Gareth estava sentado na sala do trono de seu pai, em seu trono e olhava para as dezenas de conselheiros, lordes e plebeus diante dele. Todos com seus próprios problemas e ele se sentia péssimo. Haviam passado meses desde que ele tinha assumido o trono e cada dia que passava, ele se sentia mais torturado, mais paranóico e mais sozinho. Ele havia expulsado seu melhor amigo e conselheiro Firth tempo atrás e o havia relegado às cavalariças, proibindo-o de vê-lo, Gareth sentia falta dele. A remoção de Firth foi a coisa certa a fazer, ele era imprudente e tinha se tornado muito inconveniente. Afinal, ele continuava sendo o único que poderia conectá-lo com o assassinato de seu pai e Gareth não desejava mais associar-se com ele.
Gareth havia trazido uma meia dúzia de amigos para serem seus mentores e eram essas pessoas que o cercavam ultimamente. Eram do tipo cruel, ambicioso e aristocrático e isso era exatamente o que ele queria. Gareth não necessariamente confiava neles, mas pelo menos eles eram de sua idade e tão cínicos e cruéis como ele. Eles eram o tipo de pessoas das quais ele gostava de estar rodeado. Eles viam o mundo como ele o via e ele precisava da jovem guarda para neutralizar a velha. Os homens de seu pai ainda estavam entrincheirados como uma instituição e ele se sentia cada vez mais oprimido por eles. Se ele pudesse, arrasaria a Corte do Rei e construiria a coisa toda de novo. Tudo novo. Ele não tinha nenhum respeito pela história, ele desprezava a história. Para ele, o ideal era começar de novo, reescrever a história em uma página em branco e a destruição de todos os livros de história que alguma vez existiram.
“Majestade.” Disse outro plebeu ao dar um passo à frente e curvar-se diante dele.
Gareth suspirou, preparando-se para mais uma petição. Durante o dia inteiro, haviam trazido assuntos maçantes à sua atenção. Ele não tinha ideia de que governar um reino poderia ser tão banal, essa nunca tinha sido a maneira como ele havia imaginado ser rei. Uma pessoa após outra entrava, todas querendo respostas e julgamentos, um fluxo interminável de decisões que precisavam ser tomadas. Todo mundo queria alguma coisa e tudo parecia tão trivial. Gareth tinha imaginado que ser rei seria bem mais glorioso.
Gareth olhou para o vitral, acima de sua cabeça, ele desejava estar lá fora, estar em qualquer lugar, menos ali. Ele estava profundamente entediado. Ele sentia algo se agitando dentro dele e sempre que ele se sentia assim, sabia que tinha de romper a monotonia de sua vida e fazer alguns estragos, criar algum problema para aqueles ao seu redor.
“Majestade...” O plebeu continuou. “... A terra tinha sido de minha família por mil anos.”
Gareth suspirou, tentando acompanhar tudo. Aqueles camponeses estúpidos vinham discutindo sobre alguma disputa de terras, ele não sabia por quanto tempo. Ele mal conseguia seguir a história e já tinha tido o suficiente. Ele simplesmente queria que eles estivessem fora de sua vista. Queria tempo para ficar sozinho, para pensar sobre seu pai e sobre alguns detalhes do assassinato que poderiam ser descobertos e sobre se a bruxa iria delatá-lo. Ele se sentia profundamente inquieto desde o seu confronto com ela e estava se sentindo cada vez mais paranóico com a ideia de que uma conspiração estava se fechando ao redor dele. Ele perguntava-se incessantemente se seria descoberto. Enviar Firth longe havia dissipado um pouco seus medos, mas não totalmente.
“Majestade, isso não é verdade.” Disse outro súdito. “Essa vinha foi plantada pelos ancestrais de meu pai. Ela invadiu o seu território apenas por meio do crescimento. Mas o nosso território, por sua vez, foi invadido por seu gado.”
Gareth olhou para os dois, ele agora estava irritado por ter sido afastado de seus pensamentos. Ele não sabia como seu pai havia aturado tudo aquilo. Para ele já tinha sido mais que suficiente.
