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Dirk colocou para tocar uma música que já escutei, mas não lembro quando, nem o nome dela. Pouco antes, ele fez um longo discurso sobre como nossa escola foi criticada por não ter uma política de reciclagem. Diz que tem nas mãos uma carta de uma autoridade qualquer de Connecticut, em que são mencionadas as práticas que devemos aprender. Dirk lê a carta, que afirma que, se a escola não iniciar suas práticas de reciclagem, como já deveria estar fazendo há tempos, será multada. E a história será relatada à imprensa.

Antes de o programa de Dirk começar a ser transmitido, nunca sabíamos dos escândalos, constantemente omitidos de nós. Não temos o direito de saber o que está se passando com nossa escola? Não somos cidadãos, também?

Dirk leu uma porção de memorandos e cartas enviadas entre instituições, sobre professores e alunos, incluindo uma carta com um conteúdo ridiculamente injusto, escrita pelo diretor, sobre um aluno que foi formalmente encaminhado a um hospital psiquiátrico. Só que Dirk não revelou o nome do aluno. Ele só revela a identidade da pessoa quando ela é uma perfeita idiota.

Dirk volta ao ar e diz:

— Esta foi “Treasure”. O som do The Cure é intenso, não? Normalmente escuto esta banda quando estou num baixo astral total. Aquele papo de a tristeza gostar de companhia. — A seguir, ele passa a ler mensagens enviadas pelos ouvintes. Enquanto está lendo, ouço um ruído de metal, que me soa muito familiar. Ele diz: — Desculpem, amigos! Acabei de derrubar um objeto que, aposto, você nunca imaginaria que tenho em minha escrivaninha.

De repente, tenho um clique.

Já sei quem é Dirk.

Desço as escadas e saio de fininho pela porta de trás.

Se estivéssemos num seriado de TV, este quarto estaria no andar de baixo e eu poderia simplesmente passar através da janela dele e, facilmente, entrar no seu quarto. Mas já que isso aqui é a vida real, preciso destrancar a porta da frente para poder entrar. Então, quando já estou dentro da casa, procuro a tartaruga de cerâmica onde ele esconde a chave. Eu o vi pegando a chave ali, dia desses, quando fui a sua casa depois das aulas.

Estou tensa e tremo inteira. É a primeira vez que entro na casa de alguém assim. Consigo abrir a porta e caminhar em silêncio até o quarto dele, sem ninguém perceber.

A porta está fechada. Encosto o ouvido na porta e ouço. Descubro, então, que tenho razão.

Ele está lendo as mensagens dos ouvintes.

Giro a maçaneta. Assim como no meu quarto, a porta dele não tem tranca. Empurro a porta.

Nash está sentado em sua escrivaninha, com os fones no ouvido. O sino de vaca está caído no chão.

Ele para de falar.

— Vamos tocar um som mais tradicional, que tal? — pergunta. — Vou tocar pra vocês uma música de Mac Dre, o cara que sabe das coisas.

Ele retira os fones dos ouvidos.

— O que você está fazendo aqui?

— Sabia que era você.

— Mas como?

— Lembra-se daquela vez, no almoço, quando você estava ouvindo música no iPod?

— Ahn...

— E que a gente estava deprimido e mal conseguia comer...

— Mais ou menos...

— Naquela hora, a música que estava ouvindo era “Treasure”. E você comentou como ela faz você se sentir melhor, e que a tristeza gosta de companhia.

— Você se lembra de tudo isso?

— Aparentemente.

— Bom. — Nash se levanta. — E o que vai acontecer, agora?

— Não vou contar a ninguém. Prometo.

— Sei disso.

— Você pode... simplesmente continuar com o programa. Todos adoram.

— Hum... — Ele pensa a respeito. — Mais cedo ou mais tarde, o programa tem que acabar, não?

— Por quê?

— Eles estão tentando descobrir quem eu sou. É só uma questão de tempo até que isso aconteça. Seja como for, nunca imaginei que o programa ficaria no ar por tanto tempo.

