Todo ano, no outono, nossa cidade promove o Festival da Colheita, e são montadas barracas com as mercadorias produzidas pelos moradores locais — roupas, comidas ou objetos de colecionador. Há também barracas com jogos, tipo aquelas que temos no calçadão, só que bem menores. E também acontecem competições — como a que dá prêmios a quem consegue comer mais tortas (nunca assisto porque é nojenta) — de tricô e de sudoku. O festival sempre acontece à beira do rio, o que, para mim, não faz muito sentido, porque ele começa na primeira semana de novembro, época em que já está ficando frio e, às vezes, o frio é de congelar. Mas já faz parte da tradição fazer o festival aqui, e não há muito como lutar contra a tradição.
Disse a Sterling que eu a ajudaria a montar sua barraca. Ela faz seus famosos cookies em formato de coração, além de bolos, tortas e brownies que ela prepara com sua avó durante a semana. Todo ano ela ouve alguém comentar que poderia muito bem ter a própria empresa de fornecimento de alimentos; as sobremesas dela são muito saborosas.
O dia está ensolarado e não faz muito frio. Todos saem com seus novos suéteres. Há um perfume de folhas vermelhas no ar.
Sterling embala cada um dos cookies em celofane de cor opalescente e os amarra com fitas de cores diferentes. Na barraca dela, galhos estreitos das árvores atravessam o balcão e penduramos neles os cookies.
Sterling deixa cair um cookie. Ele se parte em pedaços. Ela chuta a mesa.
— Droga! Já é o quarto que cai.
— Sem problema — digo. — Você fez uma porção.
— Tem problema, sim.
— Eu compro este. Não me importo que esteja quebrado. O gosto ainda é o mesmo.
Sterling está toda tensa.
— Não se preocupe! — digo.
— Estou superestressada. E morrendo de dor nas costas.
— Mas e a ioga? — pergunto. — Por que você não usa uma das técnicas de relaxamento?
— Ah, tá, como se eu ainda estivesse fazendo ioga...
— Não está mais?
— Você consegue me imaginar sentada um tempo longo o suficiente para me concentrar? Para aumentar o nível de consciência, é preciso esvaziar a mente. Eu ficava na posição triangular de guerreiro, ou do que fosse, e volta e meia era interrompida por lembranças de coisas que eu precisava fazer. Tipo, quanto mais eu tentava não pensar nelas, mais elas me interrompiam.
Isso não me surpreende muito.
— OK — digo —, mas qual é o problema?
Sterling aponta na direção da barraca do jogo de argolas. Ricky está lá, vibrando junto com uma pessoa que está jogando.
— Ah — digo.
— Desde quando a barraca do jogo de argolas é montada bem na frente da minha? — Sterling monta sua barraca para o Festival da Colheita há alguns anos e, antes dela, quem cuidava do lugar era sua avó. Há um acordo tácito de que todos armem suas barracas sempre no mesmo lugar.
— Se você precisar fazer um intervalo, eu posso ficar tomando conta.
— Está bem.
Ricky é um cara com quem Sterling saiu algumas vezes durante o verão. Ela escreveu longas páginas sobre ele nas cartas que me mandava no acampamento. Gostava muito dele, mas a coisa não deu em nada. Ele simplesmente parou de lhe telefonar. E não é uma situação em que dê para ela tirar satisfação com ele na escola, pois ele já está na faculdade. Ela nunca soube o motivo de ele ter parado de ligar. Até tentou descobrir, mas Ricky nunca respondeu aos e-mails ou mensagens que ela enviava. Tenho uma hipótese sobre o porquê disso, mas nunca diria isso na frente dela.
Aqui está mais um exemplo de como as músicas de John Mayer contêm as respostas para todos os problemas que existem. A vida de Sterling pode ser explicada pela letra de “Daughters”. Vimos esse assunto, em detalhe, na disciplina facultativa de Psicologia. Veja só: o pai de Sterling é completamente ausente; portanto, ela não tem qualquer modelo do que deve ser um relacionamento saudável. Aprendemos, ali, que se você tem problemas com abandono, poderá se tornar dependente emocionalmente. E os caras não gostam de meninas com esse tipo de dependência.
