Thor desceu a montanha em direção às cavernas do Ciclope. A luz do pôr-do-sol se derramava em volta dele, iluminando o mundo em um milhão de tons de vermelho. Ele sentia que estava sendo levado para a morte, como se ele estivesse descendo para o próprio inferno.
Thor marchava acompanhado por Krohn, os membros da Legião o seguiam a uma distância segura, Malic marchava ao seu lado, ambos ainda estavam amarrados. Os gritos da besta, escondida na caverna eram cada vez mais altos. A terra tremia enquanto caminhavam e Thor apenas podia imaginar a ira daquela criatura.
Thor odiava Malic com uma intensidade que não estava reservada para mais ninguém. Ele tinha sido colocado naquela situação horrível, injustamente, por causa dele. Tinha sido injustamente acusado, arrastado para sua morte potencial. Thor só rezava para que a lenda do Ciclope fosse certa ao afirmar que apenas o culpado seria morto.
Thor voltou a pensar naquela cena no campo de treino, quando Malic primeiro tentou matá-lo. Ele ainda não entendia o que tinha acontecido, ou por quê.
“Antes que sejamos enviados para a nossa morte...” Thor disse para Malic, caminhando lado a lado. “... Diga-me uma coisa. Por que você fez isso? Por que você tentou me matar lá no campo? E quando você não conseguiu, por que você, em seguida, matou aquele homem?”
Malic continuou andando e para surpresa de Thor, mesmo sabendo que estava marchando para sua morte, Malic sorria como se ele gostasse disso. Aquele garoto era realmente demente.
“Eu nunca gostei de você.” Malic disse. “Desde o momento em que eu o vi. Mas esse não foi o motivo. Eu fui pago generosamente para isso — pago para matar você.”
Thor estava horrorizado.
“Pago?” Ele perguntou.
“Você tem inimigos muito ricos. Eu aceitei de bom grado o pagamento, para tentar fazer por eles o que eu também queria fazer por mim mesmo.”
“Então por que você matou aquele homem com quem eu estava lutando?” Thor perguntou. “O que ele tinha a ver comigo?”
“Quando eu perdi minha chance de matá-lo...” Malic Disse: “... Eu percebi que minha próxima melhor chance era matá-lo e culpar você. Então os guerreiros matariam você e isso me pouparia o trabalho.”
Thor franziu a testa.
“Bem, não funcionou dessa forma, não foi?” Thor perguntou.
“Você vai morrer pela mão do Ciclope.” Malic disse.
“Mas você também vai morrer.” Thor ponderou.
Malic deu de ombros.
“Todo mundo tem de morrer um dia.” Ele disse e em seguida ficou em silêncio.
Thor não podia compreendê-lo, ele realmente parecia apático diante da vida. Thor tentava imaginar que mal a vida lhe havia feito para que ele fosse assim.
“Apenas me diga mais uma coisa antes de sua morte. “Thor pediu. “Quem lhe pagou? Quem são meus inimigos?”
Malic continuou a andar silencioso. Ele já não diria mais nada.
“Bem.” Thor concluiu. “Espero que esteja satisfeito. Agora ambos morreremos.”
“Errado.” Malic disse. “Eu não acredito em lendas e contos de fadas. O monstro não vai me matar. Eu sou mais forte do que qualquer monstro. Ele só vai matar um de nós. E esse é você.”
Thor olhou para ele com um ódio incalculável.
“Eu mataria você agora mesmo se eu pudesse.” Disse Thor.
Malic sorriu.
“Nesse caso, é uma pena que os dois estejamos amarrados.”
Eles continuaram a marchar em silêncio, estavam chegando cada vez mais perto, o céu ficava cada vez mais escuro e os rugidos do monstro cada vez mais altos.
“Eu gosto de você.” Malic disse surpreendendo Thor. “Em outra vida, nós seríamos amigos.”
Thor olhou para ele, descrente.
“Você é demente.” Thor disse. “Eu não entendo você. Você disse que me odiava. Nós nunca poderíamos ser amigos. Não sou amigo de mentirosos, nem de assassinos.”
Malic jogou sua cabeça para trás e riu alto.
“Mentir e assassinar é normal no mundo.” Ele respondeu. “Pelo menos eu sou corajoso o suficiente para admiti-lo. Todo mundo se esconde e se recolhe atrás de uma fachada.”
