Quando eu disse a Nash que Derek entenderia a minha vontade
de assistir às finais do Dorkbot no sábado, eu estava meio que mentindo. Eu sabia que ele ia ficar furioso. Ele não fez nenhum comentário quando eu disse que iria — só que eu estaria perdendo um bom programa — mas valeu tanto a pena! Os projetos do Dorkbot eram incríveis. O do Nash era bem bacana, chamava-se Warm Fuzzy. Consistia de um travesseiro em formato de coração que se acendia em várias cores diferentes, conforme o seu humor, quando você o apertava. Para esse projeto, ele construiu um detector de movimentos capaz de fornecer energia a pequenos aparelhos domésticos, substituindo o uso de pilhas ou de eletricidade. Fico pasma de ele ter construído uma coisa tão complexa. Ele deveria, na verdade, ter conquistado o primeiro prêmio, em vez de ficar com o terceiro lugar.
A sra. Maynard nos colocou hoje para trabalhar em dupla, em Estudos Globais. Disse que, em grupo, estávamos enrolando demais. Fui colocada para trabalhar com Tabitha. Todos estão reclamando por terem de fazer gráficos para esta atividade, uma vez que só nos pedem gráficos nas disciplinas de Ciências e Matemática. Então, quando a sra. Maynard tenta começar uma explicação sobre conceitos que são universais para todas as matérias e blá-blá-blá, ninguém dá a mínima.
Tabitha me pergunta:
— Como é que você construiu seu eixo X?
— Coloquei o tempo aqui, ó.
— Isso eu sei, mas como é que você dividiu... como é que fez as divisões?
— Dos diferenciais?
— É, isso.
— Fiz de cinco em cinco, com duas pequenas linhas no meio.
Tabitha se inclina para olhar a minha folha.
— Ah — diz ela. — Era isso que eu ia fazer.
— Acho que é melhor assim, porque se você contar...
— É, de dez em dez não daria.
— Não ia caber.
— A-hã. — Nunca dá para saber até que ponto Tabitha entende mesmo da matéria. Tipo, ela diz que entendeu uma determinada coisa, mas sempre fica com aquele olhar de quem está boiando. Como se estivesse esperando você continuar com a explicação que está dando. Mas ela nunca reconhece que empacou num determinado ponto.
Fazemos nossos gráficos.
— Então — diz a Tabitha —, você devia ter vindo ao show do Evan. Foi o máximo.
— Não pude ir.
— É, ouvi dizer.
— Quem foi que disse?
— Por quê? A informação era confidencial?
Tabitha deve achar isso engraçado. Nunca sei direito. Nunca consigo entender direito o senso de humor dela.
— Na verdade, não.
— Foi Derek que me disse.
— Ah.
Quando cheguei em casa, vindo das finais do Dorkbot, liguei para Derek, e a ligação caiu na caixa postal. Deixei uma mensagem. Não me ligou de volta. Bom, ele ligou de volta no domingo à tarde, ao acordar, e disse que seu celular ficou desligado a noite toda.
— Eu não sabia que ele ainda estava saindo com Sierra — diz Tabitha.
— Como é que é?
— Eles foram ao show juntos.
— Tem certeza? — Não pode ser verdade. Derek deve tê-la encontrado lá por acaso.
— Bom, eles chegaram juntos e saíram juntos. Tenho certeza.
Não pode ser verdade, de jeito nenhum.
Mas... e se for?
— Desculpa por eu estar contando isso — Tabitha acrescenta.
Vou até a sra. Maynard e peço licença para ir ao banheiro. Sei onde Derek está, e esse assunto não pode esperar até o final da aula.
Saio de fininho, pelo corredor, na direção da sala dele, e fico parada em frente à porta, de modo que os alunos possam me ver, mas a professora, não. Acho Derek, mas ele não está olhando em minha direção. Alguns alunos notam minha presença, o que significa que, dentro de alguns segundos, a professora vai se dar conta que há alguém parado à porta.
Rachel está olhando para mim. Faço sinal a ela para que chame Derek. Ela joga o lápis em cima dele.
Derek olha ao redor. Rachel faz um sinal para ele apontando para mim. Quando ele me vê, faço um sinal para ele sair da sala. Estou prestes a ser vista, então corro para o canto e espero.
Minutos depois, Derek sai.
— O que está acontecendo?
— Você foi ao show do Evan com Sierra?
— O quê?
— Sábado passado. Você foi ao show com ela?
— Não. Quem foi que te disse isso?
— Não interessa.
— Acho que interessa sim, já que tem alguém mentindo nessa história.
— Então, por que é que ficou parecendo que você foi junto com ela?
— Não sei. Ela estava lá, assim como um monte de gente. Era um programa de um grupo de pessoas.
— Você saiu de lá com ela?
— Não. — Derek passa a mão no próprio rosto. — Bom, depois do show algumas pessoas saíram pra comer pizza.
— Ah, e por acaso ela estava incluída entre estas “pessoas”?
— Estava. Mas nós saímos num grupo.
— Por que você não me contou?
— Porque sabia que você ia ter um piti.
— E por que achou isso?
— Porque é justamente o que está acontecendo!
— Não estou tendo um piti. Só estou perguntando.
— Não. Você está me acusando de uma coisa que eu não fiz.
— De quê?
— De ter ido ao show com Sierra!
— Você acabou de me dizer que não saiu com ela, e logo em seguida disse que sim, que saiu. Qual das duas é a versão verdadeira?
— Você está dando uma de maluca agora. — Derek chega mais perto de mim. — Por que você está se comportando assim?
