Gwendolyn estava diante dos aposentos de sua mãe, com o braço levantado diante da porta grande de carvalho, ela agarrou a aldrava de ferro, hesitante. Lembrou-se da última vez que tinha visto sua mãe, de como tudo tinha sido tão ruim, lembrou-se das ameaças de ambos os lados. Ela lembrou que sua mãe tinha proibido que ela visse Thor novamente e lembrou-se de seu próprio voto de nunca mais ver a mãe outra vez. Ambas sempre tinham desejado fazer suas vontades a qualquer custo. Era assim que tinha sido sempre entre elas. Gwen sempre era a menina dos olhos de seu pai e isso tinha provocado a ira e os ciúmes de sua mãe.
Quando ela saiu do quarto de sua mãe naquele dia, Gwen tinha certeza de que ela nunca mais iria vê-la novamente. Gwen se considerava uma pessoa perdoadora, tolerante, mas ela também tinha seu orgulho. De certa forma, ela era como o seu pai. Uma vez que alguém ferisse seu orgulho, Gwen jamais falaria com essa pessoa de novo, em nenhuma circunstância.
E, no entanto, ali estava ela, segurando a fria aldrava de ferro, preparando-se para bater à porta e pedir permissão para falar com sua mãe e implorar por sua ajuda para libertar Kendrick da prisão. Encontrar-se naquela posição, vendo-se forçada a humilhar-se; a abordar a mãe; a falar com ela de novo; pior ainda, forçada a pedir-lhe ajuda, lhe causava muita vergonha. Era como se Gwen tivesse de admitir para sua mãe que ela havia vencido. Gwen sentia que estava rasgando-se em pedaços, e desejava que ela estivesse em qualquer lugar, menos ali. Se não fosse por Kendrick, ela nunca dedicaria um momento de seu tempo à mãe novamente.
Sem importar o que sua mãe dissesse, Gwen jamais mudaria de ideia com respeito a Thor. Porém, ela sabia que sua mãe nunca iria deixar passar isso em branco.
No entanto, desde a morte de seu pai, sua mãe tinha sido uma pessoa verdadeiramente diferente. Algo tinha acontecido dentro dela. Talvez tivesse sido um acidente vascular cerebral ou talvez fosse algo psicológico. Ela não tinha dirigido uma palavra a ninguém desde aquele dia fatídico e estava em um estado quase catatônico. Gwen não sabia o que esperar. Talvez sua mãe não fosse sequer capaz de falar com ela. Talvez tudo isso fosse uma perda de tempo.
Gwen sabia que deveria compadecer-se de sua mãe, mas apesar de si mesma, ela era incapaz de fazê-lo. A nova situação de sua mãe tinha sido conveniente para ela, finalmente agora Gwen estava fora de seu jugo. Finalmente, já não teria de viver com medo de toda a sua vingança. Antes que tudo isso acontecesse, Gwen tinha certeza de que começaria a sentir a pressão de todos os lados para nunca mais ver Thor outra vez e que seria obrigada a casar-se com algum cretino. Ela se perguntava se a morte de seu pai tinha realmente mudado sua mãe. Talvez a tivesse tornado mais humilde, também.
Gwen respirou fundo, levantou a aldrava e bateu à porta. Ela tentou pensar apenas em Kendrick, seu irmão, a quem ela tanto amava, apodrecendo lá longe, no calabouço.
Ela bateu a aldrava de ferro uma e outra vez e ela ecoou bem alto nos corredores vazios. Ela esperou por um tempo que pareceu uma eternidade, até que finalmente uma serva abriu a porta e a olhou com cautela. Era Hafold, a antiga enfermeira que tinha sido assistido sua mãe desde que Gwen conseguia se lembrar. Ela era mais velha do que o próprio Anel e olhava para Gwen com desaprovação. Ela era a pessoa mais leal a sua mãe que alguém pudesse conhecer e as duas eram como unha e carne.
“O que deseja?” Ela perguntou, com voz cortante.
“Eu estou aqui para ver minha mãe.” Gwen respondeu.
Hafold olhou para ela com desaprovação.
“E por que iria querer fazer isso? Vossa Alteza sabe que sua mãe não deseja vê-la. Vossa Alteza deixou bem claro que não deseja vê-la, também.”
Gwen olhou de volta para Hafold e era a sua vez de dar um olhar de desaprovação. Gwen estava sentindo a força de seu pai brotando dentro dela mais uma vez. Sentia cada vez menos tolerância para com toda aquela gente autoritária e arrogante que usava sua desaprovação sobre a geração mais jovem, como se fosse uma arma. O que lhes dava o direito de sentirem-se tão superiores, de reprovar tudo e todos?
