A menina do hotel

É o tipo de lugar onde você se sente mais ou menos obrigado a dizer: “Sabe, estou aqui porque...”. Se não fizer isso, será alvo de ligeiras suspeitas, porque este canto da Europa não atrai as pessoas; ao contrário, limita-se a aceitá-las sem muitas perguntas inconvenientes. É um lugar aonde vão dar senhores em busca de cliniques particulares ou de asilos para tuberculosos nas montanhas e gente que já não é muito persona grata na Itália ou na França. E como se não bastasse...

No entanto, numa noite de gala no Hotel des Trois Mondes, um recém-chegado dificilmente perceberia a agitação abaixo da superfície. Ao observar o baile, notaria uma galeria de inglesas de certa idade, com golas abotoadas no pescoço, cabelos tingidos e quilos de pó no rosto, e uma galeria de americanas, também de certa idade, todas de vestido preto, lábios pintadíssimos e pele quebradiça. E notaria que a maioria delas parecia incapaz de tirar os olhos da ubíqua Fifi. Todo o hotel ficara sabendo que Fifi fazia dezoito anos naquela noite.

Fifi Schwartz. Uma bela e radiante judia, cuja testa alta estendia-se até que seu cabelo, como um brasão heráldico, explodisse em madeixas, ondas e caracóis de um vermelho escuro e macio. Os olhos eram grandes, claros, úmidos e brilhantes; a cor intensa de seus lábios e faces era real, assomando quase à superfície depois de bombeada por seu jovem e impetuoso coração. O corpo era tão bem torneado que um cínico chegou a dizer que ela parecia nunca usar nada sob o vestido; mas estava enganado, porque Fifi era tão bem equipada por Deus quanto pelas lojas. Tinha dezenas de vestidos — os cor de cereja, de Chanel; os lilases, de Molyneux; os rosa, de Patou — justos nos quadris, ondulando a um milímetro da pista de dança. Esta noite ela parecia uma mulher de trinta anos, num reluzente vestido preto, com longas luvas brancas.

“Que gosto!”, resmungava-se aos sussurros. “Onde estamos? No teatro, numa vitrine, num desfile? O que não deve pensar sua mãe? Mas, enfim, olhe para a mãe dela!”

A mãe estava sentada à distância com uma amiga, pensando em Fifi, no irmão de Fifi e em suas outras filhas, já casadas e, para ela, ainda mais bonitas que Fifi. A sra. Schwartz era uma mulher simples; estava tão habituada a ser judia que lhe era tranqüilamente indiferente o que os outros dissessem. Outros que não se importavam com os comentários sobre Fifi eram as dezenas de rapazes que andavam por ali. Viviam atrás de Fifi o dia todo, nas lanchas, clubes, lagos, automóveis, funiculares e salões de chá, dizendo “Ei, Fifi, olhe!”, exibindo-se, implorando “Me beije, Fifi” ou até mesmo “Me beije de novo, Fifi”, tentando conquistá-la.

A maioria deles, no entanto, era jovem demais, porque esta cidadezinha, por algum ilógico motivo, tinha uma atmosfera considerada excelente para um centro educacional.

Fifi não era muito crítica, nem tinha consciência de que estava sendo criticada. Aquela noite, o alvo das atenções era sua festa de aniversário e a maneira pela qual Fifi entrou no salão. A mesa fora posta na última de uma série de salas, cada qual dando para o saguão central. Mas Fifi, com seu extravagante vestido preto, entrou pela primeira sala, seguida por um pelotão de rapazes de todas as nacionalidades e misturas possíveis e, num passinho apressado que a obrigava a gingar os quadris e menear a cabeça, conduziu-os pelo salão, fazendo com que senhores idosos engasgassem com espinhas de peixe, os músculos faciais de suas esposas despencassem e uma onda de protesto acompanhasse a passagem do séquito.

Mas não precisavam ter ficado tão ressentidos. Não foi uma festa brilhante, porque Fifi sentiu-se na obrigação de ser gentil com todo mundo, multiplicando-se por doze, falando com a mesa inteira e interrompendo cada conversa, sem ligar para a distância a que estivesse do interlocutor. Assim, como ninguém se divertiu, as pessoas do hotel não tiveram nenhuma razão para se importar com o fato de ela ser jovem e feliz.

Depois da festa, alguns homens escapuliram e foram apresentar seus respeitos a outras mesas. Entre eles estava o jovem conde Stanislas Borowki, com seus belos olhos castanhos, como os de uma corça empalhada, e seu cabelo preto mechado de branco, como um teclado de piano. Dirigiu-se à mesa de uma importante família chamada Taylor e sentou-se com um suspiro, o que os fez rir.

“Foi assim terrível?”, perguntou alguém.

A loura srta. Howard, que viajava com os Taylor, era quase tão bonita quanto Fifi, mas vestia-se com mais recato. Tinha feito o possível para não ser apresentada à srta. Schwartz, embora tivesse repartido com ela vários dos rapazes ali. Os Taylor eram profissionais de carreira do serviço diplomático e estavam agora a caminho de Londres, depois da Conferência da Liga das Nações, em Genebra. Naquela temporada iriam apresentar a srta. Howard à corte. Eram americanos já europeizados; na verdade, tinham chegado a uma posição na qual dificilmente se poderia dizer que pertencessem a qualquer nação; certamente não a uma grande nação, mas talvez a uma espécie de Estado qualquer dos Bálcãs, composto de pessoas como eles próprios. Na opinião deles, Fifi era uma invenção tão gratuita quanto uma nova listra na bandeira americana.

