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Ashley se esticou como um gato e deu um bocejo tão grande que pude ver sua garganta.

“Bom, não sei direito”, ela disse. “Talvez quatro? Não, espere...” Ela olhou para o teto da sala comunal, como se o papel higiênico grudado ali fosse de alguma maneira ajudar com as estatísticas sexuais das férias. “Isso. Quatro.” Ela coçou as sobrancelhas. A adorável Ashley e sua constante necessidade de chocar.

Inquietei-me na cadeira. Em parte porque, apesar de ser setembro, fazia muito calor, e cadeiras ásperas de salas comunais + coxas suadas = desconforto. Mas também porque eu tinha um segredo. Bem, não era um segredo, mas, ao mesmo tempo, eu não queria simplesmente gritar aos quatro ventos. Uma dama deve se comportar.

Donna concedeu uma salva de palmas a Ashley.

“Bom trabalho, moça. Então, recapitulando: zero para mim...” Ela ergueu a mão até a testa, simulando um lamento. “O um de sempre para a senhorita Monogamia ali...”

Cass sorriu quase com culpa e abraçou os próprios joelhos. Após quase quatro anos com Adam, ela mantém o placar. E digamos que ele não é exatamente o senhor Monogamia.

“O que nos deixa com nossa amiga feminista Sarah.” Donna se jogou sobre meus joelhos e envolveu o braço no meu pescoço.

“Alguma novidade, hein?”, perguntou, pressionando a bochecha contra a minha e piscando aceleradamente. Ela usa tanto rímel que senti uma corrente de ar. Empurrei-a. Donna era bem pesada.

“Sem comentários”, eu disse, tímida, mas não pude conter o sorriso. Sou uma idiota.

Donna girou aos meus pés e olhou para mim com seus olhos escuros e enormes.

“Meu Deus, você fez!”

Soltei uma risadinha. Eu sei: trágico.

Ash e Cass se inclinaram para a frente nas cadeiras, como se eu estivesse prestes a dar a notícia do século, e me vi com três pares de olhos me penetrando, e três pares de sobrancelhas arqueadas.

“O quê?”, eu disse inocentemente.

Ash rosnou e jogou um resto de maçã em mim.

“Conte de uma vez!”

“Bem, o nome dele é Joe...”, comecei, mas fui interrompida pelos gritinhos das minhas amigas. Por uma fração de segundo a sala ficou em silêncio, e todo mundo virou para olhar para nós. Mas logo tudo voltou ao normal: era o primeiro dia de aula do semestre, e aqueles não tinham sido os primeiros gritinhos acusando uma fofoca.

“Eu sabia que alguma coisa estava acontecendo”, Cass disse alegremente. “Você está saltitando como o Tigrão desde que chegamos.”

Donna me deu um soquinho afetuoso no braço.

“Quem diria que você deixaria de odiar os homens!”

“Ah! Não encham”, eu disse amigavelmente, esfregando o braço. “E, seja como for, eu não odeio os homens.”

“Então, o que aconteceu?”, Cass perguntou, esfregando as mãos ao pensar na fofoca que eu estava prestes a oferecer.

Então contei a elas.

 

 

Começou com uma bola de futebol das princesas da Disney.

Estávamos passando as férias na Espanha, eu, minha mãe, meu pai e meu irmão caçula, Daniel. Ele tem doze anos e está começando a se tornar um chato, então eu estava tentando ficar bem longe dele. Aliás, meu plano era tomar sol, ler, nadar, comer, passear e talvez fazer umas comprinhas. Só isso. Eu gosto dos meus pais e ficaria tranquilamente com eles, mas o que eles queriam das férias e o que eu queria eram coisas tão distintas quanto, digamos, acordar cedo para visitar ruínas antigas e dormir até meio-dia para poupar energia para uma tarde preguiçosa. Resumindo, eu não estava muito entusiasmada.