Os dois continuaram a marchar cada vez mais longe, colina abaixo, chegando mais perto da caverna do Ciclope. O céu se transformou em um brilhante e intenso vermelho, parecia que estava pegando fogo. Thor não podia evitar sentir que estava andando em direção ao próprio abismo do inferno.
Finalmente, Thor e Malic pisaram terreno nivelado, eles se achavam agora a quase trinta metros da caverna. Ambos se detiveram. Dois guerreiros vieram por trás deles e cortaram suas cordas, liberando suas mãos. Os guerreiros se viraram e correram de volta para cima, para a grande multidão de membros da Legião que assistiam a uma distância segura na parte alta da colina.
Thor e Malic se entreolharam, então Thor se virou e marchou corajosamente até a enorme caverna. Malic o seguiu. Se Thor ia morrer, ele iria fazê-lo com coragem. Krohn caminhava ao lado dele, rosnando.
“Volte Krohn!” Thor ordenou, desejando poupá-lo.
Mas Krohn se recusou a sair do lado dele.
Houve outro rugido de abalar a terra, o suficiente para fazer Thor querer parar sobre seus passos. Ao lado dele, Malic continuava marchando, relaxado, com um sorriso no rosto, como se estivesse feliz por conhecer o monstro. Talvez ele estivesse feliz por encontrar a morte, Thor pensava. Ele parecia um suicida.
A mente de Thor voava enquanto eles se aproximavam da caverna. A abertura era tão alta, se elevava pelo menos por nove metros, era sinistra; Thor estava admirado com o tamanho da criatura que vivia dentro dela. Ele se perguntava se aqueles seriam seus últimos momentos na terra, se ele iria morrer daquela maneira, ali, naquela caverna, naquela ilha. Tudo por causa de um crime que ele não tinha cometido. Tudo por causa de Malic. Ele se perguntava sobre sua sina e seu destino, se tudo estava errado. Afinal, Argon nunca tinha previsto aquilo, nunca tinha previsto o seu encontro com o Ciclope, ou pelo menos nunca o havia avisado sobre isso. E o próprio Thor nunca tinha previsto sua atual situação. Seu poder não seria tão forte quanto ele pensava? Seria ali onde tudo acabaria? Ou será que de alguma maneira, seu destino tinha mudado?
Pela primeira vez desde que ele havia embarcado, Thor considerou a ideia de que ele poderia não regressar. Por alguma razão, ele pensou em Gwendolyn. Saber que ela estava esperando por ele, sem que ele pudesse regressar para ela, partia seu coração.
Antes que Thor pudesse terminar seus pensamentos, de repente, surgiu de dentro da caverna a maior besta que ele já tinha visto. Apesar da abertura da caverna ter cerca de nove metros de altura, por incrível que pareça, o Ciclope teve de agachar-se para poder passar. Ele deu três passos enormes e uma vez que se encontrou do lado de fora da caverna, conseguiu erguer-se totalmente. Era enorme, olhar para ele era como estar olhando para uma montanha.
Quando ele saiu, a terra tremeu. Ele se inclinou para trás e rugiu, Thor teve a sensação de que seus tímpanos haviam rompido. Seu corpo ficou paralisado de medo. Finalmente, Malic se amedrontou também. Ele ficou lá, de boca aberta, olhando para cima, com a espada pendurada frouxamente na mão. Krohn rosnou, destemido.
O Ciclope devia ter uns quinze metros de altura. Era mais amplo e mais grosso do que um elefante, seus músculos sobressaíam de sua pele cinza, seu único olho piscava descontroladamente. Ele tinha duas presas enormes, cada uma delas era do tamanho de Thor. Ele inclinou a cabeça para trás e rugiu de novo, com as os punhos fechados, seus braços subiam e desciam muito rápido, pareciam troncos de árvores, balançando direto para Thor e Malic.
Thor pulou para fora do caminho bem na hora, os punhos do monstro golpearam fortemente a terra, criando uma enorme cratera, fazendo o chão tremer com tanta força que Thor tropeçou. Malic escapou por pouco, também.
Thor olhou para a espada curta em sua mão, olhou para a funda em sua cintura e se perguntou como ele poderia combater aquela criatura. Ele era um pontinho minúsculo ao lado daquela besta. Thor até mesmo duvidou que sua espada pudesse perfurar-lhe a pele. Seria preciso pelo menos um exército e um arsenal de armas para tentar matá-la.
