A festa de casamento

Chegou o tradicional bilhete, insincero como sempre, dizendo: “Quero que você seja o primeiro a saber”. Foi um duplo choque para Michael, porque anunciava tanto o noivado como o iminente casamento; o qual, para piorar as coisas, se realizaria não em Nova York, a uma distância decente, mas ali mesmo em Paris, bem debaixo do nariz dele — caso a afirmação se aplicasse à Igreja Protestante Episcopal da Santíssima Trindade à Avenue George v. A data era dali a duas semanas, no começo de junho.

A princípio, Michael teve medo e sentiu um vazio no estômago. Ao sair do hotel naquela manhã, a femme de chambre, que estava apaixonada por seu belo e afilado perfil e por sua vivacidade, farejou o ar de dura abstração que se apoderara dele. Aturdido, foi a pé até o banco, comprou um romance policial na Smith’s, na Rue de Rivoli, olhou com simpatia por alguns instantes para uma estampa desbotada de campos de batalha numa vitrine de agência de turismo e xingou um grego que o seguiu exibindo um baralho de inócuos cartões-postais que ele garantia serem imagens pornográficas.

Mas o medo continuou presente e, dali a pouco, Michael o identificou como o medo de nunca ser feliz. Conhecera Caroline Dandy quando ela tinha dezessete anos. Possuíra seu jovem coração durante toda a primeira temporada dela em Nova York e depois a perdera, devagar, tragicamente, bobamente, porque ele não tinha dinheiro e não tinha como ganhá-lo; porque, com toda a energia e boa vontade do mundo, não conseguia se encontrar; porque, embora ainda o amasse, Caroline perdera a fé que tivera nele e começara a vê-lo como algo patético, fútil e pobre, distante do brilhante fluxo da vida que inevitavelmente a atraía.

Como seu único consolo era saber que ela o amava, apoiou-se incerto nessa muleta; a muleta quebrou, mas ele continuou agarrado a ela, deixou-se arrastar ao mar e foi dar na costa francesa, com seus pedaços na mão. Trazia-os consigo na forma de fotografias, de um maço de cartas e de sua preferência por uma xaroposa canção intitulada “Among my souvenirs”. Manteve distância das outras moças, como se Caroline pudesse saber disso e lhe desse a recíproca de um coração fiel. Mas agora o bilhete dela o informava de que a perdera para sempre.

Era uma linda manhã. Nas calçadas em frente às lojas da Rue de Castiglione, os proprietários e os clientes olhavam para cima, onde o Graf Zeppelin, glorioso e reluzente, símbolo da fuga e da destruição — da fuga, se necessário, pela destruição —, deslizava pelo céu de Paris. Ouviu uma mulher dizer em francês que não se surpreenderia se bombas fossem despejadas dele. Então ouviu outra voz, cortada por ásperas gargalhadas, e o vazio de seu estômago congelou. Ao virar a cabeça, viu-se frente a frente com Caroline Dandy e seu noivo.

“Michael! Imagine, estávamos querendo saber por onde você andava! Perguntei no Guaranty Trust, no Morgan and Company, e finalmente mandamos um bilhete para o National City...”

Por que eles não sumiam dali, como num filme ao contrário? Por que não saíam caminhando de costas, descendo a Rue de Castiglione, atravessando a Rue de Rivoli, passando pelo Jardim das Tulherias, sempre andando de costas, o mais rápido possível, até se tornarem figuras vagas e apagadas no outro lado do rio?

“Este é Hamilton Rutherford, meu noivo.”

“Já nos conhecemos.”

“No Pat’s, não foi?”

“E na primavera, no bar do Ritz.”

“Michael, onde você anda se escondendo?”

“Por aí.” Que agonia. Lampejos de Hamilton Rutherford piscaram diante de seus olhos — uma rápida sucessão de imagens, frases. Lembrou-se de ter ouvido que, em 1920, ele comprou uma casa de campo por cento e vinte e cinco mil dólares, com dinheiro emprestado, e que, pouco antes da quebra da Bolsa, vendeu-a por mais de meio milhão. Sem ser bonito como Michael, era vitalmente atraente, confiante, posudo, e da altura certa para Caroline — ao dançar com ela, Michael parecia mais baixo.

Rutherford estava dizendo: “Faço questão de que você vá à minha despedida de solteiro. Vou fechar o bar do Ritz a partir das nove. E depois do casamento haverá uma recepção e um almoço no Hotel George v”.

“E, Michael, George Packman dará uma festa para nós depois de amanhã no Chez Victor, e quero que você vá. E também ao chá nesta sexta na casa de Jebby West; ela já o teria convidado se soubesse por onde você andava. Qual é seu hotel, para podermos mandar um convite? Sabe, decidimos nos casar em Paris porque mamãe está fazendo um tratamento de saúde aqui e a família inteira veio junto. Além disso, a mãe de Hamilton também está aqui e...”

A família inteira; eles sempre o haviam detestado, exceto a mãe dela; sempre foram contra o namoro. Que moeda vagabunda ele era, naquele jogo de famílias e dinheiro! Sob o chapéu, sua testa suava com a humilhação de saber que, apesar de todo o seu sofrimento, seu valor não passava daqueles convites. Freneticamente, começou a tartamudear desculpas de que precisava ir embora.

