Capítulo Cinco

No dia seguinte era sábado, e a família estava a tomar o pequeno-almoço. Era sempre um momento agradável aquele começo de fim-de-semana em que todos podiam relaxar. Normalmente comiam qualquer coisa boa ao pequeno-almoço, mas, naquela manhã, nem os croissants conseguiam animá-los.

Finalmente o Sam parecia mais bem-disposto, deitado na sua cadeira de baloiço, na sala de estar.

— Ele está óptimo — disse o pai, depois de o ir espreitar. — Parece divertir-se. Acho que está a aprender a bater naquele móbile que tu lhe trouxeste, Evie.

Soltou um suspiro de alívio, sentou-se e serviu-se de uma grande chávena de café.

O Alfie deu um salto e pôs as patas em cima dos joelhos do pai, com o seu osso de brincar na boca. Normalmente o pai gostava de brincar com ele.

— Agora não, Alfie — murmurou o pai, afastando-o com cuidado.

Alfie foi dar uma patada nos calcanhares da Evie, na esperança de que lhe desse um pedacinho de croissant. Ela pôs um pedaço diante do nariz dele, e ele engoliu-o de uma só vez, com um ar agradecido.

— Evie! Estás a dar os restos ao Alfie? Quantas vezes te disse para não dares de comer ao cão quando estamos à mesa?

Normalmente a mãe não se importava, mas hoje estava cansada e com os nervos à flor da pele.

— Xô, Alfie! — sussurrou a Evie, enxotando-o com os pés.

O Alfie olhou para a cara aborrecida da mãe e arrastou-se tristemente até à sala. Sentou-se ao lado do Sam. O bebé estava a sorrir aos brinquedos pendurados à frente da sua cadeirinha e, de vez em quando, acenava-lhes com a mão. O Alfie ficou a observar a brincadeira. Era bastante divertido. Pousou o nariz nas patas e olhou para as pequenas figuras que saltavam e dançavam. O Sam tinha um cheiro agradável a leite e era bom estar com ele, depois do ambiente tenso e irritadiço que reinava na cozinha. O Sam tentava palrar e o Alfie respondia-lhe com latidos silenciosos, enquanto adormecia.

Passados alguns minutos, o tinir dos brinquedos foi abafado por um zunido irritante. O Alfie abriu um olho. Era o Sam quem fazia aquele ruído? Os bebés faziam ruídos assim? Não, o Sam estava a dormir. O zunido provinha de uma mosca enorme que tinha aterrado em cima do braço do bebé. O Alfie ficou com os pêlos eriçados quando a viu passear em cima do Sam. Odiava moscas e sabia que a mãe do Sam também não gostava delas. Sempre que uma mosca andava por perto, ela enxotava-a. Aquela mosca não devia estar a passear em cima do Sam!

O Alfie ficou a observá-la, à espera do momento de atacar. Estava tão concentrado que nem reparou que a Evie e a mãe tinham acabado de entrar na sala para verem o Sam. Horrorizadas, só o viram saltar com os dentes afiados a fecharem-se sobre a mosca, a poucos milímetros do braço do Sam.

— Alfie, não! — gritou a Evie, enquanto a mãe deu um salto para pegar no bebé.

O Alfie nunca tinha ouvido a Evie gritar assim — assustada e zangada ao mesmo tempo. Correu para debaixo do sofá e encolheu-se todo.

O Sam não tinha reparado na mosca, mas notou que a mãe o arrancou dos seus sonhos. Começou a chorar com força e a estrebuchar.

— Mãe, ele está bem? Nem acredito que o Alfie tenha tentado mordê-lo! — disse, com as lágrimas a correrem-lhe pela cara abaixo.

A mãe da Evie estava ofegante. Do sítio onde ela e a Evie se encontravam, parecia mesmo que o Alfie ia morder o braço do Sam, e ela tinha apanhado um susto valente. Levantou as mangas do pijama do bebé, à procura da dentada, mas ele parecia bem. Só estava chateado por o terem acordado.

