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Sentada no sofá do café Costa com meus amigos no dia seguinte, desejei não ter sugerido o encontro. Nunca um dia pareceu tanto um domingo. Estava um gelo e o céu parecia carregado e cinza. Meus olhos estavam pesados, já que eu tinha chorado até dormir na noite anterior. Tudo nos meus amigos que já tinha me irritado ao longo da vida estava me irritando de uma vez só naquele dia. Cass falando sobre Adam — “Ele anda tão diferente, está se estabelecendo, me ama de verdade”. Mimimi. Ah, é. Até a próxima vez que transar com uma qualquer em uma balada. Ash tinha tirado os sapatos e as meias e estava sentada de pernas cruzadas no sofá, descalça. Estávamos em um café na rua principal — realmente não havia necessidade de ser tão alternativa o tempo todo. Donna estava de ressaca e falava sem parar sobre como tinha ficado muuuuuito bêbada e a noite tinha sido excelente. sono. Rich estava deprimido e rabugento — também por causa de ressaca, mas não de bebida. Jack estava irritantemente alegre por ter vencido um jogo de futebol naquela manhã, e Ollie tomava distraído a espuma do cappuccino com uma colher.

Eu me encolhi no canto do sofá e entrei no Facebook de Mimi. O perfil dela não era privado, o que me deixava livre para xeretar quando quisesse. Não havia nada de novo ali. Algumas conversas no mural. Seu status dizia: “Mimi Sedgwick é o máximo, para dizer o mínimo”. Oito pessoas curtiram e havia seis comentários, um dos quais dizia: “Mi Mi Mo, te amoooooo”. Desliguei o telefone enojada e liguei de novo quase imediatamente, caso Joe escrevesse. Mandei uma mensagem para ele, só para garantir — era a terceira desde que eu tinha saído de Londres na noite anterior, mas eu estava em um ponto que já não fazia diferença.

 

O dia tá um sacooooo.
Espero que o seu esteja melhor. Bj.

 

Deletei todos os “o” extras em “saco”, e em seguida os acrescentei novamente. Joe ainda não tinha me aceitado no Facebook, mas devia ser porque ele nunca entrava. Sua foto de perfil era a mesma desde que tínhamos nos conhecido (era de Stewie, o bebê malvado de Uma família da pesada).

sarah?”

Levantei os olhos, surpresa. Estava concentrada procurando a família de Joe no Google. Ele era filho de advogados. Eu achava que advogados ganhavam uma fortuna, mas talvez eles fossem o tipo de pessoa que acredita que os filhos devem aprender sozinhos o valor do dinheiro e essa coisa toda. Apaguei a tela do telefone e pisquei para os rostos que me encaravam com expectativa.

“Oi?”

“Ollie estava dizendo que vai fazer um luau na casa dele.” Ashley me encarou com os olhos pesados, a cara que fazia quando queria deixar claro que não estava surpresa.

“Ah. Certo. Boa ideia”, eu disse, olhando para Ashley. Seus olhos não hesitaram, e eu desviei primeiro, com o rosto vermelho. O que tinha acontecido? Estávamos discutindo?

“Isso”, disse Ollie, desviando os olhos do rosto de Ash para o meu. “A casa vai estar vazia, então...” Ele abriu as mãos e sorriu.

“Joe pode ir?” Ter um evento para o qual eu pudesse convidá-lo era justamente do que eu precisava. Posso jurar que Ashley, Donna e Cass reviravam os olhos, mas não liguei. Elas só estavam... Bem, na verdade eu não sabia qual era o problema delas. Mas mesmo assim. Não liguei do mesmo jeito.

Ollie deu de ombros.

“Quanto mais, melhor.”

Sorri para ele.

“Obrigada.” Quando os outros voltaram a conversar, peguei o telefone novamente e mandei uma mensagem para Joe.

 

Festa aqui no sábado 5 de nov.
Coloco seu nome na lista?? Bjsss.

 

Quando levantei o olhar, Cass e Donna estavam vestindo o casaco e Ashley calçava os sapatos.

“Vocês estão indo?”, perguntei, subitamente não querendo que fossem. Pelo menos não sem mim.

“Estamos pensando em ir ao cinema”, disse Donna, olhando para baixo ao fechar o zíper da jaqueta.