A inglesa alta, com sua longa piteira e um pequinês semiparalítico, levantou-se, anunciou aos Taylor que tinha um compromisso no bar e saiu, levando o pequinês e provocando uma lufada gelada ao passar pela mesa de Fifi.

Cerca de meia-noite, o sr. Weicker, gerente do hotel, entrou no bar, onde o fonógrafo de Fifi despejava os mais recentes tangos alemães no burburinho de fumaça e conversas. O sr. Weicker tinha olhos apertados que viam tudo rapidamente e, toda noite, costumava assestá-los com ar de censura sobre o bar. Não estava ali para admirar Fifi, mas para continuar tentando descobrir por que as coisas não estavam indo bem no Hotel des Trois Mondes naquele verão.

Um dos motivos, naturalmente, era o mercado americano de ações, que não parava de cair. Com tantos hotéis europeus implorando para ser ocupados, os clientes haviam se tornado ranhetas, exigentes, difíceis de agradar, e o sr. Weicker tivera que tomar muitas decisões ultimamente. Uma família enorme havia saído do hotel por causa de uma vitrola que tocava a noite inteira, de propriedade de Lady Capps-Karr. Havia também, como se pensava, um ladrão agindo no hotel; foram registradas queixas sobre bolsas, cigarreiras, relógios e anéis desaparecidos. As pessoas dirigiam-se às vezes ao sr. Weicker como se quisessem revistar os seus bolsos. E havia muitas suítes que não poderiam estar vazias naquele verão.

De passagem, seu olhar caiu severamente sobre o conde Borowki, que jogava bilhar com Fifi. O conde Borowki não pagava sua conta havia três semanas. Justificou-se com o sr. Weicker dizendo que estava esperando pela chegada da mãe, a qual arranjaria as coisas. E havia também Fifi, que atraía uma gente indesejável — jovens estudantes que viviam em pensões e que bebiam sem pagar. Lady Capps-Karr, no entanto, era uma grande cliente; consumia no mínimo três garrafas de uísque por dia, para ela e sua entourage, e seu pai em Londres garantia o pagamento de cada gota. O sr. Weicker decidiu dar um ultimato a respeito da conta de Borowki naquela mesma noite e saiu. Sua visita durara cerca de dez segundos.

O conde Borowki guardou o taco e aproximou-se de Fifi, murmurando qualquer coisa. Ela tomou sua mão e levou-o para um cantinho escuro, perto do fonógrafo.

“Meu sonho americano”, ele disse. “Precisamos pintar um retrato seu em Budapeste, do jeito que está hoje. Seu retrato fará companhia aos de meus ancestrais, em meu castelo na Transilvânia.”

Era de supor que qualquer garota americana normal, que tivesse ido algumas vezes ao cinema, teria detectado uma vaga familiaridade na corte persistente do conde Borowki. Mas o Hotel des Trois Mondes vivia tão cheio de ricos e nobres autênticos quanto de gente que consumia cocaína em apartamentos fechados, enquanto se diziam aspirantes a tronos europeus, e Fifi não estava preocupada em checar quem pagava tributo a sua beleza. Naquela noite nada poderia surpreendê-la — nem mesmo o precipitado pedido que ele lhe fizera, de que se casassem naquela semana.

“Mamãe não quer que eu me case este ano. Mas podemos ficar noivos.”

“Mas minha mãe quer que eu me case. Ela é durona, como vocês, americanos, dizem. Vive me pressionando para que eu me case com a princesa disto ou a condessa daquilo.”

Enquanto isso, Lady Capps-Karr estava promovendo uma reunião no outro lado da sala. Um inglês alto e curvado, empoeirado de viagem, acabara de abrir a porta do bar, e Lady Capps-Karr, com um grasnido de “Bopes!”, atirou-se sobre ele: “Bopes!”.

“Capps, querida. Olá, Rafe... Engraçado encontrá-la aqui, Capps.”

“Bopes! Bopes!”

Suas exclamações e risos encheram a sala, e o barman sussurrou para uma americana mais curiosa que o recém-chegado era o marquês Kinkallow.

Bopes esticou-se sobre várias cadeiras ao mesmo tempo e chamou o barman. Disse que havia dirigido de Paris até ali sem parar e que zarparia na manhã seguinte para Milão, a fim de encontrar a única mulher que tinha amado na vida. Mas não parecia em condições de encontrar ninguém.

“Ah, Bopes, sou tão desastrada”, disse Lady Capps-Karr pateticamente. “Tão desastrada! Vim de Cannes para cá, pensando ficar só um dia, mas encontrei Rafe e alguns americanos que conhecia e, com isso, já se vão duas semanas, e agora meus bilhetes para Malta estão vencidos. Fique aqui e salve-me, Bopes! Ah, Bopes! Bopes!”

O marquês Kinkallow contemplou o bar com olhos cansados.

“Quem é aquela?”, perguntou. “A judia. E quem é aquela peça com ela?”

“É americana”, informou a filha de uma centena de condes. “E ele é um vigarista qualquer, só que, aparentemente, com alguma classe. É amigo de Schenzi, em Viena. Fiquei até as cinco da manhã, outro dia, jogando chemin de fer a dois com ele no bar, e ele me deve mille suíços.”

“Tenho de falar com aquela criatura”, disse Bopes, vinte minutos depois. “Pode arranjar isso para mim, Rafe?”

Ralph Berry conhecia Fifi Schwartz e, assim que a oportunidade se apresentou, cumpriu obedientemente a missão. Um chasseur acabara de solicitar a presença de Borowki no escritório. Rafe conseguiu chegar na frente de dois ou três homens que voavam em direção a Fifi.

