Nas obras autobiográficas de Stendhal, os chamados “escritos íntimos”, há um personagem que aparece de forma recorrente, um amigo que o narrador observa sempre com curiosidade, se divertindo com suas esquisitices, com suas genialidades e, sobretudo, com suas façanhas eróticas, e de quem destaca, com insistência, em passagens muito separadas umas das outras, o que revela quase uma obsessão, o seguinte traço: ele necessita fazer amor com uma mulher diferente a cada noite. Uma vez tendo possuído essa mulher, o corpo dela passa a ser para ele, para o personagem em questão, tão indiferente como o corpo de um homem. Assim diz o personagem de Stendhal em alguma página de que já não me lembro com exatidão, uma vez que cito de memória. Pois bem, na qualidade de stendhaliano de longa data (cheguei a defender a tese extravagante, em meus juvenis quarenta e tantos anos, num artigo arrevesado, pretensioso, publicado na revista Aurora, que o autor de A cartuxa de Parma era um precursor do marxismo), muitas vezes desconfiei que esse personagem, que aparece pelos cantos de diversos textos, nos capítulos sobre Paris, sobre a Rue de Grenelle ou o Faubourg Saint-Germain, de Henri Brulard, nos episódios londrinos de Lembranças de egotismo, em páginas de diário e de correspondência, é o próprio Stendhal que retratava a si mesmo com uma mescla de narcisismo e de desânimo, com essa ambiguidade esquiva, enganosa, até certo ponto complacente, que é inerente a todo autorretrato literário, e desconfio também que a encarnação atual desse personagem, pelo menos para mim, dentro do meu mundinho, era, ou é, quem mais poderia ser?, Felipe Díaz. Eu já desconfiava disso havia muito tempo, e então, depois dos acontecimentos das duas últimas semanas, minhas desconfianças tendem a se confirmar. Eu disse isso, além do mais, em alguma oportunidade, em alguma relação desigual do uísque contra a limonada, e ele aproveitou para desenterrar uma história de rabo de saia que eu não conhecia. Eu sabia de muitas histórias dele, claro, mas às vezes tinha a impressão paranoica de que ele me enganava com a verdade, fingindo que me contava tudo, que não seria capaz de me esconder nada, e assim aquilo que me ocultava ficava muito mais oculto. Paranoia? Vá saber! O caso é que ele me contou, quando falei de seu precursor stendhaliano, a história de uma moça de Montparnasse, Mélanie Sylvestre, mulher bonita, oriunda do sul da França, mais para robusta, de pele grossa e morena, um tanto viciosa, amiga em sua primeira juventude de Giacometti e de outros artistas, e que tinha ido para cama uma noite qualquer com um aristocrata conhecido, dono, por sinal, de um pequeno vinhedo nos arredores de Dijon, vinhedo cravado na área ilustre e vinhateira da Borgonha. Com sua visão libertina, Mélanie havia percebido de imediato que o marquês de não me lembro o quê, produtor de vinhos, pertencia à espécie humana descrita por Stendhal, e a partir dessa proveitosa descoberta ela passou a ganhar a vida arrumando para ele não mulheres profissionais, mas simples amadoras para suas diversões noturnas. Felipe me contou, tapando a boca com a mão, porque encantava-se com os falsos mistérios, o sem-vergonha!, que ele também tinha feito amor com a famosa Mélanie, e que tinha tido ocasião de degustar duas garrafas barrigudas, borgonhesas, de Monsieur le Marquis.

− Quantas vezes? – perguntei, no estilo dos inquisitivos e suarentos confessores de nossa adolescência, e ele, dando de ombros, respondeu:

− Duas noites. Duas noites muito separadas entre si. De maneira que sua teoria da única noite, ou da trepada única, foi posta abaixo, pelo menos no meu caso.