“Ah... tudo bem.” Não sei por que não disse que ia com elas. Era o que eu faria normalmente, mas alguma coisa na maneira como não me olharam deu a entender que não tinha sido convidada. Cass me perguntou se eu queria ir, mas tenho certeza de que Ashley olhou torto para ela nesse momento. Primeiro Joe, agora meus amigos. Eu não aguentava mais ter que aceitar migalhas.

Depois que elas saíram eu pisquei algumas vezes, tomei um pouco de chá e limpei a garganta enquanto coçava a sobrancelha. As lágrimas desapareceram. Levantei.

“Também preciso ir. Tenho uma tradução de francês para fazer.” Estiquei a boca para formar um sorriso e, sem olhar para nenhum dos meninos, fui costurando pelas mesas e saí.

 

 

“Tudo bem, amores?” Era o primeiro dia de aula desde a semana do saco cheio e Ashley tinha acabado de sentar ao meu lado, na nossa mesa habitual na sala de matemática, e abriu uma lata de coca light. “Parece que se passaram séculos desde a última vez em que sentamos aqui.”

Fato. Mal podia acreditar que nosso ousado resgate no mar tinha se passado havia menos de uma semana. Sorri para ela, feliz por tudo estar de volta ao normal. Todo mundo tinha direito a uns dias de mau humor. Não queria dizer que odiaria os amigos para sempre.

Ash me ofereceu um gole da coca. Balancei a cabeça.

“Como foi o filme?”

“Uma merda. Você não perdeu nada.”

Imaginei se teria problema conversar sobre Devon e decidi arriscar. Estava me sentindo corajosa após sobreviver à esquisitice do dia anterior.

“Então, está totalmente recuperada agora?”

Ela balançou a cadeira para trás. Tinha um adesivo preso na sola da bota. Era a figura de um crocodilo risonho dizendo “Eu cuido dos meus dentes”.

“Estou, total. Tenho que ir ao médico amanhã para um exame, mas estou bem.” Ela fez uma pausa. “Acho que eu nem agradeci... pelo que fez. Você sabe que sou muito grata, né?” Ash sorriu para mim, quase tímida. Era bom ouvir, mas antes que eu pudesse responder ela olhou na direção da porta e disse: “Uau. Alguém está animado”.

Não só nosso tutor tinha chegado assustadoramente cedo, como também tinha cortado caminho até nossa mesa, puxando uma cadeira e sentando de pernas abertas. Sorri e vi Ashley me olhando. O sujeito era muito intrometido.

“Recesso dramático, não é?”, ele disse para Ash.

“Acho que podemos dizer que sim.”

“Bem, vá com calma essa semana, está bem? Nada de esforço f ísico.” Ele sorriu.

Ash ergueu as sobrancelhas.

“Certo. Obrigada, Paul.”

“Todos os professores estão sabendo sobre sua... situação, então, não se preocupe se precisar ficar de fora de alguma aula só essa semana enquanto se recupera.” E com isso deu uma piscadela absolutamente ridícula, estalou duas vezes a língua e se retirou. Só faltavam cinco minutos para a chamada, mas tudo bem. Ele aparentemente estava muito ocupado.

Ash o observou enquanto se retirava.

“Por acaso ele acha que fiz um aborto em um beco?”, disse, balançando a cabeça. Ashley imitou o sorriso torto de Paul e disse: “‘Sua situação’. Que babaca”.

“Ele é um idiota”, concordei.

“Não quero causar nenhum alvoroço com essa história”, Ash declarou. “Sério, só quero esquecer o que aconteceu. Seguir em frente, sabe?”

“Claro”, eu disse, apesar de parte de mim (a mesma parte vergonhosa que queria a mídia no hospital) se sentir estranhamente magoada.

 

 

Fui para o campo sozinha na hora do almoço. Queria poder ligar para Joe e mexer no telefone em paz. Ele não atendeu — óbvio —, então mandei uma mensagem:

 

Ollie quer fechar a lista para a festa.
Você vem? Muitas gatas (tipo eu).

 

Dei mais uma olhada no Facebook de Mimi enquanto comia um sanduíche. O status dela era algo chato sobre o telefone não estar funcionando. Estava prestes a entrar no site da faculdade de Joe quando ele me respondeu.

