Estou superanimada com o fato de já estarmos no recesso da
primavera, que, neste ano, acontece mais cedo do que o normal. Todos os anos, no início da primavera, temos o River Ramble. Esse evento é um tipo de carnaval organizado no primeiro fim de semana de abril, no calçadão, à beira do rio. Nele há brinquedos do estilo parque de diversão, comidas e jogos, e todos comparecem, até mesmo os que se consideram velhos demais para isso. Faz parte da tradição. Há até uma seção de mesas reservadas para o jogo de bingo.
Antes de Derek ter se juntado à turma do Anuário, a gente costumava ficar juntos quase todas as tardes depois das aulas, na casa dele ou na minha, assistindo à TV ou se beijando. Agora, quando dou sorte, nos vemos duas vezes por semana. Apesar de a gente estar no recesso escolar e poder se ver com maior frequência, não sei se ele vai estar por aqui hoje. Ele odeia estes “eventos idiotas da cidade” — é como se refere a eles. Disse a Nash, então, que o encontraria ao lado da roda-gigante.
Observo as famílias passeando pela área. É tão estranho participar desses eventos, agora, quando todos já sabem que meus pais estão se divorciando! Observo um menininho ao lado de seus pais. Parece tão feliz de estar ali ao lado dos dois. Lembro-me de ter vindo aqui com meus pais e com Sandra, quando éramos pequenas. Eu devia demonstrar a mesma felicidade que este menininho, hoje. Mas agora tudo desabou e não há jeito de consertar as coisas.
Então, Nash aparece e eu, imediatamente, me sinto melhor só por vê-lo. Parece mágica.
Ele olha para a roda-gigante.
— Vamos andar nela?
— Acho que não. — Andar de roda-gigante é legal, mas esta aqui parece cafona demais.
Nós nos dirigimos à barraca em que você estoura balões com dardos. Nash gosta dela. Lembro-me de vê-lo aqui no ano passado e do modo como ele praticamente monopolizava tudo, querendo jogar o tempo todo. É estranho como me lembro das coisas mais aleatórias e me esqueço de outras muito mais importantes.
Nash passa direto pela barraca dos balões.
Digo:
— Achei que você curtia os balões.
— E curto. Mas prefiro jogar bingo.
— Sei, sei.
— É sério.
Olho para ele. Parece mesmo sério.
— Bom... acho que pode ser divertido... A gente podia...
Nash cai na gargalhada.
— Não dá pra manter uma expressão séria a seu lado!
Dou um soco no braço dele.
— Há-há.
Ficamos assistindo ao bingo, assim mesmo. Algumas senhoras que estão jogando são meio que viciadas. Uma velhinha tem, tipo, dez bloquinhos de tíquetes, de diferentes cores, todos dispostos em semicírculo ao redor de suas cartelas. Muitos têm saquinhos de cereal Lucky Charm e brinquedos ao lado.
Nash diz:
— Lembra-se da vez em que você se levantou gritando “Bingo!”, quando na verdade tinha comido bola?
— Boa, essa. Só um detalhe: nunca joguei bingo.
— Jogou, sim.
— Não joguei.
— Como é que você pode ter se esquecido disso?
— Ahn, tipo assim, talvez porque eu só me lembre de coisas que aconteceram mesmo...?
— Você saiu pulando e gritando: “Bingo! Bingo!”, e agitando a cartela que tinha nas mãos. Quando foram conferir, você tinha marcado um número que não tinha sido cantado.
— Espera lá! Isso não foi, tipo, no 8º ano?
— A-há! Está se lembrando agora.
— Meu Deus! — Ele tem razão. Eu joguei, sim, uma vez, só de brincadeira, ou como aposta, algo assim. Lembro-me das velhinhas olhando pra mim como se eu estivesse estragando a festa delas. Fiquei mal depois daquilo. — Não acredito que você se lembra daquilo!
— Ah, lembro. E muito bem.
— Mas eu só fiz aquilo como aposta. Ou algo assim.
— Sei, sei.
— É sério! — Dou outro soco nele.
