19

Sarah? Eu trouxe uma xícara de chá.”

Abri os olhos. Cass estava inclinada sobre mim. Por uma fração de segundo tudo esteve bem, então me lembrei do que tinha acontecido, e a pilha de desgraças despencou sobre mim.

“Argh, obrigada”, eu disse, sentando e pegando a xícara. “Que horas são?”

“Quase dez. Você dormiu por quase dez horas!” Ela afastou gentilmente meu cabelo da testa. “Como está se sentindo?”

“Péssima.” Tomei um gole de chá e fechei os olhos enquanto o calor da bebida me aquecia por dentro. “Mas vou sobreviver.”

Cass sorriu encorajadoramente e fez um carinho na minha perna.

“Liguei para o pessoal. Vamos nos encontrar na praia daqui a uma hora.”

Fiz uma careta.

“Como eles reagiram?”

“Bem. Não se preocupe.”

Hum. Eu podia esperar e tirar minhas próprias conclusões. Fiz que sim com a cabeça.

“Tudo bem, mas nos encontramos lá. Tenho que conversar com meus pais.”

Ela se levantou.

“Certo. Vou deixar que se arrume. Pode tomar banho e tudo mais. Vou fazer uma torrada, quer?”

“Obrigada, mas estou sem fome. Como alguma coisa mais tarde.”

Assim que ela saiu, vesti as roupas da noite anterior sem me incomodar em tomar banho, dei um tchau rápido e corri de volta até a minha casa.

Engoli a raiva, porque não queria que meus pais me proibissem de ir à festa de Ollie naquela noite. Disse a eles que tinha brigado de um jeito horrível com as meninas. Estava confusa e chateada. Com a sensação de que todos estavam contra mim. Sinto muito, não vai se repetir. Blá, blá, blá. Foi uma atuação virtuosa, é preciso reconhecer.

Meu pai, que não guardava rancor, ficou muito impressionado com minha maturidade recém-adquirida e me perdoou instantaneamente. Minha mãe, que guardava rancor, ainda estava um pouco fria. Mas ia superar. De qualquer forma, fui autorizada a ir à festa de Ollie, e era isso que importava. Disse aos meus pais que me arrumaria na casa de Cass e voltaria antes da meia-noite. Pronto. Tudo resolvido.

 

 

Passei alguns minutos na frente do armário no meu quarto, olhando sem inspiração para os cabides de tédio que se passavam por minhas roupas, antes de lembrar que — dãã — era um luau. Jeans, casaco e cachecol eram tudo de que eu precisava. E eu tinha um chapéu cinza que adorava, mas não usava havia semanas, desde que Joe me informara que chapéus fedora ficavam ridículos em meninas. Mas eu sabia que ficava bem. Era meu chapéu mágico, que deixava meus olhos maiores e valorizava as maçãs do meu rosto. Eu ficava mais segura com ele, sentia-me mais confiante.

Ali parada, com o chapéu na mão, percebi a completa idiota que tinha sido.

Olhei no espelho do armário e fiz uma cara de pateta. Nem podia colocar a culpa toda em Joe. Eu sabia que ele tinha sido um babaca. Só queria sexo e me fez pensar que realmente gostava de mim na festa de Will, mas tinha avisado desde o começo que não queria nada sério. Se eu não tivesse mandado mensagens constantemente, ele provavelmente teria me esquecido. E eu nunca mais tinha usado o chapéu por culpa dele? Não precisava ter interpretado um comentário negativo como uma espécie de mandamento. Não usarás chapéus fedora se quiseres ficar comigo. Apesar de toda a sua loucura e babaquice — e ela era uma louca babaca, tinha certeza disso —, eu não podia acreditar que Mimi mudaria alguma coisa em si mesma por alguém. Fechei a porta do armário. Era doloroso pensar em Joe e Mimi juntos. Eu não conseguia suportar. O fato de que pelo menos em parte a culpa era minha não ajudou em nada. Aliás, só piorou as coisas.