É incrível, a maneira como ele reúne nós todos, apenas falando de coisas reais que são importantes para todos. Ainda não consigo crer que Dirk é mesmo Nash. E eu não quero ser o motivo para ele parar com o programa.

— Confie em mim, eu não vou contar...

— Eu sei que não vai. Não é esta a questão.

— Como é que você...?

— ... como descobri todas aquelas coisas sobre a escola?

— É.

— Trabalho na secretaria, está lembrada?

Esqueci completamente de que, na segunda aula, ele faz trabalhos para obter créditos. Ele chegou até a me dizer como é fácil conseguir informações por ali. Ele tem acesso a todos os arquivos confidenciais. Além disso, os professores e secretárias conversam sobre assuntos privados bem na frente dele, como se ele não fosse capaz de ouvi-los ou algo assim.

— Como é que você teve esta ideia? — pergunto.

— Vamos fazer uma coisa? — Nash vai até sua escrivaninha e recoloca os fones de ouvido. — Deixa eu só terminar aqui e então a gente conversa a respeito. Beleza?

Tudo que consigo fazer é concordar com a cabeça. Dirk é Nash. Nash é Dirk.

Que demais!

— OK, pessoal — Nash fala no microfone de seu micro. — Chegou o momento de eu me despedir. E não falo só do programa de hoje. Chegamos ao fim. Não vou mais voltar. Mas não se preocupem: nada a ver com vocês, mas comigo. Vocês todos foram sensacionais, e eu gostaria que isso durasse pra sempre. Mas tudo tem que chegar ao fim, certo?

Não tem explicação para o que estou prestes a fazer. É como se ele tivesse me enfeitiçado ou algo do tipo. A atração é mais forte do que nunca. Talvez eu esteja colocando nossa amizade em risco, mas vale a pena tentar.

Eu me aproximo de Nash e o beijo, exatamente do jeito que sempre imaginei.

Se você estivesse ouvindo o programa, conseguiria ouvir, total, que acabei de dar um beijo nele. Então Nash diz:

— Cara, acabo de ganhar um beijo da menina mais linda que já existiu. All Talk, No Action termina aqui. A ação, agora, ao que parece, é por minha conta.

Os sinais de e-mails e mensagens que chegam começam a pipocar na tela do computador dele, de pessoas querendo saber quem é a menina. Claro que ele não pode dizer. Se fizer isso, todos saberão que ele é Dirk. Já posso dizer que este é o início de uma coisa real.

Sento-me na cama dele, observando Nash na pele de Dirk pela última vez. Ainda não acredito no que estou vendo.

— Aqui vão as últimas palavras de sabedoria. Se seus pais fizeram merda, não siga o exemplo deles. Use os dois como um exemplo de quem você não quer ser — seja você mesmo. Você é capaz de superar os próprios medos, pode mudar, pode fazer da sua vida aquilo que sempre quis. Talvez isso não aconteça amanhã, mas vai acontecer em breve. Então, aguente firme!

Uma brisa suave entra pela janela, balançando as cortinas. Consigo ouvir o rio murmurando ali perto. Alguns sinos pendurados perto da janela começam a tilintar de leve.

— O fracasso não é uma opção — Nash diz aos ouvintes. — Se sua vida está uma droga hoje, daqui pra frente ela só pode melhorar. Todos nós nos sentimos sozinhos. Todos nós ficamos desesperados. Lembre-se de que estamos no mesmo barco. Não importa o que acontecer, você não está sozinho. Lembre-se disso!

Ele põe uma última música para tocar.

— A janela está aberta — digo.

— Eu sei. Deixo-a aberta o tempo todo agora.

— Sério?

— É muito melhor a sensação aqui dentro com a entrada de ar fresco. Não sabia disso?

Até o final da música, Nash tem o olhar fixo em mim, do outro lado do quarto. Não desvia o olhar um segundo.