Thor sentou-se com Krohn e os outros membros da Legião no chão de seu acampamento improvisado no alto do penhasco. Sua fogueira crepitante fazia muito pouco para afastar a escuridão da noite. Dezenas de rapazes sentavam-se espalhados em torno dela, todos estavam esgotados e olhavam melancolicamente para as chamas. Thor olhou para trás e viu o céu iluminado com milhares de estrelas vermelhas, amarelas e verdes, posicionadas de uma forma que Thor nunca tinha visto antes naquela parte do mundo. A exceção do fogo que crepitava, a noite estava silenciosa.
Eles tinham estado sentados ali por horas, imóveis devido à exaustão, meditando sobre seus destinos depois daquele dia cansativo de treinamento. Thor, em particular, estava afetado por seu encontro com o Ciclope. Ele se sentiu vindicado aos olhos dos seus irmãos em armas, os quais agora olhavam para ele com um novo respeito. Mas ele também se sentia abalado. Ele pensou em quão perto ele tinha estado de morrer e se perguntou pela milionésima vez sobre o mistério da vida. Ainda ontem, Malic estava sentado ali com todos eles, agora, ele estava morto. Para onde ele teria ido? Quem seria o próximo a ir-se?
Kolk limpou a garganta e os rapazes se viraram e olharam para ele. Ele sentou-se ali, no círculo, junto com os outros, com as costas eretas e apoiando os antebraços nos joelhos, franzindo a testa para o fogo. Seus olhos estavam abertos e parecia que ele estava recordando algo vividamente. Haviam prometido aos rapazes que eles ouviriam um relato sobre as conquistas e glórias passadas, ali ao lado do fogo. Mas eles estavam esperando por horas, e ninguém tinha chegado. Thor tinha calculado que não iam vir. Mas quando Kolk pigarreou, Thor se instalou e preparou-se para ouvir. Ao lado dele, Reece, O’Connor, Elden e os gêmeos fizeram o mesmo.
“Há vinte ciclos solares atrás...” Kolk começou, olhando para as chamas, com a voz sombria. “... Antes de a maioria de vocês nascerem; quando eu tinha a idade do mais velho de vocês e o rei MacGil ainda estava vivo; quando ele era apenas um príncipe e nós lutávamos lado a lado, aconteceu a batalha que me deu essa cicatriz.” Disse ele, virando a face para revelar a cicatriz longa e irregular que contornava seu maxilar.
“Aquele dia começou como qualquer outro. MacGil, Brom e eu, junto com uma dúzia de outros membros da legião, estávamos em uma patrulha no fundo do vale dos Nevaruns. Os Nevaruns são separatistas: vivem nos confins das províncias do Sul do Anel. Eles são rebeldes, devem fidelidade aos MacGils, mas estão sempre ameaçando se alinhar com um lorde ou outro e romper com o reino. Eles também são rudes, pessoas cruéis, que não cedem diante da autoridade. Eles têm sido uma pedra no sapato do lado dos MacGils durante séculos. Eles são de uma raça híbrida, metade humana e metade alguma outra coisa. Eles têm oito dedos nas mãos e nos pés e são duas vezes mais largos que um homem de tamanho médio. Diz-se que os seres humanos se acasalaram com alguma outra espécie para criá-los, há séculos atrás. Ninguém sabe qual foi a espécie.
“Os Nevaruns são um povo feroz.” Continuou Kolk. “Eles não respeitam o nosso código de ética, as leis, ou o cavalheirismo. Eles lutam para vencer e a qualquer custo.”
Kolk respirou e ficou com os olhos fechados, lembrando.
“Era um dia frio e ventoso. Nós caminhávamos através de um vale estreito e depois de dias de uma patrulha tranquila, nós fomos emboscados. Vários deles saltaram por trás sobre nós e me derrubaram do cavalo. Um deles me atingiu com uma lança, enquanto outro veio por trás, me apunhalou pelas costas e depois usou sua faca para fazer essa obra.” Disse ele, apontando para o queixo.
Thor engoliu em seco ao pensar na cena, ele pensou no que Kolk devia ter passado. Mesmo agora, vinte ciclos solares mais tarde, enquanto Kolk olhava para as chamas, parecia que ele estava revivendo tudo.