“O marquês Kinkallow está ansioso para conhecê-la. Pode juntar-se a nós?”

Fifi contemplou o salão, franzindo um pouco o cenho. Algo advertia-a de que sua noite já estava suficientemente cheia. Lady Capps-Karr nunca lhe dirigira a palavra; Fifi achava que ela sentia inveja de suas roupas.

“Não pode trazê-lo aqui?”

Um minuto depois, Bopes sentou-se a seu lado com uma visível sombra de tolerância no rosto. Não podia evitar; na realidade, lutava constantemente contra isso, mas era algo que acontecia à sua expressão na presença de americanos. “São demais para mim”, parecia dizer. “Compare minha confiança com a insegurança deles, minha sofisticação com sua ingenuidade, e, apesar disso, são eles que agora detêm o poder mundial.” Nos últimos anos, descobrira que sua expressão, exceto quando rigorosamente controlada, continha um traço de ressentimento.

Fifi apontou-lhe seus olhos brilhantes e falou-lhe longamente de seu glamoroso futuro.

“E depois disso vou a Paris”, disse, como se anunciasse a queda de Roma, “estudar na Sorbonne. Depois, talvez me case, nunca se sabe. Tenho apenas dezoito anos. Soprei dezoito velinhas do meu bolo esta noite. Que pena que não chegou a tempo... Tive propostas ótimas para trabalhar no teatro, mas você sabe como uma garota fica falada nesse ambiente.”

“O que vai fazer esta noite?”, perguntou Bopes.

“Ah, estou esperando um monte de rapazes. Fique para o baile.”

“Pensei que eu e você poderíamos fazer alguma coisa. Estou indo para Milão amanhã.”

No outro lado da sala, Lady Capps-Karr estava tensa e furiosa com a deserção.

“Afinal de contas”, protestava, “os homens são assim mesmo, mas há certas coisas intoleráveis. Nunca vi Bopes desse jeito!”

Não tirava os olhos do diálogo que transcorria à distância.

“Venha a Milão comigo”, o marquês dizia. “Vamos ao Tibete e ao Hindustão. Vamos assistir à coroação do rei da Etiópia. Então, pelo menos, vamos dar um passeio de carro agora mesmo!”

“Estou com muitos convidados aqui. Além disso, não costumo dar voltas de carro com pessoas que acabo de conhecer. Aliás, estou noiva. De um conde húngaro. Ele pode não gostar e resolver desafiá-lo para um duelo.”

A sra. Schwartz se aproximou, quase pedindo desculpas.

“John sumiu. Voltou para lá”, anunciou.

Fifi soltou um ligeiro ganido de aborrecimento. “Mas ele me deu sua palavra de honra que não iria.”

“Mas foi. Olhei em seu quarto e não vi seu chapéu. Foi todo aquele champanhe no jantar.” Virou-se para o marquês. “John não é mau menino, mas é muito, muito fraco.”

“Acho que vou ter de ir buscá-lo”, disse Fifi.

“Detesto estragar sua noite, Fifi, mas não sei o que fazer. Talvez este senhor pudesse ir com você. Você é a única a quem ele ouve, desde que seu pai morreu. É preciso um homem para controlar um garoto.”

“Sem dúvida”, disse Bopes.

“Pode ir comigo?”, perguntou Fifi. “É num café na cidade.”

Bopes concordou com entusiasmo. Naquela noite de setembro, no carro, com sua fragrância brotando do casaco de arminho, ela explicou melhor:

“A tal russa deve tê-lo agarrado de novo; ela se diz condessa, mas só tem um casaco de pele, que usa com todas as roupas. Meu irmão tem dezenove anos e, quando bebe um pouco mais de champanhe, diz que vai se casar com ela, e mamãe fica preocupada.”

O braço de Bopes caiu impacientemente sobre seu ombro quando eles começaram a subir a colina em direção à cidade.

Quinze minutos depois, o carro parou a vários quarteirões do café, e Fifi desceu. O rosto do marquês estava agora premiado com um longo arranhão irregular, que corria em diagonal por sua face, atravessava o nariz e desaguava numa espécie de grande terminal de riscos de unhas, pouco abaixo do queixo.

“Não gosto de engraçadinhos”, disse Fifi. “Não precisa esperar. Podemos tomar um táxi.”

“Esperar!”, gritou o marquês, furioso. “Por uma figurinha insignificante como você? Disseram-me que o hotel inteiro ri de você, e agora entendo por quê!”

Fifi correu pela rua e parou um pouco na porta do café, até que viu seu irmão. Ele era uma reprodução exata de Fifi, só que sem a sensação de calor que ela transmitia; naquele momento, estava sentado a uma mesa com uma frágil exilada do Cáucaso e dois tuberculosos sérvios. Fifi esperou sua fúria chegar a um nível razoável, depois atravessou a pista de dança, conspícua como um trovão em seu vestido preto.

“Mamãe me mandou buscá-lo, John. Pegue seu casaco.”

“Ora, qual é o problema?”, ele perguntou, com um olhar distante.

“Mamãe quer que você venha.”

Ele se levantou de má vontade. Os dois sérvios também se levantaram; a condessa permaneceu imóvel; seus olhos fundamente escavados sobre aquelas maçãs mongóis fixaram-se no rosto de Fifi. Estava usando a famosa raposa que, segundo Fifi, representava a última mesada de seu irmão. Enquanto John Schwartz equilibrava-se com alguma dificuldade, a orquestra atacou de “Ich bin von Kopf bis Fuss”. Fifi agarrou seu braço, conduziu-o até a bengaleira para pegar o casaco e saíram pela porta em direção ao ponto de táxi.