— Cara, qual é seu problema? Por que fica me dando soco desse jeito?
— Eu estava me perguntando a mesma coisa — diz Derek, que acaba de surgir atrás de nós.
— O que você está... quando é que você chegou aqui? — pergunto.
— Faz um tempinho.
— Bom... tenho que estourar uns balões aí, praticar minha habilidade profissional no dardo. Então... — diz Nash.
— Vejo você mais tarde — digo.
Derek só fica olhando para ele. Não daria para o Nash ter saído de cena mais rápido.
— O que foi? — digo.
— Você sempre se comporta desse jeito com ele?
— Que jeito?
— Assim, com esse clima de paquera...?
— Eu não estava paquerando ele. Meu Deus! Nash só estava me zoando porque disse que eu...
— Então, tá. Eu observei bem a cena.
— Como se você pudesse falar alguma coisa.
— O que você quer dizer com isso?
— Você nem mesmo está totalmente presente quando está aqui!
— Eu só estou aqui porque você quis que eu viesse.
Nas últimas semanas, quando estou ao lado de Derek, tenho a sensação de que ele está longe ou, então, que quer estar em outro lugar e tem que se conformar com minha companhia. Como se eu fosse seu prêmio de consolação. E por mais que ele diga que quer ficar comigo e que não quer ficar com Sierra, isso simplesmente não soa verdadeiro.
— Sei disso — digo —, mas é que tenho a sensação... de que em vários momentos você está com a cabeça longe.
— Você também.
— Mas não do mesmo jeito que você.
— Escuta aqui, eu não leio mentes. Se tem alguma coisa que você quer que eu saiba, tem que me dizer.
— Eu preciso que você esteja aqui meu lado e estou tendo a sensação de que você não está.
— Onde é que eu estou então?
— Com a turma do Anuário!
— É isso, então? Essa história, de novo?
— Você sempre fica lá depois das aulas. Não o vejo mais durante a semana.
— Se você quer que a gente passe mais tempo juntos, por que não me disse isso?
— Eu não queria ter que dizer isso a você. Queria que você estivesse a fim, sem que eu precisasse forçá-lo a fazer nada.
— Por que você acha que eu precisaria ser forçado a passar mais tempo com minha namorada?
Sinto vontade de dizer: “qual delas?”, mas fico quieta. Sei que estou pegando pesado, mas não consigo me controlar. É como se uma força incontrolável tomasse conta de minha personalidade, me transformando numa maluca obsessiva e paranoica, incapaz de se comportar bem num ambiente social qualquer.
O que não estou conseguindo admitir é que estou com medo. Eu reconheço esse sentimento. Na última vez que me senti assim foi um pouquinho antes do maior descontrole emocional que já tive. Na época, não conseguia impedir que a ansiedade e a depressão tomassem conta de mim, me transformando numa pessoa que eu nunca quisera ser. A pessoa que estou me esforçando para nunca voltar a ser.
— Como é que você acha que eu me sinto, vendo você com o Nash? — Derek pergunta.
— Nós somos só amigos.
— Sim, e Sierra e eu também.
— Mas vocês dois saíam juntos! Eu nunca saí com Nash.
— Mas você compartilha seus problemas com ele, certo?
Ele tem razão. Em parte, faço isso por não querer importunar Derek. Ninguém quer estar ao lado de alguém que sempre tem problemas.
Será que Derek está mesmo com ciúmes de Nash? Será possível uma coisa dessas?
— Não quero brigar com você — diz Derek.
— Eu sei. Também não.
— Então por que é que você está fazendo isso?
Bem que eu gostaria de saber. Será que não estou dando uma dimensão exagerada a um problema que nem existe?
— Desculpa! — digo. — É que eu sinto sua falta.
— O combinado para amanhã está em pé, né?
— Está.
Quero acreditar que tudo vai ficar bem, mas talvez nunca mais fique bem. Talvez não exista ninguém que seja perfeito e qualquer pessoa que encontre vá fazer que, no fim das contas, você ache que exista alguém melhor.