Foi então que aconteceu — Caroline olhou fundo para ele, e Michael sabia o que ela estava vendo. Ela enxergou a profundidade da ferida dele e algo estremeceu em seu íntimo, morrendo na curva da boca e em seus olhos. Ele a comovera. Todos os impulsos inesquecíveis de seu primeiro amor tinham ressurgido; de alguma forma, seus corações haviam vencido a distância e se tocado sob o sol de Paris. Subitamente, ela tomou o braço de seu noivo, como que o usando para se aprumar.

Foram embora. Michael caminhou depressa por alguns instantes; depois parou, fingindo olhar uma vitrine, e viu os dois se distanciarem na rua, andando depressa para a Place Vendôme, como pessoas com muito o que fazer.

Ele também tinha o que fazer — precisava pegar sua roupa na lavanderia.

Nada jamais será como antes, pensou. Ela nunca será feliz naquele casamento e eu nunca serei feliz em nada.

Os dois anos vívidos de seu amor por Caroline voltaram-lhe à cabeça como os anos na física de Einstein. Lembranças intoleráveis ressurgiram: de passeios ao luar em Long Island; de horas felizes em Lake Placid, ela com o rosto muito frio, mas morno, sob a superfície; de uma tarde melancólica num café da rua 48, nos últimos e tristes meses em que a idéia de casamento já lhes parecia impossível.

“Entre”, ele gritou.

O concièrge com um telegrama; brusco, porque as roupas do sr. Curly estavam meio rotas; porque o sr. Curly quase não dava gorjetas; porque o sr. Curly era obviamente um petit client.

Michael leu o telegrama.

“Tem resposta?”, perguntou o concièrge.

“Não”, disse Michael, e depois, num impulso: “Olhe”.

“Que pena... que pena”, disse o concièrge. “Seu avô morreu.”

“Nem tanto”, disse Michael. “Significa que vou herdar uns duzentos e cinqüenta mil dólares.”

Mas agora era tarde — por coisa de apenas um mês. Depois do impacto inicial da notícia, sua miséria pareceu ainda mais profunda. De noite, na cama, sem conseguir dormir, ouviu a interminável caravana de um circo se movendo pelas ruas de Paris, de uma feira a outra.

Quando o rumor do último carro desapareceu de seus ouvidos e as bordas dos móveis se tornaram azul-pastel com a alvorada, ele ainda pensava no olhar de Caroline na véspera — o olhar que parecia dizer: “Por que você não tomou alguma providência? Por que não foi mais forte e me obrigou a casar com você? Não vê como estou triste?”.

Os punhos de Michael se cerraram.

“Bem, não vou desistir até o último minuto”, sussurrou. “Já esgotei toda a minha falta de sorte e talvez a sorte tenha virado. Agüentei o que pude, até o limite das minhas forças, e, se Caroline não for minha, pelo menos irá para esse casamento com um pouco de mim no coração.”

II.

E, assim, dois dias depois, Michael subiu ao mezzanino e ao pequeno salão do Chez Victor onde se daria a festa. Chegou cedo; a única outra pessoa presente era um homem alto e magro, de cerca de cinqüenta anos. Cumprimentaram-se.

“Veio para a festa de George Packman?”

“Sim. Sou Michael Curly.”

“E eu sou...”

Michael não gravou o nome. Pediram uma bebida, e Michael comentou que os noivos deviam estar felizes.

“Até demais”, o outro concordou, de cara fechada. “Não sei como agüentam. Viemos todos juntos no navio; cinco dias de loucura e depois duas semanas de Paris. Você...”, hesitou, com um breve sorriso, “me perdoe, mas sua geração bebe demais.”

“Menos Caroline.”

“Sim, menos Caroline. Ela toma um coquetel e uma taça de champanhe, e pronto, já bebeu o suficiente, graças a Deus. Mas Hamilton bebe muito, e essa turma toda bebe demais. Mora em Paris?”

“No momento, sim.”

“Não gosto de Paris. Minha mulher, melhor dizendo, minha ex-mulher, a mãe de Hamilton, vive em Paris.”

“O senhor é o pai de Hamilton Rutherford?”

“Tenho essa honra. E não pense que não me orgulho do que ele tem feito; foi só um comentário genérico.”

“Claro.”

Michael olhou nervoso a chegada de quatro pessoas. Percebeu subitamente que seu smoking estava velho e brilhava; mandara fazer um novo naquela manhã. Os recém-chegados eram ricos e estavam à vontade uns com os outros em sua riqueza — uma linda morena, com um risinho histérico, que ele já conhecia; dois homens cujas piadas se referiam invariavelmente ao escândalo da noite passada e às potencialidades daquela noite, como se desempenhassem papéis importantes numa peça que se estendia sem fim, rumo ao passado e ao futuro. Quando Caroline chegou, Michael mal teve um momento com ela, mas foi suficiente para notar que, como todos os outros, parecia tensa e cansada. Estava pálida sob o rouge e com olheiras. Com um misto de alívio e orgulho ferido, viu-se colocado longe dela e em outra mesa; precisava de algum tempo para ajustar-se ao ambiente. Esse pessoal não era imaturo como aquele que ele e Caroline freqüentavam; os homens tinham mais de trinta anos e um ar de quem partilhava o melhor das coisas boas da vida. A seu lado, estava Jebby West, a quem ele conhecia; e, do outro, um sujeito jovial que logo começou a contar a Michael sobre uma brincadeira para a despedida de solteiro: iriam contratar uma garota francesa para aparecer com um bebê de verdade no colo, gritando: “Hamilton, você não pode me abandonar agora!”. A idéia parecia boba e sem graça para Michael, mas seu criador já se sacudia de rir por antecipação. Mais adiante, na mesa, falava-se do mercado de capitais — outra queda hoje, a pior desde a quebradeira. Alguns estavam gozando Rutherford por causa disso: “Que pena, meu velho. É melhor você nem se casar!”.

