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“Pronto?”
Fiz que sim com a cabeça e limpei a boca com a mão. Estávamos no banheiro da casa de Donna, e eu tinha passado os últimos quarenta e cinco minutos vomitando um potente coquetel de aguardente de cidra, hambúrguer e batata frita. Virei e sentei no tapetinho, com as costas apoiadas na banheira. Donna se juntou a mim, sabiamente escolhendo o lado mais afastado da privada.
“Mil desculpas”, eu disse, colocando a cabeça nas mãos.
“Eu sei, você já disse isso, tipo, um milhão de vezes.”
Olhei para Donna por entre os dedos. Ela estava olhando reto, com a expressão neutra. Não parecia irritada, mas nunca dava para ter certeza com ela. Não éramos amigas porque tínhamos personalidades semelhantes. Ela era tranquila, tinha iniciativa, era bem direta. Eu era basicamente o oposto. Mas, apesar disso — talvez por causa disso, não sei — nos dávamos bem. Ela era divertida, gentil e honesta. De algum jeito me levou para a casa dela, convenceu o pai a me deixar ficar e segurou meu cabelo enquanto eu despejava o conteúdo do meu estômago na privada.
Eu estava no meio de um enorme ataque de culpa.
“Não mereço você”, eu disse, balançando a cabeça.
“Não enche”, ela disse, brincando. Examinou as unhas. “E pare de se preocupar com isso. Acontece nas melhores famílias.”
Suspirei.
“Comigo não acontece.”
Ela riu.
“Bem, já estava passando da hora.”
Ficamos sentadas em silêncio por um instante. Olhei em volta, à procura do meu telefone.
“Que horas são?”
“Quase meia-noite. Sua bolsa está lá embaixo.”
Tentei levantar, mas o banheiro começou a girar loucamente, então sentei outra vez.
“Tem certeza de que não tem problema eu passar a noite aqui?” Apoiei a bochecha na banheira. Já estava enjoada novamente.
“Tenho. Meu pai não se importa”, respondeu Donna, olhando para mim com cautela. “Você está bem?”
Assenti, apesar de não estar convencida daquilo.
“Preciso ligar para meus pais.”
“Não se preocupe. Já mandei uma mensagem para sua mãe do seu celular. Você disse a ela que o time de Jack ganhou, então viemos para cá comemorar, mas aí ficou tarde e você decidiu dormir aqui.”
“Ah, obrigada”, eu disse, aliviada por ter uma preocupação a menos. “Ela respondeu?”
Donna sorriu para mim.
“Não sei. Você começou a vomitar.” Dei um sorriso que seria descrito como pesaroso nos livros e tentei levantar outra vez. Donna pegou minha mão. “Cuidado. Devagar.” Ela ficou me segurando enquanto eu a seguia cuidadosamente para o quarto que ela dividia com a irmã até o ano anterior, quando Jess saiu de casa. Donna empurrou todos os livros e caixas de dvd que estavam sobre a cama da irmã para o chão. “Pode subir.” Deitei agradecida no lençol frio e macio, e Donna me cobriu com a colcha. Na manhã seguinte eu me preocuparia com que roupa ir para a escola.
Sorri entorpecida, com os olhos já fechando.
“Obrigada.” Senti o colchão afundar quando Donna se sentou ao meu lado na cama. Ela retirou carinhosamente meu cabelo dos olhos.
“Sem problema. É para isso que estou aqui.”
Mas eu já estava dormindo.
Acordei com a claridade. As cortinas estavam abertas, e a colcha da outra cama estava jogada por cima dos lençóis, o que na República de Donna significa cama arrumada. Tentei ouvir alguma coisa. A casa estava vazia. Sentei e segurei a cabeça. Minha primeira ressaca. Minha boca parecia uma lixa que alguém tinha usado para limpar a bunda. Deitei cautelosamente outra vez, mas havia alguma coisa sob a minha cabeça. Apalpei atrás de mim, grunhindo com o esforço, e peguei um pedaço de papel entre os dedos.
S. Deixei você dormir. Meu pai está no trabalho.
Fique à vontade para tomar banho, se vestir e comer!!
Até mais. Bjs, D.
Gemi. Eu nunca tinha ficado bêbada, muito menos durante a semana, e nunca tinha matado aula, mas aquela era a segunda vez que alegava estar doente em uma semana. Joe está fazendo isso com você, disse uma voz na minha cabeça. Você vai ficar muito melhor sem ele. Ignorei. Eu ficava melhor com ele. A questão era justamente essa. Dãã.