Isso, na verdade, não era um problema no ano passado, já que eram poucas as meninas que tinham namorado. Mas agora as coisas estão mudando. Isso é visível. É como se o poder de atração entre meninas e rapazes fosse uma entidade palpável.
— Quando é que você vai voltar pra casa? — É a voz de Sandra, que surgiu do nada. Odeio quando ela aparece na minha frente desse jeito.
— Mais tarde — digo. — Por quê?
— Mamãe quer conversar com você.
— Sobre o quê?
— Ela não disse.
— Bom, ela vai ter de esperar. Ela sabe que vou ficar ajudando Sterling o dia todo.
Sandra dá uma espiada nos cookies em formato de coração.
— Quer um cookie? — Sterling pergunta a ela.
— Não, obrigada! Parei de comer besteira.
— Ah, por quê? — diz Sterling.
— Se você soubesse o que os açúcares livres provocam no organismo, não me faria uma pergunta como esta.
Sterling me lança um olhar de quem está se divertindo. Desde o início das aulas, Sandra está com esta mania de natureba. Duvido, e faço pouco, de que isso vá muito longe. Na boa, deixar de comer cookies? Que troço ridículo é esse?
— Diga à mamãe que vou chegar mais tarde em casa — aviso.
— Se é que vou encontrar com ela — diz Sandra. — Não é só você que está fora de casa. — Ela sai bufando na direção da barraca de produtos da fazenda.
— Que atitude é essa? — pergunta Sterling.
— É a puberdade.
— Ah, bom. Eu me lembro bem disso.
Numa barraca, a poucos metros de distância da de Sterling, observamos uma garotinha tentando se equilibrar numa escada de cordas sem cair no colchão de espuma. Como prêmio, eles distribuem uns artigos enormes da Hello Kitty, por isso tem fila para brincar.
Olho de novo ao redor.
— Quem você está procurando? — Sterling me pergunta.
— Ninguém.
— Ah, não está procurando Derek?
Na verdade, eu estava procurando Nash. Achava que se eu o visse hoje poderíamos voltar ao relacionamento que tínhamos antes. Se eu continuar encontrando-o só na escola, as coisas vão ficar mesmo muito estranhas.
— Estou — digo. — Tenho um prazer enorme em ficar observando ele e Sierra juntos. É o que me dá mais prazer na vida.
— Talvez isso não dure mais por muito tempo. — Sterling se vira para observar a garotinha, que se desprende da escada e cai no colchão de espuma.
— O que você quer dizer com isso?
— Nada. É que eu ouvi uma história por aí. Mas não é confirmado ainda, então...
— O quê?
Sterling dá um sorrisinho do tipo “tenho uma fofoca e ela é das boas”.
— Uma pessoa do Clube de Francês, que vai permanecer anônima, disse a outra pessoa que ouviu dizer que eles terminaram.
— Quem?
— Hello-ou! Derek e Sierra!
— E por quê?
— Não sei. Foi o que eu ouvi.
E se... eles terminaram por minha causa? Sem chance. Derek só percebeu que eu existo, tipo, três minutos atrás. Tenho certeza que ele só gosta de mim como amiga. Seja como for, provavelmente é só um boato.
Caminhando de volta para casa, mais tarde, vejo Nash no píer. Talvez dê para a gente conversar finalmente.
Vou até onde ele está. Uma brisa fria vinda do rio sopra e para. A água do rio está toda agitada.
— Ei! — digo. Puxo as mangas de meu suéter para baixo, cobrindo as mãos. — Por que você não foi ao festival?
— Tenho muito trabalho pra fazer — responde Nash.
— Você deveria estar se divertindo nos fins de semana. Que tal relaxar um pouco? Ficar com os amigos...?
— É... bem, tenho toda a preparação para a olimpíada de Matemática. A próxima prova será daqui a quatro dias.
Sento perto de Nash. Nossos pés balançam sobre a água.
— Como está indo o seu projeto Dorkbot? — pergunto.
— Tipo, vai indo. — Nash volta a folhear as páginas de um grosso livro-texto de Matemática.
Tenho a sensação de que ele não quer conversar comigo. Nem me ver. Mas não me importo. Só me importo em ter nossa amizade de volta. Então, fico sentada com ele no píer, enquanto o sol se põe no horizonte. Só para que ele saiba que eu ainda estou a seu lado.