Vaelin
O Conclave se reuniu na Casa da Sexta Ordem, a única construção intacta e remanescente da Fé nas cercanias de Varinshold. O lugar fora abandonado após a visita de Frentis, o pátio, os salões e os corredores gritando o seu silêncio enquanto Vaelin os percorria, tomado por lembranças conforme o seu olhar recaía sobre os marcos de sua infância. O canto do pátio onde costumavam atirar facas no alvo, a cornija lascada perto dos aposentos do Aspecto onde Barkus rodopiara a espada com um entusiasmo exacerbado. Ele passou alguns momentos olhando para a escada íngreme na torre norte, notando as várias manchas escuras na pedra onde um irmão desafortunado ou um volariano morrera, mas não se moveu para subir até o quarto no andar de cima. Algumas lembranças são melhores se deixadas para definhar.
Ele só concordara em comparecer graças à mensagem insistente da Aspecto Elera e retardara a sua chegada de propósito, não desejando ser arrastado para discussões ou decisões a respeito dos muitos desafios da Fé. Contudo, quando os irmãos que estavam à porta permitiram que entrasse no salão de jantar, ele os encontrou ainda no meio de uma discussão fervorosa. Havia talvez vinte pessoas presentes, tudo o que restava dos servos mais graduados da Fé. Uma rápida olhada pelo local revelou mais mantos azuis do que outros, embora a Sétima, representada por Caenis e alguns de seus subordinados mais experientes, não usasse trajes formais. O Aspecto Dendrish estava acompanhado somente por Mestre Benril, aparentemente os únicos membros sobreviventes da Terceira Ordem na cidade. O Aspecto estava expondo sua opinião em voz alta, como de costume, as palavras “empreitada insana” deixando os seus lábios no momento em que Vaelin entrou.
— Interrompo, Aspecto? — perguntou Vaelin. — Continue, por favor.
— Vaelin. — A Aspecto Elera levantou-se para cumprimentá-lo de mãos estendidas, mancando um pouco ao se aproximar. O toque dela estava quente como sempre, embora Vaelin tivesse detectado um leve tremor e ficado desconcertado com sua palidez.
— Aspecto — disse ele. — A senhora está bem?
— Muito bem. Venha. — Ela se virou e o conduziu adiante. — Seu conselho é bem-vindo aqui.
O Aspecto Dendrish bufou sem cerimônia e ele notou que Caenis se retesou um pouco no assento, com uma expressão mais de resignação sombria do que de boas-vindas.
— Confesso que não sei que conselho posso oferecer, uma vez que essa reunião é da Fé, enquanto eu não sou — disse Vaelin.
— A Fé ainda lhe é fiel, irmão — respondeu Sollis. Ele estava ladeado pelo Irmão Comandante Artin de Cardurin e por Mestre Rensial, que estava sentado com os olhos arregalados fixos no chão e de braços cruzados firmemente sobre o peito. — Quer você lhe seja fiel ou não.
— Acreditamos que a sua opinião será valiosa — prosseguiu a Aspecto Elera. — Especialmente no tocante à intenção da Rainha.
Vaelin acenou com a cabeça para o Irmão Hollun, o único representante da Quarta Ordem presente.
— O Irmão Hollun está ao lado da Rainha todas as manhãs. Tenho certeza de que ele pode esclarecer a intenção dela de maneira mais do que satisfatória.
— Ela quer invadir o Império Volariano — disse o Aspecto Dendrish, com uma rouquidão enfermiça na voz. — Com o Reino em ruínas, ela pretende gastar o que nos resta de força num… — Ele fez uma pausa, a papada estremecendo um pouco enquanto lutava para formular uma expressão menos ofensiva. — Caminho questionável.
— Não cabe ao senhor questionar o caminho da Rainha — retrucou Vaelin.
— Você sem dúvida compreende as nossas preocupações, Vaelin — disse Elera. — Somos responsáveis pela proteção dos Fiéis.
