Certa noite, o Alfie enroscou-se numa cova do edredão, aos pés da Evie. Estremecia alegremente a sonhar com o pequenoalmoço, quando despertou com os pais da Evie a conversar. Levantou-se e pôsse atentamente à escuta — não era um ruído que ele esperasse ouvir a meio da noite. Passava-se alguma coisa interessante. Subiu até ao topo da cama e lambeu a orelha da Evie.
Evie retorceu-se e limpou a saliva da cara.
— Alfie, estamos a meio da noite, que estás a fazer, tonto? — perguntou a bocejar e a espreguiçar-se. — Volta a dormir, ainda falta muito para nos levantarmos.
Virou-se para o outro lado e enterrou a cabeça na almofada.
O Alfie soprou pelo nariz, irritado. Porque é que a Evie não queria ouvir? Ela não percebia que estavam a acontecer coisas estranhas? Agarrou na manga do pijama da Evie com os dentes e puxou-a com todo o cuidado.
— Alfie, que se passa? — perguntou, com voz ensonada. — Precisas de ir fazer chichi? Se achas que vou andar às voltas pelo quintal à espera de que encontres um sítio, estás muito enganado!
O Alfie latiu com voz aguda e voltou a puxar-lhe pela manga. Depois soltou a manga e ficou quieto, com as orelhas em pé.
Evie pôs-se à escuta e finalmente percebeu porque é que o Alfie se comportava daquela maneira. Agora os pais não estavam sempre a conversar, também andavam pela casa. Havia portas que se abriam e se fechavam e conseguia ouvir o pai a falar ao telefone com alguém, com uma voz ansiosa. Era o bebé que ia nascer! Não podia ser outra coisa. Evie levantou a almofada, recostou-se na cabeceira da cama e sussurrou ao Alfie que se sentasse ao seu lado. Ele aninhou-se debaixo do braço dela e ficaram à escuta, no meio do escuro. Alguém estava a chegar a casa.
— Aposto que é a avó — murmurou a Evie. — Eles bem disseram que lhe iam pedir para tomar conta de mim quando tivessem de ir ao hospital.
O Afie concordou com um rosnido. Ele gostava da avó, ela trazia sempre chocolates na mala.
Alguns minutos depois, ouviram bater a porta da frente e alguém subiu as escadas. Por fim, a porta do quarto da Evie abriu-se e a avó espreitou.
— Olá, avozinha! — sussurrou a Evie.
— Olá, querida! Já imaginava que estivesses acordada, com todo este alvoroço. Vim ver se estás bem.
— O Alfie é que me despertou. A mãe vai ter o bebé? — Evie parecia ansiosa.
A avó sentou-se na ponta da cama e fez uma festa no focinho do Afie.
— O Alfie é esperto. Sim, eles acham que sim, mas não te entusiasmes demasiado, estas coisas podem levar o seu tempo — avisou, a sorrir para a Evie, que continuava agarrada ao cachorro, percebendo que não tinha razões para estar preocupada. A Evie gostava tanto do Alfie, e um cão era o ideal para manter a neta ocupada durante as semanas seguintes.
No dia seguinte, os pais trouxeram o bebé Sam para casa. A mãe da Evie e o Sam estavam óptimos, e não havia necessidade de ficarem internados no hospital. A mãe dizia que o choro de todos os bebés que havia na enfermaria estava a dar com ela em doida e exigiu ir para casa, para a sua própria cama.
Embora tivessem voltado o mais cedo possível, aquela espera pareceu à Evie uma eternidade. Era sábado e ficara em casa com o Afie e a avó. O dia foi-se arrastando, apesar de terem ido buscar o almoço ao restaurante, como recompensa. A avó ficou lá fora com o Alfie, que aspirava sofregamente o cheiro de batatas fritas, e a Evie foi lá dentro buscar a comida. Quando voltaram para casa, quer a Evie quer a avó foram dando ao Alfie batatas fritas por debaixo da mesa, tantas que ele rapidamente ficou de barriga cheia e adormeceu.