 

Parece legal. Devo ir.
Mas tenho que ver. Bj.

 

Soltei uma espécie de gritinho, jogando o resto do sanduíche nos arbustos em volta do campo e correndo para o refeitório.

 

 

“Onde você estava?”, perguntou Cass, tirando a bolsa da cadeira que tinha guardado para mim.

“Precisei fazer uma pesquisa... Onde está Ollie?”

“No banheiro.”

“Ah, ótimo, quero avisar que Joe vai à festa.” Tirei a tampa do iogurte que tinha acabado de comprar e cheirei. “Está com um cheiro estranho?”, perguntei, esticando para todos à mesa.

Donna o pegou da minha mão e cheirou.

“Está bom.” Ela devolveu o pote, mas o deixei de lado. Leite e iogurte precisam estar em excelentes condições se forem passar pela minha boca. Do contrário, seria o mesmo que tomar catarro rançoso.

“Ele está muito a fim de vir”, continuei. “Vocês vão adorar Joe. Ele é um amor, e é muito inteligente. Não é, Ash? Nossa, não acredito que você é a única que o conheceu!”

Ashley deu de ombros.

“Bem, não o conheci de verdade.”

Sentei ereta na cadeira.

“Nossa, outro dia foi tããão engraçado. Estávamos indo para a casa de Joe, de metrô, e ele ficou fingindo que estava coçando a bochecha, mas na verdade estava me mostrando o dedo do meio. Quase fiz xixi nas calças de tanto rir. As outras pessoas no trem devem ter me achado louca.” Ri sozinha. Cass, Jack e Rich tentavam esboçar um sorriso encorajador, como se estivessem esperando a graça da história, mas os rostos de Ash e Donna estavam completamente sem expressão.

“Deve ter sido engraçado na hora”, disse Ash. Ela acenou com a cabeça para meu iogurte podre. “Você vai comer isso?” Empurrei-o para ela. Limpei a garganta e passei a mão no cabelo casualmente. Ela tinha razão — era uma péssima história. E uma mentira completa. Eu só queria ter algo para contar que não envolvesse sexo ou decepção. Eu e Joe não nos víamos com frequência, mas com o tempo isso mudaria. Levantei.

“Vou comprar um chocolate. Alguém quer alguma coisa?”

 

 

Tentei respirar fundo enquanto esperava para pagar. Detestava aquilo. Era como se tudo que eu dissesse ou fizesse estivesse sendo armazenado pelos outros em uma lista invisível de crimes que eu cometia sem saber. Bati os dedos contra os dentes. Conseguir falar com Cass sozinha ajudaria. Ela entendia o que era ter um namorado. Resolvi que a convidaria para fazer compras depois da aula. Eu estava dura depois de Devon, mas ela sempre acabava comprando alguma coisa (os pais lhe davam, tipo, cem libras por mês de mesada para roupas), e eu poderia começar a conversa enquanto ela estivesse distraída.

Sentindo-me ligeiramente melhor, voltei para a mesa. Ollie estava lá, e todos discutiam se havia alguma maneira de fazer uma fogueira no jardim sem que os pais dele descobrissem. Com isso eu podia ajudar. Meus avós faziam fogueiras o tempo todo na casa deles.

“É só cavar uns buracos na grama, depois colocar a terra de volta”, sugeri, com a boca cheia de chocolate. “Não é difícil.”

Ollie se inclinou sobre a mesa, pegou meu rosto em suas mãos e deu um beijo na minha testa.

“É disso que estou falando, pessoal. Um pouco de bom senso.” Ollie sorriu para mim. “Muito bem, linda.”

 

 

A aula seguinte era de história da arte, e Andrea, a professora, estava sentada na ponta da mesa, com as pernas cruzadas. Ela falava sobre o estúdio de Andy Warhol em Nova York nos anos sessenta, onde artistas, escritores e astros do rock se reuniam para produzir arte e “praticar o amor livre”. Foi fascinante. Sério, a sala inteira estava prestando atenção. Andrea era boa professora. Todo mundo gostava dela, e dava para perceber que ela adorava a cena da arte nos anos sessenta. Até sua aparência batia com o tema: ela usava um lenço estampado, calça cargo e sapatilhas.