Michael perguntou ao homem à sua esquerda: “Ele perdeu muito?”.

“Ninguém sabe. Hamilton tem muito dinheiro em ações, mas é um dos rapazes mais espertos de Wall Street. Enfim, esse é um ramo em que ninguém diz a verdade.”

Desde o começo, o jantar foi regado a champanhe e, já perto do fim, atingiu um agradável nível de camaradagem. Mas Michael percebeu que todas aquelas pessoas estavam muito preocupadas para se deixar embalar por um estimulante comum; durante semanas tinham tomado seus drinques antes das refeições, ao estilo americano; vinhos e conhaques, ao estilo francês; cerveja, ao estilo alemão; uísque e soda, ao estilo inglês; e, como já tinham passado dos trinta, essa mélange absurda, que parecia um gigantesco coquetel num pesadelo, servia apenas para torná-los temporariamente menos conscientes dos equívocos da noite anterior. O que significa que aquela não era uma festa propriamente alegre; a escassa alegria reinante estava disponível apenas para os poucos que não tinham bebido nada.

Mas Michael não estava cansado, e o champanhe estimulou-o e tornou sua miséria menos aguda. Estava longe de Nova York havia mais de oito meses e não conhecia a maioria das novas canções, mas, aos primeiros compassos de “Painted doll”, sob a qual tinham experimentado tanta felicidade e desespero no verão anterior, dirigiu-se à mesa de Caroline e convidou-a a dançar.

Ela estava linda com seu vestido de um azul etéreo, e a proximidade de seu cabelo louro e quebradiço, de seus olhos cinza, frios e ternos, tornou-o rígido e desajeitado; o primeiro passo que deram no salão foi em falso. No começo, pareceu-lhe que não tinha nada a dizer; queria contar a Caroline sobre sua herança, mas a idéia parecia-lhe abrupta, inconveniente.

“Michael, é tão bom dançar de novo com você.”

Ele sorriu, amargo.

“Estou tão feliz que tenha vindo”, ela continuou. “Tive medo de que você desse uma de bobinho e sumisse. Agora podemos ser bons amigos. Seria tão bom que você e Hamilton gostassem um do outro.”

O noivado parecia tê-la emburrecido; ele nunca a ouvira dizer tantas obviedades antes.

“Eu poderia matá-lo sem nenhum remorso”, disse Michael, sorrindo, “mas ele parece um bom sujeito. Nada contra. O que eu quero saber é: o que acontece com pessoas como eu, que não conseguem esquecer?”

Ao dizer isso, não pôde impedir que sua boca descaísse; Caroline percebeu e seu coração estremeceu violentamente, como na véspera.

“Você se importa tanto assim, Michael?”

“Sim.”

Por um segundo, enquanto ele dizia isso com uma voz que parecia vinda de seus sapatos, os dois não dançaram; apenas se apoiaram um no outro. Depois ela se afastou dele e torceu a boca num lindo sorriso.

“A princípio eu não sabia o que fazer, Michael. Contei a Hamilton sobre nós, que eu gostava muito de você, mas ele não ficou preocupado, e tinha razão. Porque eu superei você — sim, superei. E um belo dia, quando menos esperar, você vai acordar e descobrir que também me superou.”

Ele sacudiu a cabeça teimosamente.

“Vai, sim!”, ela continuou. “Não fomos feitos um para o outro. Sou muito avoada e preciso de alguém como Hamilton para tomar decisões. Foi mais isso do que uma questão de... de...”

“De dinheiro.” Mais uma vez, ele se viu a ponto de lhe dizer o que havia acontecido e, mais uma vez, algo lhe disse que ainda não era a hora.

“Então, como explica o que aconteceu quando nos encontramos ontem?”, ele perguntou, desolado. “O que aconteceu agorinha mesmo, quando nos derramamos um para o outro, como costumávamos fazer, como se fôssemos uma só pessoa, como se o mesmo sangue corresse dentro de nós dois?”

“Pare com isso”, ela implorou. “Você não pode falar assim. Já está tudo decidido. Amo Hamilton de todo o meu coração. É que me lembro de certas coisas do passado e fico com pena de você — de nós — pelo que já fomos um para o outro.”

Sobre o ombro dela, Michael viu um homem se aproximando para tirá-la para dançar. Em pânico, dançou com ela para mais longe, mas inevitavelmente o homem reapareceu.

“Preciso ver você a sós, nem que seja por um minuto”, disse Michael, bem rápido. “Quando pode ser?”