Era tarde, a noite se arrastava, seu aniversário acabara e, de volta ao hotel, com John adernado sobre seu ombro, Fifi sentiu uma súbita depressão. Nunca precisara batalhar por nada, e, talvez porque a família Schwartz sempre tivesse enfrentado circunstâncias hostis, não tivera nenhum sentimento de frustração naquela noite, no Hotel des Trois Mondes — mas, de repente, começou a achar que tudo saíra errado. Não costuma acontecer que as noites terminem em alta, em vez de acabarem num bar? Todas as noites, depois das dez, ela se sentia a única pessoa viva numa colônia de fantasmas.

O porteiro ajudou-a a levar o irmão até o elevador. Ao entrar na cabine, Fifi descobriu, tarde demais, que havia duas outras pessoas. Antes que pudesse puxar John para fora, ambas saíram rapidamente, como se temendo um possível contágio. Fifi ouviu exclamações de “Meu Deus!” e “Revoltante!”, respectivamente da sra. Taylor e da srta. Howard. O elevador subiu. Fifi prendeu a respiração até chegar ao seu andar.

Foi talvez o impacto desse último encontro que fez com que ela entrasse rígida no quarto e se mantivesse quieta, no escuro. Teve então a sensação de que havia alguém lá dentro. Enquanto o irmão cambaleou pelo quarto e se despejou num sofá, ela esperou.

“Mamãe”, disse. Mas não obteve resposta. Ouviu apenas um som mais suave que um sussurro, como o de um sapato roçando no chão.

Minutos depois, quando sua mãe subiu, chamaram o valet de chambre e juntos vasculharam os quartos, mas não havia ninguém. Foram então para o balcão, que dava para o lago, com o brilho de Evian na costa francesa e os picos nevados das montanhas.

“Acho que já estamos aqui há muito tempo”, disse a sra. Schwartz. “John precisa voltar para os Estados Unidos no outono.”

Fifi não gostou. “Mas pensei que John e eu fôssemos para a Sorbonne, em Paris.”

“Como posso confiar nele em Paris? E como posso deixá-la sozinha lá?”

“Mas estamos habituados a viver na Europa. Para que aprendi francês? Ora, mamãe, já não conhecemos ninguém nos Estados Unidos...”

“Faremos novas amizades. Não é tão difícil.”

“Mas você sabe que é diferente. Todo mundo lá é tão preconceituoso. Uma garota não tem a menor chance de conhecer pessoas interessantes, mesmo que elas existissem. As pessoas vivem nos controlando!”

“Exatamente como aqui”, disse sua mãe. “Aquele senhor Weicker me parou no saguão; viu quando você entrou com John e me pediu que a mantivesse longe do bar, porque você é jovem demais. Eu lhe disse que você só toma limonada, mas ele não quis saber; disse que cenas como as de hoje fazem as pessoas irem embora do hotel.”

“Mas que cretino!“

“Por isso, acho melhor voltarmos para casa.”

Aquela palavra vazia — “casa” — soou terrível aos ouvidos de Fifi. Enlaçou a cintura de sua mãe, ao se dar conta de que era ela, e não a mãe, que estava completamente perdida no universo. Seu irmão roncava no sofá, tendo já entrado no mundo dos fracos, dos que se escoram uns nos outros e consideram suficiente o calor recíproco dos ébrios. Mas Fifi continuou olhando para o céu, sabendo que poderia alcançá-lo e descobrir seu próprio caminho, mesmo que contra toda a inveja e corrupção. Pela primeira vez, pensou seriamente na idéia de se casar imediatamente com Borowki.

“Não quer descer e dizer boa-noite aos rapazes?”, sugeriu sua mãe. “Há uma porção deles lá embaixo, perguntando por você.”

Mas algo mudara em Fifi — em sua complacência infantil, em sua inocência, mesmo em sua beleza — a ponto de desfazer tudo em algo intangível e escorregadio. Quando ela disse que não se sentia disposta e caminhou em direção a seu quarto, era como se lhe tivessem tirado, para sempre, alguma coisa muito importante.

II.

Na manhã seguinte, a sra. Schwartz foi ao escritório do sr. Weicker comunicar a perda de duzentos dólares em dinheiro americano. Tinha deixado a soma em seu chiffonier ao sair; quando acordara, o dinheiro havia desaparecido. A porta do apartamento fora trancada, mas, pela manhã, a tranca aparecera levantada, e nenhum de seus dois filhos estava acordado. Felizmente, guardara suas jóias num saquinho de camurça sob o travesseiro.

O sr. Weicker disse que a situação era delicada. Havia alguns hóspedes no hotel em situação difícil e talvez inclinados a gestos desesperados, e que, por isso mesmo, ele deveria investigar com cuidado. Na América, as pessoas têm dinheiro ou não têm; mas na Europa o herdeiro de uma fortuna pode não ter dinheiro sequer para cortar o cabelo até a morte de um primo em quinto grau e, ainda assim, sentir-se muito ofendido com qualquer insinuação. Abrindo seu exemplar do Almanaque de Gotha, o sr. Weicker descobriu que Stanislas Karl Joseph Borowki era o último descendente de uma linhagem mais antiga que a coroa de santo Estêvão. Naquela manhã, em roupas de montaria que mais lembravam um uniforme hussardo, fora passear a cavalo com a corretíssima srta. Howard. Por outro lado, não havia dúvida sobre quem havia sido roubado, e a indignação do sr. Weicker começou a se concentrar sobre Fifi e sua família, os quais poderiam ter-lhe poupado mais essa amolação se tivessem ido embora há algum tempo. Era concebível até que John, o filho boêmio, tivesse apanhado o dinheiro.