Nos três primeiros dias, todos nós ficamos na praia, e meus pais faziam questão de mostrar que estavam levando nossas necessidades em consideração, mas então o chamado da paisagem espanhola se tornou mais forte e eles levaram Dan (otário!) no carro alugado para tirar fotos de umas montanhas, enquanto eu levei a mim mesma, meu iPod e meu livro para a praia, onde podia me ocupar seriamente com não fazer nada.

Estiquei minha toalha na areia, passei protetor fator trinta e deitei com um romance na mão, ouvindo Ellie Goulding. Foi ótimo ficar ao sol, totalmente sozinha. Pensei nas batatinhas e no chocolate na bolsa térmica ao meu lado. Mamãe e papai tinham a opinião de que comer qualquer coisa entre as refeições era uma espécie de falha de caráter. Como se fosse nobre estar morrendo de fome na hora do chá. Mas eles não estavam ali para me reprovar. Torci o corpo de satisfação. E então uma bola de futebol veio do nada e atingiu meus óculos escuros, arrancando as duas lentes.

“Ai! Mas que...?”

Peguei meus pobres óculos quebrados. Eram porcaria, mas a questão não era essa. Levantei o olhar e vi alguém se erguendo sobre mim. A luz do sol invadia meus olhos, mas deu para ver que era um menino, mais ou menos da minha idade, e não parecia particularmente arrependido.

“O que você está fazendo? Doeu!” Eu tinha adquirido um tom atraente de beterraba, em parte por causa do choque e da dor, mas principalmente porque não costumo entrar em confrontos. Estalar a língua irritada é o máximo que faço, mas fiquei tão furiosa que não teve jeito.

“Desculpe aí, cara”, ele disse, rindo. “Foi um acidente. Ben é péssimo no meio de campo.” Ele apontou para três meninos, que por sua vez apontavam para mim e riam. Ótimo.

“É, bem, você poderia ter me cegado”, resmunguei.

“Sem ofensa, mas acho que não”, disse o menino, ainda sorrindo. Por que ele estava tão alegre? “É de plástico. Olha só.”

Ele estendeu a bola para mim. Tinha as princesas da Disney nela. E, apesar de não ter me apaixonado por ele naquele momento, foi definitivamente o começo.

É claro que eu acabei sorrindo.

“Bela bola”, eu disse. Em seguida enrubesci outra vez, enquanto lutava contra o impulso de olhar para as partes dele.

Ele deu uma joelhada na bola e fez algumas embaixadinhas.

“Obrigado. Eu achei.”

“Legal. Sorte sua”, eu disse, espirituosamente.

Ele inclinou a cabeça para um dos lados, como se quisesse dizer: “Huuum... Garota estranha”, mas então, apesar da minha falta de habilidade para a conversa, ele se sentou na areia ao meu lado.

“Meu nome é Joe”, ele disse.

“Oi, Joe.” Ele me encarou por um instante. Retribuí o olhar grosseiramente. Merda. Sutilezas sociais. “Sarah”, eu disse depressa.

“Bem, é um prazer conhecer você, Sarah”, ele disse, sorrindo outra vez. Joe tinha dentes ridiculamente perfeitos, o que explicava tantos sorrisos. Exibido. Olhou para baixo, para espantar um mosquito do pé, e eu aproveitei a chance para dar uma olhada geral. Cabelos castanho-claros meio duros por causa da água do mar, olhos castanho-escuros, esbelto, porém não magricela, vestindo nada além de um short largo de natação. Não tinha como negar: era um gato.

“Então, você está aqui sozinha?”, ele perguntou, jogando a bola de uma mão para a outra.

Balancei a cabeça.

“Com meus pais”, e em seguida acrescentei depressa, “mas fico basicamente na minha. E você?”

“Estou com eles”, respondeu Joe, acenando com a cabeça para os amigos, que agora estavam ocupados empurrando um ao outro na areia. “Amigos da facu.”

Vimos um deles colocar a mão sobre o peito e morrer dramaticamente em câmera lenta sob uma rajada de tiros imaginários de outro. Ergui uma sobrancelha.