— Perdão, Aspecto, mas o estado atual deste Reino é evidência mais do que suficiente do seu fracasso nessa tarefa. — Vaelin afastou-se dela e passou os olhos pelos presentes, os remanescentes de algo que ele já considerara imutável, eterno. — Vocês mantiveram segredos por séculos e derramaram sangue para isso. Conhecimento, força e sabedoria que poderiam ter nos ajudado quando sentimos o golpe do Aliado. Tudo em nome da preservação de uma Fé construída com base numa mentira.
— A mentira de um homem é a verdade de outro. — A voz era débil, trêmula, mas forte em sua convicção, saída de um velho num manto branco manchado. Ele estava sentado sozinho, mantendo-se ereto com um cajado nodoso feito de um velho galho de árvore e encarando Vaelin com um único olho azul e brilhante, o outro de um branco leitoso.
— Aspecto Korvan — disse Elera. — O último da Primeira Ordem.
— Os Finados são almas aprisionadas — disse Vaelin ao velho. — Dotados apanhados no Além por um ser com propósitos vis. Isso é uma mentira?
O Aspecto Korvan suspirou, baixando a cabeça, momentaneamente cansado.
— Durante cinco décadas fui Mestre da Intuição na Casa da Primeira Ordem — disse ele. — Hoje me vejo um Aspecto, um título derivado do caráter variado de nossa Fé. E a Fé é apenas um reflexo do que nos aguarda no Além.
— Eu já estive no Além — retorquiu Vaelin. — E o senhor?
A mão do velho se contraiu no cajado e ele levou um momento para responder.
— Uma vez, há muito tempo. Você não é o primeiro a experimentar a morte e regressar, jovem. O Além é um lugar que não é um lugar, tanto forma quanto bruma, eterno porém finito. É um cristal formado por muitas facetas, e você viu apenas uma.
— Talvez — admitiu Vaelin. — E talvez a Fé seja apenas uma tentativa desajeitada de compreender algo que está além da compreensão. Mas eu vi o suficiente para saber que o nosso inimigo não está satisfeito. Ele quer a nossa aniquilação e não vai parar. A Rainha entende que a chave para derrotá-lo é atacar o coração do império que ele construiu para nos destruir. Asseguro-lhes que a intenção da Rainha também é a minha.
— Ainda que possa nos levar à ruína? — perguntou Dendrish.
— A ruína já se abateu sobre nós — retorquiu Vaelin. — A Rainha Lyrna oferece uma chance de evitar a nossa total destruição. — Ele se virou para Caenis com um olhar questionador. — Não há sinais e presságios para nos guiar, irmão? Nenhuma mensagem recebida das brumas rodopiantes do tempo?
— O Irmão Caenis agora é Aspecto Caenis — disse Elera, conseguindo de algum modo manter o sorriso.
— Parabéns — disse Vaelin.
Os lábios de Caenis formaram um leve sorriso e ele se levantou.
— Meu irmão sabe muito bem que a presciência não é uma arte exata — disse ele. — E restam poucos em nossas fileiras com dons capazes de nos ajudar nessa decisão. Só posso falar pela minha própria Ordem, e já nos jurei a serviço do propósito da Rainha, independentemente de onde possa nos levar.
Vaelin virou-se ao ouvir o barulho de uma cadeira ser arrastada e viu Mestre Rensial de pé. Ele permaneceu ereto olhando para eles durante alguns segundos, com o cenho franzido em concentração. Quando falou, não havia qualquer traço de estridência ou incerteza vacilante em sua voz.
— Eles me torturaram primeiro — disse ele. — Mas pararam quando ficou claro que eu não podia lhes contar nada. Eles me acorrentaram a uma parede e durante quatro dias escutei o tormento de meus irmãos. A mesma pergunta era feita, sem parar: “Onde estão os dotados?” Não ouvi nenhuma resposta ser dada em momento algum. — Seu olhar perdeu o foco mais uma vez e ele se abraçou com mais força, tornando a se sentar e acrescentando num sussurro: — Onde está o garoto? A floresta está queimando e o garoto se foi.
Sollis levantou-se e colocou a mão no ombro do mestre louco, que continuava a murmurar para si mesmo.
— Com o consentimento deste Conclave, falo em nome de minha Ordem até que o Aspecto Arlyn seja resgatado ou fique provado que ele está morto — disse Sollis. — Seguiremos o caminho da Rainha.