Para todos os efeitos, os Schwartz estavam de partida. Durante três anos tinham vivido em hotéis — em Paris, Florença, São Rafael, Como, Vichy, La Baule, Lucerne, Baden-Baden e Biarritz. Uma escola em cada cidade — sempre escolas modernas —, nas quais ambos os filhos aprenderam perfeito francês e rudimentos de italiano. Fifi tinha passado de uma gordota de quatorze anos para uma beldade de dezoito; John, ao contrário, parecia cada vez mais apagado e perdido. Ambos jogavam bridge, mas Fifi aprendera também a sapatear, uma novidade na época. A sra. Schwartz sentia que tudo aquilo ainda era insatisfatório, mas não sabia dizer por quê. Assim, dois dias depois da festa de Fifi, ela anunciou que iriam fazer as malas, ir a Paris para as últimas compras e, depois, voltar para a América.

Naquela mesma tarde, Fifi foi ao bar para apanhar seu fonógrafo, deixado lá na noite da festa. Sentou-se num banquinho alto e conversou com o barman, enquanto tomava um ginger ale.

“Mamãe quer me levar de volta para a América, mas eu não vou.”

“O que vai fazer?”

“Ah, tenho um pouco de dinheiro guardado e, quem sabe, talvez até me case.”

“Ouvi dizer que vocês foram roubados”, ele disse. “Como foi isso?”

“Bem, o conde Borowki acha que o sujeito entrou cedo no apartamento, escondeu-se entre as portas que separam os dois quartos e, quando fomos dormir, pegou o dinheiro e saiu.”

“Humm.”

Fifi suspirou: “De qualquer maneira, acho que você não me verá mais aqui no bar”.

“Sentiremos sua falta, senhorita Schwartz.”

O sr. Weicker pôs a cabeça na porta e entrou em seguida.

“Olá”, disse Fifi com frieza.

“Boa tarde, senhorita.” Apontou-lhe o dedo com falsa cordialidade. “Por acaso não sabe que falei à sua mãe a respeito de sua presença no bar? É para seu próprio bem.”

“Estou apenas tomando um ginger ale”, disse ela, indignada.

“Mas ninguém sabe o que está tomando. Poderia ser uísque ou qualquer outra coisa. São os hóspedes que se queixam.”

Olhou-o irritada. O quadro era tão diferente daquele a que se habituara, o dos homens que a admiravam enquanto ela desfilava, inatingível. O rosto subserviente, porém hostil, do sr. Weicker enfureceu-a.

“Estamos deixando o hotel!”, ela disse. “Nunca vi gente tão mesquinha em minha vida; sempre criticando todo mundo, inventando coisas horríveis e fazendo-se de santos. Espero que esta droga pegue fogo assim que dermos o fora daqui!”

Batendo com o copo no balcão, apanhou seu fonógrafo e retirou-se.

No vestíbulo, um carregador ofereceu-se para ajudá-la, mas ela recusou a ajuda e, apressada, seguiu em frente pelo saguão, onde cruzou com o conde Borowki.

“Ah, estou tão furiosa!”, disse. “Nunca vi gente tão atrasada. Acabei de dizer ao senhor Weicker o que penso deles.”

“Alguém ousou ser mal-educado com você?”

“Ah, não importa, estamos indo embora.”

“Embora?”, ele se assustou. “Quando?”

“Já. Não quero ir, mas mamãe está decidida.”

“Preciso falar-lhe seriamente a esse respeito”, ele disse. “Telefonei há pouco para o seu quarto. Acabo de comprar-lhe uma coisinha para o noivado.”

Quando ela pegou a bela cigarreira de ouro e marfim que ele lhe oferecia, sua animação voltou.

“Que linda!”

“Agora, escute. O que você acaba de me dizer apenas torna mais importante o que eu estava pensando. Recebi outra carta de minha mãe. Escolheu para mim uma garota em Budapeste — linda, rica, da minha própria classe e que adoraria se casar comigo —, mas estou apaixonado por você. Nunca achei que isso seria possível, mas caí de amor por uma americana!”

“Ora, por que não?”, disse Fifi, quase indignada. “O padrão de beleza por aqui é o das garotas com um rosto bonito, não importa que tenham pernas arqueadas ou dentes estragados.”

“Você é perfeita.”

“Ah, é verdade”, disse Fifi com modéstia. “Mas tenho um nariz um pouco grande. Alguém diria que sou judia?”

Com um toque de impaciência, Borowki voltou ao assunto: “Por isso estão me pressionando para casar. As questões de herança dependem disso”.

“Além do mais, minha testa é muito alta”, disse Fifi vagamente. “Tão alta que tem até rugas. No ginásio, costumavam me chamar de intelectual...”

“Portanto, a coisa mais sensata a fazer”, continuou Borowki, “seria nos casarmos imediatamente. Posso dizer-lhe, com toda a franqueza, que outras americanas, não muito longe daqui, não hesitariam um minuto.”

“Mamãe ficaria louca”, disse Fifi.

“Pensei nisso também”, ele rebateu, ansioso. “Não lhe diga nada. Se atravessarmos a fronteira esta noite, poderemos nos casar amanhã de manhã. Então, poderemos voltar e mostrar a sua mãe o brasão dourado bordado em sua bagagem. Na minha opinião, ela adorará vê-la na melhor posição social da Europa. Talvez esteja até dizendo a si mesma: ‘Por que aqueles dois não resolvem logo o assunto e me poupam as confusões e as despesas de um casamento?’. Tenho certeza de que ela gostaria da nossa ousadia.”