“Irei ao chá de Jebby West amanhã”, ela sussurrou, no exato momento em que uma mão caiu educadamente sobre o ombro de Michael.

Mas ele não pôde falar com ela a sós no chá de Jebby West. Rutherford não desgrudou dela e um arrastava o outro para todas as conversas. Saíram cedo. Na manhã seguinte, o convite de casamento chegou pelo primeiro correio.

Michael, desesperado e farto de andar de um lado para o outro no quarto, tomou uma atitude ousada: escreveu a Hamilton Rutherford convidando-o para um encontro na tarde seguinte. Numa rápida comunicação por telefone, Rutherford concordou, mas para um dia depois do sugerido por Michael. E o casamento estava a apenas seis dias.

Ficaram de se encontrar no bar do hotel Jena. Michael sabia o que iria dizer: “Olhe aqui, Rutherford, você tem idéia da responsabilidade de levar adiante esse casamento? Já se deu conta do que vai ter de problemas e lamentos ao forçar uma moça a contrariar os instintos de seu coração?”. Iria explicar-lhe que a barreira entre ele e Caroline era artificial e que agora deixara de existir, e exigiria que ele expusesse francamente a situação a Caroline antes que fosse tarde demais.

Rutherford ficaria furioso, era bem provável que houvesse uma cena, mas Michael sentia-se lutando por sua vida.

Achou Rutherford conversando com um homem mais velho, que Michael já encontrara em várias festas de casamento.

“Vi o que aconteceu à maioria dos meus amigos”, Rutherford estava dizendo, “e decidi que não iria acontecer comigo. Não é difícil; se você escolher uma moça de bom senso, der-lhe as coordenadas, ficar atento e for direito com ela, então este será um casamento de verdade. Mas se você vacilar no começo, já sabe — em cinco anos, o homem cai fora ou a mulher o engole.”

“Certo!”, concordou o homem, com entusiasmo. “Hamilton, meu rapaz, você está certo.”

O sangue de Michael ferveu lentamente.

“Não lhe ocorre, Rutherford”, perguntou, frio, “que sua atitude está fora de moda há pelo menos uns cem anos?”

“Não”, disse Rutherford com um sorriso, mas impaciente. “Sou mais moderno que qualquer um. Eu me casaria num avião neste sábado, se isso agradasse à minha noiva.”

“Não me refiro a essa maneira de ser moderno. Não se pode pegar uma mulher sensível...”

“Sensível? As mulheres não têm nada de sensíveis. Sujeitos como você é que são sensíveis, e são eles que elas exploram, por toda essa devoção e gentileza de vocês. Elas lêem um ou dois livros e vêem alguns filmes porque não têm o que fazer, e dizem que são mais sensíveis que os homens; para provar isso, tomam o freio nos dentes, e ai de você se reclamar — são tão sensíveis quanto um cavalo do Corpo de Bombeiros.”

“Caroline, por exemplo, é sensível”, disse Michael com voz entrecortada.

Nesse ponto, o outro homem se levantou para ir embora; quando a disputa pela conta foi resolvida e eles se viram sozinhos, Rutherford inclinou-se para Michael como se ele lhe tivesse feito uma pergunta.

“Caroline não é sensível”, disse. “Apenas tem bom senso.”

Seus olhos combativos, fixos em Michael, piscaram com uma luz cinza. “Isso pode lhe parecer meio brutal, senhor Curly, mas me parece que hoje os homens só faltam pedir para serem feitos de bobo pelas mulheres, as quais já nem acham graça em reduzi-los a isso. Há poucos homens no mundo de quem se pode dizer que mandam na mulher, e eu serei um deles.”

Para Michael, parecia a hora de trazer de volta a conversa para a situação concreta. “Você se dá conta da responsabilidade que está assumindo?”

“Sem a menor dúvida”, disse Rutherford. “Não tenho medo de responsabilidades. Eu é que tomarei as decisões — justas, espero, mas irrevogáveis.”

“E se você já estiver começando errado?”, perguntou Michael impetuosamente. “E se o seu casamento não estiver fundado sobre um amor recíproco?”

“Acho que sei aonde quer chegar”, disse Rutherford, ainda amável. “E, já que tocou no assunto, deixe-me lhe dizer que se você e Caroline tivessem se casado, esse casamento não duraria três anos. Sabe em que se baseava o caso de vocês? Em piedade. Os dois tinham pena um do outro. A piedade pode ser divertida para muitas mulheres e alguns homens, mas me parece que um casamento deve se basear na esperança.” Olhou para o relógio e se levantou.

“Tenho um encontro com Caroline. Lembre-se, você está convidado para minha despedida de solteiro depois de amanhã.”

Michael sentiu que o momento lhe escapava. “Quer dizer que os sentimentos de Caroline não têm importância?”, perguntou impetuosamente.

“Caroline está cansada e aborrecida. Mas ela conseguiu o que queria, e é isso o que importa.”

“Está se referindo a você?”

“Sim.”

“Posso perguntar há quanto tempo ela queria você?”

“Há uns dois anos.” Antes que Michael pudesse responder, Hamilton foi embora.

