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“Então... Aparência e realidade em Jane Eyre... Obrigado, senhor Jones.”
O sr. Roberts entregou ao meu amigo Rich uma pilha de trabalhos para distribuir. Eu amava Jane Eyre, mas o sr. Roberts tinha uma habilidade misteriosa de transformar qualquer livro na história mais tediosa já escrita. E também insistia em ser chamado de sr. Roberts, enquanto chamava todos nós de senhores e senhoritas. Ele achava que defendia os valores tradicionais ao nos tratar com o tipo de respeito que nós, como alunos de ensino médio, merecíamos. Nós achávamos que ele era um babaca.
Eu já tinha lido Jane Eyre umas cinco vezes, então me desliguei totalmente da aula. Não fiquei olhando pela janela com um sorriso no rosto enquanto desenhava coraçõezinhos com as iniciais de Joe, mas foi quase isso.
Eu realmente não queria ser o tipo de menina que não consegue se concentrar em nada além do namorado (namorado??), mas estava tendo sérias dificuldades de pensar em qualquer outra coisa. Dei uma olhada furtiva no telefone. Exatamente uma semana antes eu estava sentada com Joe em um café em frente à praia, resolvendo os problemas do mundo. A um milhão de quilômetros de uma sala de aula quente e úmida em Brighton.
Eu e Joe acabamos passando horas juntos no “não churrasco” na praia.
Os amigos dele acabaram se cansando de ficar no mar e se juntaram a nós. Eu me forcei a sentar ereta e ajeitei minha saia enquanto eles faziam o maior barulho para pegar bebidas e esticar toalhas e molhar a gente. Cheiravam como meninos: suor, cerveja e o que quer que tivessem passado naquela manhã para ficar cheirosos. Eu me mexia desconfortavelmente com a súbita alteração da dinâmica.
Joe gesticulou alegremente na direção geral dos amigos e os apresentou:
“Ben, Rav e Will, esta é Sarah. Sarah, estes são Ben, Rav e Will.”
Eu não sabia ao certo quem era quem, apesar de ter suposto que Rav fosse o de pele morena sentado no meio. Ele sorriu e disse oi, em seguida olhou para as próprias mãos. Relaxei um pouco. Poderíamos ficar quietos e desconfortáveis juntos.
“Então, de onde você é, Sarah?”, perguntou Ben/Will. Ele era baixo e tinha um sotaque escocês, mas, com seu cabelo escuro e ondulado e seu bronzeado, podia ser dali mesmo. Sorri meu melhor sorriso para dar uma boa primeira impressão.
“Brighton. E você?”
“Perth.” Ele baixou a voz. “Na Escócia.” Encarei-o.
“Imaginei que não fosse a cidade na Austrália”, eu disse, forçando uma risada. Ele agradeceu.
“Eu sei, é uma bobeira. Mas obrigado por rir... Will é de Brighton, não é, Will?”
Devo ter parecido um pouco empolgada demais quando disse: “Sério? Brighton? Uau! De que parte?”. Já Will foi completamente monossilábico. Ele era alto, largo e bonito de um jeito hollywoodiano. Todo bronzeado, com olhos e maçãs do rosto brilhantes. Ele tinha consciência disso, e parecia sempre um pouco entediado e zombeteiro, como se não precisasse se esforçar, já que sua beleza falava por ele. Chato. E os dentes dele nem se comparavam aos de Joe. A conversa prosseguiu de uma maneira esquisita e empolada. Eu tentei participar dela, mas fui distraída por minhas emoções conflitantes e não consegui me concentrar. Estava desesperada para que me deixassem a sós com Joe de novo, mas ao mesmo tempo não queria que fossem embora, porque Joe poderia ir com eles.
Rav acabou me livrando da minha agonia. Ele anunciou que estava faminto, então saiu com Ben e Will para buscar comida. Joe disse a eles que não iria. Ele queria ficar comigo. (Ele queria ficar comigo! Eu poderia ter uma camiseta com essas palavras estampadas.)
Assim que os meninos saíram, Joe deitou-se na areia e se esticou.
“Ufa! Achei que eles nunca iriam embora.” Ele colocou as mãos atrás da cabeça e sorriu para mim. “Obrigado por ficar por aqui.”
Sorri. Estava tentando reunir coragem o suficiente para dar o primeiro passo quando ele me puxou gentilmente em sua direção. Enquanto nos beijávamos, ele passou a mão pela minha perna, por baixo do meu vestido, até a minha coxa. Pude sentir meu coração batendo mais depressa, em parte porque estava gostando, mas principalmente porque era uma novidade assustadora. Afastei a mão dele gentilmente quando tentou entrar na minha calcinha.
“Você não quer?”, murmurou Joe, beijando o lóbulo da minha orelha.
Eu não sabia como responder sem quebrar o clima, então fiz uma manobra que envolvia beijar/balançar a cabeça/beijar enquanto transferia a mão dele para as minhas costas.
Joe resmungou: “Assim você vai me matar, sabia?”, e me beijou intensamente. Sua língua se atracava com a minha, e ele soltava um gemido de vez em quando. Os beijos eram quentes, e eu talvez tivesse cedido minha virgindade ali mesmo se não estivéssemos em um local público e eu não o conhecesse havia apenas doze horas. Não sou uma romântica incorrigível, mas queria mais dessa ocasião tão grandiosa do que um monte de areia nas minhas partes íntimas e uma preocupação incômoda de que poderia dar um show particular a alguém passando na praia. Já tinha ido mais longe com ele do que tinha ido com alguém em toda a minha vida.