— Assim como a Quarta Ordem — afirmou o Irmão Hollun.
O Aspecto Dendrish afundou-se no assento, sacudindo a mão gorda num ato que podia ser tanto de repúdio quanto de consentimento. Foi Mestre Benril quem falou, levantando-se para encará-los com um semblante carregado.
— A guerra é sempre a insensatez dos ignorantes. Porém, vi muito para me convencer de que algumas guerras precisam ser lutadas, até o mais amargo fim, se necessário. A nossa Ordem, tal como se encontra, apoiará essa empreitada.
A Segunda Ordem estava representada por duas irmãs da missão em Andurin, ambas cansadas da viagem e claramente intimidadas pela ocasião. Elas aparentemente não tinham conhecimento do destino de seu Aspecto, embora segundo rumores todos os seus irmãos e irmãs tivessem perecido quando a sua Casa foi incendiada até sobrar apenas escombros. Conversaram entre si por um momento e a mais velha das duas confirmou numa voz cansada que concordavam com o rumo a se tomar.
— Aspecto? — perguntou Sollis a Elera.
O sorriso dela havia desaparecido por completo, o seu rosto, sempre sereno e radiante como se desafiasse os sinais da idade, agora revelava uma mulher exausta de meia-idade com olhos que haviam visto demais. Ela ficou em silêncio por algum tempo, de mãos entrelaçadas e olhos baixos.
— Tantas coisas mudaram tão depressa — disse ela por fim. — Tantas certezas destruídas em poucos meses. Lorde Vaelin tem razão ao falar de nossos crimes passados, pois somos culpados de erros atrozes. Eu mesma nada disse quando a minha pupila mais brilhante foi levada para a Fortaleza Negra por falar contra a guerra do deserto. Temos sangue nas mãos. Mas receio os crimes que nos aguardam se seguirmos esse curso. Todos os dias pessoas vêm até a minha Ordem para serem curadas, mas consumidas por um ódio que jamais vi em todos os anos de agitação pelos quais este Reino passou. Quando a Rainha levar essas pessoas para o outro lado do oceano, que tipo de justiça ela dispensará?
— Eu sou o Senhor da Batalha do Exército da Rainha — disse Vaelin. — E não permitirei que qualquer violência seja cometida contra aqueles que não pegarem em armas para se opor a nós.
Ela ergueu a cabeça e sorriu mais uma vez para Vaelin, mas com algo por trás dos olhos que ainda não demonstrara: arrependimento. Eu fiz o seu parto, ela lhe dissera uma vez. Talvez ela esteja se perguntando o que trouxe ao mundo.
— Confiarei em sua palavra, Vaelin, como sempre fiz. — Ela se virou para os outros e falou com formalidade: — A Quinta Ordem promete apoiar o caminho da Rainha.
Ele se despediu de Reva no portão sul, puxando-a para perto para lhe beijar o topo da cabeça, ficando surpreso e feliz quando ela retribuiu o abraço.
— Nenhuma dúvida? — perguntou, enquanto ela se afastava. — Nenhuma hesitação em seguir as ordens da Rainha?
— Dúvidas eu tenho de sobra — respondeu Reva. — Mas isso não é novidade. Vi o suficiente em Alltor para me convencer de que essa luta é até a morte. Eles não vão parar, então nós também não podemos.
— E o seu povo verá as coisas dessa forma?
A expressão dela ficou sombria, seu tom brando e com uma admissão relutante:
— Eles verão quando ouvirem a Senhora Abençoada falar com a voz do Pai.
Ela montou no cavalo e partiu com uma escolta de Guardas da Casa. Ao vê-la se distanciar, Vaelin foi tomado por uma súbita sensação de perda, compreendendo que talvez nunca mais a visse.
— Meu senhor. — Ele se virou e deparou-se com uma das damas de Lyrna, a mais alta de olhos escuros, embora o nome lhe fugisse no momento. — A Rainha pede a sua presença no palácio.