Tinha me contado essa história fazia bastante tempo e enquanto eu o esperava no sábado de manhã no terraço do Dôme, por uma óbvia associação de ideias, ela me voltara à memória. Felipe chegou bem no fim da manhã, animado, com uma camisa de um azul intenso e terno de linho cor de creme, essas combinações dos sul-americanos que aprenderam a se vestir com astúcia e vaidade desde meninos, coisa não frequente, claro, entre os intelectuais de esquerda que chegavam a Paris com a língua de fora, em busca da fama internacional (no começo da década de 1960), ou perseguidos pelo ditador em exercício, ou ambas as coisas. Estava um pouco pálido, recém-barbeado e até perfumado, com o olhar fixo, ausente, e trazia debaixo do braço um grosso maço de jornais: Libération, Le Figaro, o International Herald Tribune, El País, o Le Monde da tarde anterior, e acredito que mais algum outro.

− Agora – disse com um ar resignado que dispensava maiores confissões e que me obrigou, por causa de seu aspecto patético, de sua ingenuidade, a dissimular o riso – vou me dedicar a ouvir os estudos para piano de Serguei Rachmaninoff, de quem gosto muito (concluí isso há pouco tempo), mesmo que eles não correspondam ao gosto consagrado no ambientezinho das formadas em filosofia…

− Então você se deu mal com as filósofas?

Ele fez um gesto no ar, indicando, como Hamlet a seu amigo, que havia coisas neste mundo e no outro que minha filosofia, já que falamos de filosofia, não conseguia alcançar.

− … a ler epístolas de Sêneca; a reler Marcel Proust e Dostoiévski; a dar uma espiada na obra de Pérez Galdós…

− Pérez Galdós!

− Sempre ficou para depois. E vou acompanhar a imprensa diária – acrescentou, suspirando – com um pouco mais de calma e atenção que antes.

− E como ela reagiu? – me permiti perguntar.

− Ela?

Acontece que ela, a filósofa, tivera, segundo Felipe, uma reação inesperada, estranha, “estranhíssima”, corrigiu ele, que o encheu de perplexidade, de preocupação, do mais autêntico receio. Havia lhe dito ao meio-dia, quer dizer, muito pouco antes, depois de levantar, entrar na cozinha dele e preparar, com o quase nada que havia, abrindo caminho às cegas em meio à desordem e à mais inaudita confusão, sem perguntar onde se achava a cafeteira, as xícaras, o açucareiro, et cetera (detalhe que lhe parecera de uma notável e, por isso mesmo, alarmante sutileza, de pessoa que o conhecesse a vida toda e que soubesse, com sabedoria de gueixa!, satisfazer seus mínimos caprichos), um rico café da manhã, com torradas perfeitas, untadas com um resto de manteiga e realçadas com um toque de geleia de tangerina que ele havia esquecido que existia em seu armário, havia lhe dito então, ao final daquela habilidosa e meticulosa preparação, o seguinte:

− Não se preocupe com nada, absolutamente nada. Pelo que aconteceu esta noite, ou qualquer outra noite passada ou futura. Fique tranquilo. Se já escolheu a garrafa, porque parece que você escolheu, não há nenhuma razão para se livrar de mim. Eu me ponho dentro da sua garrafa, se não te incomodar, e acabou-se a história. Porque com você, mesmo que só faça amor uma vez por ano, ou nunca!, me sinto mil vezes mais contente, mais feliz, do que com o professor suíço, que quer fazer toda noite e toda manhã, e que depois de fazer amor afunda a cabeça no computador, nos cadernos, fichas, dicionários e não levanta mais o dia inteiro. Entende? Eu olho seu rosto bonito mas cansado, estragado, as maçãs do rosto meio machucadas, como se você tivesse estado em um ringue de boxe durante os últimos vinte anos, seus pés de galinha, com seus olhinhos que sorriem, e que olham para mim e me perfuram e me fazem tilintar por dentro e me sinto alegre. Não preciso de mais nada! Juro pelo meu pai e pela minha mãe, por Platão e Aristóteles! Vou me botar dentro da sua garrafa e enquanto você se afoga em uísque eu vou me enrolar com toda a tranquilidade, vou me transformar num casulo, numa larva, como as larvas do mescal na minha terra e vou escrever romances, contos, ensaios, obras de teatro…