Calou-se à chegada de Lady Capps-Karr, que saiu do restaurante com seu pequinês e parou diante deles. O conde Borowki foi obrigado a apresentá-las. Como não sabia da deserção do marquês Kinkallow na outra noite, nem que ele fora obrigado a levar um arranhão para Milão, não fazia idéia do que estava a caminho.

“Já conheço a senhorita Schwartz de vista”, disse a inglesa. “É impossível não notá-la, por causa de suas roupas.”

“Não quer sentar-se?”, disse Fifi.

“Não, obrigada.” Voltou-se para Borowki. “As roupas da senhorita Schwartz fazem com que todas pareçamos desmazeladas. Sempre me recuso a me empetecar nos hotéis. Tenho a impressão de desperdício. Não acha?”

“Acho que as pessoas deviam se empetecar sempre que pudessem”, respondeu Fifi, ruborizando-se.

“Quis apenas dizer que as pessoas devem vestir-se com capricho apenas na casa dos amigos.”

Sem esperar resposta, disse “Até loguinho” para Borowki e afastou-se, deixando para trás uma nuvem de fumaça e uma leve fragrância de uísque.

O insulto fora cortante como uma chicotada, e isso roubou de Fifi o orgulho por seu guarda-roupa. De repente, passou a ouvir comentários que nunca ouvira antes — por exemplo, o de que usava todas as suas roupas ali por não ter mais onde usá-las. E apenas por isso a srta. Howard considerava-a vulgar e não se dignava a dirigir-lhe a palavra.

Por um instante, sua ira concentrou-se em sua mãe, por não lhe ter contado. Mas logo percebeu que a mãe também não sabia.

“Quem essa mulher pensa que é, afinal?”, perguntou Fifi, referindo-se a Lady Capps-Karr. “Qual é o título dela?”

“É viúva de um baronete.”

“E isso é importante? Mais que uma condessa?”

“Não. Uma condessa é muito mais importante. Infinitamente mais.” Borowki puxou sua cadeira para mais perto de Fifi e continuou falando.

Meia hora depois, Fifi levantou-se, ainda indecisa. Borowki insistiu:

“Às sete horas você me dará sua resposta. Às dez, estarei esperando-a no carro.”

Fifi concordou. Ele a acompanhou até o saguão e, pela grande parede espelhada, viu-a desaparecer no elevador.

Quando voltou, Lady Capps-Karr, tomando café sozinha numa mesa, chamou-o:

“Preciso falar com você. Por algum lapso, sugeriu a Weicker que, em caso de dificuldades, eu assumiria suas despesas?”

Borowki ficou vermelho. “Talvez tenha dito qualquer coisa parecida, mas...”

“Pois perca as esperanças. Contei-lhe que nunca tinha posto os olhos em você até duas semanas atrás.”

“Eu, naturalmente, apelei para uma pessoa de minha própria condição social...”

“Condição social! Que descaramento! Os únicos títulos de nobreza que ainda contam são os ingleses. Devo lhe pedir que nunca mais use meu nome de novo.”

Ele se curvou. “Essas inconveniências logo serão coisas do passado para mim.”

“Vai explorar aquela americaninha vulgar?”

“Como disse?”, ele perguntou secamente.

“Não fique nervoso. Posso lhe pagar um uísque com soda. Estou me pondo em forma para receber Bopes Kinkallow, que acaba de me telefonar dizendo que estará aqui à noite.”

Enquanto isso, em seu quarto, a sra. Schwartz dizia a Fifi:

“Agora que decidimos ir embora, estou ficando excitada com a idéia da volta. Será ótimo rever os Hirst, a senhora Bell, Amy, Marjorie, Gladys e seu novo bebê. Você também gostará; deve até ter se esquecido de como eles são. Você e Gladys eram muito amigas. E Marjorie...”

“Ah, mamãe, pare de falar nisso”, disse Fifi, sentindo-se miserável. “Não posso voltar.”

“Mas não precisamos ficar lá. Se John for para a universidade, como seu pai queria, talvez pudéssemos ir para a Califórnia.”

Mas, para Fifi, todo o romance da vida estava sugerido naqueles três últimos anos de Europa. Recordou os guardas de Roma, o velho espanhol que, pela primeira vez, a tornara consciente de sua beleza, em Villa d’Este, em Como, e o aviador francês que, do avião, jogara um bilhete apaixonado em seu jardim, em São Rafael, e a sensação que tinha às vezes, quando dançava com Borowki, de que ele usava um dólman forrado de branco e botas reluzentes.

Já tinha visto muitos filmes americanos e sabia que as garotas de seu país sempre se casavam com o namoradinho local e depois disso murchavam e morriam.

“Não vou voltar”, anunciou.

Sua mãe virou-se, com uma pilha de roupas nas mãos. “Que história é essa, Fifi? Acha que eu poderia deixá-la aqui, sozinha?” E como Fifi não respondesse, continuou: “Não deve dizer essas coisas. Agora, pare de reclamar e vá à cidade com minha lista de compras”.

Mas Fifi já decidira. Sua única chance de uma vida plena de aventuras era Borowki. Talvez ele entrasse para o serviço diplomático e, um dia, quando encontrassem Lady Capps-Karr e a srta. Howard num baile na embaixada, ela poderia fazer em voz alta a observação que já tinha na ponta da língua: “Detesto pessoas que se vestem como se estivessem indo ou voltando de um enterro”.

“Ande logo”, ordenou sua mãe. “E veja se John está no café e traga-o para o chá.”