A dama olhou para a esquerda e sua testa ficou um pouco franzida de inquietação. Vaelin olhou na mesma direção, que era onde os dotados dos Confins haviam se acomodado numa taverna parcialmente arruinada. Dois Guardas do Reino de passagem estavam recobrando a compostura, claramente vítimas da mania de Lorkan de dar susto nos não dotados. O jovem curvou-se numa desculpa aparentemente sincera, enquanto Cara abafava uma risada ao fundo. Lorkan percebeu que Vaelin o olhava e deu um sorriso tímido antes de se virar e caminhar até as sombras de um canto, onde pareceu sumir da face da terra.
Vaelin virou-se para a dama, que ainda fitava de olhos perscrutadores a sombra por onde Lorkan havia desaparecido.
— Perdão, minha senhora — disse ele, atraindo de novo a atenção da mulher. — Creio que eu não saiba o seu nome.
— Orena, meu senhor. — Ela se curvou mais uma vez. — Na verdade, Senhora Orena Al Vardrian, pelas boas graças da Rainha.
— Vardrian? Do sul de Haeversvale?
— Minha avó era de Haeversvale, meu senhor.
Ele estava prestes a informá-la de que era muito provável que ambos possuíssem algum laço de sangue, mas o desconforto evidente no rosto da mulher o fez parar para pensar. Era evidente que não agradava à dama a ideia de ficar tão perto dos dotados, e havia uma tensão em seu comportamento que desencorajava o prolongamento da conversa.
— Essas pessoas são nossas aliadas — disse Vaelin, indicando a taverna com a cabeça. — Não oferecem qualquer ameaça.
Uma neutralidade plácida tomou conta do rosto da mulher e ela fez uma mesura.
— A Rainha aguarda a sua presença, meu senhor.
Ela estava no terreno do palácio examinando o mármore parcialmente esculpido por Mestre Benril. A Senhora Davoka se encontrava ali perto, ao lado de outra lonak, mais jovem e consideravelmente mais baixa. A mulher mais jovem empertigou-se ao avistar Vaelin, com uma curiosidade evidente no rosto, como se fazendo uma pergunta silenciosa.
— Meu senhor — cumprimentou Lyrna, animada. — Como foi o Conclave?
Vaelin não ficou surpreso por ela saber que ocorrera um. Ela tinha todo o dom do pai para conseguir informações e modos muito mais sutis de explorá-las.
— A Fé espera se reestruturar — disse ele. — E, é claro, apoiará a sua empreitada com todas as forças que lhe restam.
— E a Senhora Reva?
— Também irredutível na busca de seu objetivo, Alteza.
Lyrna assentiu, o olhar ainda fixo no mármore. Embora estivesse inacabado, Vaelin achou os entalhes de uma perfeição espantosa, as expressões e poses das figuras imbuídas de uma precisão e verossimilhança que superavam até mesmo as das outras obras de Benril. No rosto dos soldados volarianos e da população do Reino estavam estampados todo o medo, a fúria e a confusão de pessoas de fato confrontadas com os horrores da guerra.
— Impressionante, não? — comentou Lyrna. — E, ainda assim, Mestre Benril me pediu formalmente que destruísse a obra.
— Sem dúvida serve como uma lembrança dolorosa de sua escravização.
— Mas, nos anos que estão por vir, talvez todos nós precisemos de lembretes do que nos fez tomar o nosso caminho. Acho que estou disposta a deixá-la como está. Caso o mestre se acalme com o tempo, talvez ele possa ser persuadido a concluí-la, do modo como achar melhor, é claro.
Lyrna ergueu a mão e fez sinal para que Davoka e a outra lonak se aproximassem.
— Esta é Kiral do Clã do Rio Negro. Ela tem uma mensagem para o senhor.
— Você fala muito bem a minha língua. — Vaelin a levara para a casa de seu pai, onde ele e a irmã haviam criado uma espécie de lar entre os cômodos menos danificados.
Alornis estava ausente, tendo ido até as docas, provavelmente ansiosa para pintar a paisagem de navios que apinhavam o porto. Eles estavam sentados sob o carvalho no pátio, os galhos imponentes desfolhados à medida que o frio do inverno aumentava.
— Ela sabia a sua língua — disse Kiral. — Então eu sei.
