10 |
As pessoas sempre falam do tempo nos velórios. Se chove, dizem que é muito apropriado; se faz sol, dizem que é irônico. Mas o clima na sexta-feira estava totalmente maluco. Chovia em um momento, fazia sol no outro. O que, na verdade, resumia um pouco o espírito do dia. O velório em si foi horrível. Rich chorou, o pai dele chorou, a mãe dele chorou, vários parentes, mais jovens e mais velhos, choraram. O avô dele era uma figura pequena e encarquilhada na primeira fila, inclinado, tremendo de tristeza. E eu, Cass, Donna, Ashley e até Jack e Ollie choramos porque foi horrível ver Rich tão chateado.
Muitas pessoas compareceram, e o padre fez um sermão bonito. Ele conhecia muito bem a vovó Blue, porque ela frequentava a igreja dele (apesar de Rich ter nos contado que sua avó só ia pelo lado social, e ele tinha noventa e nove por cento de certeza de que ela não acreditava em Deus). Rich disse algumas palavras sobre ela. Foi tão comovente que achei que minha cabeça fosse explodir por causa do esforço que tive que fazer para chorar em silêncio. Ele a amava muito. Meu coração doeu por ele, por pensar que ela tinha partido.
Nenhum problema maior ocorreu, mas ainda era nosso amigo se despedindo da avó, cujo corpo em decomposição se encontrava em uma caixa de madeira na ponta da igreja.
A recepção realizada pela família em um bar depois foi completamente diferente. No começo tudo estava calmo, mas logo depois se instaurou uma atmosfera quase de festa, com pessoas fazendo brindes a vovó Blue e conversando sobre as boas lembranças dela. Era uma celebração de sua vida, suponho. Até Rich pareceu gostar, apesar de em alguns momentos ter desaparecido, a fim de se recompor.
Mas isso foi um pouco mais tarde. Chegamos ao bar — ou “pousada do século xvi”, como dizia a placa na nossa mesa — antes de Rich, que tinha ido à cerimônia de cremação, só para familiares. Reconhecemos algumas pessoas ali, mas na verdade não conhecíamos ninguém. Pareceu errado estar lá sem ele, como se fôssemos penetras. Não posso falar pelos outros, mas eu só queria me segurar nas roupas deles, como uma criança se segura nas roupas da mãe no primeiro dia em uma escola nova.
Assim que nos sentamos, recebi uma mensagem de Joe.
Desculpe pela outra noite.
Estou livre quinta e sexta.
Vem me ver? Prometo toda a
minha atenção. Bj.
Sorri para mim mesma, contendo um gritinho de alegria. A semana do saco cheio estava resolvida. Alguns dias em Devon, depois dois dias com Joe. Perfeito. Sem dizer nada para os outros, guardei o telefone para responder mais tarde. Até eu sabia que não era hora nem lugar de mandar mensagem.
“Pobre Rich”, disse Ash, verbalizando o que todos estávamos pensando. “Imagino o que ele deve estar passando.”
“E a mãe dele”, acrescentou Jack, que cuidadosamente rasgava o folheto do velório em tiras.
Suspirei.
“Vai acontecer com todos nós.” Donna começou a rir, com o copo de coca light ainda na boca. “O quê?”, eu disse. Mas já estava mordendo as bochechas, tentando não sorrir.
Ash balançou a cabeça.
“Vocês duas são doentes.”
“Ã-hã, então por que você está sorrindo?”, perguntou Cass, cuja boca se curvava nas pontas.
E então ficamos todos sorrindo em silêncio, olhando para baixo, para a mesa, para não cruzar o olhar com o de ninguém.
“Vamos todos para o inferno”, ganiu Cass.
“Eu sei”, concordei, apressando-me para pronunciar as palavras antes que outra onda de histeria me atingisse. “Que espécie de pessoa ri depois de um velório?”
“É só a tensão”, disse uma voz ao nosso lado. Rich. Aquilo nos calou. Não o vimos entrar.
“Ah, cara... Desculpe, não era nossa intenção...” Jack estava perturbado, mas Rich o conteve.
