SMITA

Tirupati, Andhra Pradesh, Índia

Tirupati! Tirupati!

Um homem grita aquele nome na carruagem. O comboio vai em breve parar na estação de Tirupati, os travões chiam nos carris. Passados instantes, torrentes de peregrinos derramam-se nas plataformas, carregados de mantas, bagagens, timbales de metal, provisões, flores, oferendas, crianças nos braços, velhos às costas. Todos avançam para a saída, na direção da colina sagrada. Apanhada naquele fluxo torrencial, Smita agarra com força a mão de Lalita. Receando que ela lhe seja arrancada, acaba por pegar na criança ao colo. A estação parece um formigueiro onde milhares de insetos se comprimem. Fala-se de cinquenta mil peregrinos todos os dias, até dez vezes mais nos dias de festa, que vêm ali prestar homenagem a Venkateswara, o «Senhor das Sete Colinas», uma das encarnações de Vishnu. Atribuem-lhe o poder de atender todos os pedidos feitos na sua presença. A sua gigantesca estátua repousa no santuário do Templo de Tirumala, no cimo da colina sagrada que domina a cidade estendida aos seus pés.

Vendo-se entre milhares de almas fervorosas, Smita é tomada por uma inesperada exaltação e, ao mesmo tempo, por um medo terrível. Sente-se pequena, insignificante no meio de uma multidão que lhe é estranha e que, todavia, partilha de um mesmo ímpeto. Todos vieram àquele lugar na esperança de uma vida melhor ou para agradecer um favor concedido: o nascimento de um filho, a cura de um familiar, uma boa colheita, um casamento feliz.

Com vista a chegar ao templo, alguns dirigem-se para os autocarros que levam os peregrinos ao cimo da montanha mediante o pagamento de quarenta e quatro rupias. Todos sabem, no entanto, que a verdadeira peregrinação se faz a pé. Smita não veio de tão longe para se deixar seduzir pela facilidade. Tira as suas sandálias e as de Lalita, como manda a tradição. São muitos os que, como ela, se descalçam em sinal de humildade para subirem a escada que leva às portas do templo. Três mil e seiscentos degraus, cerca de quinze quilómetros, três horas de esforço!, esclarece um vendedor de fruta sentado na berma. Smita receia por Lalita, que está cansada, pouco dormiram naquele comboio apinhado e sem conforto. Não importa, agora não podem recuar. Irão ao seu ritmo, nem que tenham de ali passar o dia. Vishnu zelou por elas, levou-as até ali, não têm o direito de fraquejar. Smita gasta algumas rupias em cocos, que Lalita devora com apetite. Guardam um para partirem no primeiro degrau do percurso, como oferenda ao deus — tal é o costume. Há quem acenda pequenas velas, depositando-as em cada degrau — é preciso coragem e uma vontade tremenda para se subir até ao templo assim curvado. Outros aplicam nos degraus uma mistura de pigmento e água, que confere à escada uma cor flamejante, púrpura e ocre. Os mais devotos e ambiciosos fazem o caminho de joelhos. Smita observa uma família inteira que avança assim, lentamente, os rostos contorcidos de dor a cada degrau vencido. Que abnegação, pensa ela com inveja.

Percorrido um quarto do percurso, Lalita dá sinais de fadiga. Fazem pausas para matarem a sede e para recuperarem o fôlego. Ao fim de uma hora de caminhada, a menina já não pode mais. Smita iça o pequeno corpo magro para as suas costas, para continuar a subida. Ela própria se sente fraca, à beira da exaustão, mas está absolutamente determinada, pensando na imagem daquele deus tão amado diante do qual, em breve, se encontrará. Parece-lhe que Vishnu hoje decuplica as suas forças, para lhe permitir, a ela, Smita, chegar ao cimo da montanha e prostrar-se diante dele.

Lalita dorme há já algum tempo quando Smita conclui a subida. Senta-se às portas do templo para recuperar o fôlego. Muros altos delimitam o espaço sagrado. Uma enorme torre de granito branco, de arquitetura dravidiana, projeta-se para o céu. Smita nunca viu nada assim. Tirumala é um mundo em si, mais populoso do que uma cidade. De acordo com a tradição, não se vende ali álcool, nem carne, nem tabaco. É preciso comprar um bilhete para entrar — o mais barato custa doze rupias, diz um peregrino idoso a Smita. Uma multidão imensa comprime-se diante das bilheteiras, onde — de tempos a tempos — aparece um rosto. Smita compreende então que o caminho penoso que percorreram era apenas uma amostra daquilo que as espera. Terão de aguardar horas a fio para entrarem no santuário.

É tarde, a noite avizinha-se, Smita precisa de repousar. Tem de dormir um pouco, ou pelo menos tentar. De entre os numerosos vendedores de flores e objetos turísticos que se acotovelam junto às portas do templo, um homem aproxima-se dela. Apercebeu-se do seu ar desamparado, do seu cansaço profundo. Existem dormitórios gratuitos destinados aos peregrinos, diz-lhe ele. Pode mostrar-lhe onde ficam. Olha-a fixamente, depois observa Lalita. Em troca de um ou dois favores, pode levá-las até lá. Smita agarra a mão da filha e leva-a para longe do predador. O rosto do homem parecia, no entanto, simpático, como o de um anjo… Smita estremece perante a ideia de passar uma noite no exterior; duas mulheres sozinhas são presas fáceis. Precisa de um abrigo para a noite. É uma questão de sobrevivência. À beira da estrada, um sadhu vestido com uma túnica amarela — a cor dos vishnuítas — indica-lhe a direção a seguir.

O primeiro dormitório encontra-se fechado, o segundo já não tem lugares vagos. À entrada do terceiro, uma mulher idosa anuncia-lhes que resta apenas uma cama. Pouco importa. Smita e Lalita já partilharam tanto que têm a impressão de ser uma só. Penetram na sala vetusta onde estão alinhadas dezenas de camas das mais simples que há, estendem-se uma contra a outra e, apesar do burburinho de fundo, não tardam a cair num sono profundo.