− Ela me disse isso! – exclamou Felipe, dando um tapa na testa. – A mexicano-japonesa, especialista em Leibniz, na teoria das mônadas! Está entendendo, Patito? E depois, convencida, claro, de que se encontrava no melhor dos mundos possíveis, levantou os braços, soltou um sim! de alegria, de vitória, parecido com o dos kamikazes no momento de subir para os aviões suicidas e com um salto sentou no meu colo, me abraçou com os braços finos mas bem torneados, e cheios de músculos de aço, até quase me sufocar, até me deixar sem fôlego. Que braços, que abraço, que medo! Me vi domesticado pela filósofa, que nem tinha se dado ao trabalho de me pedir licença, e minha primeira reação foi de recusa decidida, inclusive de raiva, mas ela, como já te contei, tem um perfume natural absolutamente único nesta terra traidora, e uma pele de uma beleza irresistível, uma pele andaluza com um distante ingrediente asiático, e os peitinhos são, garanto, os mais perfeitos que já vi nos últimos vinte anos, nos últimos trinta… Os peitinhos eram como duas maçãzinhas! – recitou, numa viagem repentina, no paroxismo do delírio.

− Você não tem jeito, Felipe Díaz – eu disse, pensando com rancor, com um incômodo que eu não conseguia evitar, em outros peitos incomparáveis, ou que haviam sido até muito pouco tempo atrás, e que ele, com certeza, também tinha tocado e mordiscado.

− Isso é verdade – admitiu com os olhos baixos, com ar penitente. – Não tenho jeito.

− E a sua decisão de se dedicar a ouvir os estudos tardios de Rachmaninoff?, que ideia mais louca!, e ler as epístolas completas de Lucio Aneo Sêneca?, ideia muito mais razoável, pelo menos para o meu gosto.

− Os Études Tableaux opus 33 e opus 39 – detalhou – que não se pode qualificar de tardios, embora tenham sido conhecidos tardiamente e sejam do gosto de pessoas como eu, nas últimas!, porque foram começados, na verdade, em 1911, quando o compositor tinha 48 anos, na segunda e melhor das juventudes.

Muito bem, ele dizia o que tinha dito para retificar, porque era um escritor, ao fim e ao cabo, e um homem que respeitava os detalhes, sobretudo os detalhes estéticos, mas disse também, para responder minha pergunta, uma coisa mais, uma coisa que me pareceu entre divertida e inverossímil, e que compreendia uma concessão, inclusive um abrandamento. Disse que seus planos de leitura, de música, de retiro, continuavam de pé, adotados, plenamente vigentes, mas com uma ressalva: a mexicano-japonesa, depois de liquidar com rapidez suas coisas na Suíça, ia se instalar em seu apartamento da Rue Campagne Première, e cuidaria de seu sono, selecionaria os telefonemas, e nunca jamais se ofenderia com qualquer (eventual) excesso alcoólico dele, e lhe prepararia, em troca, substanciosos cafés da manhã, almoços mais frugais, dietéticos, embora saborosos, e à noite jantariam nos bistrôs do bairro ou explorariam outras fórmulas, outros bairros, outras alternativas, e veriam filmes, iriam uma vez por semana ao teatro, à opera, a concertos.

− Foram felizes – eu disse – e comeram perdizes. – E o disse sem ironia, com a honesta intenção de animá-lo, e, no fundo, com a ideia de que o Felipe Díaz temível, infalível, podia ter se acabado para sempre, mas a verdade é que eu ainda não acreditava, não me permitia acreditar em uma só palavra. Olhava de relance sua expressão, suas mãos um pouco trêmulas (tinha pedido um chá com limão, um thé citron, em vez de uma bebida alcoólica), seus olhos que piscavam e se deslocavam de uma cena da rua para outra, e me dizia que essa decisão que parecia ter tomado era provavelmente falsa, que o homem não estava resignado, que não podia estar, que tinha um demônio interior que sempre o impediria de se resignar. Talvez, naquele instante mesmo, em alguma dobra geológica de sua psique, estivesse em preparação um desses terremotos de grau nove tão característicos dele. Talvez por dentro estivesse pensando: vou encontrar uma vendedora gorda, fedida, cinquentona, de lábios pintados, de expressão obscena, vou levar ela para casa e vou comer ela como nos meus melhores tempos, para seu assombro e seu prazer, e depois vou mandar ela embora com maneiras de príncipe, com uma reverência e até um presente, e nunca mais vejo a mulher na porra da minha vida. E essa pequena façanha talvez me dê confiança para outras, para muitas outras. Por que não?