“Não se preocupem. De verdade.” Ele se sentou e colocou uma garrafa de espumante sobre a mesa. “Então...”, Rich começou, girando a rolha. “Quero beber em homenagem à vovó Blue.” Ele abriu a garrafa cerimoniosamente e serviu sete taças pequenas. “À minha avó”, disse, erguendo sua taça e tomando o conteúdo em um gole. Foi um pouco estranho, para ser sincera. Como algo que uma pessoa da idade dos nossos pais costumasse fazer. O resto de nós trocou olhares preocupados. “Não se preocupem”, ele disse, rindo. “Não vou me embebedar. Nem me drogar.” Rich deu de ombros. “Minha avó costumava brindar cada vez que bebia alguma coisa. Não precisava ser nada muito importante. Ela bebia em homenagem a um dia ensolarado, ou a mais reprises de um seriado antigo, ou o que quer que fosse... Era uma das coisas que minha avó fazia.”
Cass ergueu a taça.
“À vovó Blue!”
Todos fizemos o mesmo.
“Como está seu avô?”, perguntou Ollie, depois que passamos pelo bufê para pegar nossos pratos de quiche e salada.
Rich deu de ombros.
“Não sei.”
“Será que vocês dois vão se aproximar agora que sua avó se foi?”, perguntou Donna.
Rich balançou a cabeça.
“De jeito nenhum. Não vejo razão para começar a ser legal com meu avô agora, se ele nunca me disse uma palavra gentil. E sempre foi um péssimo avô.” Seguimos o olhar de Rich, que se dirigia a seu avô, sentado sozinho, chorando com um copo de Guinness na mão.
“Não sinta pena dele”, disse Rich, vendo a expressão no meu rosto. “Por que você acha que ninguém está com ele, nem mesmo quando a mulher dele acabou de ser cremada?”
O esforço para não ter simpatia pelo homem fez com que Cass franzisse a testa.
“Como ele e sua avó se conheceram?”
“Ela era secretária dele. Meu avô é alguns anos mais velho do que ela. Do que ela era”, ele disse, corrigindo-se. “Ela diz... dizia que ele era charmoso e rico, e que ficou encantada... Mas o feitiço não durou. Só Deus sabe por que ela ficou com esse babaca.”
Como se pudesse nos ouvir, o avô de Rich levantou e cambaleou até nós, tropeçando, claramente bêbado.
“Ótimo”, murmurou Rich.
“Tudo bem, bichinha?”, o velho disse, batendo com a mão nodosa no ombro de Rich. “Que audácia, trazer seu namorado aqui.” Ele fixou os olhos remelentos em Ollie, que estava sentado ao lado de Rich.
“Ele não é meu namorado”, Rich respondeu, com os dentes cerrados, olhando para baixo.
“Sim, sim, acredito em você. Milhares não acreditariam.” E depois disso cambaleou na direção do banheiro.
Rich olhou para Ollie.
“Desculpe, cara.”
Ele deu de ombros.
“Não se preocupe.” Mas dava para perceber que estava um pouco abalado. Todos estávamos.
Rich tentou rir e deixar aquela história para lá.
“Ignorem o cara. Ele é um velho nojento, preconceituoso e bêbado. Minha mãe me contou que uma vez...” Rich começou a nos contar histórias que envolviam seu avô bêbado, e a maioria delas acabava com ele quebrando a cara. Eram tão escandalosas que não conseguimos parar de rir. Meu olhar encontrou o de Cass, e ela sorriu para mim. Rich de algum jeito sempre conseguia evitar qualquer conversa sobre sua sexualidade. Ele disse uma vez a Donna que não gostava de confissões. Ele era o que era, e não sentia necessidade de rótulos. O que, como Donna disse na época, era o jeito de Rich dizer que aquele assunto não era da conta de ninguém. Para ser sincera, por mais fofo que Rich seja, acho que ele gosta de manter o mistério.
À medida que a tarde avançou, a atmosfera ficou mais leve, e lentamente nos dividimos em grupos menores. Cass, Jack e Rich foram conversar com os pais dele, enquanto Ashley e Donna eram cantadas por uns idiotas que tinham no mínimo quarenta anos de idade — acho que nem estavam lá pela vovó Blue. Os bobocas achavam que iam se dar bem. Dava para vê-los trocar olhares em comemoração. Até parece. Ash e Donna estavam adorando aquilo. Bebiam com os olhos arregalados e davam sorrisos afetados. Sobramos eu e Ollie, sentados na mesa vazia, fazendo uma degustação de bolo.
“Humm... bom... bom...”, disse Ollie seriamente, concentrado, virando os olhos enquanto comia o doce como uma vaca mastigando capim. “Sinto açúcar, amido de milho... e um toque de glicerina.”