Evie estava sempre à escuta na esperança de ouvir o carro. O pai tinha telefonado a dizer que chegariam a meio da tarde e que só estavam à espera que o médico fizesse um último exame à mãe. A rua onde viviam era bastante tranquila, mas, mesmo assim, a Evie correu à janela uma dezena de vezes, até que finalmente avistou o carro deles.
— Já chegaram! — gritou.
A avó veio a correr e pôs-se ao lado dela. O pai estava a tentar tirar a cadeirinha do bebé do carro e tudo quanto conseguia ver do seu novo irmão era um pedacinho de manta azul a sair do banco.
O Alfie não sabia o que a Evie pensava, e isso era estranho, porque normalmente ele adivinhava sempre. Estaria feliz com estes novos acontecimentos? Lambeu-lhe a mão e ladrou com um ar curioso.
— É o bebé, Alfie. O meu irmão Sam. Vamos lá vê-lo.
A Evie desceu do parapeito da janela, e o Alfie foi atrás dela até à entrada. A avó tinha acabado de abrir a porta e os pais da Evie naquele momento entravam com o bebé.
— Evie! — A mãe abraçou-a com força. — Tive saudades tuas! Tu e a avó ficaram bem?
— Claro! Posso vê-lo, mãe?
Evie agachou-se ao lado da cadeirinha do bebé e espreitou o irmão. O Sam parecia muito pequenino — não passava de uma mãozinha agarrada à mantinha e de uma cara pálida meio coberta pelo gorro.
— Vamos pegar nele e tirar-lhe esta roupa para que possas vê-lo melhor. Fazia frio lá fora e tivemos de o tapar — explicou.
O Alfie acompanhou-os cheio de curiosidade enquanto seguiam para a cozinha. O bebé tinha um cheiro fresco e diferente, e ele queria investigar.
A avó e a Evie observaram a mãe a tirar o casaco ao Sam, com ajuda do pai. Por fim, ela levantou-se e trouxe-o para perto delas.
— Queres sentar-te, Evie? — perguntou. — Depois podes pegar nele.
Evie subiu à cadeira mais próxima e sentou-se, com os braços estendidos e cheia de expectativa.
A mãe beijou o nariz do Sam e entregou-o cuidadosamente à Evie.
— Sam, esta é a tua irmã mais velha! Evie ficou a segurar no Sam, com uma expressão espantada no rosto.
— É mais pequeno do que algumas das minhas bonecas — sussurrou, e olhou para a mãe com uma expressão preocupada. — Ele está bem?
O pai riu-se.
— Ele vai crescer. Tu ainda eras mais pequena.
Evie voltou a olhar para o Sam, enquanto ele abria lentamente os olhos.
— Está a olhar para mim! — gritou, radiante.
A mãe riu-se:
— Pois está. Dizem que os recém-nascidos não vêem grande coisa, mas é certo que ele está a olhar para ti.
— Sabes, ele é bastante parecido com a Evie — interpôs o pai.
— Sim, percebo o que queres dizer — concordou a avó.
Alfie observava-os enquanto conversavam animadamente. Sentia-se confuso. Ninguém o tinha apresentado ao novo bebé. A Evie era a dona dele e estava a ignorá-lo. Ladrou baixinho, e todos deram um salto. A pequena criatura no colo da Evie engasgou-se e lançou um choro arrepiante que fez o Alfie recuar. Que seria aquilo?
— Alfie! — exclamou a Evie num tom reprovador. — Para que foste fazer isso? Olha, fizeste o Sam chorar!
O Alfie recuou ainda mais, com o rabo entre as pernas. Agora a Evie estava zangada com ele. Não sabia se gostava dessa coisa que dava pelo nome de «bebé». Nos dias que se seguiram, a Evie apaixonou-se completamente pelo irmão. Sam não fazia outra coisa que não fosse estar deitado na sua alcofa e chorar de vez em quando, mas era muito engraçado. O pai da Evie tinha tirado férias para dar uma ajuda com o bebé, e a Evie ainda tentou argumentar que ela também merecia umas férias, mas, pelos vistos, as coisas não funcionavam dessa maneira, e tinha de voltar para a escola na segunda-feira de manhã. O pai foi levá-la de carro.
