CAPÍTULO CATORZE

Frentis

O Aliado bateu com a mão livre no punho de Frentis; seu rosto estava contorcido e a pele ficou vermelha enquanto tentava usar o seu dom. Frentis afastou a mão dele com um tapa e o empurrou, forçando-o a ficar de joelhos.

— Eles estão presos a mim para sempre — rosnou o Aliado para ele, gesticulando para as figuras paralisadas ao redor. — Enquanto eu estiver vivo neste mundo, eles são meus. Somente a morte desta carne irá libertá-los.

Frentis o ignorou e olhou com expectativa para a porta aberta na extremidade norte da arena.

— Então foi por isso que Revek se agarrou à sua casca por tanto tempo. — O Aliado deu uma gargalhada rouca. — Assumir outra o teria deixado mais uma vez suscetível ao meu toque. Então ele lhe deu o seu sangue para libertar você assim como ele havia se libertado. — O júbilo dele desapareceu e o Aliado sibilou para Frentis, os olhos brilhando com uma promessa maligna. — Você não devia ter revelado esse segredinho, garoto. Tudo o que conseguiu foi garantir a morte de todos que já estiveram sujeitos a mim. Embora eu possa levar anos. Acha que o tempo é uma barreira para mim? Os séculos que aguentei no Além…

Frentis lhe deu uma bofetada no lado da cabeça, e a força do golpe foi suficiente para deixar o Aliado atordoado e quase desmaiar.

— Você parece assustado demais para um deus.

— Amado.

Ela estava de pé ao lado do corpo do macaco, vermelha da cabeça aos pés, mas novamente ilesa: os talhos que haviam sido abertos em seu peito estavam fechados e lisos. O rosto era o de uma estranha, mas o olhar era o mesmo: de afeição altruísta, de amor verdadeiro.

— Você trouxe o curandeiro? — perguntou ela.

Frentis olhou de novo para a porta e viu a garota lonak entrar, conduzindo Lekran e os Politai para a arena. Vaelin havia dito a ela que esperasse até que a sua canção lhe dissesse que era seguro. Artesão vinha à frente dos Politai, mantendo o olhar fixo no Aliado.

— Vejo que trouxe — observou a mulher. — Imagino que não faça diferença agora. Parece que o seu irmão encontrou um receptáculo melhor.

Frentis virou-se de novo para ela e notou que a mulher havia recolhido uma espada curta da areia e ia determinada na direção da Rainha.

— Não! — gritou ele, bloqueando o caminho dela.

A mulher parou e soltou um suspiro de frustração.

— Ela tirou você de mim — explicou a mulher com sua voz de tutora impaciente. — É necessário um ajuste de contas.

— Sim. — Ele ergueu a própria espada. — Sim, é necessário.

— Não está vendo? — disse a mulher, repreendendo-o com uma raiva súbita, apontando para o Aliado. — Ele está enfraquecido agora. Beberei o sangue dele e tomarei os seus dons. O mundo pode ser nosso.

— O que você faria com ele? Hoje atravessei lutando uma cidade de horrores, todos causados por você. Como pode sonhar que eu permitiria que fizesse isso com o mundo?

— Porque você me ama! — Os olhos novos dela eram bonitos, Frentis notou. Lagos escuros e límpidos numa máscara pálida, sem qualquer crueldade, mas completamente loucos.

— Você está doente — disse ele. — E eu trouxe o curandeiro…

Ela soltou um grito de frustração e tentou desviar dele, estendendo a espada para as costas expostas da Rainha. Frentis forçou a lâmina para o lado com a sua e tentou agarrar o pulso da mulher na esperança de desarmá-la. Ela era rápida demais e girou para longe, deixando um corte em seu ombro.

— Você fala de doença — rosnou ela. — Vivemos num mundo de doenças. Você lamenta pelos que matei hoje. Alguém já lamentou por mim? Matei durante décadas para construir este império de imundície e ganância. Era meu para destruir.

Frentis sentiu o braço esquerdo adormecer enquanto o sangue quente escorria pelas suas costas.

— Por favor! — implorou ele. — Se ele consegue curar um corpo, talvez consiga curar uma mente.

A mulher parou por um segundo e franziu a testa, confusa.

— Na noite em que matei meu pai, ele não estava com medo. Escarneceu de mim, cuspiu com desprezo. Ele disse, “Eu devia ter bebido o seu sangue na noite em que bebi o da vadia da sua mãe”. Ele pode curar isso?

— Não sei. — Frentis estendeu a mão na direção dela, o braço gelado e trêmulo. — Mas podemos…

A flecha a atingiu no peito, seguida depressa por outras duas. A mulher cambaleou, a confusão sumindo ao ver as penas, com uma expressão de compreensão total e sã no rosto.

A garota lonak foi para o lado de Frentis com a corda do arco puxada e disparou outra flecha no pescoço da mulher, que desabou na areia. Frentis observou a garota se aproximar e chutar com força o cadáver, estreitando os olhos enquanto examinava a mulher à procura do menor sinal de vida. A lonak olhou para Frentis e franziu o cenho com o que viu em seu rosto.

— A canção foi clara — disse ela.

Ele ouviu um leve gemido às suas costas e virou-se, vendo Artesão segurar com gentileza o homem caído na areia e fazendo-o se sentar. Os Politai os cercavam com as lanças apontadas para o Aliado.

— Há uma grande doença em você — disse Artesão. — Deixe-me ajudar.

Os sentidos do Aliado pareceram retornar quando Artesão o abraçou com força, lutando debilmente e então jogando a cabeça para trás para gritar.