Fifi pegou mecanicamente a lista de compras. Depois correu a seu quarto e escreveu um recado para Borowki, planejando deixá-lo com o concièrge quando saísse.

Quando fechou a porta, viu sua mãe lutando com um pesado baú e sentiu pena de abandoná-la. Mas havia Amy e Gladys na América, e isso a consolou.

Desceu as escadas, só no meio do caminho se lembrando de que, em sua distração, deixara de dar a tradicional olhada no espelho; mas havia um enorme espelho no saguão e ela parou em frente a ele.

Era linda — certificou-se disso de novo, só que, desta vez, com uma ponta de tristeza. Imaginou se o vestido que estava usando seria de mau gosto e se daria motivo para que Lady Capps-Karr e a srta. Howard se sentissem superiores a ela. Parecia-lhe um belo vestido, bem-feito, mas de cor talvez um pouco extravagante, com aquele azul-metálico.

Então, um ruído rompeu subitamente o silêncio do saguão e Fifi ficou sem fala e sem fôlego.

III.

Às onze horas daquela noite o sr. Weicker sentia-se cansado, mas o bar vivia um de seus momentos de agitação e ele resolveu esperar que as coisas se acalmassem um pouco. Não havia nada a fazer no escritório ou no saguão vazio; o salão, onde, durante todo o dia, ele mantinha longas conversas com inglesas e americanas solitárias, estava deserto. Assim, saiu pela porta da frente e começou a fazer a ronda do hotel. O fato de fiscalizar as lâmpadas acesas e verificar a limpeza do chão da cozinha deu-lhe a sensação de controle sobre o hotel, de responsabilidade, como se fosse um navio que ele inspecionasse do tombadilho superior.

Passou pela agitação de conversas e canções do bar e por uma saleta onde dois rapazes jogavam cartas e tomavam um vinho espanhol. Havia um fonógrafo tocando num quarto do segundo andar. Virou num corredor para dar a volta e regressar ao ponto de partida. Defronte ao hotel, à luz mortiça da porte-cochère, viu o conde Borowki.

Algo chamou-lhe a atenção — algo estranho. Borowki, que não podia sequer pagar a conta, estava num carro com motorista, ao qual dava uma espécie de instrução. Havia também uma mala no banco da frente. Weicker aproximou-se:

“Vai nos deixar, conde Borowki?”

Borowki pareceu assustado. “Só esta noite”, respondeu. “Vou encontrar minha mãe.”

“Compreendo.”

Borowki olhou-o com ar de censura. “Minha bagagem e meu chapéu estão em meu quarto, como poderá ver. Achou que eu estava fugindo para não pagar a conta?”

“Claro que não. Espero que faça boa viagem e encontre sua mãe bem-disposta.”

Mas, de volta ao hotel, Weicker despachou um valet de chambre para verificar se a bagagem continuava lá, recomendando-lhe que a abrisse para se certificar de que não estava vazia.

Tirou uma soneca durante uma hora. Acordou com o concièrge da noite puxando-o pelo braço e sentiu um cheiro forte de fumaça, mas levou alguns instantes para se dar conta de que uma das alas do hotel estava em chamas.

Mandou o concièrge dar o alarme e correu para o bar, atravessando a fumaça, ainda a tempo de ver a mesa de bilhar sendo devorada pelo fogo e as garrafas nas prateleiras explodindo com o calor, numa espécie de êxtase alcoólico. Fugindo dali às pressas, cruzou com um batalhão de chasseurs e camareiros semi-uniformizados tentando enfrentar o incêndio com baldes de água. O concièrge gritou-lhe que os bombeiros estavam a caminho. Mandou as telefonistas acordarem os hóspedes e, quando foi juntar-se aos que tentavam apagar o fogo, pensou pela primeira vez em Fifi.

Um ódio cego o consumiu. Ela fora cruel o suficiente para executar sua ameaça. Ele cuidaria daquilo mais tarde — ainda havia lei no país. O barulho lá fora anunciou a chegada dos bombeiros e ele correu para o saguão, repleto agora de homens de pijama trazendo suas malas e mulheres de camisola carregando cãezinhos e estojos de jóias. O saguão ficava cada vez mais cheio, com o alarido passando da conversa sonolenta e desencontrada para um staccato de pânico.

Um chasseur chamou o sr. Weicker ao telefone, mas o gerente não lhe deu ouvidos.

“É o comissário de polícia”, insistiu o rapaz. “Disse que precisa falar com o senhor.”

Com uma exclamação, o sr. Weicker correu para seu escritório: “Alô!”.

“Aqui é da polícia. O senhor é o gerente?”

“Sim, mas está havendo um incêndio...”

“Há entre os seus hóspedes um homem chamado conde Borowki?”

“Sim, mas...”

“Vamos levá-lo até aí para ser identificado. Foi preso na estrada, com base em uma denúncia que recebemos.”

“Mas...”

“Havia uma garota com ele. Vamos levá-los aí imediatamente.”

“Mas estou lhe dizendo...”

O telefone foi desligado do outro lado e o sr. Weicker voltou correndo para o saguão, onde a fumaça estava diminuindo. As mangueiras trabalhavam furiosamente havia cinco minutos. O sr. Weicker foi de hóspede em hóspede, tranqüilizando-os; as telefonistas ligaram de novo para os quartos, assegurando a todos que poderiam voltar a dormir; só então pensou de novo em Fifi e, desta vez por vontade própria, correu ao telefone.