Andrea nos mostrou a foto de uma mulher, não muito mais velha do que nós, que era a musa de Warhol. Ela o inspirava. A mulher estava inclinada para trás, mas meio que jogava o corpo para a frente. O que não era nada sensual, porque ela não tinha seios. Estava segurando um cigarro e um copo de, não sei, vodca? Supus que não fosse água. Vestia uma blusa preta justa e enormes brincos pretos, e olhava para a câmera com olhos enormes, negros, bem anos sessenta. Era linda e parecia confiante e despreocupada. Tudo nela fazia com que eu parecesse tediosa e convencional. Mesmo quando ficamos sabendo que ela tinha morrido de overdose aos vinte e oito anos, tive inveja. Não queria ter que usar drogas nem morrer jovem (dãã), mas gostaria de conseguir ser um pouco menos... óbvia. Um pouco menos preocupada com o maldito Joe, e com “Será que ele gosta de mim?”. Suspirei. Queria muito, muito mesmo, ser a musa de alguém. Mas se Joe, que nem era um artista, só um estudante de ciência política, parecia me esquecer da noite para o dia, que esperança eu poderia ter?

Mordi uma unha. Lembrei a mim mesma de que autopiedade era um sentimento horroroso. E Joe não tinha me esquecido, porque ia à festa de Ollie. Eu só tinha que me acalmar.

Depois que a aula terminou, fiquei pairando do lado de fora da classe, esperando que todos saíssem para que eu pudesse ligar para Joe. Deixei um recado dizendo que estava ansiosa pela festa e que ele poderia me ligar ou mandar uma mensagem para combinar. Estava prestes a ir para o refeitório comer um bolinho quando Andrea saiu da sala. Estava com uma bolsa grande de lona, listrada de azul e branco. Em uma loja não teria nem prestado atenção nela, mas no ombro de Andrea, com a roupa dela, eu queria.

“Tudo bem, Sarah?”, ela perguntou, sorrindo para mim.

“Tudo, obrigada... Eu não estava esperando por você”, eu disse, e em seguida me preocupei instantaneamente que ela duvidasse das minhas palavras.

“Certo, muito bem. Boa noite!”, ela disse, e, sentindo-me estranhamente desapontada, observei-a se afastando de mim pelo corredor em direção à sala dos professores.

 

 

“Deixei outro recado, mas ele ainda não retornou.”

Cass pegou uma blusa cinza, com pequenos passarinhos costurados na bainha. Colocou-a na frente do corpo e ergueu as sobrancelhas.

Olhei para ela.

“Ótima”, eu disse, e em seguida voltei a morder a cutícula. Já passava das cinco. Estávamos fazendo compras havia duas horas, e eu estava com fome. Não tinha perguntando por que ela, Ashley e Donna estavam estranhas comigo. Agora que estava ali percebi que tal pergunta envolvia Cass. E isso não só provocaria uma briga, como também reforçaria a posição dela ao lado de Ash e Donna, deixando três contra mim. Em vez disso, eu estava tentado conquistar a solidariedade de Cass no quesito Joe. Pensei que se o pintasse como um cara um pouco babaca ela desejaria me ajudar com sua (considerável) experiência. Afinal de contas, éramos as únicas do grupo que tinham namorado (ou algo assim).

Cass dobrou a blusa quase com a perfeição original e a colocou de volta na pilha, cuidadosamente. Voltou-se para outra pilha, com outras blusas.

“Se não quiser esperar, pode ir para casa.”

Esfreguei a testa.

“Desculpe, Cass. Só estou cansada. Não dormi bem nos últimos dias.”

“Você já disse isso”, indicou Cass, quase para si mesma. “Que tal esta?” Ela mostrou a mesma blusa, só que de outra cor.

Tentei acenar entusiasmadamente com a cabeça e sentei no chão. Ainda ia demorar muito. Fiquei mexendo na alça da bolsa.

“Então... será que Joe vai me ligar hoje à noite?”

Cass fechou os olhos, com cara de sofrimento.

“Não sei, Sarah. É impossível dizer. O histórico dele não é dos melhores, então...”

Senti um toque de irritação. Amigos deveriam ficar felizes em ouvir os problemas dos outros. Cansei de escutá-la reclamando de Adam.