Saí da cama aos tropeços e fui para o banheiro, que ainda fedia a vômito. Gemi outra vez. Duvidava que fosse ter coragem de voltar a olhar nos olhos do pai de Donna. Mas ele era o mais liberal dos pais do grupo — deu maconha para Donna no aniversário —, então talvez não se importasse. Eu torcia muito para isso. Os pais sempre gostavam de mim. Meu jeito de menina ajuizada agradava.
Tranquei cuidadosamente a porta do banheiro e abri a torneira do chuveiro. Um jato de água gelada atingiu meu braço. Merda, merda, merda. Eu podia fazer o que quisesse, mas a água não esquentava. Lavei só as partes mais importantes do corpo com a maior pressa possível. Pelo menos clareei um pouco a mente.
De volta ao quarto de Donna, mantive a toalha enrolada em mim com uma mão e abri a gaveta com a outra. Peguei um par de meias pretas e a primeira calcinha que encontrei (as gavetas tinham uma hierarquia bem definida: meia embaixo, calcinha no meio, sutiã combinando em cima) e coloquei meu próprio sutiã. Em seguida abri o armário. Donna era menor do que eu, mas achei uma malha larga e uma calça jeans que poderia servir. Ficaria péssima com a sapatilha que eu tinha usado na noite anterior, mas disse firmemente a mim mesma que era o preço que eu pagava por ser tão tonta. Depois de vestida, peguei minhas próprias roupas fedidas e desci.
Minha bolsa estava pendurada no corrimão da escada. Encontrei meu telefone e senti uma pontinha de esperança ao ligá-lo. Três mensagens. Com o coração acelerado, abri as mensagens. Uma era de mamãe, dizendo que à noite nos encontraríamos, outra era de Donna, e a terceira era de Ollie, querendo saber como eu estava. Eu não esperava nada diferente, mas mesmo assim... Suspirei e fui até a cozinha, mas nada me apeteceu. Tinha uma lata de coca light na geladeira, mas me pareceu errado pegar a última. Peguei alguns biscoitos de aveia, busquei a bolsa e abri a porta da frente. Não queria ir para a escola e ter que encarar todo mundo. Não queria fazer nada além de dormir. Estava me sentindo péssima, e não só por causa da bebida. Bati no meu próprio rosto. Pelo amor de Deus, garota, recomponha-se. Sacudindo os ombros, o que não fez com que eu me sentisse melhor, fechei a porta atrás de mim e comecei a me arrastar na direção da escola.
Eu estava me concentrando tanto em não ceder à náusea que mais uma vez me dominava que não ouvi o telefone tocar até ser quase tarde demais. Peguei no último toque e, sem olhar para ver quem era, apertei o botão para atender.
“Alô?”
“Tudo bem?”
Quase derrubei o aparelho. Uma onda de felicidade, confusão e uma necessidade urgente de vomitar me atingiram.
“Hum... Sarah, você está aí?”
“Estou. Desculpe. Derrubei o telefone.” Esperei que ele falasse. Já tinha ensaiado aquele momento o suficiente para saber que tinha que deixar Joe falar.
“Então... Como você está?” Ele soou completamente normal. Como se o domingo na estação de trem nunca tivesse acontecido.
“Nada mal, obrigada. Com um pouco de ressaca.” Mantive a voz firme.
“Que chato. Então... Eu e os meninos vamos para Brighton neste fim de semana. Will vai dar uma festa na casa dos pais dele.”
“Ah, legal.” (Vá com calma, Sarah, eu disse a mim mesma. Não se anime demais.)
“Então... Quer ir?” Ele abaixou a voz. “Tenho pensado em você.”
Meu estômago revirou, e dessa vez não foi pela ressaca. Cada fibra do meu ser estava gritando para eu dizer que ia, mas em vez disso fechei os olhos e respondi: “Ah, droga, vou sair com meus amigos este fim de semana”.
“Eles podem ir também. Quanto mais, melhor”, Joe disse calmamente.
“Hum... Tudo bem.” Foi o melhor que consegui dizer naquele estado.
“Ótimo. Mando os detalhes por mensagem. Até lá, Sarah-que-não-gosta-de-cerveja.” E meu telefone apitou, indicando que ele tinha desligado. Fiquei encarando o aparelho por um segundo. Aparentemente eu veria Joe no próximo fim de semana, afinal.
Eu veria Joe! Dei um pulinho, e instantaneamente me arrependi quando os biscoitos ameaçaram voltar. De repente uma forte dor de cabeça se tornou o preço que eu devia pagar pela noitada, mas as nuvens escuras e baixas apresentavam uma luz no final do túnel. Percorri o resto do caminho para a escola com a maior animação que a ressaca de aguardente de cidra permitiu.