Voltar à escola na condição de namorada do Derek é simplesmente demais. Com certeza, as pessoas estão reparando mais em mim e não é por causa de algo negativo. Tudo o que quero é estar ao lado dele. Fato é que não posso contar a ele sobre meus pais. Ter falado sobre isso com Sterling foi muito bom, e eu quero muito contar a Nash, mas Derek... sem chance. Quem é que gostaria de namorar uma coitada, que não tem nada mais a oferecer além de problemas e infelicidade?
Quando estou com Derek, é como se nada disso existisse. Posso me refugiar neste lugar de felicidade e me isolar de meus problemas. Posso fingir que tudo vai bem. Tipo, como acontece quando estou em meu estúdio de revelação.
Estou revelando uma série de fotos do rio. Tenho registrado o “agora” do rio a cada estação. Até aqui, minhas prediletas são as fotos tiradas no verão. Nos dias de sol, o rio fica com um brilho todo luminoso. A luz irradia de um modo que ela parece surgir a partir do fundo do rio, em vez de simplesmente estar sendo refletida na superfície.
Penduro as cópias das fotos para secar e vou para a cozinha beber algo. Paro do lado de fora da porta. Tia Katie está ali, conversando com mamãe. Mamãe tentou falar comigo depois que descobri a verdade por intermédio de meu pai, mas eu simplesmente fui para meu quarto e bati a porta. Isso aconteceu dois dias atrás e, desde então, eu a tenho evitado. Ah, descobri de quem era a carta no envelope azul, endereçada a meu pai. Quem enviou foi Megan, sua namorada dos tempos de colégio. Ela entrou em contato com ele antes da separação, mas ele nem respondeu antes de sair de casa. Deve ser estranho se reencontrar depois de tantos anos. Pergunto se é possível ter só uma relação de amizade com alguém que você amava.
Na mesa da cozinha, há alguns lenços de papel amassados, e mamãe está com cara de quem esteve chorando. Elas não me viram, então me coloco ali ao lado, de onde possa ouvir a conversa.
— Você agiu certo — diz tia Katie.
— Talvez — diz mamãe. — Mas isso não refresca em nada a situação.
— As coisas vão melhorar. É uma questão de tempo.
— Eu devia ter previsto que ia acontecer — diz mamãe. — Não deveria ter permitido que chegasse a esse ponto. Eu ia contar à Marisa em novembro, mas...
A colher de alguém bate numa caneca fazendo um tinido. Em geral, elas se sentam na cozinha, bebendo café e batendo papo, mas eu nunca soube que conversassem sobre este assunto. Pelo menos, não aqui.
— Você precisa contar a elas agora — diz tia Katie.
— Eu sei. Não sei como é que consegui evitar isso por tanto tempo! Dei uma indireta à Marisa quando falei com ela sobre a separação, mas simplesmente não consegui confessar tudo.
— Você tem medo de quê?
— Elas vão me odiar. Olha só como a Marisa tem me tratado.
— Ela não odeia você. Elas vão acabar entendendo.
— Mas e se isso não acontecer? Vou dizer o quê ao Jack?
Jack? Quem é esse Jack?
— Não se preocupe — diz tia Katie. — As coisas vão se arranjar.
— Ele quer muito conhecer as duas... e eu sinto ódio de as meninas não saberem sobre ele... eu só queria saber o que fazer agora.
— Mamãe não ensinou muito a nós duas, nesse sentido... — As duas riem, por alguma razão particular.
Que diabo de cara é este Jack? Não conhecemos nenhum Jack. E o único lugar em que mamãe encontraria alguém novo é no trabalho, onde...
Esperem. É o Jack que veio jantar em casa? Como é que ela pôde gostar daquele cara? Ele é um completo idiota!
— Essas coisas são muito comuns hoje em dia — diz tia Katie. — Separação, divórcio, padrasto, madrasta... é muito comum.
— Meu Deus! O que é que isso diz a nosso respeito...?
— Que você não está se conformando com as coisas. Que está insistindo em buscar sua felicidade.
— Sinto que estou sendo tão egoísta!
— Não sinta isso. Jack dá a você o que precisa. Quando você se casou, não tinha como saber que isso ia acontecer.
— Foi um bom casamento — a voz de mamãe fica áspera, começa a falhar. — Passamos bons 19 anos juntos.
— Isso é que é importante.
De repente, apareço na cozinha.
— Oi, querida! — tia Katie me diz. Ela lança um olhar rápido para mamãe. — Como ficaram as fotos?
Fico olhando para mamãe. Desde que descobri que foi ela quem destruiu nossa vida, ela parece uma pessoa completamente diferente. Como é que eu pude ignorar isso tudo... esse tempo todo?
— Você deveria ter me dito! — berro. Minha raiva surge com toda a força. E é o tipo de raiva que você não consegue extravasar. Ela vai fervendo dentro da gente e, quando acontece algo desse tipo, explode.
— Estou indo pra casa — diz tia Katie.
— Não — digo a ela. — Fica. Fica para ouvir como minha mãe fez com que eu achasse que a culpa foi toda do papai, e nunca me disse a verdade.
Minha mãe tenta dizer algo, mas não permito.