— Trazes o Sam quando me vieres buscar, sim? — pediu à mãe. — Quero que toda a gente o veja. É muito mais engraçado do que os irmãos dos meus colegas.
A viagem para ir buscar a Evie à escola serviu para a mãe estrear o carrinho de bebé do Sam. O Alfie observava-os enquanto o pai tentava controlar o carrinho. Seria bom poder dar uma volta. Tinham-no deixado sair para o quintal durante o fim-de-semana, mas ninguém o levara a passear e já sentia saudades de farejar uns bons cheiros. Foi buscar a trela, que estava pendurada num gancho na entrada, de onde a podia tirar com facilidade. Regressou com a trela na boca no momento em que a mãe descia os degraus da entrada com o carrinho.
— De certeza que não queres que eu vá? — voltou a perguntar o pai.
— Não, tu ficas a preparar o lanche, que eu estou bem — e fechou a porta atrás dela. Sem o Alfie!
O Alfie ladrou para avisar a mãe de que o deixara para trás. Não era costume ela esquecer-se, mas talvez o bebé a tivesse distraído.
— Hoje não, Alfie — disse o pai, abanando a cabeça. — Lamento, amigo, mas levar-te a ti e ao carrinho é demasiado.
Fez uma festa na cabeça do cãozinho e voltou para a cozinha, deixando o Alfie especado na entrada, com a trela na boca.
O Alfie ficou a olhar para a porta sem perceber nada. Ia sempre buscar a Evie à escola. A mãe da Evie não voltaria atrás para o levar?
— Alfie, biscoito!
Era o pai da Evie que chamava por ele. Deitou um último olhar à porta. Bom, um biscoito sempre era melhor do que nada...
A mãe e a Evie voltaram da escola com um ar cansado. O Sam dormira durante a maior parte do caminho, tendo apenas despertado para que todos pudessem dizer que ele era muito engraçado, mas agora estava com fome e irritado, a avaliar pelo choro que saía do seu ninho de cobertores.
A mãe sentou-se no sofá para lhe dar de mamar, e a Evie enroscou-se ao lado dela para o observar. Sentia saudades do Sam quando estava na escola. O Afie tentou saltar para cima dela, pois pensou que iriam ver televisão juntos, como era o seu costume. Mas a Evie deu um grito, horrorizada, e empurrou-o para o chão.
— Não, Alfie, podes magoar o Sam!
O Alfie encolheu a cauda e arrastou-se até à cozinha, cheio de tristeza. Em vez dele, ia ser o bebé a ver os seus programas favoritos ao lado da Evie! Não era justo!
Durante a semana que se seguiu, as pessoas continuaram a aparecer lá em casa com prendas para o bebé, e muitas vezes também traziam uma prenda para a Evie. Todos pareciam achar que o Sam era muito especial e falavam sempre nele. O Alfie não entendia bem porquê. O Sam não fazia grande coisa e certamente que não sabia fazer truques como um cão. O Alfie desejava muito que as coisas voltassem à normalidade e que todos reparassem nele, mas suspeitava que isso não iria acontecer.
Finalmente conseguiu reconquistar o seu lugar no sofá, quando a mãe da Evie disse que não havia problema em ele estar ali enquanto dava de mamar ao Sam, desde que a Evie não o deixasse lamber o bebé.
— O Alfie habituou-se a estar aqui sentado contigo, Evie — observou a mãe. — Não é justo que não possa estar aqui, mas fica de olho nele. — Levantou o Sam para que arrotasse e sorriu. — Olha, o Sam está a ver a cauda do Alfie a abanar. Acho que ele vai gostar de ter o Afie como companhia.
Evie acariciou o Alfie atrás das orelhas, e ele sentou-se no colo dela, com os olhos postos no bebé. No fundo, não se importava de dividir o sofá.