Nos dois dias seguintes, Michael pairou sobre um abismo de desolação. Angustiava-o que tivesse deixado de fazer alguma coisa para cortar esse nó que se atava com cada vez mais força bem debaixo de seus olhos. Telefonou para Caroline, mas ela deixou claro que seria fisicamente impossível encontrá-lo até a véspera do casamento, quando talvez pudessem se ver. Por isso foi à despedida de solteiro, um pouco por não querer passar a noite sozinho no hotel, mas também pelo sentimento de que sua presença naquela reunião traria Caroline para mais perto, mantendo-a à vista.

O bar do Ritz fora decorado para a ocasião, com bandeiras francesas e americanas e com uma lona revestindo toda uma parede, contra a qual os presentes foram convidados a concentrar sua disposição para quebrar copos.

Nos primeiros coquetéis, tomados no bar, houve muito derramamento de bebida provocado por mãos trêmulas, mas, mais tarde, com o champanhe, veio uma crescente onda de risos e ocasionais arroubos musicais.

Michael estava surpreso em verificar a diferença que seu smoking novo, a cartola nova de seda e a nova e imaculada roupa de baixo fizeram em sua auto-estima. Sentiu menos ressentimento para com aquelas pessoas por elas serem ricas e pomposas. Pela primeira vez desde que deixara a universidade, ele próprio se achava rico e pomposo. Sentiu-se fazendo parte daquele ambiente e aderiu até mesmo à brincadeira de Johnson, a da aparição da mulher traída, que esperava tranqüilamente numa sala no outro lado.

“Não queremos pegar pesado”, disse Johnson, “porque imagino que Ham já tenha tido um dia de cão. Sabia que Fullman Oil’s caiu dezesseis pontos hoje de manhã?”

“Isso faz diferença para ele?”, perguntou Michael, tentando fazer uma voz desinteressada.

“Claro. Ele jogou tudo ali; sempre joga tudo em alguma coisa. Até ontem, vinha tendo sorte; ou, pelo menos, até um mês atrás.”

Os copos se enchiam e se esvaziavam mais depressa agora e os homens gritavam uns para os outros de um lado a outro da mesa estreita. No bar, um grupo estava sendo fotografado e os flashes espocavam pela sala, formando uma nuvem sufocante.

“Está na hora”, disse Johnson. “Fique perto da porta, e nós dois vamos tentar impedi-la de entrar, até atrair a atenção de todo mundo.”

Foi para o corredor e Michael esperou obedientemente perto da porta. Vários minutos se passaram. Depois Johnson reapareceu com uma expressão estranha nos olhos.

“Está acontecendo uma coisa engraçada.”

“O que foi, a moça não está mais lá?”

“Não, está lá, sim, mas há outra mulher também, e não é ninguém que nós contratamos. Está procurando por Hamilton Rutherford e parece estar decidida a alguma coisa.”

Foram até a sala. Plantada numa cadeira perto da porta, havia uma jovem americana, meio de pileque, mas com uma firme expressão no rosto. Encarou-os com um gesto brusco de cabeça.

“E aí, falaram com ele?”, exigiu. “O nome é Marjorie Collins, ele sabe quem é. Vim de longe e quero ver ele agora — já! —, ou vou armar a maior confusão aqui dentro.” Levantou-se e ficou de pé, meio instável.

“É melhor ir falar com Ham”, sussurrou Johnson para Michael. “Talvez seja bom ele cair fora. Vou segurá-la aqui.”

De volta à mesa, Michael inclinou-se sobre o ouvido de Rutherford e, com uma certa amargura, cochichou:

“Há uma moça lá fora, Marjorie Collins, que quer falar com você. Está ameaçando armar confusão.”

Hamilton Rutherford piscou e sua boca se abriu; depois, lentamente, seus lábios se fecharam formando uma linha fina e ele disse com voz seca:

“Segurem a moça lá. E mande o barman vir falar comigo.”

Michael falou com o barman e, sem voltar à sua mesa, foi pegar tranqüilamente seu casaco e chapéu. De novo no hall, passou por Johnson e pela moça sem falar com eles e saiu na Rue Cambon. Chamou um táxi e deu o endereço do hotel de Caroline.

Seu lugar agora era ao lado dela. Não para lhe levar más notícias, mas apenas para estar com ela quando o castelo de cartas caísse sobre sua cabeça.

Rutherford insinuara que ele era frouxo — bem, era firme o bastante para não desistir da garota que amava sem tirar proveito de todas as chances nos limites da honra. Se ela desse as costas a Rutherford, ele estaria à espera.

Caroline estava no apartamento; ficou surpresa quando o telefone a chamou, mas ainda estava vestida e desceria imediatamente. Em poucos minutos, apareceu com um vestido de noite e com dois telegramas azuis na mão. Sentaram-se nas poltronas do lobby deserto.

“Mas, Michael, a festa já acabou?”

“Queria ver você, por isso vim para cá.”

“Que bom.” Sua voz era cordial, mas neutra. “Agorinha mesmo liguei para seu hotel, explicando que tenho provas do vestido e ensaios durante todo o dia de amanhã. Agora podemos ter nossa conversa.”

“Você está cansada”, ele arriscou. “Talvez eu não devesse ter vindo.”