Deitei na cama e me permiti exatamente cinco minutos de lamúria no travesseiro. Até coloquei o despertador no telefone. Se não pudesse fazer o choro parar — e me parecia bastante claro que não podia — ao menos não permitiria que tomasse conta da minha vida.

Sarah estava de volta. Bem, quase. Tinha algumas coisas a fazer antes disso.

 

 

Não fui a primeira a chegar. Cass, Ashley e Donna já estavam esperando do lado de fora do café quando, sem fôlego e me desculpando, apareci. Elas me perdoaram. O universo não explodiu porque cheguei cinco minutos atrasada. Quem diria? E, quando Donna começou a falar alguma coisa, eu a interrompi.

“Quero só falar uma coisa antes.” Ela parou, parecendo surpresa, mas não irritada.

Fiquei de cabeça erguida, com as mãos ao lado do corpo, batendo os polegares nos dedos médios de cada mão, como uma espécie de válvula de escape para os nervos. Limpei a garganta.

“Vocês estavam certas, eu fiquei obcecada por... Joe.” Era dif ícil até dizer o nome dele. “Agora sei. E peço desculpas se vocês se sentiram negligenciadas.” Olhei para cada uma das minhas amigas. Cass sorria encorajadoramente, Ash assentia, Donna olhava para o chão e se balançava para a frente e para trás.

Engoli em seco.

“Mas ao mesmo tempo... não acho que precisavam ter sido tão duras comigo. Não estava sendo maldosa. Só um pouco... não sei, ingênua. Seja como for, agora acabou.” Pisquei para afastar as lágrimas que se formavam. “E, se aceitarem, gostaria muito de esquecer o assunto e seguir em frente.”

Donna me abraçou forte.

“Você tem razão. Peço desculpas também. Era horrível ver você tão a fim dele, quando ele obviamente não dava a mínima para você.” Enrijeci, e ela acrescentou depressa: “Talvez eu tenha ficado um pouco enciumada. Digo, não tenho um namorado nem nada parecido há meses, e lá estava você, Sarah, completamente apaixonada por um garoto mais velho”.

Meus olhos se arregalaram. Uau. Por essa eu não esperava. Então senti os braços de Ashley me envolverem.

“Também peço desculpas. Acho que surtei um pouco por você ter salvado minha vida e tudo mais.”

E em seguida Cass abraçou todas nós.

“Que bom que estamos juntas novamente!”

Ficamos ali naquele abraço coletivo por alguns segundos, até um grupo de meninos passar por nós e um deles falar:

“Lésbicas safadas.”

Nós nos afastamos, rindo. Donna agarrou meu rosto e aproximou a cabeça da minha, mexendo de um lado para o outro, de modo que para os meninos pareceu que ela estava me beijando.

“Ah, fico louca com seus seios”, entoei, enquanto Ashley e Cass se ocupavam em agarrar o bumbum uma da outra. Não quis nem saber se os meninos continuavam ali. Era tão bom estar com elas novamente. Sem dramas.

 

 

Um pouco mais tarde, quando estávamos sentadas no café, tomando chocolate quente, contei sobre a visita a Joe e sobre ele e Mimi. Chorei, claro, mas cada vez que repetia a história ficava um pouco mais fácil.

Depois, ninguém disse nada por alguns segundos. As meninas pareceram completamente chocadas.

“Meu Deus, Sarah, que coisa horrível”, disse Donna, afinal. “Pobrezinha.” Mordi a bochecha e concordei com a cabeça.

“Não posso acreditar que ele ficou com Mimi, aquela vaca”, acrescentou Ash, balançando a cabeça. “Teve o olho maior que a barriga. Ela vai devorar aquele babaca vivo.”

Cass ergueu a xícara.

“Belo comentário.”

Pensei na atualização de status no Facebook de Mimi: “Ganhei!”. Será que ela se referia a Joe? Era quase lisonjeiro pensar que realmente me enxergava como uma ameaça. Agora me parecia absurdamente óbvio que nunca tinha sido assim. Joe só queria se divertir, e uma colegial de Brighton era apenas uma parte muito pequena desse objetivo. Mexi a colher na xícara, desenhando oitos na espuma, e tentei não sucumbir à escuridão que ameaçava me sugar.

