!
E papai:
— Espera! Uma de cada vez. Marisa.
— Você sempre defende ela! — Sandra choraminga.
— Não estou defendendo ninguém — papai esclarece. — Pedi a ela para me explicar primeiro. Depois é a sua vez. Vê como é que a coisa funciona?
Sandra lhe lança um olhar de raiva.
— Como eu dizia — continuo —, tenho que praticar, e a acústica no banheiro é bem melhor.
— Tenho uma prova de compreensão de texto amanhã! — Sandra grita.
— OK — papai diz. — Este é o único lugar da casa em que você pode ler?
— É inacreditável! Por que você não pede pra ela sair?
— Marisa — papai se vira na minha direção —, este é o único lugar em que você pode praticar?
— Não, mas é o melhor lugar.
— E esse é o melhor lugar pra eu ler — rebate Sandra.
— Parece que temos um conflito, aqui — conclui papai. — Como vocês duas acham que a gente pode resolver isso?
Ele faz isso, às vezes. Em vez de dar uma de “pai durão”, ele dá uma de “pai amigão”. Isso é legal quando você sabe que não está com a razão, pois nestas situações ele pega leve, e você não arruma encrenca. Mas, dessa vez, sei que tenho razão. Tudo o que quero é que ele mande a Sandra calar a boca e parar de agir como uma criancinha em relação a tudo.
Sandra e eu trocamos olhares.
— É o seguinte — diz papai —, por que as duas partes não podem ceder?
Dou um resmungo. A tradução de ceder é: nenhuma das partes consegue o que quer. Trata-se de tentar satisfazer o outro, em vez de satisfazer a si mesmo. Mas as duas partes também não ficam satisfeitas, porque isso significa ceder, em vez de obter o que cada uma quer.
— Marisa, você pratica por meia hora aqui, e então continua lá embaixo. É justo?
Não.
— Tá bom.
— Sandra, por que você não lê lá embaixo por enquanto, ou então faz outra coisa?
— OK — ela bufa. — Mas se eu for mal na prova, vai ser sua culpa.
— Ninguém está dizendo que você não pode ler — papai tenta argumentar. — Estou só dizendo...
— OK, pai — ela interrompe. — Eu sei o que você está dizendo.
Sandra acha sempre que papai fica do meu lado. Está convencida de que ele me ama mais e que sempre me amou mais. Ridículo, isso. Mas quando Sandra tem uma opinião, pronto. Ela fica talhada em pedra. Você não consegue convencê-la de nada mais, mesmo que isso seja óbvio.