“Na verdade, acho que já vou.” Apoiei-me na parede para levantar. “Acabei de lembrar que minha mãe disse que ia ter chá, para a reunião dos escoteiros de Dan.”

Ela mal olhou para mim.

“Tudo bem. Até amanhã.”

Tentei fazer com que nossos olhares se cruzassem, mas ela aparentemente estava muito concentrada em comparar blusas.

Senti-me culpada e estranha ao andar para pegar o ônibus, como se estivesse sendo filmada. Adotei um sorriso vago e cantarolei suavemente para mim mesma. Era um comportamento estranho, mas conteve as lágrimas traiçoeiras que mais uma vez se formavam nos meus olhos.

No ônibus lotado, milagrosamente encontrei um assento. Liguei para Donna. Ela e Cass não se davam tão bem. Dois anos antes, Donna dissera na cara dela que Adam era um traidor babaca e que só uma imbecil ficaria com ele. Tiveram uma briga horrorosa, que terminou com Cass se debulhando em lágrimas e Donna se retirando enojada. Fizeram as pazes não muito depois — Donna pediu desculpas e Cass aceitou —, mas ainda havia um clima estranho entre as duas. Por isso, ligar para Donna não era a atitude mais bacana a se tomar, mas Cass não tinha sido muito bacana comigo também.

Como sempre, Donna atendeu quase imediatamente.

“Oi, amiga. Espere um segundo...” Ouvi uns ruídos vagos no barulho do ônibus. “Desculpe, só estou colocando umas batatas no forno.” Donna e o pai dividiam o trabalho na cozinha, o que fazia com que eu me sentisse uma inútil. Eu nem sabia cozinhar uma batata. “Compraram muito?”, ela perguntou.

“Na verdade não”, eu disse. “É por isso que estou ligando... Cass estava estranha.”

“É?” Isso chamou sua atenção. Pude imaginá-la se apoiando na bancada da cozinha, abrindo e fechando a máquina de lavar louça com o pé.

“É. Eu estava falando sobre Joe, e ela basicamente disse que não queria saber.”

Silêncio do lado de Donna.

“Ah.”

Meu estômago apertou. Tive a impressão de que fora tema de discussões em grupo nada amistosas. Mas continuei mesmo assim.

“Quer dizer, quantas vezes já sentei e escutei enquanto ela falava sobre Adam ter sido infiel?”

Donna fungou.

“Sim, mas na maior parte do tempo ela não fala de Adam. Já Joe é literalmente seu único assunto.”

Cocei o olho e ajeitei o cabelo, apesar de meu olho não estar coçando e meu cabelo estar arrumado.

“Quando foi a última vez que você me perguntou como eu estava? Aliás, que perguntou a qualquer um de nós qualquer coisa sobre nossas vidas?” Donna não podia me ver, mas meu rosto estava queimando. Sentia minha própria pulsação nos ouvidos. Donna disse: “Sei que você detesta confrontos, mas isso não quer dizer que sempre tenha razão...”. Ela suavizou um pouco o tom. “Sério, nós te amamos, mas você precisa desencanar dessa história. Queremos a velha Sarah de volta.”

Limpei a garganta.

“Sinto muito se acham que estou negligenciando vocês... Sinto muito mesmo. Mas nunca terão a velha Sarah de volta...” Respirei devagar. Eu me sentia mais corajosa, ainda que só por não ter mais nada a perder. “Independentemente de você e os outros estarem felizes ou não, conheci alguém de quem gosto muito... Não posso ser a Sarah tediosa e segura só porque é melhor para vocês.” Afastei o telefone do ouvido. Donna estava falando, mas eu não queria mais escutar. Desliguei e guardei o telefone na bolsa, depois olhei para a frente e apoiei minhas mãos nas pernas. Rezava para que os meninos ainda gostassem de mim.

 

 

Não consegui tomar café na manhã seguinte. Pensei em fingir que estava com enxaqueca e ficar na cama, mas concluí que teria que encarar as meninas em algum momento, então que fosse logo. Não queria que achassem que as estava evitando. Eu não tinha do que me envergonhar.