“Não. Eu estava esperando por Hamilton. Esses telegramas podem ser importantes. Ele disse que precisava ir a algum lugar e não sabia a que horas voltaria, portanto fico feliz de ter alguém com quem conversar.”

Michael estremeceu diante da impessoalidade da última frase.

“Você não se importa sobre a hora em que ele chega?”

“Claro”, ela disse, rindo, “mas não posso fazer nada sobre isso, posso?”

“Por que não?”

“Não posso ficar dizendo a ele o que fazer ou não.”

“Por que não?”

“Ele não toleraria.”

“Ele parece estar querendo uma dona de casa”, disse Michael com ironia.

“Fale de seus planos, Michael”, ela pediu, mudando de assunto.

“Planos? Não consigo enxergar nenhum futuro além de depois de amanhã. O único plano de verdade que já tive foi amar você.”

Seus olhos passaram uns pelos outros, e o olhar que ele conhecia tão bem estava agora fixo no dele. As palavras vazaram rapidamente de seu coração.

“Deixe-me contar-lhe pela última vez o quanto amei você, nunca vacilando por um momento, nunca olhando para outra mulher. Agora, quando penso em todos os anos que me esperam sem você, sem esperança, já não quero viver, Caroline querida. Sonhei tanto com nossa casa, com nossos filhos, sonhei que a abraçava e tocava seu rosto, suas mãos e seu cabelo, que costumavam me pertencer; enfim, sonhei tanto que não consigo acordar.”

Caroline estava chorando baixinho. “Pobre Michael... pobre Michael.” Esticou a mão e seus dedos esfregaram a lapela de seu smoking. “Fiquei com tanta pena de você na outra noite. Parecia tão magro, como se precisasse de um terno novo e de alguém que tomasse conta de você.” Fungou e olhou com mais atenção para o smoking: “Ora, você está de smoking novo! E um novo chapéu de seda! Que chique!”. Riu, subitamente alegre em meio às lágrimas. “Você deve estar com dinheiro, Michael. Nunca o vi tão bem vestido.”

Naquele momento, pela reação dela, ele odiou suas roupas novas.

“Estou, sim”, ele disse. “Meu avô me deixou cerca de duzentos e cinqüenta mil dólares.”

“Michael”, ela gritou, “que maravilha! Nem consigo dizer como estou feliz. Sempre achei que você era o tipo de pessoa que devia ter dinheiro.”

“Pois é. Mas veio tarde para fazer alguma diferença.”

A porta giratória que dava para a rua emitiu um grunhido e Hamilton Rutherford apareceu no lobby. Seu rosto estava injetado, os olhos agitados e impacientes.

“Olá, querida; olá, Curly.” Curvou-se e beijou Caroline. “Passei aqui por um minuto para ver se havia algum telegrama. Estou vendo que você os recebeu.” Tomou-os da mão dela e comentou com Curly: “História estranha, aquela do bar, não? Principalmente porque vocês estavam armando uma na mesma linha”. Abriu um dos telegramas, fechou-o e virou-se para Caroline com expressão dividida, de quem traz duas coisas na cabeça ao mesmo tempo.

“Uma moça que não vejo há dois anos surgiu de repente”, ele disse. “Parecia uma espécie de chantagem, mas desastrada, porque não tenho e nunca tive nenhuma espécie de obrigação com ela.”

“O que aconteceu?”

“O barman chamou alguém da Sûreté Générale e em dez minutos estava tudo resolvido. As leis francesas contra chantagem fazem as nossas parecerem brincadeira de criança, e imagino que devem ter-lhe dado um susto que ela nunca irá esquecer. Mas achei mais sábio vir lhe contar.”

“Está insinuando que toquei no assunto com Caroline?”, perguntou Michael, severo.

“Não”, Rutherford respondeu lentamente. “Não, apenas decidiu estar por perto. E, já que está aqui, vou lhe dar algumas notícias que podem ser de seu interesse.”

Entregou a Michael um telegrama e abriu o outro.

“Está em código”, disse Michael.

“Este também. Mas aprendi a decifrar esse código na semana passada. Os dois juntos significam que vou precisar começar a vida de novo, do zero.”

Michael viu o rosto de Caroline empalidecer, mas ela continuou sentada e tranqüila como um ratinho.

“Investi mal e continuei cometendo esse erro por muito tempo”, continuou Rutherford. “Como você vê, nem sempre tenho toda a sorte, Curly. Por falar nisso, disseram-me que herdou um bom dinheiro.”

“Foi”, disse Michael.

“Então, é isso.” Rutherford virou-se para Caroline. “Você compreende, querida, não estou brincando nem exagerando. Perdi praticamente cada centavo que tinha e vou ter de começar tudo de novo.”

Dois pares de olhos a fitavam — os de Rutherford, vazios e ausentes, e os de Michael, famintos, trágicos, implorantes. Em um minuto, Caroline levantou-se da poltrona e, com um gritinho, atirou-se aos braços de Hamilton Rutherford.

“Ah, querido”, exclamou, “que importa? É melhor assim; prefiro assim, juro que prefiro! Quero começar assim, do nada! Por favor, não se preocupe nem fique triste, nem por um minuto!”

“Está bem, menina”, disse Rutherford. Suas mãos acariciaram gentilmente o cabelo dela; em seguida, afastou-a de si.