Rindo, dei uma garfada em um bolo, que parecia de plástico. Tentando imitar a expressão séria de Ollie — como ele conseguia fazer aquilo sem rir? — balancei a cabeça vigorosamente.
“Sim... Hum... Este é muito bom. Claramente contém emulsificante e... sim, é isso, agentes fermentadores. Definitivamente agentes fermentadores.”
Ollie pegou um pedaço de bolo do meu prato.
“Na verdade, parece bom.”
Observei-o colocando o bolo na boca.
“E então?”
Ele gemeu e revirou os olhos fingindo êxtase.
“Maravilhooooooso”, disse, sorrindo, com a boca cheia de bolo barato.
“Nada pode ser melhor do que um bolo vagabundo”, concordei, selecionando uma fatia bem pequena do bolo de chocolate do prato sortido montado por Ollie.
Ele olhou em volta.
“Estranho... Todos parecerem felizes.”
Assenti.
“Eu sei. Eu esperava que todo mundo ficasse quieto e melancólico. Conversas em voz baixa, muitos lenços sendo levados aos olhos.”
Ollie riu.
“Certo, porque você sempre anda com um lenço bordado.”
“É claro”, respondi, com afetação. “Guardo no bolso da minha calçola.”
“Não diga essas coisas. Vou morrer de desejo”, ele disse, esfregando as mãos para limpar os farelos de bolo.
“Então você gosta de calçolas?”
Ele fez um biquinho libidinoso em resposta, então perguntou: “Por falar nisso, como vão as coisas com Joe?”.
Sorri.
“A gente vai se ver semana que vem.” Pelo menos eu esperava que sim. Senti uma pontinha de medo de que pudesse ter arruinado tudo só dizendo isso em voz alta.
“Ótimo... Mas você vai para Devon, né?”
“Vou. Posso encontrar Joe depois.”
“Legal.”
Ficamos em um silêncio companheiro por um minuto, comendo bolo e observando as pessoas, então Ollie disse: “É seu primeiro velório?”.
Assenti.
“E o seu?”
“Bem, fui no do meu irmão, mas eu tinha acabado de nascer, então não conta.”
Eu me virei para ele.
“Seu irmão?”
Ollie olhou para mim.
“Isso. Eu tinha um irmão gêmeo, Zac. Ele viveu menos de um dia. Parece que não cresceu o suficiente no útero... Não sei direito.”
Fiquei atônita.
“Ollie, como eu nunca soube disso?”
Ele deu de ombros.
“Eu não saio anunciando. E não é nada de mais. Não é como se eu sentisse saudade dele.”
“Os outros sabem?”
Ollie sorriu.
“Por quê? Você gosta de receber informações em primeira mão?”
“Não! Não foi isso que eu quis dizer.” Fiquei completamente vermelha.
“Eu estava brincando, linda. Ih, você ficou toda vermelha!” Ollie passou a mão na minha bochecha, em seguida inclinou a cadeira para trás e começou a olhar em volta. “Na verdade, não lembro se os outros sabem. Se souberem é porque o assunto surgiu em alguma conversa.”
Mal consegui assimilar tudo aquilo.
“Coitados dos seus pais”, eu disse. “Não posso acreditar que nunca soube. Eles falam nele?”
“Falam, não é um tabu nem nada, e tem fotos dele. Éramos idênticos.” Ollie engoliu em seco e olhou para baixo. É claro que aquilo ainda tinha importância para ele.
“Deve ser estranho pensar que você dividiu o útero da sua mãe com alguém.”
Ollie assentiu.
“Às vezes até tenho uma sensação de que me lembro dele. É difícil descrever... não é nada concreto, só uma sensação.”
“Uau.” Olhei para Ollie sem saber exatamente o que dizer, e ele sorriu.
“Tudo bem. Vamos, não podemos ficar deprimidos num velório.” Ele revirou os olhos. “Seria muito clichê.”
De repente notei uma menina mais ou menos da nossa idade em uma mesa próxima olhando para Ollie. Cutuquei-o.
“Ei, tem alguém de olho em você.” Apontei discretamente na direção da menina.
Ollie ergueu as sobrancelhas.
“Ah, sim.” Ollie se virou novamente para mim. “Uma mulher de muito bom gosto, obviamente.”
“Vá falar com ela”, eu disse. “Não fique aqui por minha causa.”
Ele balançou a cabeça.
“Acho que não. Estou bem aqui”, ele disse sorrindo.