Mesmo assim, esperei até o último minuto para sair de casa. Podia perder a chamada um dia. Mandei uma mensagem para Ollie dizendo que tinha perdido a hora e pedindo que ele dissesse a Paul que eu estava no banheiro.

Ele respondeu: “Sem prob, bjs”. Eu me senti um pouquinho melhor. Ao que parecia pelo menos Ollie ainda estava do meu lado. O dia começava com aula dupla de francês, o que significava que eu não teria que encontrar as meninas até a hora do almoço. Um pouco mais satisfeita, consegui comer torrada com geleia.

 

 

A aula de francês foi de compreensão auditiva, então precisei de toda a minha concentração e não pude conversar com Ollie. No final eu estava exausta, mas pelo menos durante uma hora não tinha pensado em nada além da viagem de madame Rochelle e dos dois filhos, Pierre e Delphine, a Paris. Desgastada, vesti meu casaco e peguei a bolsa.

“Tudo bem, linda?”, perguntou Ollie. “Você parece triste.” Para meu verdadeiro horror, meus olhos se encheram de lágrimas instantaneamente. “Ah, não, Sarita. O que foi?” Ele colocou o braço ao meu redor e eu enterrei o rosto em seu ombro. “Vamos”, ele disse, conduzindo-me para fora da sala. “Você tem um horário livre agora, não tem?” Assenti no tecido espesso do casaco dele. Cheirava a sabão em pó. “Bem, eu ia mesmo matar a aula de música. Podemos sofrer juntos.”

Levantei a cabeça.

“Por que você está sofrendo?”

Ele olhou rapidamente para baixo e sorriu.

“Na verdade não estou.”

Acabamos caminhando pelo parque perto da escola. Era exatamente daquilo que eu precisava. Era um daqueles dias úmidos de outono que de algum jeito lembram caminhadas alegres seguidas de chá com torradas em cozinhas aconchegantes, e não nuvens baixas e um frio absurdo.

Ollie puxou minha mão.

“Então, o que foi?”

Observei as folhas volumosas que deixavam marcas molhadas nas minhas botas.

“Nada. É uma bobeira.”

“Ah, cala a boca”, Ollie disse amigavelmente. “Eu não perguntaria se não quisesse saber.”

Então contei tudo a ele. Foi ótimo poder desabafar e não me sentir na obrigação de editar o discurso, caso estivesse sendo chata, apelativa, ostensiva, ou o que quer que fosse que as meninas não gostavam em mim. Quando terminei, Ollie ficou quieto por um tempo, mas não foi um silêncio ameaçador como com Cass e Donna. Foi um silêncio pensativo, como se ele estivesse esperando minhas palavras encontrarem um lugar no mundo.

“Pobrezinha”, ele disse, afinal. “Que droga.”

Ri desconsolada e concordei.

“Pois é.”

“É claro que não tenho um único conselho útil a oferecer. Não entendo nada de relacionamentos. Principalmente entre meninas.” Ele balançou a cabeça como que assustado com a estranheza das interações femininas. Eu sabia o que ele queria dizer. Caminhamos em um silêncio companheiro por um tempo.

“Tem uma coisa que me preocupa... mais do que todo o resto, quero dizer”, eu comecei, após cinco minutos considerando se deveria falar ou não.

“Diga.”

Mordi o lábio. Mal tinha tido coragem de fazer a pergunta a mim mesma.

“Você acha que Joe quer ficar comigo? Tipo... como namorado?” Aquilo soava infantil vindo de mim, como quando você tem um namorado durante uma tarde na escolinha, faz com que ele se case com você de mentirinha e depois o deixa sozinho e vai brincar de outra coisa.

Mas Ollie não pareceu achar infantil. Ele parou de andar e coçou o nariz.

“Não sei, linda... Ele deveria querer. Você é incrível.” Ollie sorriu para mim e eu retribuí o sorriso, grata. “Você realmente quer minha opinião?” Assenti. “Acho que a essa altura ele já deveria ter dado mais pistas do que deu...” Pareceu que Ollie ia dizer mais alguma coisa, mas deixou ficar por isso mesmo.

Chutei um tronco de árvore.

“Era isso que eu temia.”

Ollie começou a andar outra vez.

“É só minha opinião. E quem sou eu?”

Não disse nada, e voltamos em silêncio para a escola.