“Prometi voltar à festa por mais uma hora”, disse. “Tenha uma boa noite, vá para a cama e durma bem. Boa noite, Curly. Lamento tê-lo incomodado com essas questões financeiras.”

Mas Michael já apanhara o chapéu e a bengala. “Vou com você”, disse.

III.

Era uma delícia de manhã. O fraque de Michael não fora entregue, por isso ele se sentia desconfortável ao passar diante das câmaras fotográficas e de cinema em frente à igrejinha na Avenue George v.

Era uma igreja tão nova e limpinha que parecia imperdoável não se estar vestido de acordo. Michael, branco e trêmulo pela noite insone, decidiu ficar nas últimas fileiras. Dali podia contemplar as costas de Hamilton Rutherford, as costas rendadas e veladas de Caroline e as costas gordas de George Packman, que lhe sugeriram instabilidade, como se ele quisesse se apoiar na noiva e no noivo.

A cerimônia arrastou-se por longo tempo sob os alegres galhardetes e bandeiras que pendiam do teto e os grossos raios da luz de junho que penetravam pelas janelas altas sobre aquelas pessoas bem vestidas.

Quando a procissão, encabeçada pela noiva e pelo noivo, começou a descer a nave, Michael se deu conta, alarmado, de que estava exatamente onde, ao se dispersar, o cortejo se tornaria um grupo informal, e todos falariam com ele.

Foi o que aconteceu. Rutherford e Caroline foram os primeiros; Rutherford, contrariado pela tensão do casamento; Caroline, mais linda do que nunca, flutuando com maciez em meio aos amigos e parentes de sua juventude, em meio ao passado e em direção ao futuro, através da porta ensolarada.

Michael conseguiu murmurar, “Linda, simplesmente linda”, depois outras pessoas passaram e vieram falar com ele — a velha sra. Dandy, direto de seu leito de enferma e parecendo espantosamente bem-disposta, ou, pelo menos, se esforçando para isso, como a bela senhora que era; o pai e a mãe de Rutherford, divorciados havia dez anos, mas caminhando juntos e parecendo orgulhosos e feitos um para o outro. Em seguida, as irmãs de Caroline e seus maridos e seus pequenos sobrinhos, vestidos com terninhos Eton, e depois uma longa fila, todos se dirigindo a Michael porque ele se postara, paralisado, justamente no ponto em que a fila se dispersava.

Perguntou-se o que aconteceria agora. Os convites convocavam para a recepção no George v; um lugar caro que só Deus sabe. Será que Rutherford iria manter a programação mesmo diante dos tais telegramas desastrosos? Evidente que sim, porque a procissão se dirigia para lá naquela manhã de junho, de três em três ou de quatro em quatro. Na esquina, os vestidos longos das meninas, cinco delas lado a lado, drapejavam suas cores ao vento. As moças tinham se tornado diáfanas, uma flora ambulante; era lindo vê-las ondulando seus vestidos ao vento naquele dia iluminado.

Michael precisava beber alguma coisa; não conseguiria encarar a fila de cumprimentos sem um drinque. Escapando por uma porta lateral do hotel, saiu em busca do bar, para onde um chasseur o conduziu por meio quilômetro de novos corredores que lembravam os hotéis americanos.

Mas — como isso foi acontecer? — o bar estava cheio. Havia uns dez, quinze homens e duas, quatro moças, todos saídos do casamento e já precisando de um drinque. Havia coquetéis e champanhe no bar; coquetéis e champanhe de Rutherford, como se soube depois, porque ele fechara o bar inteiro, o salão de baile, os dois grandes salões de recepção e todas as escadarias para cima e para baixo, além das janelas que davam para aquele quarteirão de Paris. Aos poucos, Michael saiu e juntou-se ao longo e lento fluxo da fila dos cumprimentos. Ao cabo de uma florida névoa de “Que lindo casamento”, “Você esteve maravilhosa, querida” e “Você é um homem de sorte, Rutherford”, ele chegou ao fim da fila. Quando se aproximou de Caroline, ela deu um passo à frente e o beijou nos lábios, mas ele não sentiu nenhum contato nesse beijo; era um beijo irreal e ele se afastou. A velha sra. Dandy, que sempre gostara dele, segurou sua mão por um minuto e agradeceu-lhe as flores que ele mandara ao saber que ela estava doente.

“Lamento tanto não lhe ter escrito; você sabe, nós, as velhas, ficamos gratas por...” As flores, o fato de ela não lhe ter escrito, o casamento — Michael percebeu que tudo aquilo tinha para ela a mesma importância relativa; ela casara cinco outros filhos e vira dois desses casamentos serem destruídos, e essa cena, tão pungente e confusa para Michael, era para ela uma simples charada familiar em que já desempenhara o mesmo papel anteriormente.

O jantar com champanhe já estava sendo servido em mesinhas e havia uma orquestra tocando para o salão vazio. Michael sentou-se com Jebby West; sentia-se ainda um pouco envergonhado por não estar usando o paletó adequado para a manhã, mas via agora que não era o único nessa omissão, e se sentiu melhor. “Caroline não estava divina?”, disse Jebby West. “Tão completamente dona de si. Perguntei-lhe hoje de manhã se não estava um pouco nervosa por dar um passo como esse, e ela disse: ‘Por quê? Estou a fim dele há dois anos, e agora estou feliz, só isso’.”