Malic mandou a cautela ao diabo. Ele levantou a espada e com um grito de guerra investiu contra a criatura, tentando ferir a besta em sua perna. Mas ele nem sequer chegou perto: a besta simplesmente deu-lhe um safanão e Malic saiu voando, caindo com força no chão, rolando e tombando.
A criatura virou-se para Thor e arremeteu contra ele fazendo o chão tremer. Thor estava paralisado, com medo de se mover. Ele queria virar-se e correr, mas forçou-se a ficar no lugar, para manter sua posição. Havia muitos olhos observando-o e ele não podia desapontar seus irmãos da Legião. Ele lembrou-se do que um de seus treinadores tinha lhe ensinado: que estava bem sentir medo, porém não era bom ceder a ele. Esse era o código de um guerreiro.
Então, ao invés disso, Thor se obrigou a ser forte. Ele se forçou a desembainhar a espada, a avançar, balançar e aplicar um golpe na panturrilha do monstro. Foi um golpe direto.
Mas a pele do monstro era tão grossa, a espada simplesmente ricocheteou, caindo das mãos de Thor. Era como golpear uma pedra. Thor correu para pegar a espada novamente. A criatura, irritada, balançou seu enorme punho em direção a ele; Thor conseguiu esquivar e viu uma oportunidade. Ele correu para a frente, ergueu a espada bem alto e meteu-a no dedo mínimo do pé da criatura.
A criatura gritou quando rios de sangue brotaram de seu dedo. Foi um barulho horrível, mas tão horrível, que sacudiu Thor até o âmago. Thor quase desejou nunca ter atacado aquela besta.
A besta era muito mais rápida do que Thor tinha previsto. Antes que Thor pudesse reagir, ela baixou novamente uma mão e desta vez agarrou-o e levantou-o bem alto. Ela apertava Thor com tanta força que ele mal podia respirar.
A besta levantou Thor o mais alto que pôde.
Krohn, abaixo, rosnou e lançou-se contra o Ciclope. Ele cravou os dentes com força em seu dedo do pé, sacudindo-o até que finalmente, o Ciclope, enfurecido, jogou Thor para baixo.
Thor sentiu-se voando pelos ares e em seguida desabou no chão, rolando várias vezes, coberto de poeira, sem fôlego.
A besta rugiu novamente, então se abaixou e tentou dar um safanão em Krohn, que saiu do caminho justo a tempo. Em seguida, ele arrancou a espada curta de Thor do dedo do pé como se ela fosse um palito e logo, partiu-a ao meio com apenas uma mão.
A besta deu um passo em direção a ele e Thor ficou ali, observando, impotente, ele tinha certeza de que logo estaria morto.
No entanto, a besta o surpreendeu. Em vez de atacar Thor, ela parou, virou-se e olhou para Malic. Com um movimento rápido ela se abaixou, agarrou Malic e levantou-o para o alto, apertando-o mais fortemente do que tinha feito com Thor. Malic gritava e Thor podia ouvir as costelas dele quebrando, dali mesmo onde ele estava.
A besta segurava Malic junto ao seu rosto, como se o estivesse saboreando. Malic se contorcia em seus braços, mas era inútil.
A criatura, de repente puxou Malic para si e abriu a boca, revelando fileiras de dentes pontiagudos, em seguida, ela meteu a cabeça de Malic em sua boca. Ela mordeu e mastigou a cabeça dele. O sangue jorrou como um rio. Tudo aconteceu tão rápido, Thor mal conseguia processar o que estava presenciando.
O ciclope deixou cair no chão o que restava do corpo de Malic.
Em seguida, a criatura parou e virou-se para Thor, olhando para ele fixamente, o coração de Thor martelava em seu peito. Ele orou para que a lenda fosse certa ao afirmar que o monstro só mataria o culpado.
Finalmente, depois do que pareceu uma eternidade, o animal virou-se lentamente e marchou para a sua caverna. Thor prendeu a respiração começando a perceber que o pesadelo tinha acabado.
Thor não podia acreditar. O julgamento havia tido lugar aos olhos dos seus irmãos e ele tinha sido vindicado. Ele viveria.