Ele ouvira de Lyrna a história e mal podia acreditar nela: uma alma possuída por uma das criaturas do Aliado e agora livre. E uma cantora com uma mensagem. Porém, de alguma forma ele sabia que era verdade; só de olhar no rosto da jovem Vaelin sabia que ela ouvia uma canção e se sentiu envergonhado pela inveja que aquilo instigava.
— Ela se lembrava de você — prosseguiu a garota lonak. — Você a impediu de matar uma vez. O ódio dela era grande.
Ele se lembrou do rosto furioso e sibilante da Irmã Henna quando a segurou contra a parede.
— Você possui as memórias dela?
— Algumas. Ela era muito velha, embora não tão velha quanto o irmão e a irmã, nem tão mortal. Ela os temia e os odiava na mesma medida. Eu possuo as artes de cura que ela aprendeu na Quinta Ordem, os rituais realizados por uma sacerdotisa em algum lugar no sul distante do Império Alpirano, as habilidades com a faca de uma escrava volariana que foi enviada para morrer nos espetáculos deles.
— Sabe quando ela foi capturada pela primeira vez?
— As lembranças mais antigas dela são uma névoa de confusão e medo. A principal dentre elas é a cena de cabanas queimando sob um céu noturno. — Kiral fez uma pausa, estremecendo de forma involuntária. — A visão desaparece e ela escuta a voz dele.
— O que ele diz?
Ela sacudiu a cabeça.
— Ela sempre afastava a lembrança, preferindo se concentrar em suas muitas vidas de assassinatos e engodos.
— Sinto muito por você. Deve… doer.
Kiral encolheu os ombros esguios.
— Só quando sonho, na maioria das vezes. — Ela olhou para os galhos do grande carvalho acima de sua cabeça e um leve sorriso surgiu em seu rosto. — Ali — disse ela, apontando para uma forquilha larga no tronco principal. — Você se sentava ali para observar o seu pai escovar os cavalos. — O sorriso dela desapareceu. — Ele tinha medo de você, mas você nunca soube disso.
Vaelin ergueu a cabeça e olhou para o carvalho durante algum tempo. As lembranças de brincar naqueles galhos sempre foram felizes, mas agora ele se perguntava se os seus olhos de criança haviam visto mais do que ele se recordava.
— Sua canção é forte — disse ele.
— A sua era mais. Posso ouvir o eco dela. Deve ser difícil perder tamanha força.
— Eu a temia quando era mais novo, mas com o tempo soube que era um dom. E, sim, sinto muita falta dela.
— Então agora eu serei a sua canção, como ordena a Mahlessa.
— E o que ela ordena?
— Ouço uma voz me chamando de uma grande distância, muito longe daqui, no leste. É uma melodia muito antiga, e muito solitária, cantada por um homem que não pode morrer, um homem que você encontrou.
— O nome dele?
— Não sei, mas a música carrega a imagem de um garoto que lhe ofereceu abrigo contra uma tempestade e arriscou a vida para salvá-lo e à pessoa sob os cuidados dele.
Erlin. De repente todas as peças se encaixaram: a fúria com que Erlin gritara para a tempestade naquela noite, suas viagens ao redor do mundo e o seu rosto inalterado quando apareceu para compartilhar a verdade a respeito do pai de Davern. Erlin, Rellis, Hetril… ele tem uma centena de nomes, dissera Makril, embora Vaelin agora soubesse que ele havia começado com apenas um. Aquele dia na feira, enquanto ele assistia ao espetáculo de marionetes…
— Kerlis — sussurrou ele. — Kerlis, o Ímpio. Amaldiçoado a viver para sempre por negar os Finados.
— Uma lenda — disse Kiral. — Meu povo conta outra história. Falam de um homem que ofendeu Mirshak, Deus das Terras Negras, e foi amaldiçoado a compor uma história sem fim.
— Você sabe onde encontrá-lo?
A lonak assentiu.
— E sei que ele é importante. A canção ressoa com um propósito quando o toca, e a Mahlessa acredita que ele é a chave para derrotar o que quer que comande a coisa que roubou o meu corpo.
— Onde?
A cicatriz estremeceu quando ela fez uma careta de desculpas.
— Do outro lado do gelo.