Essa vida é mesmo uma coisa difícil.
Veja, por exemplo, o que está acontecendo agora. Tudo o que consigo fazer é ficar deitada aqui em minha cama, olhando para fora da janela. Não sou mais capaz de fazer as coisas mais simples, tipo sair da cama, ir até a escrivaninha e começar a fazer minhas tarefas de escola. Já dá para dizer que esta noite vai ser um fracasso total. Do mesmo jeito que foram todas as outras noites nesta semana.
Não tenho feito as tarefas da escola. Há dias que faço parte do trabalho, tipo as coisas mais simples, mas a maior parte fica por fazer. E, tipo, não tem nada que eu possa fazer a respeito. Em algum canto, escondido sob todo este sofrimento, tem um desejo meu de fazer as tarefas, mas este desejo é uma luzinha muito fraca e distante, que mal consigo enxergar. Estou afundando e não tem nada a que eu possa me agarrar. Tenho um sentimento ameaçador e horrível de que estou presa em meu próprio corpo, quando tudo o que quero é sair dele.
Todas as noites, fico sentada na frente da TV durante horas. Só faço isso agora. Nesta semana, só me encontrei com Derek uma vez. No restante do tempo, ele tem ficado na escola, após as aulas, na reunião do grupo do Anuário ou para seja lá o que for. Então, fico plantada diante da TV, ignorando as tarefas e sabendo que vou me sentir péssima por não fazê-las. Já sinto a depressão me puxando para baixo, e é muito mais certo eu afundar do que lutar contra ela.
Estou cansada. Realmente cansada. É o tipo de cansaço que se sente até nos ossos. Tenho dormido entre onze e doze horas por noite, às vezes mais que isso, no fim de semana. A primeira coisa que faço ao chegar em casa, da escola, é desabar na cama e dormir até a hora do jantar. A seguir, assisto à TV até a hora de dormir de novo.
Minha mãe está ocupada com seu próprio mundo e não é capaz de ver como as coisas têm mudado ao redor dela. Ela desistiu de tentar me convencer a perdoá-la — é assim que ela sempre reage quando demonstro certa hostilidade durante algum tempo. Papai consegue aguentar isso durante o tempo que a coisa durar, mas mamãe desmorona diante desse tipo de pressão. Tenho certeza de que ela está mais feliz agora, sem se preocupar comigo. Isso lhe dá mais tempo para voltar sua atenção a Jack. Na maioria das noites, ela chega em casa bastante tarde; não sabe, então, como estou me sentindo mal. Ou talvez ela esteja pressentindo isso e tenha me evitado de propósito. Talvez ache que a depressão é contagiosa. Então, mamãe está se mostrando mais distante no momento em que mais preciso dela. Mas estou cansada demais para ficar contando a ela as coisas que estão se passando comigo. E simplesmente não tenho energia para conversar com papai.
Vou apagando aos poucos em meu cochilo. Só que hoje, no instante em que estou começando a pegar no sono, abro os olhos de repente. Isso não é vida que se leve. Tenho que lutar, se quiser sobreviver. De jeito nenhum que vou me afundar nessa escuridão.
Giro as pernas para o lado da cama e me sento. Tenho dor de cabeça. Além disso, sinto tontura. Talvez eu tenha um tumor no cérebro. Provavelmente tenho um tumor no cérebro e só mais dois dias de vida. O que você faria se tivesse só mais dois dias de vida? Aliás, se você vai morrer de qualquer modo, isso faz alguma diferença? O que vai fazer não terá a mínima importância, já que vai morrer.
Tem uma coisa cor-de-rosa e peludinha na parede do meu quarto. Nem sequer me lembro de ter colocado ela ali. Odeio coisas cor-de-rosa e peludinhas. Quero pôr fogo em tudo que seja cor-de-rosa e peludinho.
Parece que tem outra pessoa morando em meu quarto. Fui eu mesma quem pendurou todo esse lixo nas paredes? Está me deixando ainda mais tonta olhar todas estas colagens, estes escritos, pôsteres e fotos, e... o que é isso tudo, afinal?
Começo pela extremidade da parede que tem mais colagens. Começo a arrancar tudo da parede.
Sandra diz:
— O que você está fazendo?
— Vai embora! — Ah, e mais uma coisa: estou num mau humor terrível e contínuo. É, tipo, como se estivesse irritada com o mundo inteiro, mesmo quando alguém só está tentando ajudar.
Sandra não mostra a mínima surpresa.
— Por que você está rasgando tudo?
— Você não tem mais o hábito de bater à porta?
— Talvez, mas não quando a porta já está aberta. — Ela fica me observando destruir uma colagem. — Mas levou um tempão para você fazer isso aí! — ela grita.
— Eu ouço bem. Não precisa gritar.
— Você está louca? Por que está fazendo isso?
— Vou redecorar o quarto.
— Vai pintar? A mamãe já te perguntou se você queria pintar quando eu...
— Eu sei, quando você mudou a decoração de seu quarto no ano passado. — Sandra ainda está ressentida, pois escolheu uma cor que ela supostamente adorou e, logo em seguida, resolveu que gostava muito mais de outra cor, isso depois que as paredes já tinham sido pintadas. Mas mamãe não deixou que ela mudasse, pois a tinta era cara. Assim, sempre que não consegue o que quer, Sandra usa o pretexto da situação em que não lhe deixaram mudar da cor “Brisa Tropical” para o “Rosa Valentine”.
— Ela disse que era sua última chance, caso você quisesse mudar o quarto — Sandra me relembra.
— Sei disso.
— Então, por que é você tem permissão de refazer tudo agora?
— Porque sou especial.
— Não é justo. Mããe! — Sandra sai pisando duro escada abaixo. Ela sempre faz um dramalhão. Eu nem mesmo disse que ia repintar o quarto. Nem cheguei a pensar nisso ainda.
Continuo arrancando e rasgando coisas de meu mural. Mas não é tudo que eu vou jogar fora. Tem coisa que quero guardar, então tiro com cuidado o durex ao redor desses cartazes. Isso vai me tomar um tempão.
Alguns minutos mais tarde, mamãe entra no quarto.
— Sandra disse que você está rasgando todas as coisas de seu quarto.
— Estou redecorando.
— Parece, mesmo.
— Por que todo mundo está tendo um piti? Estou só tirando umas coisas da parede. Nada de mais, meu Deus!
— Você tem dormido muito ultimamente — diz mamãe. — Está se sentindo bem?
— Só estou cansada.
— Eu sei que o divórcio não é...
— Não quero falar sobre isso.
— Vamos ter que falar sobre isso alguma hora, querida. Você não pode simplesmente...
— Não quero falar sobre isso! — grito.
Isso deixa minha mãe em estado de choque. Eu nunca grito.
Ela diz, então:
— Mas e o nosso trato?
Nosso trato funciona assim: enquanto eu estiver bem, não voltarei a fazer terapia. Minha sensação era a de que obtive toda a ajuda terapêutica de que precisava no ano passado, e me incomodava continuar falando das mesmas coisas. Mas se eu não estou me sentindo bem, terei que voltar.
— Eu não preciso voltar lá — digo. — Estou bem.
Sei o que está acontecendo. É uma enxurrada de desespero, que já é bastante familiar para mim, como naqueles pesadelos em que você sabe que vai acabar caindo. E sei também que, por mais que eu tente lutar contra ela, esta espiral que me puxa para baixo já tomou conta de mim.