— Não! Você me levou a acreditar que foi o papai! Disse que outra pessoa estava envolvida, e que foi por isso que vocês dois se separaram! Deveria ter me dito que a culpa era toda sua!
— Não foi...
— Você arruinou nossa família por causa de outro cara? Na boa? Você é casada!
— Jack e eu...
— Não quero ouvir! — grito. Subo para meu quarto e bato a porta. A seguir, abro e bato-a novamente, com mais força.
Isso não está acontecendo.
Mas talvez esteja.
Gostaria de poder contar a Derek sobre toda essa história. Gostaria que a relação com Nash fosse como era antes. Depois que nos encontramos no Shake Shack, começamos a conversar mais. Não sei se ele, um dia, vai voltar a se sentir à vontade a meu lado, mas parece que está tentando.
Meu computador emite um sinal sonoro e aparece uma caixa de mensagens. É Nash. Parece que leu meu pensamento.
dorkbot10013: vc está aí?
f-stop: mas gostaria de estar em qualquer outro lugar.
dorkbot10013: seria boa ideia. como está indo a tarefa de química?
f-stop: meu cérebro se recusa a fazer qquer tarefa.
dorkbot10013: vc deveria fazer o pedido de devolução do cérebro. Ou... ei, ouvi dizer que eles estão em liquidação, na Target.
f-stop: espera! eles vendem cérebros lá?
dorkbot10013: vc não sabia?!
f-stop: deixa pra lá. sou um caso perdido, de qquer modo.
dorkbot10013: não é assim. todo mundo odeia tarefa de casa.
f-stop: não, é pior do que isso. está tudo uma enorme confusão.
dorkbot10013: tipo o quê?
f-stop: tipo meus pais.
dorkbot10013: têm brigado?
f-stop: pior que isso.
dorkbot10013: estou te ligando.
Quando meu celular toca, me sinto aliviada. Finalmente consigo contar tudo a Nash. Meu pressentimento é de que ele vai encontrar um modo de fazer com que eu me sinta melhor.
Conto a ele sobre a separação e tudo o mais, tudo que meu pai disse e a discussão que acabo de ter com minha mãe.
— Consigo entender muito bem — ele diz.
— Sério?
— Minha mãe nos abandonou quando eu tinha 11 anos.
Eu sabia que Nash morava somente com o pai, mas nunca lhe perguntei onde estava sua mãe. Aprendi a não me meter na vida dos outros, e do modo mais complicado. Eu era amiga de uma garota do Ensino Fundamental que morava só com a mãe. Quando perguntei a ela onde estava seu pai, ela me disse que estava num programa de reabilitação de viciados. Desde então, não perguntei mais.
Mas foi Nash quem tocou no assunto. Pergunto, então:
— Por que ela foi embora?
— Não sei muito bem. Ela só disse: “Não aguento mais isso tudo”. No dia seguinte, foi embora.
— É bem parecido com o que meu pai fez. Só que ele não me disse nada.
— É horrível, isso tudo que você está passando — diz Nash.
— É tão injusto... meus pais eram, tipo, os únicos pais que não estavam no ponto de querer matar um ao outro. Eles nem mesmo brigavam!
— Tive uma ideia. Você não quer vir aqui em casa?
— Quando?
— Tipo, em meia hora?
— OK, eu vou. — Não vejo a hora de sair daqui...
— Quando minha mãe foi embora, teve uma coisa que fez com que eu me sentisse melhor. Acho que também pode funcionar no seu caso.
— O que é?
— Quando chegar aqui, você vai ver.
Não sei bem o que eu esperava encontrar. Mas quando Nash escancara a porta de seu quarto e alardeia: “Tcha-ram!”, não é o que eu imaginava.
Ele preparou o quarto como se fosse uma sala de projeção de filmes. Sobre a mesinha de centro, há uma pilha de DVDs. Na cama, uma enorme tigela com pipoca. E com travesseiros extras para eu encostar: ele sabe que eu adoro vários travesseiros a meu redor.
— Uau! — exclamo. — É impressionante.
— Obrigado, obrigado!
— Não precisava de tudo isso.
— Eu sei, mas eu quis.
Nash está na fase de curtir filmes do gênero “obscuro” ou retrô. Eu não gosto muito do gênero obscuro, mas estou curtindo muito os retrôs. Uma vez em que estávamos, os dois, exaustos com o maior relatório de laboratório que já tivemos de preparar, fizemos um intervalo para assistir a um filme. Ele queria assistir a um filme chamado Psicopatas americanos, mas eu votei em Harry e Sally — feitos um para o outro. Foi então que Nash começou a fazer uma crítica detalhada de todos os filmes da década de 1980 a que ele já tinha assistido. Hoje, ele tem uma pilha de filmes dessa década. De alguns, já ouvi falar; de outros, não. O plano dele é que a gente assista a todos, juntos. Achei demais a ideia.
É uma ótima sensação ser novamente amiga de Nash. Sinto algo mudando entre nós, voltando a ser o que era antes. Pelo modo como rimos e batemos papo, é como se fôssemos amigos esse tempo todo. Como se ele nunca tivesse tentado me beijar. Como se eu nunca o tivesse rejeitado. Do jeito que éramos antes.