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Eis a boa notícia: Sterling não vai mais a Nova York encontrar Chris.

Agora, a má notícia: em vez disso, ele está vindo para cá.

Isso quer dizer que ele sabe onde Sterling mora. Que sabe em qual escola ela estuda e como encontrá-la no momento em que quiser. Então, quando Sterling se der conta de que ele é um sinistro molestador de adolescentes, não terá como escapar dele.

Estou vendo um grande problema se aproximando no horizonte. Sterling não consegue enxergar nada além de arco-íris cintilantes e corações apaixonados. Ela ficou tão animada quando soube que Chris viria para cá, que mal conseguia conter a respiração ao me dar a notícia.

— Ele está chegando amanhã! — ela gritou.

— Quando é que vocês vão se encontrar?

— Por quê?

— Só pra saber. Só para o caso de...

— O caso de quê?

— O caso de alguma coisa acontecer.

Dá para perceber que Sterling estava desconfiada de que eu apareceria, dando uma de penetra na cena, mas prometi a ela que não faria isso. Mas é claro que vou a esse encontro. Só que ela não vai saber que eu estarei por perto.

— A gente vai se encontrar no parque — ela diz.

— A que horas?

— Que diferença faz?

— Só pra eu saber.

— No caso de alguma coisa acontecer? — pergunta Sterling. Mas dá para ver que seu tom é de brincadeira. Ela está visivelmente nas nuvens com essa paixão cega e não está disposta a deixar que ninguém a traga de volta para a Terra. — Às 16 horas.

Quando chego ao parque, trato de encontrar um lugar em que Sterling não possa me ver. Achei um canto, atrás de um conjunto de árvores, a certa distância. Sterling está sentada no carrossel, à espera de um cara qualquer que (segundo as expectativas dela) causará uma reviravolta em seu mundo. Verifico o relógio. São quase 16 horas, mas Chris ainda não chegou. Você pode achar que eu a segui até o parque só para irritá-la, mas não. Estou mesmo preocupada. Por isso, pedi a Nash que viesse comigo.

— Como é a aparência deste cara? — Nash pergunta.

— Não sei. Sei que é mais velho.

— Tipo, 30 anos?

— Ahn, não, ele tem 21.

— E o que é que a gente vai fazer se ele a atacar ou coisa do tipo?

— Ele não vai fazer isso. Por isso é que ela marcou o encontro com ele num lugar público.

— Então, o que é que a gente está fazendo aqui?

— Só no caso...

— No caso de quê?

— Quer levar outro soco?

— Não, isso é bullying.

— No caso de alguma coisa acontecer. No caso de ela precisar de nós.

— OK, mas não sou chegado em violência física. Eu é que não vou sair dando bordoada no cara, nem nada do gênero.

Esperamos. Mesmo da distância em que estamos, dá para ver que Sterling está ficando impaciente. Fica olhando o tempo todo para o relógio, cruzando e descruzando as pernas. É óbvio que ela tem vontade de olhar para os lados, mas está tentando não fazer isso. Seja como for, não tem ninguém se aproximando de onde ela está.

— E se ele não aparecer? — diz Nash.

— Aí, Sterling finalmente vai perceber que encontrar uma pessoa on-line é uma roubada.

Um cara se senta no carrossel, meio perto de onde Sterling está sentada. Ela olha para ele, incomodada. A seguir, olha para os lados, procurando Chris.

— Ali está ele! — diz Nash.

Não vejo ninguém.

— Onde?

— Bem ali. Sentado no carrossel.

— Não é ele. Chris é muito mais velho.

— Estou te dizendo — insiste Nash. — É ele.

Semicerro os olhos para olhar para o rapaz. Queria ter um binóculo nessa hora. Por que não trouxe meu binóculo? Nos filmes, eles sempre carregam um binóculo para vigiar os passos de alguém.

Tem algo neste cara que me parece familiar. Tenho a impressão de que já o vi antes, mas não me lembro onde.

— Não é ele — digo. — Ele é novo demais. Deve ser do primeiro ano, algo assim.

