Sterling está num mau humor do cão. Aquele tal de Ken, com quem ela conversava on-line, a bloqueou. Ele fez isso bem na noite do Ano-Novo, uma atitude que não poderia ter sido mais mala. Eu tinha expectativa de que Derek fosse me convidar para uma grande festa de fim de ano, mas ele passou o Ano-Novo na casa de seu tio, em Nova Jersey. Sterling e eu, portanto, passamos momentos patéticos comendo salgadinhos de salsicha e observando as pessoas congelando de frio na Times Square. Além disso, os aperitivos eram do tipo congelado. Ela não tinha sequer energia para cozinhar. Tentamos ouvir o programa do Dirk, mas ele não foi ao ar.
A volta às aulas, hoje, teria sido um completo martírio, se não fosse Derek. E o beijo que me deu no Shake Shack. E o outro beijo, ao me levar para casa. Eu deveria estar me sentindo superbem, mas cada vez que penso em meus pais, me parte o coração. Esta talvez seja uma boa hora para contar tudo a Sterling. Todos sabem que a infelicidade adora companhia. E ficar guardando esse tipo de sentimento é seriamente destrutivo. Não falar a respeito está acabando comigo.
Sterling continua sua “bateção” de panelas, enquanto cozinha. Vim à casa dela depois das aulas porque não queria deixá-la sozinha.
— Como é que uma pessoa tão pequenininha pode fazer tanto barulho? — pergunto.
— Assim. — “Bang bop bang”, ela faz com as panelas.
— Impressionante. E que tal usar palavras?
— Superestimam a capacidade delas de se comunicar...
— Tá bem, mas caso você mude de ideia, estou por aqui.
Sterling me olha. Por um instante, tenho a impressão de que ela vai prolongar o falatório sobre Ken. Mas, então, ela volta a trabalhar sobre a tábua de cortar alimentos.
Digo:
— Você acha mesmo uma boa ideia cortar legumes do jeito que está cortando?
— Acho.
— Bom... Eu, tipo, preciso te contar uma coisa.
— Estou ouvindo.
— Não. É... é uma coisa séria.
Sterling coloca a faca de lado e se senta ao lado do balcão, à minha frente.
— OK.
Como é que se fala sobre uma coisa dessas? Você, tipo, vai direto ao assunto e então explica como é que a situação ficou crítica assim?
— Meus pais se separaram.
A expressão de Sterling muda completamente. A raiva desaparece de seu rosto. Abre a boca, incrédula.
— Ah, meu Deus! — exclama. — Desde quando?
— Hum. Acabou de acontecer, acho.
— Puxa, que chato!
— É...
Odeio colocar as pessoas nesse tipo de situação. Não que eu já tenha passado por isso, tendo que dizer algo horrível assim a alguém. Mas quando você faz isso, coloca a pessoa numa situação delicada. É como se esperasse que ela lhe dissesse a coisa certa ou, de algum modo, que pudesse fazer você se sentir melhor. Mas é claro que ela não pode dizer nada. E nem pode fazer nada.
A menos que esta pessoa seja Sterling.
— Esquece esta salada — diz ela. Pega a tábua e a coloca num balcão lateral. — Só tem uma solução para um problema como este. — Ela começa a misturar a massa dos cookies de chocolate e a preparar os frappés especialmente criados por ela. Este é o estilo de Sterling. Se você está sofrendo, deixa as próprias questões de lado para ajudá-lo. Ela tem essa força.
Eu a ajudo escolhendo os tipos de chips de chocolate que quero colocar nos cookies.
— A culinária comfort tem sempre a resposta para tudo — diz Sterling. Ela tem os melhores pratos. Se você quiser comer purê de batata ou um cheeseburger, Sterling é a pessoa mais indicada para preparar. Isso me faz lembrar-me da época em que eu usava aparelho ortodôntico e só podia tomar sopa ou comer algo pastoso.
— Não devia ter parado de usar o aparelho — digo.
— Claro que não. Mas, OK, diz aí por quê.
— Agora meu dente está torto.
— E por que parou de usar o aparelho?
— A dor estava me torturando. E volta e meia eu me esquecia dele na bandeja, e ele acabava sendo jogado fora, junto com o resto do almoço. Então eu tinha que fuçar no lixo, com todo mundo ao redor me olhando. Era humilhante!
Contei a meu pai sobre o aparelho. Sabia que mamãe ia ficar zangada de eu não querer mais usá-lo, então decidi contar a ele. Ele disse que tudo ia acabar bem, que eu não deveria viver sofrendo e que falaria com mamãe por mim. Acho que funcionou, pois ela nunca mais me perguntou a respeito.
Isso foi no tempo em que eu podia confiar nele. Pensei que seria sempre assim entre a gente. Que poderia dizer qualquer coisa a papai e tudo estaria certo. Mas ele não era quem eu achava que era. Ele era outra pessoa, que guardava segredos, vivendo outra vida, dissimulando.
Como pode alguém que parecia ser tão correto seguir um caminho tão errado?