“Você não está em posição de me questionar e eu não tenho obrigação de me explicar para você.” Gwen retrucou com firmeza. “Você é uma serva desta família real. Eu sou da realeza, é bom que não se esqueça disso. Agora saia do meu caminho. Estou aqui para ver minha mãe. Eu não estou pedindo a você, eu estou informando a você.”
O rosto de Hafold foi inundado pela surpresa; ela ficou ali hesitante, então, saiu do caminho. Gwen passou rapidamente por ela, pisando firme.
Gwen deu vários passos para dentro do quarto e quando o fez, ela viu sua mãe sentada do outro lado dele. Ela podia ver as peças de xadrez quebradas, ainda jogadas no chão e a mesa ao lado delas. Gwen ficou surpresa ao ver que sua mãe havia deixado tudo assim. Então, ela percebeu que sua mãe provavelmente queria que isso fosse um lembrete. Talvez fosse um lembrete para puni-la. Ou talvez sua discussão tivesse realmente lhe afetado, depois de tudo.
Gwen viu sua mãe sentada ali, na sua delicada cadeira de veludo amarelo, ao lado da janela. Ela olhava para fora, a luz solar atingia em cheio o seu rosto. Ela não usava maquiagem e ainda estava vestida com as roupas do dia anterior. Seu cabelo parecia não ter sido arrumado há vários dias. Seu rosto parecia mais velho e flácido, marcado por linhas que Gwen não tinha notado antes. Gwen mal podia acreditar o quanto ela tinha envelhecido desde o assassinato e quase não a reconhecia. Ela podia sentir que a morte de seu pai tinha afetado duramente sua mãe e apesar de si mesma, Gwen sentia algo de compaixão por ela. Pelo menos elas tinham uma coisa em comum: o amor por seu pai.
“Sua mãe não está bem.” Disse Hafold com voz áspera, enquanto caminhava ao lado dela. “Eu não deixarei que a perturbe. Sem importar o assunto que deseja tratar.”
Gwen virou-se.
“Deixe-nos a sós.” Gwen ordenou.
Hafold olhou de volta horrorizada.
“Eu não vou deixar sua mãe desatendida. É meu dever...”
“Eu disse: Deixe-nos a sós!” Gwen gritou, apontando para a porta. Ela se sentia mais forte, mais dura do que ela jamais tinha sido e ela podia realmente ouvir a autoridade da voz de seu pai vindo através dela.
Hafold deve ter percebido isso também, deve ter percebido que Gwen não era mais a menina que ela conhecera antes. Ela arregalou os olhos, surpresa, talvez assustada. Ela fez uma careta, virou-se e deixou rapidamente a sala, batendo a porta atrás de si.
Gwen cruzou o quarto e trancou a porta. Ela não queria mais espiões para escutar o que estava prestes a dizer.
Ela virou-se e voltou para o lado de sua mãe. A rainha não tinha se movido, não tinha reagido a qualquer intercâmbio entre Gwen e Hafold. Ela permanecia ali, sentada, olhando para fora da janela. Gwen se perguntou se ela ainda poderia falar alguma coisa, se aquele não seria apenas um desperdício de tempo.
Gwen ajoelhou-se ao lado dela, estendeu a mão e tomou a mão de sua mãe entre as suas suavemente.
“Mãe?” Ela perguntou com sua voz mais amável.
Para decepção de Gwen, não houve nenhuma resposta. Ela sentiu seu coração partir. Ela não sabia por que, mas sentiu uma enorme tristeza apoderar-se dela. Pela primeira vez, de alguma maneira, Gwen sentia-se capaz de compreender sua mãe e até mesmo capaz de perdoá-la.
“Eu a amo mãe.” Ela disse. “Peço desculpas por tudo que aconteceu. Eu realmente lamento.”
Apesar de si mesma, Gwen sentiu as lágrimas rolando. Ela não sabia se estava chorando pela perda de seu pai, ou pela chance perdida de uma relação entre ela e sua mãe, ou ainda se era devido a toda a tristeza reprimida que ela sentira desde que ela e sua mãe tinham brigado. Fosse o que fosse, tudo tinha vindo à tona agora, Gwen chorou profundamente por um bom tempo.
Não havia nada mais que o seu choro preenchendo silêncio do quarto enorme. Depois do que pareceu uma eternidade, para a surpresa de Gwen, sua mãe virou-se e olhou para ela. Seu rosto era inexpressivo, seus olhos azuis gélidos estavam bem abertos, mas Gwen viu um tremor leve, alguma coisa e pensou que ela podia ver uma parte de sua mãe vindo de volta à vida.
“Seu pai está morto.” Disse sua mãe.
As palavras saíram como uma proclamação sombria e mesmo sabendo que elas eram verdadeiras, ouvi-las era doloroso demais para Gwen.
Gwen assentiu lentamente de volta.
“Sim, ele está.” Ela respondeu.