“Ah, é? O que vocês estudam?”, perguntei. “Iniciação à babaquice?” (Eu estava conversando! Contanto que os amigos dele continuassem afastados, tudo ficaria bem. Eu podia dar conta de um cara novo, mas de caras novos, no plural? Era meu pior pesadelo. Eu não sabia o que fazer, o que dizer, como me ajeitar. Deveria colocar as mãos nas costas? Deveria cruzá-las? Que expressão deveria ter no rosto? Viram? Pesadelo. Então, em vez disso, simplesmente me calei. Deve ser daí que vem a ideia de que eu odeio os homens. As pessoas confundem minha falta de sociabilidade com indiferença.)

Seja como for, deu certo, porque Joe riu!

“É, além de estudos avançados em pentelhice”, ele completou. E então foi sua vez de enrubescer, ou será que foi minha imaginação? “Quer dizer, não pentelhice no sentido de... pentelhos.”

Eu ri.

“Tudo bem. Entendi o que você quis dizer.”

“Beleza.” Ele encontrou meu olhar por um instante e sorriu outra vez.

Apesar de tudo, senti uma onda de animação. Eu — a rainha das virgens! — estava sentada ali, em uma praia espanhola, conversando com um menino lindo e engraçado, que tinha olhado profundamente nos meus olhos. As meninas nunca iam acreditar. Que diabos, nem eu mesma podia acreditar. Detestava ser uma virgem entre, bem, um bando de não virgens. Detestava. Mas, ao mesmo tempo, já estava resignada a permanecer assim para sempre. A ideia de que um menino gostasse de mim o suficiente para fazer aquilo era simplesmente... estranha.

Não que eu tivesse problemas de autoestima. Não passava horas diante do espelho detestando meu corpo; não usava maquiagem demais; tinha planos. Queria ser escritora quando crescesse, e tinha todas as intenções de conseguir. Tipo, eu já podia ver meu eu futuro em uma noite de autógrafos em qualquer livraria. Mas me imaginar fazendo sexo? Muito menos plausível. Vai entender.

“... então, pode se juntar a nós se quiser.” Joe me olhou cheio de expectativa. Merda, estava tão ocupada analisando nossa conversa que me esqueci de participar dela (a história da minha vida).

“Desculpe, o que você disse?”

Ele me lançou aquele olhar de alerta para a menina estranha mais uma vez e disse:

“Vamos fazer um churrasco na praia hoje à noite. Quer vir?”

“Ah, sim. Legal. Com certeza.” Por sorte parei antes de acrescentar “Vou pedir à minha mãe”.

Joe levantou-se num pulo e esfregou a areia da bunda.

“Certo, ótimo. Nos vemos aqui, por volta das nove.”

E com isso ele pegou a bola das princesas e foi embora chutando Cinderela no rosto.

 

 

Durante o almoço naquela tarde, mencionei meus planos para a noite.

“Estava pensando em sair hoje à noite”, eu disse, mexendo casualmente nas batatas do prato.

Senti o olhar dos meus pais sobre mim.

“Ah, é, com quem?”, perguntou papai, indo direto ao assunto, como é característico dele.

“Com um pessoal que conheci na praia.”

“Um pessoal ou... meninos?” Papai arregalou os olhos.

Meninos...”, exagerei, imitando-o. “Mas não se preocupe, são da minha idade.”

Papai colocou molho na carne dele.

“Ah, certo, então não estou nem um pouco preocupado.” Ele e mamãe sorriram um para o outro. Eu detestava quando eles faziam aquela coisa de “Olha só nossa adolescente brincando de adulta”.

Revirei os olhos.

“Bem, estávamos planejando uma orgia imensa, mas podemos só fazer um churrasco na praia, se for melhor pra você.”

“O que é uma orgia?”, perguntou Dan.

“Tudo bem”, disse mamãe, ignorando meu irmão. “Só não volte muito tarde. E não fique bêbada.” Ela e papai trocaram sorrisos outra vez. Ah, que divertido ter uma filha adolescente que não causava problemas. Aguardem, pensei. Tudo pode mudar.