“Vai ficar tudo bem”, disse Cass, passando a mão no meu cabelo. “Você vai encontrar alguém que a mereça.”

Os eventos da noite anterior vieram a mim em uma enxurrada. Coloquei a cabeça nas mãos e resmunguei.

“Meu Deus, esqueci de contar... Ollie tentou me beijar ontem à noite.”

o quê?!” Minhas amigas reagiram de forma uníssona, todas agora sentadas eretas, com olhos atentos como satélites receptores de fofocas.

“Foi horrível”, contei. “Falei para Ollie sobre Joe, ele me abraçou para me consolar e depois... ele tentou me beijar.” Meu estômago embrulhou com a lembrança. Foi constrangedor. “Não consegui lidar com aquilo. Então saí correndo. Quer dizer, o que ele estava pensando?”

As meninas se entreolharam e sorriram.

“Ele gosta de você. É a coisa mais óbvia do mundo”, Ashley disse gentilmente.

“Gosta nada. Ele é assim com todo mundo. Aquela história de ‘linda’ e tudo mais.”

Donna riu.

“Sarah, sua idiota, você é a única que ele chama de ‘linda’.” Olhei para ela, incrédula. “Pense um pouco. Já ouviu ele chamar mais alguém assim?”. Donna estava certa. Ele chamava meninas de “cara”, mas nunca de “linda”.

“Uau. Ollie...” Bati as unhas na lateral da xícara. “Mas não faço nem um pouco o tipo dele.”

Cass revirou os olhos.

“Por que você acha que ele nunca teve uma namorada? Elas. Não. Faziam. O. Tipo. Dele.” Cass pontuou cada palavra com um soquinho na minha cabeça.

Pensei por um instante.

“Não. Mesmo que estejam certas, não gosto dele. Não posso”, eu disse, decidida, inclinando-me para trás na cadeira.

“Não pode? Ou não quer?”, disse Ashley, juntando as mãos.

Dei de ombros.

“Não quero saber de homens, só isso. Preciso de um tempo para mim. Para vocês.” E minhas amigas vieram para cima de mim, para mais um abraço. Fechando os olhos e rindo enquanto lutava contra os apertões, pensei: Posso estar me sentindo péssima, mas pelo menos tenho meus amigos para ajudar.

Desvencilhei-me das garras das meninas.

“Preciso acertar as coisas com Ollie antes da festa. Vocês ainda estarão aqui, tipo, em meia hora?” Elas se entreolharam e assentiram, então saí.

 

 

Não pensei. Apenas corri. Ollie tinha sido um verdadeiro amigo nas semanas anteriores. Estava com um pouco de medo do que ele poderia dizer, mas também me sentia um pouco lisonjeada. Mas eu tinha sido sincera quando disse que não queria mais saber de homens. Depois de tudo o que tinha acontecido com Joe, a ideia de que alguém gostava de mim era um grande alívio, ainda que eu não pudesse retribuir o sentimento. Mas Ollie era um doce, e eu não podia perder a amizade dele. Não podia abrir mão dele.

Ollie abriu a porta lentamente, espiando em volta e fazendo uma careta.

“Veio me dar um soco na cara?”

Ri.

“Não, não desta vez.” Limpei alguma coisa imaginária do casaco e limpei a garganta. “Vim pedir desculpas... Está tudo bem.” Levantei os olhos para encontrar os dele. “Não está?”

Ele abriu a porta completamente.

“Claro que está. Sinto muito por... você sabe...” Ollie franziu o rosto outra vez. “Sinceramente, não sei o que deu em mim. Foi uma coisa de momento, acho... Quer dizer, você é linda e tudo mais, mas eu e você? Acho que não!” Ele riu. “Você consegue imaginar?”

Sorri, ainda que alívio e uma leve decepção brigassem dentro de mim. O alívio venceu, é claro.