“Nenhum dos dois terá a terra.” Gareth finalmente disse aborrecido. “Declaro sua terra confiscada. Ela agora é propriedade do Rei. Vocês tratem de encontrar novos lares. Isso é tudo, agora se retirem.”
Os plebeus olharam para ele em silêncio atordoados, boquiabertos, em estado de choque.
“Majestade.” Disse Aberthol, seu conselheiro antigo, que estava sentado com os outros membros do Conselho junto à mesa semicircular. “Algo assim nunca foi feito na história dos MacGils. Essa não é terra real, com toda certeza. Não podemos confiscar terras de...”
“Eu disse para vocês se retirarem!” Gareth gritou.
“Mas Majestade, se Vossa Majestade tomar a minha terra, aonde eu e minha família iremos?” Perguntou o camponês. “Temos vivido naquela terra por gerações!”
“Vocês podem ser ‘sem-teto’.” Gareth estalou, em seguida, acenou para os guardas, que se dirigiram apressadamente para a frente e arrastaram os camponeses, levando-os para fora de sua vista.
“Majestade! Espere!” Um deles gritou.
Mas eles foram arrastados da sala e bateram a porta atrás deles.
O quarto foi preenchido com um silêncio pesado.
“Quem mais?” Gareth gritou impaciente por terminar.
Um grupo de nobres ficou nas alas, olhando hesitante. Finalmente, eles deram um passo à frente.
Havia seis deles, os barões da Província do Norte, os aristocratas, todos vestidos com a seda azul de seu clã. Gareth os reconheceu de imediato: eram os lordes irritantes que tinham sobrecarregados seu pai durante todo o seu reinado. Eles controlavam os exércitos do Norte e sempre mantinham a família real como refém, exigindo dela o máximo que podiam.
“Meu soberano.” Disse um deles, um homem alto, magro e calvo, na casa dos cinquenta, a quem Gareth se lembrava de ter visto desde o tempo que era menino. “Temos duas questões a apresentar hoje. A primeira é referente aos McClouds. Relatórios estão se espalhando sobre ataques a nossas aldeias. Eles nunca atacaram tão ao Norte e isso é preocupante. Pode ser prelúdio de um ataque maior, de uma invasão em larga escala.”
“Bobagem!” Exclamou Orsefain, um dos novos conselheiros de Gareth, que estava sentado a sua direita. “Os McClouds nunca nos invadiram e eles nunca fariam isso!”
“Com todo o respeito...” O lorde respondeu. “... Você é muito jovem para se lembrar, mas de fato, temos registrado tentativas de invasão por parte dos McCloud, há muito tempo atrás. Eu me lembro delas. É possível, Majestade. Em todo caso, o nosso povo está alarmado. Nós pedimos que redobrem as forças em nossa área, mesmo que seja apenas para apaziguar o povo.”
Gareth ficou ali sentado em silêncio, impaciente. Ele confiava em seu jovem conselheiro e também duvidava que os McClouds fossem invadir. Ele via aquela solicitação apenas como uma maneira ideal para que os nobres do Norte tentassem manipulá-lo junto com suas forças. Era hora de mostrar-lhes quem dirigia o reino.
“Petição denegada.” Gareth declarou. “O que mais?”
Os nobres se entreolharam descontentes. Outro deles limpou a garganta e deu um passo adiante.
“Durante o tempo do seu pai, meu soberano, os impostos em nossa província foram aumentados para mobilizar os exércitos do Norte em tempos de dificuldade. Seu pai sempre tinha prometido reduzir os impostos de volta para o que eram e antes de sua morte, a lei estava prestes a entrar em vigor. Mas nunca foi homologada. Por isso, pedimos a Vossa Majestade para cumprir a vontade de seu pai e reduzir os impostos sobre o nosso povo.”