Então continuamos nos beijando (muito) e conversando (um pouco). Foi mais do que suficiente para mim. Naquele momento pelo menos.
Quando o céu começou a clarear, eu e Joe estávamos deitados na areia, ele com o braço em volta dos meus ombros, eu com a cabeça no peito dele. Ouvi seu coração batendo e me enchi de felicidade.
“É melhor eu voltar”, eu disse afinal, passando a mão no algodão macio da camisa desbotada dele, querendo desesperadamente que a noite não acabasse.
Ele beijou o topo da minha cabeça e disse: “Que pena”. Em seguida abaixou e murmurou no meu ouvido: “Tenho planos para você, moça”.
Meu Deus. Desejo.
“Bom, você vai ter que guardar esses planos por um tempo”, respondi, levantando com esforço. Eu não tinha que ir apenas por causa das dúvidas sobre perder a virgindade ou não. Mesmo que Joe quisesse me levar para onde quer que ele estivesse hospedado, eu não queria ter que explicar mais tarde onde estivera para meus pais desesperados. Como eu também não estava com vontade de explicar sobre meus pais para Joe, simplesmente perguntei: “Quer me ver mais tarde?”. Tentei soar espontânea, o que contradizia meus verdadeiros sentimentos.
Joe sentou e apoiou os braços nos joelhos. Tentei não ficar olhando para a areia presa aos pelos claros das pernas dele.
“Com certeza.” Ele sorriu e mexeu as sobrancelhas de um jeito atrevido.
“No café em frente à praia?”, perguntei, pra deixar tudo bem claro.
Ele fez uma pequena saudação.
“Sim, claro. Desculpe, Sarah-que-não-gosta-de-cerveja.” E de repente se levantou num pulo e me puxou pela cintura para perto dele. “Você é maravilhosa”, ele disse, e me deu mais um beijo intenso.
Consegui me soltar, rindo enquanto ele tentava me agarrar.
“Joe! Tenho que ir.”
Ele deu um tapinha na minha bunda.
“Pode ir. Mas esteja no café às quatro da tarde, ou terá problemas.”
“Estou morrendo de medo”, zombei, e em seguida corri rindo enquanto ele avançava para cima de mim. É incrível o que uns bons beijos são capazes de fazer pela confiança de uma menina.
Fui sorrindo por toda a trilha curvilínea ladeada por arbustos que levava da praia ao nosso bangalô, absorvendo o cheiro inebriante de lavanda e zimbro e me sentindo invencível. O sol já se erguia no horizonte quando entrei silenciosamente e tranquei a porta atrás de mim. Felizmente o silêncio reinava, exceto pelo chiado da eletricidade e pelo ruído dos grilos do lado de fora. Meus chinelos faziam barulho no chão de azulejo, então os tirei e coloquei cuidadosamente a cabeça dentro do quarto de mamãe e papai para avisar que estava de volta. Por sorte eles não acordaram o suficiente para notar que a luz do dia começava a se infiltrar pelas cortinas. Fui até a cozinha e abri a geladeira. Presunto, queijo, tomate, pão, chocolate. Perfeito. Fiz um sanduíche com duas fatias grossas de pão, coloquei em uma bandeja com algumas batatinhas, um pedaço de chocolate e um copo d’água e levei até a sala. Peguei o controle e sentei no sofá, cruzando as pernas. Os canais eram todos espanhóis, mas estava passando um episódio de Friends. Dublado, é claro, mas mesmo assim foi relativamente confortante.
Eu não queria realmente ver tv. Só queria ficar ali, acordada, enquanto o céu clareava, fazendo a refeição que tinha perdido porque passara horas na praia beijando um menino lindo e engraçado com olhos incríveis.
Nunca tinha chegado perto de me sentir assim antes. Eu não tinha começado particularmente tarde — a primeira vez que fiquei com um menino foi em uma viagem com a escola para a França, no oitavo ano —, mas nunca fui muito além de beijar. Era uma excursão cheia de atividades, e eu e Cass passamos umas duas horas beijando dois meninos de outra escola. Foi totalmente inocente, mas me lembro de ter me sentido superadulta, porque estava beijando como gente grande beijava na tv. Foi bem legal. Mas depois disso não vivi grandes emoções. Não porque não quisesse; eu só não queria ficar com nenhum dos meninos disponíveis. Então me tornei Sarah Millar, que odeia os homens. Não bebe, não paquera, não transa. Fim de papo. O máximo que eu tinha feito fora em uma festa no segundo ano, quando deixei que um garoto passasse a mão em mim. (Para falar a verdade, eu teria ido mais longe naquela vez, mas meu pai chegou para me buscar. Trágico, eu sei, mas me salvou de uma situação potencialmente assustadora. Sam Massey, o menino em questão, tinha um quê de poeta do século xviii — cabelos castanhos ondulados, pele morena e olhos cheios de alma. Sempre gostei dele. Além de lindo, Sam era um pouco tímido, como eu, e sabia conversar. Mas também era o menino de quem India Chadwick, a menina mais marrenta do primeiro ano, gostava. Foi o suficiente para que eu nunca mais fizesse nada com ele. Passei a semana seguinte fugindo sempre que via India, apesar de, surpreendentemente, ela nunca ter descoberto que eu tinha beijado o menino de quem ela gostava. Sam mudou de escola logo depois. Não sei por quê. Às vezes ainda penso no que poderia ter acontecido se India não tivesse atrapalhado.)
E agora Joe. Eu gostava muito dele. Muito. E, incrivelmente, ele parecia retribuir o sentimento. Suspirei, contente, e devorei o sanduíche, enquanto Ross e Rachel ficavam juntos na tv.