— Ele não está na nossa escola?

Meu Deus! É isso. Sim, ele está na mesma escola que a gente. É aquele cara do primeiro ano, que toca triângulo!

— Eu o conheço. Quer dizer, mais ou menos. Tipo, ele faz parte da banda.

Observamos enquanto ele se levanta e se aproxima de Sterling. Ela olha para ele como quem diz “eu não te conheço?”. Ele diz algo. A coisa parece séria.

— Precisamos ouvir o que estão dizendo — digo. — Vamos chegar mais perto?

— Só se você quiser que Sterling veja a gente. — Entre o conjunto de árvores onde estamos e o carrossel, não tem nada além de gramado. Ou seja, não vai dar para ouvirmos coisa alguma. Não vai valer a pena escutar a conversa se Sterling souber que eu estive aqui. Se ela descobrir, nunca mais vai confiar em mim.

Ouvimos Sterling gritar.

— O quê? — A seguir, o cara do triângulo diz mais alguma coisa. Ele parece desesperado. Ela parece furiosa. Ela se levanta zangada e sai de cena. Por sorte, não está vindo em nossa direção. O cara do triângulo não vai atrás dela.

— Por que ela está indo embora? — digo. — Ela vai sentir falta do Chris.

— Cara, eu estou te dizendo. Este era o Chris.

— Sem chance! O nome do cara é...

Acho que meu cérebro está se recusando a acreditar nisso. Apesar de eu ter suspeitado do Chris o tempo todo, nunca imaginei que fosse ele o tal cara do primeiro ano que toca triângulo. Que coisa mais bizarra! Fico mal por Sterling, mas me sinto aliviada, pois agora posso parar de me preocupar.

Ao chegar em casa, tenho vontade de ligar para Sterling e saber se ela está bem. Mas claro que não posso fazer isso. Não quero que ela saiba que eu vi tudo. Pego, então, minha nova lata de tinta e alguns pincéis. Minhas paredes já foram pintadas, e tia Katie está vindo me ajudar a dar o acabamento. Usei o mostruário de cores dela, que contém todas as opções possíveis de cores, para escolher uma para as paredes e outra para o acabamento. Para as paredes, escolhi um azul-claro chamado Cascata Zen. A cor produz um efeito tranquilizante. E um tom lavanda-claro para o acabamento. Tia Katie veio aqui, dias atrás, me ajudar a pintar as paredes. Elas ficaram incríveis!

Foi uma surpresa enorme que Sandra não tivesse ficado me azucrinando em relação à pintura do quarto. Em parte, porque usei meu dinheiro para comprar a tinta. Mas acho que também é porque ela é, agora, ao mesmo tempo, minha nutricionista e minha personal trainer. Então nossa relação está mais profissional.

Depois que pintei as paredes de meu quarto, decidi não voltar a escrever nelas. Nem pendurar nada, em forma de colagens. Quero ter, a partir de agora, um espaço mais tranquilo, então meu quarto tem uma temática simples. Tenho apenas quatro fotos na parede principal. Escolhi a melhor foto que tirei do rio em cada uma das estações, desde o último verão até esta primavera. Agora, elas estão todas em molduras idênticas, penduradas em minha parede, em sequência. Juntas, contam a história de um ano de minha vida.

Ouço o motor de um carro parando na entrada e desço correndo as escadas. Mal posso esperar para começar a pintar o acabamento.

É tia Katie, mas este não é o carro dela. E não é ela quem está no volante. Um cara veio trazê-la! Não sabia que ela estava namorando sério alguém, a ponto de ele vir trazê-la à casa de sua sobrinha. Mal posso esperar para saber mais detalhes sobre o que está rolando.

— Quem é aquele? — pergunto, ao abrir a porta.

— Não me diz nem oi?

— Oi. Quem é aquele?

— Não reconheceu?

— Não deu pra ver direito.

— É o Campbell — diz tia Katie, subindo a escada, como se isso não tivesse qualquer importância.