Gareth se ressentia desses barões que pensavam que poderiam ditar-lhe como levar o seu reino. Gostassem eles ou não, ele ainda era o rei. Ele tinha de mostrar-lhes quem exercia o poder ali. Ele se virou para Amrold, outro novo conselheiro.
“E o que acha Amrold?” Ele perguntou.
Amrold estava sentado ali, estreitando os olhos para os senhores, franzindo o cenho. Ele era uma pessoa eternamente infeliz e essa era uma das razões pelas quais Gareth o amava.
“Vossa Majestade não deve baixar os impostos.” Disse Amrold. “... Mas sim aumentá-los. É hora de que o Norte saiba quem controla este Anel.”
Os nobres, juntamente com os membros mais velhos do Conselho de Gareth, engasgaram de indignação.
“Meu soberano, quem são estes jovens a quem Vossa Majestade recorre em busca de conselho?” Perguntou Aberthol.
“Estes homens que você vê atrás de mim fazem parte do meu novo conselho. Eles devem ser inclusos em todas as decisões que tomarmos.” Disse Gareth.
“Mas Majestade, isso é um ultraje!” Kelvin disse. “Sempre houve doze membros do Conselho para aconselhar o rei ao longo dos séculos. Isso nunca foi modificado por nenhum MacGil. Era a forma como o seu pai procedia e a forma como sempre se procedeu. Vossa Majestade está alterando a própria natureza do reinado. Nós temos sido provados com anos de sabedoria. Essa gente nova, trazida por Vossa Majestade, não tem nenhuma sabedoria ou experiência!”
“É o meu reino, posso mudá-lo como eu quiser.” Gareth retrucou firmemente. Ele percebeu que aquele era o momento para colocar toda aquela gente de idade em seu devido lugar. De uma maneira ou de outra, todos se inclinavam por seu pai, todos eles sempre odiaram Gareth. Ele podia ver o ressentimento em cada um de seus olhares.
“Eu preencherei o meu conselho com uma centena de pessoas, se eu achar por bem.” Gareth acrescentou. “E recorrerei ao conselho de quem eu quiser. Se vocês estiverem insatisfeitos, podem retirar-se agora.”
Os antigos conselheiros estavam sentados à mesa, de frente para ele e ele podia ver o olhar de surpresa nos seus rostos, isso era exatamente o que ele queria. Ele queria que aqueles novos conselheiros os mantivessem sob controle. Ele estava enviando-lhes uma mensagem: eles eram a velha guarda e não eram mais necessários.
Kelvin levantou-se da mesa do Conselho.
“Eu renuncio Majestade.” Ele disse.
“Eu também.” Duwayne ecoou levantando-se junto com ele.
Eles viraram as costas para ele e se retiraram da sala.
Gareth os observava enquanto se retiravam, com o rosto ardendo de indignação.
“Guardas, prendam-nos!” Gareth exclamou.
Os guardas os detiveram na porta, os algemaram e os levaram dali. Gareth podia ouvir os gritos abafados dos membros do Conselho do lado de fora da sala.
Os outros membros do Conselho se levantaram.
“Majestade, isso é um ultraje! Como pode arrestá-los? Vossa Majestade disse que podiam retirar-se!”
“Eu disse a eles que eles eram livres para optar por retirar-se do conselho.” Gareth disse. “Mas, claro, isso seria traição ao rei. Eu não vou tolerar traidores. Alguém mais de vocês gostaria de retirar-se?”
Os conselheiros se entreolharam, perturbados; agora tinham dúvidas e um medo genuíno em seus olhos. Todos eles pareciam homens quebrantados e era exatamente assim que Gareth os queria. Ele sorria por dentro. Ele estava desmantelando as instituições de seu pai, uma pessoa de cada vez.
“Sentem-se.” Gareth ordenou.
Os membros do Conselho sentaram-se lentamente, relutantes.
Gareth voltou-se para os nobres que ainda estavam ali à espera de sua resposta. Agora eles é que precisavam ser colocados em seu lugar.