Algo assim ele devia estar pensando, um dos seus disparates, e desconfio que logo pôs mãos à obra, porque a filósofa tinha ido para a casa de sua amiga na Edgar Quinet, na frente do cemitério onde está Charles Baudelaire e também Porfirio Díaz, conterrâneo dela e, além disso, vizinho, como eu havia descoberto em algum dos meus passeios, da tumba de Baudelaire e das meditações crepusculares de August Strindberg; e ela viajaria no dia seguinte para Basileia, disposta a romper para sempre com o jovem perito em narratologia e outras ervas, e a regressar a Paris para transformar a vida dele, para transformá-lo num velho assimilado à ordem, apaziguado, resignado, vale dizer, um velho qualquer, um velho de merda, e ele, que não queria mais ficar revirando o tema, que estava com o terreno livre e a tarde aberta, se pôs de pé, com o gesto, calculei, recordei, dos grandes momentos, o gesto da fera que sente o cheiro de carne na brisa da selva, que vislumbra o brilho de sua caça fresca, e se despediu com um monossílabo. Vi-o atravessar a rua na direção do Boulevard Raspail, à caça, rumo aos Grandes Armazéns, os Grands Magasins!, e reconheço que o animal caminhava com graça, com inconfundível elegância, apesar de se notar os cinquenta e tantos anos, e de ter um jeito de usar a roupa, a camisa aberta e um lenço de seda no pescoço, de usar um chapeuzinho leve e amassado, comprado em um dos cantos da Piazza Navona, em Roma, que eu, mesmo que treinasse cem anos, não conseguiria imitar.