“Eu teria morrido se não fosse por MacGil, quem, felizmente, tinha ficado atrás e ido ao banheiro, ele nos alcançou depois. Ele estava a cinquenta passos atrás de mim e não tinha sido visto. Ele atirou flecha nas costas dos inimigos.”
Kolk suspirou.
“Eu fui tolo, até este ponto deste relato. Eu esperava que o inimigo lutasse nos meus termos. Que me encontrasse em campo aberto. Que me desafiasse e me enfrentasse como um homem, como qualquer guerreiro devia fazer. Eu não esperava que fosse atacado covardemente; que saltassem por trás de mim; não esperava que dois homens lutassem apenas contra um; não esperava que eles aguardassem para me atacar até que eu estivesse em um espaço tão estreito que não pudesse manobrar. É disso que vocês devem se lembrar: o inimigo nunca vai lutar nos seus termos. Ele vai lutar nos termos dele. A guerra significa uma coisa para vocês e outra bem diferente para ele. O que vocês consideram justo e nobre, ele não. Vocês devem estar preparados, em todo momento, para qualquer coisa.
“Isso não significa que vocês devam baixar ao nível deles. Vocês devem lutar em todo momento com o nosso código de honra e cavalheirismo, senão vocês vão perder o espírito de guerreiro, que é o que nos sustenta. No dia em que vocês começarem a lutar como eles, esse será o dia em que vocês perderão a sua alma. É melhor morrer com honra do que ganhar com desgraça.”
Com isso, Kolk calou-se. Um silêncio profundo envolveu todos os rapazes ao seu redor. Durante muito tempo os únicos sons que se ouviam eram o do açoite do vento forte sobre a falésia e o som distante do oceano agitando-se em algum lugar no horizonte.
E então, algum tempo depois, ouviu-se o som de um rugido distante, era como um trovão. Thor voltou-se junto com os outros e viu algo iluminar o horizonte. Ele se levantou com Reece e alguns outros para ir olhar.
Thor foi até a beira do penhasco e olhou para a noite escura, o horizonte iluminado por um mundo de estrelas, sua luz era forte o suficiente para iluminar as águas vermelhas e turbulentas do oceano abaixo deles. Ao longe, muito longe, Thor podia ver um brilho vermelho. Ele vinha em jatos curtos, depois parou, parecia um vulcão jorrando lava, iluminando a noite, para em seguida, desaparecer com a mesma rapidez. Logo seguiu outro estrondo.
“O grito do dragão.” Disse uma voz.
Thor olhou para ver Argon ali, separado dos outros, de costas para ele, olhando para o precipício e segurando seu bastão. Thor ficou admirado ao vê-lo.
Thor se afastou dos outros garotos e caminhou até ele, ficando ao seu lado e esperando até que ele estivesse pronto. Thor sabia que era melhor não perturbá-lo.
“Como chegou até aqui?” Thor perguntou, espantado. “O que faz aqui?”
Argon estava ali, impassível, ignorando Thor, enquanto continuava olhando para o horizonte.
Thor finalmente virou-se e olhou para o horizonte com ele, ficando de pé ao seu lado, esperando, tentando ser paciente e aceitar conversar nos termos de Argon.
“A respiração do Dragão.”Argon observou. “Este é um dragão que prefere viver sozinho. Você está em suas terras. Ele não está contente.”
Thor pensou em suas palavras.
“Mas vamos ficar aqui por cem dias.” Thor disse preocupado.
Argon se virou e olhou para ele.
“Se ele quiser permitir que fiquem.” Ele respondeu. “Toda a extensão destas praias está repleta de ossos de guerreiros que pensavam que podiam conquistar o dragão. O orgulho do homem é o banquete dos dragões.”
Thor engoliu saliva, começando a perceber a precariedade da Centena.
“Eu vou sobreviver?” Ele perguntou, esperando por uma resposta.
“Ainda não chegou sua hora de morrer.” Argon respondeu lentamente.
Thor sentiu-se imensamente aliviado ao ouvir isso e se surpreendeu por ver que Argon tinha lhe dado uma resposta direta. Ele decidiu forçar sua sorte.
“Eu também me tornarei um membro da Legião?” Ele perguntou.
“Isso e muito mais.” Argon replicou.