“A respeito de seus impostos...” Gareth disse para eles. “... Não somente eu não vou baixá-los, como também eu vou aumentá-los. A partir de hoje, os seus impostos serão dobrados. Não venham aqui de novo, a menos que eu os convoque. Isso é tudo.”
O rosto do barão estremeceu e em seguida, assumiu um tom vermelho. Gareth podia ver que aquele homem não estava acostumado a ser tratado daquela forma e desfrutava vendo como ele o havia aborrecido.
“Meu soberano, nosso povo não vai sofrer este tipo de maltrato.”
Gareth levantou-se ficando vermelho.
“Oh sim, eles vão sofrê-lo. Porque eu sou o Rei agora. E não o meu pai. E vocês respondem a mim. Agora retirem-se e não apareçam aqui novamente!”
Os lordes olhavam fixamente para Gareth, boquiabertos, em estado de choque. A sala ficou em completo silêncio, era possível ouvir até mesmo um alfinete cair no chão. Nenhuma palavra foi proferida entre as dezenas de atendentes, conselheiros ou nobres sentados e de pé em todos os lugares.
O grupo de nobres lentamente virou-se e retirou-se da sala, suas botas ecoavam no chão de pedra. Eles bateram a porta atrás de si.
Enquanto eles se retiravam, Gareth percebeu seus olhares conspiratórios. Ele podia ver em seus olhos o seu desejo de derrubá-lo. Ele já podia perceber todos os inimigos em sua Corte, todos os planos para depô-lo. Ele lidaria com cada um deles, um de cada vez. Ele iria prender cada um se tivesse de fazê-lo.
“Então isso é tudo?” Gareth perguntou apressado aos membros do Conselho restantes, os quais estavam lentamente, sentando-se de volta.
“Meu soberano.” Aberthol disse, cansado, com a voz quebrada. “Tudo o que temos pendente é a investigação sobre a morte de seu pai.”
“Do que está falando?” Gareth perguntou em tom autoritário. “A investigação está encerrada. Meu irmão Kendrick foi aprisionado.”
“Receio que não seja tão simples, Majestade.” Disse Aberthol. “O Exército Prata é ferozmente leal a Kendrick. Eles estão insatisfeitos com sua prisão. O adiamento da execução ajudou, mas isso não vai satisfazê-los por muito mais tempo. Há uma grande insatisfação entre as fileiras, especialmente depois que seu salário foi cortado. Eles pedem uma nova investigação. Corremos o risco de uma revolta se não prosseguirmos com a investigação.”
“Mas o frasco de veneno foi encontrado no quarto de Kendrick.” Gareth protestou com o coração aos pulos.
“Mesmo assim, não temos nenhuma prova definitiva ligando Kendrick ao assassinato.”
“A partir de hoje, eu declaro a investigação encerrada.” Gareth anunciou. “Kendrick vai chafurdar naquela masmorra todos os dias de sua vida.”
“Mas, Majestade...”
“Não toque neste assunto comigo novamente.” Gareth retrucou. “Agora deixem-me sozinho! Todos vocês!”
Rapidamente, os membros do Conselho saíram da sala e Gareth se viu sozinho, sentado no trono, no silêncio profundo.
Gareth ficou lá, com o coração batendo forte, fervendo; ele tinha temido que algo assim pudesse acontecer se Kendrick não fosse executado imediatamente. Ele irritou-se ao lembrar-se da interferência repentina de sua mãe, de como ela tentou usar seus poderes para impedi-lo de executar Kendrick, há alguns meses. Ele tinha ouvido que Gwen tinha recorrido a ela, que elas tinham se unido para detê-lo. Ele fervia de ódio por ambas. Ele não poderia estar seguro, enquanto elas duas estivessem vivas.
Ele lembrou-se de sua tentativa atrapalhada de fazer com que seu matador torturasse Gwen, meses atrás. Não tinha funcionado. Talvez agora fosse a hora de tentar de novo. Desta vez, ele poderia matá-la sem rodeios.
Gareth sorriu, enquanto um plano tomava forma em sua mente. Sim, desta vez o plano iria funcionar.