— Que aconteceu? Está tudo bem? — O pai da Evie entrou a correr na sala, com o roupão a esvoaçar. — Aconteceu alguma coisa ao Sam? — perguntou, ao ver a cena.

— Não, está tudo bem — disse a mãe da Evie, lentamente.

— Pai, o Alfie ia mordendo o Sam! — soluçou a Evie, e abraçou-o.

Nem podia acreditar que o seu cachorrinho adorável fosse capaz de fazer uma coisa tão horrível, mas tinha-o visto com os seus próprios olhos enquanto saltava para o seu irmão, com os dentes à mostra.

— Acho que não era isso que ele queria fazer, Evie. — Pela voz, a mãe parecia estar a tentar resolver as coisas. — Olha só.

No chão, ao lado da cadeirinha de baloiço, uma varejeira enorme estrebuchava de patas para o ar.

— Sabes que o Alfie odeia as moscas, está sempre a querer abocanhá-las. Acho que ele estava a tentar apanhar uma mosca que tinha aterrado no braço do Sam.

Evie desencostou a cabeça do roupão do pai.

— A sério?

O pai da Evie estava com uma cara muito séria.

— Tens a certeza?

— Na verdade, não. Mas o Alfie nunca fez uma coisa destas, pois não?

Evie abanou a cabeça, aliviada.

— Nunca! Oh, mãe, obrigada por teres visto a mosca, senão teríamos ficado a pensar o pior!

— Onde está Alfie? — perguntou o pai, olhando à volta.

— Eu gritei-lhe e ele desapareceu debaixo do sofá! — A Evie ficou pálida. — Deve achar que estamos zangados. Pobre Alfie! — Evie agachou-se para espreitar debaixo do sofá, mas o Alfie fugiu dela e escondeu-se mais atrás. A Evie levantou-se, com um ar magoado. — Ele não quer vir — disse com tristeza.

— Tens de lhe dar tempo. O pai pôs um braço à volta dela e outro à volta da mãe e do Sam. — Venham para a cozinha.

O Alfie encolheu-se debaixo do sofá, a tremer. Nunca haviam gritado com ele assim. A Evie agira como se ele tivesse feito alguma coisa terrível, quando só estava a tentar ajudar o Sam! A mãe da Evie passava a vida a dizer que as moscas eram criaturas horríveis e nojentas, e estava sem pre a afugentá-las quando se aproximavam do bebé. «Será que a Evie e a mãe acham que eu queria morder o Sam?», pensou o Alfie. «Seria incapaz disso. Será que não sabem que eu não faria uma coisa dessas?» Ninguém parecia compreendê-lo muito bem. Estava sempre a meter-se em problemas, e mesmo a Evie, que parecia amá-lo muito, parecia já não ter tempo para ele. Talvez pensassem mesmo que ele era um cão capaz de morder alguém.

— Alfie! Alfie! — Era a Evie que chamava por ele. Estava estendida, a espreitar debaixo do sofá. — Anda cá para fora, Alfie, por favor. Eu não fiz aquilo de propósito. Anda cá para fora. Desculpa ter gritado contigo.

Os seus olhares cruzaram-se e o Alfie já não pôde resistir.

Avançou um pouco, com a cauda a abanar lentamente. Quando finalmente saiu, ela apertou-o com força e enterrou a cara no seu pêlo felpudo e branco.

— Oh, Afie!

O Alfie pôs as patas nos ombros dela e lambeu-lhe a cara, sentindo o sal das suas lágrimas. Porque chorava ela? Agora já estava tudo bem. Abanou a cauda e voltou a lambê-la com carinho.

— Afie! — A Evie riu-se, fungando. — Estou coberta da tua saliva! Oh, gosto tanto de ti! — suspirou. — Desculpa, não to tenho mostrado, pois não?

O Afie ladrou animadamente. Adorava a Evie e confiava plenamente nela. Só precisava de ouvir o amor na voz dela enquanto se aninhava contra o seu peito.