“Deve ser verdade”, disse Michael, com ar sombrio.

“O quê?”

“Isso que você acabou de contar.”

Acabara de ser apunhalado, mas, para seu próprio desgosto, não sentiu a ferida.

Convidou Jebby para dançar. Na pista, o pai e a mãe de Rutherford estavam dançando.

“Fico um pouco triste”, ela disse. “Aqueles dois não se viam há anos; ambos se casaram de novo e ela se divorciou mais uma vez. Ela foi à estação esperá-lo quando ele chegou para o casamento e convidou-o a ficar em sua casa na Avenue du Bois, junto com outras pessoas, tudo perfeitamente de acordo. Mas ele teve medo de que sua mulher ficasse sabendo e não gostasse, por isso foi para um hotel. Você não acha triste?”

Uma hora e pouco depois, Michael deu-se conta de que já era de tarde. Num canto do salão, tinham feito um arranjo de telas, como as dos cinemas, e os fotógrafos estavam fotografando o novo casal. Para os dançarinos girando pela semitreva modulada do salão, os recém-casados, inertes como a morte e pálidos como cera sob luzes fortes, pareciam aqueles grupos alegres ou sinistros que se encontram à saída do trem-fantasma num parque de diversões.

Depois que o casal acabou de ser fotografado, veio um grupo de pajens; depois, as damas de honra, as famílias, as crianças. Mais tarde, Caroline, ativa e excitada, tendo havia muito dispensado a serenidade implícita em seu vestido e em seu buquê, apareceu e capturou Michael no meio do salão.

“Agora vamos tirar a nossa, a dos amigos.” Sua voz implicava que aquela foto seria a melhor, a mais íntima de todas. “Venha, Jebby, George — você não, Hamilton, esta é só com os meus amigos. Sally...”

Pouco depois, o que restava de formalidade desapareceu e as horas fluíram fáceis, numa profusa corrente de champanhe. À moda moderna, Hamilton Rutherford sentou-se à mesa com seu braço enlaçando uma antiga namorada e informou aos convidados, os quais incluíam alguns não poucos europeus atônitos e entusiasmados, que a festa não estava nem perto do fim; que continuaria no Zelli’s depois da meia-noite. Michael viu quando a sra. Dandy, não de todo recuperada da doença, levantou-se para ir embora e teve de parar em cada grupo; ele relatou o fato a uma das filhas, que finalmente conseguiu seqüestrar a mãe e conduzi-la até seu carro. Michael sentiu-se orgulhoso e amável por ter feito aquilo, e bebeu mais champanhe por conta.

“É incrível”, George Packman estava dizendo entusiasmado. “Esse regabofe custará a Ham uns cinco mil dólares e, na minha opinião, devem ser os últimos cinco mil que ele tem no banco. Mas pensa que ele economizou uma única garrafa de champanhe ou uma flor? Não! Ele é assim. Sabia que hoje de manhã, dez minutos antes do casamento, T. G. Vance ofereceu-lhe um salário de cinqüenta mil dólares por ano? Em mais um ano, estará de volta ao clube dos milionários.”

A conversa foi interrompida por um plano para carregar Rutherford para fora nos ombros da turma — um plano que seis deles puseram em ação e depois se postaram, ao nascer do sol, às quatro da manhã, dando adeus à noiva e ao noivo. Mas deve ter havido um engano porque, cinco minutos depois, Michael viu os dois, noivo e noiva, descendo as escadas até a recepção, cada qual com uma taça de champanhe erguida desafiadoramente no ar.

Esta é a nossa maneira de fazer as coisas, ele pensou. Generosa, fresca e livre; uma espécie de hospitalidade de fazenda da Virgínia, mas com um ritmo diferente, nervoso como o telégrafo de cotações da Bolsa.

De pé, inconspícuo no meio da sala, tentando identificar o embaixador americano, Michael só então se deu conta de que havia horas não pensava em Caroline. Olhou em volta e finalmente a viu, no outro lado da sala, refulgente e muito jovem, radiantemente feliz. Viu Rutherford perto dela, olhando-a como se nunca fosse se cansar disso, e, aos olhos de Michael, eles pareciam se afastar como ele gostaria que tivessem feito no outro dia, na Rue de Castiglione — se afastar e sumir em suas próprias dores e alegrias, nos anos que cobrariam a conta do justo orgulho de Rutherford e da comovente juventude e beleza de Caroline, recuar mais ainda, de forma que ele mal pudesse vê-los, como se fossem envolvidos por algo tão enevoado quanto seu vestido encapelado e branco.

Michael estava curado. A cerimônia, com sua pompa e fantasia, servira-lhe de ingresso numa vida em que sua própria dor não poderia acompanhá-los. A amargura dissolveu-se e o mundo reconstituiu-se a partir da juventude e da felicidade que o cercavam, dissoluto como o sol da primavera. Ao se aproximar de Hamilton e Caroline Rutherford para se despedir, estava tentando se lembrar com qual das damas de honra marcara um encontro para jantar naquela noite.

(1930)