Quando chego à casa de Derek, sua mãe me diz que ele ainda não
chegou, mas que posso esperar no quarto dele. Ele já deveria estar aqui. Nosso plano era ir juntos à festa da Andrea, no feriado de 1º de maio.
Acho que ele se esqueceu. De novo.
Então, aqui estou, sozinha, no quarto dele. Um quarto que contém as respostas simplesmente esperando que eu as encontre.
A escultura em argila, que fiz para ele quando trabalhamos com cerâmica na aula de Artes, está em seu criado-mudo. Eu a pego nas mãos e, nesse instante, todas as lembranças me tomam de sobressalto. O primeiro dia em que Derek se sentou à minha mesa, me convidando para sair, num momento em que eu já tinha perdido a esperança de que ele gostasse de mim. Derek me beijando no Shake Shack. A foto desfocada que tirei dele no Cosmic Bowling. Todas aquelas noites intensas, beijando-o durante horas.
Deixo a escultura cair e me agacho para apanhá-la. Debaixo da cama dele, há uma caixa de sapatos Rocket Dog, com uma das extremidades aberta. De imediato, sinto vontade de saber o que tem dentro da caixa. Talvez as respostas que estou buscando estejam bem ali. Ou, talvez, eu esteja fazendo todo esse drama por motivo nenhum. Talvez não haja nada de sério ali dentro. Talvez seja apenas um Manual de Escoteiros e algumas conchinhas de praia do período de férias, quando ele tinha 8 anos de idade.
Mas eu sei que essa história tem um final diferente. Sei que a caixa contém histórias. E sei que preciso de provas concretas para poder, finalmente, seguir adiante com minha vida. Odeio este meu jeito ciumento que só faz piorar minha depressão. Não vou me sentir melhor enquanto não descobrir a verdade.
Existe a probabilidade de eu ser flagrada. Derek pode aparecer a qualquer momento e me encontrar vasculhando suas coisas. Mas, se fosse para ele estar aqui, já teria chegado a essa hora.
Deslizo a caixa para fora um pouquinho e removo a tampa. Vejo um maço de envelopes, amarrados com um barbante. Sinto um nó no estômago na hora. Aqui estão, os dois. As cartas dela. As cartas enviadas a Derek por Sierra, enquanto ela estava distante, no verão em que eles saíram juntos. Ouvi dizer que ela enviou a ele um cartão, ou uma carta, todo santo dia, durante um mês. E agora aqui estão eles, bem na minha frente, e posso ler a troca de mensagens deles se eu quiser. Posso ler, e ele nunca vai ficar sabendo.
Isso se eu realmente quiser.
Se eu ler a correspondência dos dois, simplesmente vou me aborrecer e ficar zangada com Derek por uma coisa que aconteceu antes mesmo de ele me conhecer. Se eu não ler, vou continuar imaginando para sempre o que é que eles diziam. Ficarei furiosa comigo mesma por ter perdido a oportunidade de descobrir.
Então, decido arriscar. Retiro a primeira carta do maço. A letra dele está escrita em caneta rosa-choque. Rosa-choque? Isso não é coisa típica de 4º ano do Fundamental?
Por fim, leio só algumas cartas, na eventualidade de Derek chegar de repente. Elas são todas iguais, não há dúvida de que não estou perdendo grande coisa quando decido não ler as outras 20. Em todas, ela diz o quanto sente a falta de Derek, que mal pode esperar para encontrá-lo novamente e outras declarações melosas desse estilo.
Não era isso que eu procurava, de qualquer modo. O que eu preciso, mesmo, é saber o que está se passando com os dois neste momento. Por que é que não pensei nisso antes? OK, volte a seu foco. Onde é que eu poderia encontrar informações recentes? Numa caixa de sapatos sob a cama dele? Ou na sua escrivaninha?
Ali está o computador de Derek. Na escrivaninha, no modo “em espera”. E ele ainda não chegou em casa. Sua mãe está lá embaixo. E se Derek chegar, ou se alguém começar a subir as escadas, posso escutar perfeitamente.
Se Derek fizesse comigo o que estou prestes a fazer com ele, eu ficaria realmente furiosa. Mas não me importo nem um pouco.
Mexo no mouse, e a tela se ilumina. A caixa de e-mails do Derek está aberta. Vejo uma pasta com o nome “Sierra”. Clico duas vezes nela.
Meia hora mais tarde, e Derek ainda não chegou. Praticamente não dou a mínima se ele vai ou não descobrir que estive mexendo em seu computador. Mas me certifico de que, ao terminar, tudo esteja da mesma forma que quando comecei, para que ele não consiga provar nada. Que saco isso! Além de Derek ter se esquecido dos nossos planos, de novo, ainda não chegou em casa. E mais: ele é um mentiroso, sacana e cafajeste.
Vou embora.
No dia seguinte, por milagre, Derek arruma tempo para me ver. Está me esperando no nosso local quando chego na escola.
— Desculpa de novo, por ontem — diz ele. — Me esqueci completamente.
Não digo nada. É bom mesmo que ele peça desculpas.
— Não vai acontecer de novo — ele insiste. Ele também me ligou ontem à noite para pedir desculpas. Horas depois de eu ter ido embora de sua casa.
— Minha mãe disse que você esteve em meu quarto.
— É. Ela disse que eu poderia esperar por você lá.
— Você ficou lá um tempinho, né?
— Sim, você não chegava mais... então, fiquei.
— Você mexeu nas minhas coisas?
— Que coisas?
— Você sabe que coisas.
— Não, na verdade não.
— As coisas dentro da minha caixa.