A voz ansiosa da sra. Schwartz respondeu: Fifi não estava com ela. Era o que ele queria saber. Desligou bruscamente. Tinha a história completa e não conseguia pensar em nada mais sórdido — ela pusera fogo no hotel e fugira com um vigarista procurado pela polícia. Iria pagar por isso, e nem todo o dinheiro da América faria diferença. Se aquela temporada estava perdida para o hotel, Fifi nunca mais teria uma temporada na vida. Seria internada numa instituição cujo uniforme ainda era pior que as roupas que usava.

Quando o último hóspede tomou o elevador e só alguns curiosos permaneciam entre os sofás ensopados, outra procissão entrou pela porta da frente. Consistia em um homem à paisana, uma pequena muralha de policiais fardados e duas outras pessoas.

“Gostaria que identificasse essas pessoas. É esse o homem que conhece pelo nome de Borowki?”

“Sim”, respondeu prontamente o sr. Weicker.

“É procurado pela polícia da Itália, da França e da Espanha. E quem é essa moça?”

A moça estava parcialmente oculta atrás de Borowki, com o rosto na sombra. Ansioso, o sr. Weicker esticou o pescoço para vê-la. Tratava-se da srta. Howard.

Uma onda de terror o acometeu. Olhou de novo, como se, pela intensidade de seu olhar, pudesse transformá-la em Fifi, ou pudesse ver Fifi através dela. Mas teria sido difícil porque, naquele exato momento, Fifi estava defronte ao café, ajudando o cambaleante John Schwartz a entrar num táxi. “Mamãe quer voltar para os Estados Unidos, John, e nos obrigar a ir com ela”, dizia.

IV.

O conde Borowki reagiu com certa elegância à prisão, como se, depois de ter passado a vida recorrendo a expedientes, encontrasse algum alívio no fato de ter seu futuro imediato garantido pelas autoridades. Lamentava apenas a falta de comunicação com o mundo exterior, quando, no quarto dia de sua prisão, recebeu a visita de Lady Capps-Karr.

“Os amigos são para essas coisas”, disse ela. “Felizmente, nosso cônsul aqui é amigo de meu pai, ou não me deixariam entrar. Tentei até pagar sua fiança, dizendo que você havia estudado em Oxford durante um ano e falava inglês perfeitamente, mas os brutos nem me deram atenção.”

“Acho que não adiantaria”, disse tristemente o conde Borowki. “Quando acabarem de me julgar aqui, vão dar um passeio comigo pelos tribunais de outros países.”

“Mas isso não é o pior”, ela continuou. “Aqueles idiotas expulsaram Bopes e eu do Trois Mondes, e as autoridades estão querendo nos forçar a sair da cidade!”

“Por quê?”

“Estão tentando nos acusar daquele incêndio desagradável.”

“Vocês começaram o fogo?”

“Bem, na realidade apenas fizemos uma fogueirinha com álcool, para cozinhar umas batatas, depois que o barman foi dormir e nos deixou lá. Mas, da maneira como aqueles cretinos falam, até parece que tínhamos a intenção de fritar todos os hóspedes durante o sono. A acusação é ridícula e Bopes está furioso. Disse que nunca mais porá os pés naquele hotel. Fui ao consulado e eles também acharam que o equívoco era lamentável, mas, mesmo assim, comunicaram ao Serviço Diplomático, em Londres.”

Borowki pensou por um momento e disse: Na próxima encarnação, se houver, espero nascer na Inglaterra.

“Pois eu seria qualquer coisa, menos americana! Por falar nisso, os Taylor não apresentarão a senhorita Howard à corte, depois de todo o escândalo que os jornais fizeram sobre o caso.”

“O que me intriga é por que Fifi suspeitou de mim”, disse Borowki.

“Então foi ela quem o denunciou?”

“Sim. Pensei que a tivesse convencido a fugir comigo e sabia que, se ela não aceitasse, bastaria estalar os dedos para a outra garota... Naquela mesma tarde, Fifi foi ao joalheiro e descobriu que eu havia pago a cigarreira que lhe tinha dado com uma nota de cem dólares que roubei de sua mãe. Foi direto à polícia.”

“E sem falar com você primeiro!”

“Só queria saber por que ela suspeitou de mim e foi investigar a coisa. Por quê? Por quê?”

Naquele momento, Fifi estava sentada num banquinho alto, no bar de um hotel em Paris, tomando limonada e respondendo aquela exata pergunta ao barman, que a ouvia interessado.

“Eu estava no saguão olhando-me ao espelho”, dizia, “quando ouvi Borowki conversando com a inglesa — a tal que pôs fogo no hotel. Ouvi-o dizer: ‘Meu único pesadelo é que, depois de velha, ela fique parecida com a mãe’.” A voz de Fifi estava cheia de indignação. “Bem, você conhece minha mãe, não conhece?”

“Sim, uma senhora muito elegante.”

“Depois disso, desconfiei que havia alguma coisa errada com ele e imaginei quanto teria pago pela cigarreira. Então fui investigar e eles me mostraram a nota com que ele a havia pago.”

“E, agora, vai voltar para a América?”, perguntou o barman.

Fifi terminou seu copo. O canudinho fez um ruído gorgolejante no açúcar do fundo.

“Não sei. Temos de voltar para o julgamento, e isso vai tomar alguns meses.” Levantou-se. “Até logo. Tenho de provar umas roupas.”

O destino ainda não ajustara contas com ela — por enquanto. Recuara alguns passos e se escondera nas sombras, rangendo os dentes. Mas havia tempo de sobra. No entanto, quando Fifi caminhou pelo saguão, com o rosto refletindo suas novas esperanças e a ansiedade pela visita ao couturier, o próprio destino ficou na dúvida se, algum dia, chegaria a pegá-la de jeito.

(1931)