“Tudo bem. De verdade.”

Ele deu um passo para trás.

“Vai entrar?”

“Melhor não. As meninas estão me esperando.”

Ollie sorriu.

“Vocês são amigas outra vez!” Dei de ombros alegremente. “Que bom. Não gosto de ver você triste.” Ele sorriu para mim, um pouco tímido. Minhas entranhas se contraíram quando pareceu que ele ia dizer mais alguma coisa, mas ele não disse, e ficamos parados sem dizer nada por alguns instantes.

“Então, é melhor eu...” Apontei com o polegar para o caminho.

“Sim, claro... Até a festa. Você vem, certo?”

“Claro. Não perderia por nada.”

Eu estava prestes a virar quando ele disse:

“Humm... Sarah?”

“Humm... Oi?”, eu disse, imitando-o. Qualquer coisa para manter a atmosfera leve.

Ele passou a mão no cabelo e parou, com o punho cheio de cachos. Enrijeci enquanto esperava o que ele ia dizer, tentando formular respostas adequadas rapidamente, mas então ele me surpreendeu.

“Desculpe. Fui um babaca por colocar em risco nossa amizade. Você é tão incrível, eu ficaria arrasado se não pudéssemos continuar como antes... bem... como antes de eu ter sido um babaca. Juro que não sei o que me deu. Podemos tentar esquecer o que aconteceu? Tipo, nunca mais tocar no assunto?” Ele mordeu o lábio e sorriu nervoso.

Brigando comigo mesma mentalmente por ter a audácia de me sentir decepcionada quando eu sabia que não queria Ollie, apoiei o rosto no peito dele. Seus abraços eram maravilhosos, isso era fato. Ele tinha braços fortes e ombros largos.

“Você é o menino mais legal do mundo inteiro”, eu disse, apertando-o.

O peito dele tremeu com uma risada.

“Que bom que você acha isso.”

Recuei e sorri.

“Então até à noite.”

Ele levantou a mão com um aceno. Virei as costas e me afastei.

 

 

Foi engraçado. Pensei nele várias vezes enquanto eu e as meninas caminhávamos pela praia naquela tarde. Mas ignorei esses pensamentos. Minha decisão estava tomada. Independentemente de tudo, eu tinha aprendido a lição. Nada de ficar sonhando acordada com meninos.

“Então, Ash”, eu disse, entrelaçando meu braço no dela. “Alguma fofoca?”

Ela não me respondeu. Só disse: “É estranho, não tenho tanto medo quanto achei que fosse ter”. Segui seu olhar até o mar.

“Ah, não, por favor, não me diga que está de maiô por baixo.” Meus olhos arregalados se dirigiram a Ash. Ela usava botas enormes, calças apertadas e um casaco militar. “Seria incrível”, ela disse. Mas estava sorrindo. “De qualquer forma, não preciso mais fazer isso. Já risquei da minha lista.”

Continuamos caminhando de braços dados, em um silêncio companheiro. Cass e Donna estavam um pouco mais à frente, conversando. Pelo menos aquelas últimas semanas tinham feito com que as duas se aproximassem. Isso era bom.

 

 

Mais tarde naquela noite, nós quatro estávamos do lado de fora da festa, com as bochechas rosadas de frio, soltando fumaça no ar quando respirávamos. Chegamos elegantemente atrasadas, e nem me incomodei. Estava me sentindo bem. As lágrimas continuavam à espreita, mas eu ia conseguir me divertir.

Então ouvi o barulho de uma mensagem de texto chegando. Sorrindo timidamente, peguei o aparelho.

 

Sarah-que-não-gosta-de-cerveja,
precisamos conversar. Estou
livre neste fds. Bj.

 

“Quem é?”, perguntou Cass.

Deletei a mensagem.

“Ninguém.”

Abrimos a porta e entramos na casa de Ollie. Em meio a tantos rostos familiares, encontrei o dele na cozinha, virando sacos de marshmallow em vasilhas. Nossos olhares se cruzaram e ele sorriu.