Não voltei a saber nem uma palavra dele nesses dois dias, um fim de semana que parecia interminável, de tão quente. Liguei no sábado à tarde e depois no meio da manhã de domingo para que viesse almoçar conosco, de improviso, segundo nosso antigo costume, costume que tinha para mim, admito, um lado de euforia e outro de masoquismo; e sabia, além disso, que, se ele viesse, Silvia saberia tornar o improviso algo generoso, mas seu telefone não respondia, o que me fez supor que a sessão de caça no sábado à tarde – empreendida com uma mescla de furor e de vontade obcecada, e sob os efeitos da mais aguda ressaca, visto que estava com os nervos em mau estado, os “macaquinhos” como se dizia nos meus tempos de Iquique, e numa tal situação que havia se limitado a tomar um chá que deve ter tido para ele gosto de castigo, de amargura – tinha desembocado em alguma coisa, no holocausto de alguém, talvez no dele mesmo… O silêncio do telefone me revelava, ou pelo menos insinuava, que nosso amigo, em sua encruzilhada, em sua confusão, tinha feito um esforço supremo para reverter a ordem natural dos fenômenos, para voltar da garrafa à mulher, e que a garrafa triunfara definitivamente, sem apelação possível, como qualquer de seus amigos poderia prever, mas ocorria que Sua Majestade a Garrafa era sua evasão, seu refúgio, e ao mesmo tempo sua destruição, seu suicídio… De modo que as coisas podiam ser formuladas de outra maneira. Podia se supor que Felipe Díaz, ao fim de sua longa exploração, de sua peregrinação por labirintos cada vez mais estreitos e mais emaranhados, tinha perdido o rumo e se extraviado, tinha se encontrado perdido, na intempérie, fora dos recintos cálidos onde nunca havia faltado até então uma voz feminina que arrulhasse para ele, uma mão que o abrigasse. Acontecera agora o que nunca, em sua inconsciência e inocência, tinha esperado que acontecesse, e que era, porém, tão previsível como a própria morte: o Reino da Mulher, o Eterno Feminino, tinha acabado por abandoná-lo, por deixá-lo jogado na sarjeta, apesar de a filósofa, que havia descoberto em si mesma uma alma ao mesmo tempo de gueixa e de dona de casa jalapeña, estar decidida a cuidar dele, a botar-se dentro de sua garrafa, como tinha dito; mas a filósofa, ao assumir esse papel, já não seria o que ele procurava, o que ele tinha passado a vida toda procurando, e encontrando, pensei, engolindo a saliva, lembrando-me da mulher do quadro, de suas pernas abertas, dos pelos brotando escuros do púbis e do buraco negro de sua vagina: um fantasma erótico, um mistério adorável e gozoso, um sonho tocado com a ponta dos dedos e nunca alcançado. Seria, ao contrário, uma presença perturbadora, destruidora de seu ritmo próprio: um estorvo cotidiano. Tão indiferente – havia explicado, com suposta ingenuidade, Monsieur de Stendhal – como o corpo de um homem. Porque Felipe era, eu já disse, e estou convencido disso, o personagem recorrente dos escritos íntimos, o personagem stendhaliano que desconfio ter sido o próprio Stendhal, aquele que precisava de uma pele, de uns peitos, de um tom de voz, e até de um nome e de uma história pessoal diferentes a cada noite. De modo que a filósofa, ao regressar, anularia a si mesma, como ele se anulava ao ficar abraçado à garrafa, e se podia concluir, em outro estágio da reflexão, que Felipe, além disso, que havia se proposto, no fim das contas, a ser escritor, tinha mudado definitivamente a escritura, e não pela mulher ou pela garrafa, questões triviais?, mas sim por aquilo que os ingleses chamam de day dreaming, o sonhar acordado. Em lugar de se traduzir em obras ou em amores, sua vida tinha se dissolvido no nada, no sonho que era o nada. Seu único legado seria um punhado de imagens: uma figura um tanto cansada que atravessava o Boulevard du Montparnasse, com uma elegância vinda de lugares remotos no tempo e no espaço, da Grange School de Santiago do Chile, do bar El Capulín de Providencia, do Club de Polo San Cristóbal, elegância que tinha sido deslocada, castigada pelos anos de militância no Partido, e depois por Paris, pela vida intelectual, pela virulenta novidade do anticomunismo, por tantas coisas; deslocada, eu disse, e até castigada, malvista, mas não, nunca, eliminada, e bastava lembrar, para compreender a complexidade de toda a questão, a graça do chapeuzinho claro amassado enquanto atravessava a rua, sozinho, excêntrico, alheio, entre turistas de calças curtas, ruminando alguma coisa, uma aventura louca, uma vingança?, e se era por isso, que vingança, de quem, de quais supostas ofensas?

Na tarde do domingo, enquanto líamos sob nossos respectivos abajures, com as janelas abertas de par em par, torrando de calor, Silvia, em determinado momento, deixou o livro em cima da saia, de suas coxas bonitas, as memórias recentemente publicadas na Espanha de Alfredo Bryce Echenique, escritor que havia sido apresentado a mim em um bar de Montparnasse justo por Felipe Díaz, e suspirou.

− O que andará fazendo esse louco do Felipe? – perguntou em voz alta.

Eu, que, fiel à minha obsessão de sempre, à minha condenação, lia um trabalho sobre os arquivos secretos da KGB, disse, e o disse com uma carga emocional que surpreendeu a mim mesmo, como se ela estivesse se acumulando em mim durante a leitura, ou antes da leitura, vá saber:

− O que poderia fazer o Felipe, Silvita, o que poderia fazer?! Eu acho, francamente, que você está apaixonada por ele!

− Eu? Quem está apaixonado por ele é você. Já te disse isso várias vezes!

Balancei a cabeça. Não havia mais resposta, nem mais remédio. E pensei que o silêncio daquele telefone, apesar de tudo, era um tanto inquietante. Porém o que adiantava eu me inquietar, afinal de contas? Com as últimas aventurazinhas de nosso desaforado e, em última análise, imprevisível, não confiável, desesperado, perigoso amigo?