— Espera! O Campbell Campbell?

— Conhece algum outro? — Ela deixa a bolsa sobre minha cama e pega o pincel. — Esta cor é a lavanda? — pergunta, apontando para a lata de tinta.

— É. Vocês dois estão... tipo... juntos, de novo?

— É, parece que sim.

Estou doida de curiosidade para saber o que aconteceu, de fato. Achei que ela não gostasse mais do Campbell. O que leva uma pessoa a querer reatar com alguém que decidira, há um tempo, que não queria mais como companhia?

Tia Katie não diz nada. Então, começamos a pintura e tudo o que se ouve é o leve ruído “ffffwut-fffwut” de nossos rolos. Isso faz com que eu sinta saudade de lixar madeira ao lado de papai. Ele não trabalha mais na garagem de casa. Acho que agora faz sentido que ele tenha se mudado em definitivo e tirado todas as coisas de casa. Isso não quer dizer que me deixou, mas que deixou um tipo de vida que não estava mais dando certo.

Estou morta de curiosidade.

— Então... como é que vocês dois voltaram a ficar juntos? — pergunto.

— Bom... — responde tia Katie — é uma história complicada.

— Eu tenho tempo de sobra.

Ela ri.

— Por que é que você está tão interessada nisso?

— Simplesmente acho que vocês eram perfeitos um para o outro. E você mesma disse que foi o melhor relacionamento que já teve. Não consegui acreditar quando vocês terminaram.

— É...

— Por que terminaram, então?

— Foi uma estupidez. Tomei a decisão estúpida de terminar com ele porque achei que ia conseguir encontrar alguém melhor.

— Mas você o amava!

— Eu sei disso. Mas, quando digo “melhor”, não é em termos de personalidade, mas... fisicamente.

— Ah.

— Um tanto quanto superficial da minha parte, não?

Aí está uma grande revelação. Tia Katie estava num ótimo relacionamento e colocou tudo a perder achando que ia encontrar um cara mais gato. Imagino que esse tipo de coisa realmente aconteça.

— Não acho que você estivesse sendo superficial — digo. Tento escolher as palavras com muito cuidado. — Você simplesmente... não sabia.

— Não acredito que pude ser tão estúpida!

— Não acho que é estúpido querer ficar com um cara que é gato. Não é isso que todas querem?

— É, mas depois você se dá conta de que este “kit completo” que todos buscam é uma coisa inalcançável. Não existe ninguém que tenha tudo o que você espera.

Nunca imaginei que ouviria tia Katie dizer uma coisa dessas. Desde que começou a conversar comigo sobre seus namoros, sempre esteve em busca do “kit completo”: o cara que tem tudo que ela estava procurando. Ela preparou uma lista de qualidades que ele tinha de ter: ser inteligente, divertido, bonito, interessante. E agora ela admitia que tudo isso não passava de fantasia?

— É tão complicada, essa história de namoro — diz ela. — Nos primeiros meses, todos só mostram o que há de melhor em seu comportamento, então você nunca sabe quem o outro realmente é. No início, talvez sinta que tem uma conexão total com ele e fica toda eufórica — esta é a ciência da coisa. Mas, passado este período inicial, você normalmente se decepciona. É por isso que tantas pessoas — bem, a maioria é de mulheres, na verdade — se surpreendem quando descobrem que encontraram a pessoa ideal naquela pessoa que elas não imaginavam, mas, então, os caras já as abandonaram.

— Espera um pouco — digo. — Então você acha que o “kit completo” não existe? — Isso é justamente o que estou procurando, também, e não quero acabar descobrindo que estou buscando uma coisa que não existe.

— Talvez. Mas talvez o kit apareça num formato diferente do que a gente pensava. A coisa mais importante, sabe o que é? Estar com alguém que realmente se importa com você.

Talvez seja mesmo isso. Talvez seja simplesmente difícil enxergar o que está bem debaixo de seu nariz, ao mesmo tempo que você busca isso de modo frenético. E talvez eu finalmente tenha encontrado o que estou procurando.