“E nada pode trazê-lo de volta.” Sua mãe acrescentou.
“Nada.” Concordou Gwen.
A mãe voltou-se para a janela. Ela suspirou.
“Nunca achei que terminaria assim.” Disse ela.
E então ela ficou em silêncio de novo, olhando para uma nuvem distante que passava. Um longo tempo passou, logo, Gwen começou a recear que pudesse estar perdendo-a novamente, então estendeu a mão e tomou o pulso de sua mãe.
“Mãe.” Ela insistiu, enxugando as lágrimas com as costas da mão. “Eu preciso de sua ajuda. Seu filho, Kendrick, está apodrecendo na masmorra. Ele foi colocado lá por seu outro filho, Gareth. Ele foi acusado do assassinato do pai. A senhora sabe que Kendrick não cometeria esse assassinato. Kendrick está condenado a ser executado. Mãe, a senhora não deve deixar que isso aconteça.”
Gwen se ajoelhou ali, apertando a mão de sua mãe, esperando urgentemente por uma resposta.
Ela esperou um longo tempo e estava prestes a perder a esperança, quando de repente os olhos de sua mãe piscaram.
“Kendrick não é meu filho.” Ela disse com total naturalidade, ainda olhando para o céu. “Ele é o filho de seu pai. O filho seu pai... com outra mulher.”
“Isso é verdade.” Gwen disse nervosa. “Mas a senhora o criou como seu fosse seu filho. Seu marido o amava como um filho legítimo. A senhora sabe disso. E se ele era legítimo ou não, Kendrick sempre a viu como uma mãe. Ele não tem mais ninguém. Como a senhora disse, o nosso pai está morto. Cabe a senhora defendê-lo. Se a senhora não fizer nada, se a senhora não agir, no dia seguinte, ele estará morto por causa de um assassinato que ele não cometeu. O assassinato de seu esposo. Sua execução mancharia a memória do seu marido.”
Gwen sentiu-se orgulhosa de si mesma por colocar tudo para fora e ela sentiu que sua mãe ouvia cada palavra que ela dizia. Depois que ela terminou de falar seguiu-se um longo silêncio.
“Eu não reino sobre esta terra.” Disse a mãe. “Eu sou apenas mais uma ex-rainha, sem nenhum poder, impotente como o resto. Os homens governam este reino.”
“A senhora não é impotente.” Gwen insistiu. “ A senhora é a mãe do atual rei. A senhora é a ex-rainha do ex-rei, que morreu há apenas poucos dias. Nosso país ainda o ama e todos ainda estão de luto por sua morte. Todos os seus conselheiros e assessores ainda a escutam. Eles confiam na senhora. Eles a amam, pela mesma razão que o amavam. Uma ordem sua teria muito peso. Ela poderia impedir a morte de Kendrick.”
Sua mãe ficou lá, olhando para fora, com sua expressão quase inalterada. Gwen olhava nos olhos dela, mas não podia dizer o quanto ela era realmente capaz de compreender, o quanto ela era capaz de processar. Ela parecia tão suspicaz como sempre, mas era evidente que algo tinha mudado dentro dela.
“Não gostaria de encontrar o assassino do seu marido?” Gwen perguntou.
Sua mãe deu de ombros.
“Não é de minha incumbência intervir no governo do meu filho. Ele é o Rei agora. O destino deve encarregar-se de fazer sua parte.”
“Então vai simplesmente ficar aí sentada e não vai fazer nada enquanto o seu filho inocente morre?”
Lentamente, a ex-rainha abanou a cabeça.
“Gareth sempre foi um menino voluntarioso. Meu filho primogênito.” Disse a rainha. “Eu creio que ele herdou todos os meus pecados. Sua natureza nunca pôde ser corrigida. Talvez ele tenha matado seu pai. Talvez não. Mas os reis estão destinados a serem mortos. Eles foram feitos para serem depostos. Seu pai sabia disso. É um risco que se corre ao assumir o trono”.
“É claro que eu sinto pesar por meu marido.” Ela acrescentou. “Mas essa é a dança das coroas.”
Gwen se irritou. Ela olhou fixamente para sua mãe, viu sua determinação e sentiu um ódio recém-descoberto por ela.
Gwen levantou-se e fez uma careta para ela, preparando-se desta vez, para jamais vê-la novamente. Ela deu uma última olhada para a mãe, para fixar o rosto dela em sua memória. Era um rosto que ela nunca queria esquecer, um rosto ao qual ela jamais queria assemelhar-se.
“Nosso pai olha para a senhora envergonhado.” Disse Gwen, sentindo-se como se estivesse canalizando a voz do pai.
Com isso, ela virou-se, atravessou a sala, abriu a porta e bateu-a atrás de si, seu eco fez estremecer todo o castelo.