 

 

Naquela noite fui aos tropeços até a praia sentindo um friozinho no estômago e com creme de bronzeamento artificial nas pernas. Tinha passado uma quantidade absurda de tempo escolhendo o que vestir, indo de ridiculamente malvestida (biquíni e sarongue), ao simplesmente ridículo (salto alto). Finalmente optei por um vestido de verão com chinelos e a pashmina da minha mãe para aquecer. Não era exatamente algo moderno, mas não sou muito ligada em moda.

Quando cheguei à praia, estava começando a escurecer, e parei por um instante para observar aquele menino estranho que aparentemente tinha se interessado por mim — o que só o tornava ainda mais estranho. Ele estava sentado na areia, e a luz do sol poente lhe atribuía uma espécie de brilho bronzeado. Olhava para o mar e ocasionalmente tomava goles de uma garrafa de cerveja. Seus amigos estavam se divertindo na água, os gritos e risos escorrendo e fluindo como o mar. Mas Joe se contentava em sentar e simplesmente... existir.

E plim! Eu me apaixonei por ele. No tempo que uma imagem leva para ir do olho ao cérebro, transformei-me em uma menina de dezessete anos inexperiente com padrões absurdamente altos, uma menina que estava esperando a pessoa certa. Quase ri. Respirei fundo e desci pela praia, com os chinelos deslizando pela areia, de modo que minha caminhada sofisticada se transformou em um balanço inebriado.

“Sarah, oi!”, disse Joe, levantando num pulo e beijando minha bochecha. Ele estava um pouco eriçado e tinha um cheiro ótimo, fresco, e de pepino.

“Sente aqui. Bebida?”, ele disse, oferecendo-me uma cerveja, que eu odeio, mas aceitei assim mesmo. Olhei em volta à procura do churrasco.

“Parece que eles levam a sério a história de ‘proibido fazer churrasco’”, disse Joe, lendo minha mente. “Levaram as nossas coisas.”

Ele fez um beicinho, como uma criança, e eu achei uma graça.

“Por que você não está com seus amigos?”, perguntei, tomando um gole de cerveja e franzindo o rosto. Joe olhou para mim.

“Você não gosta de cerveja, gosta?”, ele disse, sorrindo.

“Na verdade, não”, admiti.

“Eu tomo.” A mão dele tocou a minha quando pegou a garrafa. “Tem umas cocas ali, acho.” Joe acenou com a cabeça para uma sacola de supermercado.

“Obrigada”, eu disse, pegando uma e fazendo tim-tim na garrafa dele. “Saúde.”

“Saúde para você também, Sarah-que-não-gosta-de-cerveja.”

“Então, por que você não está nadando?”, perguntei novamente.

Joe olhou para a areia e sorriu, em seguida levantou os olhos e me encarou.

“Porque tenho bons amigos”, ele disse de forma enigmática.

“Ah. Certo. Legal”, eu disse, sem querer tirar conclusões. Apesar de eu estar totalmente tirando conclusões. Eles tinham mesmo ido até o mar para que pudéssemos ficar sozinhos?

Joe não desgrudou os olhos dos meus, e pude sentir meu rosto esquentando.

“Você é muito linda, não é?”, ele declarou simplesmente. Presumi que fosse uma pergunta retórica. O que eu deveria dizer? Bem, como você pode perceber, não sou muito linda. Mas, com a luz certa, até que sou bonitinha? Fiquei quieta e sorri. Parece que mesmo que saiba que um elogio não é verdadeiro, ele pode deixar você feliz. Tomei um gole grande de coca para ter o que fazer além de sorrir.

Com os olhos na minha boca, Joe moveu o rosto em direção ao meu. Gostaria de dizer que nossas bocas se encontraram em um beijo ardente enquanto as ondas rompiam diante de nós. Mas na verdade eu engasguei com a coca.

“Meu Deus”, eu disse quando finalmente parei de tossir. “Não era para ser assim.” Olhei para Joe, mas, em vez de me encarar com a aversão que eu merecia, os olhos dele brilhavam com algo que parecia afeto. Ele colocou a mão suavemente na minha cabeça.

“Vem aqui”, ele disse, e me puxou na direção dele.

 

 

Era a deixa para o beijo.