— Que caixa?
Ele suspira.
— A caixa debaixo da minha cama.
— Hum, não. Não mexi. — Não sei de onde ele tirou isso. Coloquei tudo de volta do modo como encontrei. Pelo menos acho que fiz isso.
Derek me lança um olhar de quem diz: “Ah, então, tá”.
— Por que você está me acusando?
— Simplesmente acho que você abriu a caixa.
— OK. Vamos admitir a hipótese de que eu tenha aberto. Como é que você pode ter certeza disso?
— Eu me lembro da maneira como eu deixei as coisas dentro da caixa. E estava tudo reorganizado.
Ora, ora! Quantos rapazes desleixados mantêm suas coisas organizadas a ponto de saber o modo como deixaram os objetos dentro de uma caixa? Cinco, talvez?
— O que você tanto teme que eu tenha visto? — pergunto.
Derek olha para mim, semicerrando os olhos.
— Vamos entrar — ele diz.
Eu deveria ter dito a ele que li suas mensagens de e-mail. Deveria ter dito a ele que sei de tudo. Mas não posso fazer isso. Não posso admitir que sei, porque teria que admitir que li seus e-mails. E isso não é o tipo de atitude que se espera da boa namorada. A boa namorada é compreensiva, apoia você e sempre está a seu lado quando precisa dela.
O mesmo acontece com o bom namorado. Que também não se esquece dos planos que vocês dois fizeram nem deixa você esperando uma eternidade. Ele não mente a você sobre o porquê de ter se juntado à turma do Anuário. E, com certeza, ele não passa seu tempo ao lado de uma ex que o quer de volta. Era isso que dizia a mensagem de e-mail de Sierra. Ela disse, ali, que cometeu um erro e que quer que ele volte para ela. A mensagem é de um mês atrás. Ah, e o show do Evan, naquela noite? Eles foram juntos, total. Num outro e-mail, eles fizeram os planos para combinar isso.
É óbvio que ele quer ficar com as duas. E que pretende ter nós duas pelo tempo que conseguir fazer isso.
O fato é o seguinte: bem no fundo, Derek sabe que se dá melhor com Sierra, como as peças de um quebra-cabeça que se encaixam com perfeição. Uma constatação das mais deprimentes que já existiram. Sierra terminou com Derek: este é o problema. Porque quando uma menina larga um cara, acho que ele nunca consegue esquecê-la completamente. Como poderia? Ela parte o coração dele, mas o coração continua batendo. E, é verdade, o mesmo acontece com as meninas, mas acho que é ainda pior no caso dos rapazes. Tem toda uma questão de ego envolvida nisso.
Mas e quanto a Derek e eu? Acho que existia uma ligação entre a gente, mas ele não é “o cara”. O cara nunca faria com que eu me sentisse péssima assim. Então, não importa que tipo de namorada eu esteja sendo, isso tem de acabar. É como John Mayer diz na música “Slow Dancing in a Burning Room”: quando a coisa fica ruim desse jeito, você tem que sair desta, senão vai se queimar.
— Espera! — digo.
Os adolescentes que passam por nós sentem que algo está acontecendo. Eles nos lançam olhares, caminhando mais devagar do que normalmente fazem, tentando escutar a conversa. Vejo Sterling nos observando perto da porta. Ela, então, vira o rosto.
— Eu já estou sabendo — continuo.
— Sabendo o quê?
— O que está acontecendo.
— Já disse que não tem nada...
— Não, Derek. — Chego bem perto do rosto dele, mas demonstro uma calma sinistra. — Eu estou sabendo.
Agora começa a parte em que ele me pergunta como é que eu fiquei sabendo, e eu respondo que li seus e-mails. A seguir, ele vai ficar zangado comigo e distorcer a história toda, para dar a impressão de que eu é que estava fazendo algo errado. O que, aliás, é verdade; mas a questão não é esta, mesmo!
Só que as coisas não se passam assim. Derek fica quieto durante um longo tempo, olhando fixamente para o gramado. Tem algo diferente na expressão facial dele. Ele sabe que já estou sabendo. Game over.
— Desculpa por não ter contado antes! — diz Derek.
— Por que você mentiu pra mim?
— Eu sabia que você ia ter um piti. Estou com você agora. Tudo mudou.
— Interessante, isso, pois parece que algumas coisas continuam iguais.
— Ouça bem! — Derek coloca sua mão em meu braço. — Se ela ainda gosta de mim, isso não interessa. O que importa é o que eu faço em relação a isso.
— Justamente! — digo. — Está bastante claro o que você está fazendo.
— O que é que eu estou fazendo?
— Paquerando. Ficando com ela, tipo, todos os dias. Você está...
— Já disse que nós...
— Não! — grito. Juro que, se eu continuar ouvindo as desculpas dele, vou ter um treco. — Para. Com. Isso.
— Por que você está tão...
— Ela quer que você volte pra ela. Você sabe que ela quer você de volta. E é óbvio que você também a quer de volta.
— Nós não estamos...
— Basta!
Derek parece aliviado.
— Está bem.
— Não, Derek. Basta pra mim.
— Marisa, não faz isso! Eu quero ficar com você.
— Não, não quer. Você quer ficar com nós duas. Você quer poder fazer o que bem entender achando que está tudo bem. Só que... quer saber? Nada disso está certo. Pra mim, acabou.
Meu plano não era terminar com ele. Na boa, talvez bem lá no fundo, num lugar em que é difícil enxergar, eu já soubesse há um tempão que isso tinha que acabar. Só que nunca achei que era eu quem ia tomar a iniciativa.