O ânimo de Thor se elevou ainda mais alto. Ele não podia acreditar que estava recebendo respostas de Argon. Ele sentia uma curiosidade ardente, súbita de saber por Argon estava ali. Thor sabia que ele não teria ido ali, que não estaria falando com ele, a menos que tivesse algo importante a dizer.
“Você vê o horizonte?”Perguntou Argon. “Além da respiração do dragão? Passando as chamas? Lá fora, na escuridão, está o seu destino.”
Thor se deu conta do que ele estava falando. Lembrou-se das últimas palavras de MacGil, sobre seu destino, sobre sua mãe.
“Minha mãe?” Thor perguntou.
Lentamente, Argon assentiu com a cabeça.
“Ela está viva? Ela está lá fora? Na terra dos Druidas? É isso?”
Argon virou-se para ele, seus olhos brilhavam.
“Sim.” Ele respondeu. “Ela aguarda você mesmo agora. Você tem um grande destino a cumprir.”
Thor estava emocionado muito além do que podia crer com a ideia de que sua mãe estivesse viva em algum lugar no mundo; com a ideia de conhecê-la, de descobrir quem ela era. Ele estava animado com a ideia de que alguém estivesse esperando por ele; que alguém se importasse com ele. Mas ele também estava confuso.
“Mas eu pensei que meu destino estivesse lá, de volta, no Anel?” Thor perguntou.
Argon balançou sua cabeça.
“A maior parte espera por você lá fora. Ela é maior do que você possa imaginar. O destino do Anel repousa sobre ela. Há uma grande agitação em casa. O Anel precisa de você.”
Thor mal conseguia compreendê-lo. Como poderia o Anel precisar dele, ele que era apenas um garoto?
“Diga-me, Thor, o que você vê? Olhe para a escuridão. Feche os olhos. O que você vê no Anel do feiticeiro?”
Thor fez conforme foi instruído, fechando os olhos e respirando profundamente. Ele tentou se concentrar para permitir que algo, o que quer que fosse chegasse até ele.
Mas qualquer que fosse o poder que ele tivesse, ele não conseguiu invocá-lo. Ele não conseguia se concentrar.
“Seja paciente.” Ele ouviu a voz de Argon. “Não o force. Deixe-o vir até você. Você pode vê-lo. Eu sei que você pode.”
Thor manteve os olhos fechados e respirava uma e outra vez e tentou parar de controlar o poder.
Então, ele ficou chocado. Ele começou a ver alguma coisa. Grandes visões, vívidas, como se ele estivesse testemunhando-as. Viu destruição no Anel. Assassinatos. Incêndios. Escombros. Ele ficou horrorizado.
“Vejo uma grande calamidade.” Disse ele, lutando para compreender suas visões. “Eu vejo morte. Batalhas. Destruição. Eu vejo o reino colapsando.”
“Muito bem.” Argon disse. “Sim, diga-me mais.”
Thor franziu a testa.
“Vejo uma grande escuridão em Gareth.”
“Sim.” Argon disse.
Thor abriu os olhos e olhou para Argon, perturbado.
“Gwendolyn.” Ele disse. “O que vai ser dela? Eu não posso ver isso claramente. Mas eu sinto alguma coisa. Algo escuro. Uma coisa que eu não gostei. Diga-me que não é verdade.”
Argon se virou e olhou para a escuridão.
“Todos nós temos o nosso próprio destino, eu receio...” Ele suspirou.
“Mas eu tenho de salvá-la!” Thor exclamou. “Do perigo que for, de qualquer coisa sinistra que possa acontecer com ela.”
“Você a salvará.” Argon disse. “E ao mesmo tempo não a salvará.”
“O que isso significa?” Thor rogou. “Por favor, diga-me. Eu lhe imploro. Não mais charadas.”
Argon balançou lentamente a cabeça.
“Você veio aqui para aprender a ser um guerreiro. No entanto, o físico é apenas uma faceta de um guerreiro. Você deve aprender a desenvolver suas habilidades interiores. Seus poderes. Sua capacidade de ver. Não fixe sua atenção apenas em espadas e lanças. Esse é o caminho mais fácil.”
Argon virou-se e deu um passo aproximando-se bem dele e olhou-o nos olhos com ardente intensidade.
“A maior batalha que você enfrentará está dentro de você mesmo.”