— Quando alguém me diz que meu namorado saiu com sua ex, acho que isso me deixa incomodada. E isso não é maluquice. Qualquer outra pessoa sentiria a mesma coisa.
— Bom, eu não fui lá com ela. Ela simplesmente estava lá. Não aconteceu nada.
Não tem isso de “nada”. Certamente aconteceu algo que ele achou que precisava esconder de mim.
Quando você está ao lado de uma pessoa que realmente quer estar com você de um modo que, tipo, você é a única garota do mundo para ele, isso fica evidente e todos percebem que isso está acontecendo. Até as pessoas que observam você andando pelas ruas são capazes de sentir. Você começa a irradiar uma felicidade contagiante, como os raios do sol. É como se iluminasse o mundo todo só com a irradiação de sua euforia.
Por outro lado, aqui estou eu. Sou o oposto dos raios de sol. Sou um verdadeiro temporal. Um temporal estrondoso e eterno, em que a ameaça de chuvas é constante e todos os dias são sombrios.
— Vou voltar pra minha sala — digo.
Apesar de isso ser meio que maldade de minha parte, me sinto melhor em saber que outras pessoas também estão sofrendo. O Dirk, por exemplo. Isso porque a identidade dele foi revelada.
Dirk é, de fato, Kelvin.
Ontem à noite, Dirk fez um discurso inflamado sobre como estamos poluindo o planeta. Fez fortes críticas à política ambiental de nosso país e se queixou que nossa escola não tem sequer um programa de reciclagem. Ou seja, justamente as coisas de que Kelvin está sempre se queixando. A outra pista é que Dirk sempre põe para tocar umas bandas underground de Nova York que ninguém mais conhece, e o Kelvin sempre comenta ter assistido a umas bandas legais, no tempo em que morava lá. Chegou mesmo a dizer que conhecia o vocalista de uma banda que o Dirk pôs para tocar na noite anterior.
Desde o programa em que Dirk leu uma carta superconfidencial, escrita pelo diretor, alguns funcionários da direção da escola têm acompanhado seu programa, à espera de um deslize, para poder apanhá-lo. Já estão convencidos de que ele é o Kelvin.
Só que Kelvin não concorda com isso.
— Não sou eu! — Kelvin diz a todos na aula de Estudos Globais. Depois que voltei à sala, ele chegou, atrasado, e está agora parado, em pé, diante dos alunos da classe. A sra. Maynard lhe deu a chance de falar. — Mas seja o Dirk quem for, ele é o máximo!
Não me convenceu. Aquilo podia ser simplesmente Kelvin elogiando a si mesmo.
— Vocês sabiam que vários funcionários da direção da escola acabaram de me trancar na sala do diretor e me fazer um interrogatório? — pergunta ele.
Claro que todos nós queremos saber o que aconteceu. Então Kelvin nos conta que foi chamado à sala do diretor e interrogado durante, tipo, uma hora. O diretor ameaçou vasculhar o quarto da casa dele se ele não parasse de transmitir o programa. Kelvin disse que ele não tinha o direito de vasculhar seu quarto sem um mandado oficial, mas o diretor respondeu que não seria difícil conseguir um.
— Esta é uma total violação de privacidade — diz Kelvin. — Mesmo que eu fosse o Dirk, o que não é o caso.
Não acredito que Kelvin foi tratado desse jeito! Talvez o diretor tenha achado que, caso ele realmente fosse Dirk, não contaria a ninguém sobre o interrogatório.
É claro que todos estão superansiosos para ouvir o programa do Dirk de hoje à noite. E, às 23h em ponto, ele entra no ar.
— OK, pessoal — Dirk começa. — É evidente que está rolando uma discussão sobre minha identidade. Tem uma pessoa que foi acusada, falsamente, de ser eu. Acreditem, eu não desejaria isso a meu pior inimigo. Mas fiquem tranquilos: Kelvin Rodriguez e Dirty Dirk são duas entidades distintas. E, para provar isso a vocês, vamos falar com ele pelo telefone.
Dirk liga para Kelvin. Não sei ao certo se ele telefonou antes ao Kelvin, para avisá-lo de seus planos, mas Kelvin atende de imediato.
— Oi, Dirk, tudo beleza?
— Tudo sussa.
— Belê.
— Então, ouvi dizer que você recebeu um tratamento desumano da parte do sr. diretor hoje.
— É, e dentro da própria escola, Dirk.
— Isso é errado.
— Extremamente errado.
— Profundamente errado.
— Não poderia estar mais errado.
— Você vai dar queixa ao Conselho da escola?
— Hum... Sabe que estou pensando, sim, em fazer isso? Você acha que ele está ouvindo o programa, agora?
— Ah, tenho certeza de que sim.
— Oooh, então vamos falar mais um pouquinho sobre ele!
— Pera lá, Kelvin! Isso seria se rebaixar ao nível dele. Um dos dois tem que mostrar uma atitude adulta aqui.
Estou adorando isso tudo. Acho possível que algum truque tecnológico esteja sendo usado, e que Kelvin realmente seja Dirk, mas acho que não é o caso. E acho que ninguém nunca vai descobrir quem é Dirk. Claro que ele escondeu muito bem as suas pistas. Respeito isso, total, mas ao mesmo tempo me pergunto se ele se sente bem em jamais ser conhecido por sua verdadeira identidade. Bem, talvez seu objetivo não seja esse. Seu objetivo talvez seja ajudar as outras pessoas fazendo isso tudo. Talvez seja o bastante para deixá-lo contente.