Um
Os demônios da floresta sombria

Uma jovem corria desesperada no breu em que se transformara a noite. As nuvens cobriam a lua cheia como se quisesse que o mal apanhasse Lorena. Mas ela não queria dar esse gostinho a ele. Por isso corria para tentar salvar sua própria vida. Seu coração estava para explodir e ela suava constantemente. Para piorar, estava usando aquele vestido comprido idiota. O espartilho apertando-lhe o corpinho frágil.

Ela olhou para trás novamente, mas não viu ninguém. Entrou em uma ruela mal cheirosa pisando nos paralelepípedos com força, machucando mais ainda seus pés, que já estavam com calos. Dos seus olhinhos castanhos já se podia notar lágrimas salgadas escorrendo. Mas ela sabia que aquele era o joguinho maldoso de Chayo. Queria vê-la desesperada, pedindo sua bondosa misericórdia. Mas ela sabia que não existia nada de bondoso nele. Ele era tão diferente de Votyo...

A luz da lua, então, resolveu surgir, para a alegria de Lorena, que agora estava mais esperançosa. Ela saiu da ruela e correu em direção à praça principal. Foi aí que ela sentiu um vento gelado. Seu coração pesou. Uma sombra enorme cobriu seu corpinho delicado. Ela segurou o soluço para não se debulhar em lágrimas. Por que ninguém aparecia para socorrê-la? As ruas estavam desertas, como se todos que morassem ali tivessem sumido repentinamente.

— Não achou mesmo que iria se livrar de mim, achou Lorena? – disse Chayo, pousando lentamente de seu voo, curvando-se para olhar a menina mais de perto.

Chayo não era nada mais nada menos que um dragão enorme de cor negra e manchas douradas, com grandes olhos amarelados e brilhantes. Ele olhou para Lorena com certa cobiça e desejo. Enquanto ela o encarava com desespero e terror.

— Bem que eu queria que não tivesse me achado. Seria muito melhor estar nos braços de Ian do que ser perseguida por você.

— Ah, minha doce Lorena, como estas suas palavras me entristecem e magoam. Mas você sabe que sempre foi destinada a mim. A mim! E a mais ninguém. O seu coração me pertence!

— Nunca pertenceu e nunca vai pertencer, ele sempre pertenceu a Ian e não a você. – As lágrimas em seus olhos já haviam secado e ela não mais encarava o dragão com medo. Pelo contrário, a cada momento sentia-se mais forte.

Chayo ficou desgostoso diante de tal declaração. Seus olhos estavam flamejantes e ele estava prestes a cometer uma loucura.

Lorena via a insanidade em seu olhar e já sabia muito bem o que a esperava. Ela colocou os braços ao redor do corpo, esperando pelo seu fim.

— Se tiver que fazer, que seja rápido. Mas saiba que minha alma se encontrará com a de Ian toda vez que você nos separar. Isso eu juro a você. Não pode lutar contra o nosso amor.

— Eu gostaria que não fosse assim – falou Chayo, com uma tristeza velada e desmedida. — Você não me deixa escolha. Mas apesar do que vai acontecer, saiba que eu te amo, e sempre vou te amar Lorena.

— Nenhuma criatura viva que pratica o mal sabe o que é amar.

O dragão ergueu-se majestosamente, olhou para baixo em direção a Lorena, que abria os braços e fechava os olhos, respirou fundo e cuspiu fogo no corpo da jovem camponesa. Quando viu que não sobrara nada além de cinzas, afastou-se e planejou se vingar de Ian pela morte de sua eterna amada...

Drika acordou arfante sentando-se na cama. Procurando algum indício de fogo em seu corpo. Quando não encontrou nenhum, relaxou os ombros respirando aliviada. O suor cobria-lhe a face morena. Seus lábios avermelhados estavam entreabertos. Olhou para o lado, à procura de seu animal de estimação, quando se lembrou que ele havia ficado fora de seu quarto na noite anterior.

— Foi apenas mais um pesadelo Drika, apenas mais um pesadelo. Dragões não existem. Não mais.

Drika respirou fundo. A manhã não havia começado muito bem, assim como todas as manhãs nos últimos meses, em que ela sempre tinha o mesmo pesadelo, sempre a mesma garota que pegava fogo. Apesar de não crer muito em previsões, aquilo já estava começando a incomodá-la.

Ela passou a mão pelo rosto e pelos cabelos. Estava cansada, sem um motivo aparente.

— Não se deve deixar levar por pesadelos Adriana. Pesadelos só servem para confundir a sua cabeça – falou para si.

Drika balançou a cabeça tentando afastar os pensamentos ruins. Levantou-se e foi para o lavabo molhar o rosto. Em instantes, ela estava com um vestido branco e leve, sem anáguas, e, para o seu desgosto, comprido, pois odiava vestidos compridos, preferia mil vezes usar uma armadura como os cavaleiros que serviam seu pai. Os cabelos negros estavam soltos e os olhos castanhos já estavam bastante atentos naquela manhã ensolarada. Logo, ela saiu de seu quarto.

Não quis passar na sala de jantar para tomar o café da manhã, foi direto para o primeiro jardim, que ficava ao lado direito do castelo. Lá, colheu uma maçã de uma macieira já velha e deitou-se escorada na árvore, mordendo a fruta com vontade.

Um tigre branco enorme estava esgueirando-se entre as árvores, olhando sempre para a princesa, que agora estava de olhos fechados apreciando a brisa fria que tomava o jardim. Ele agachou-se, preparando-se para o ataque.

— Nem se atreva a fazer isso Lorenzo, ou você é um tigre morto.

O tigre bufou de insatisfação, como se tivesse entendido o que Drika havia falado, e devagarzinho deitou-se ao lado da dona apoiando sua cabeça enorme em uma das pernas da princesa.

Drika tinha aquele tigre desde criança. Na verdade, desde que nascera. O rei do Norte, Lúcio Marlovick, presenteou-a quando nasceu, talvez, no fundo do coração, ele achasse que isso caberia muito bem no lugar da mãe de Drika, que morrera no parto. O que poderia ser considerado como verdade, já que o tigre fazia muito bem para ela e estava sempre ao seu lado. Drika passa a mão no pelo branco com listras pretas do seu animal de estimação. Drika nunca vira o rei do Norte, na verdade, nunca vira ninguém do Norte, em festividades eles sempre se recusavam a aparecer, eram muitos discretos, dissera Victor Boobey, o general do exército do pai de Drika, para ela uma vez.

Nunca entendeu por que ganhara um tigre e muito menos como ele poderia ser tão dócil para um animal selvagem.

Sem que Drika percebesse, Lorenzo, o tigre, levantou a cabeça e deu-lhe uma lambida na cara.

— Oh Lorenzo, eu acabei de lavar o rosto. – Ela sorriu tentando se levantar, mas o tigre colocou a pata enorme em cima dela, impedindo-a.

Um criado aproximou-se discretamente da princesa e de seu tigre. Ele fez uma breve reverência antes de se manifestar.

— Alteza, sua irmã, princesa Bruna, está solicitando vossa unânime presença no salão cerimonial imediatamente – falou ele de forma elegante e mecanizada. Drika odiava a forma como os criados se portavam. Nem pareciam que eram humanos.

— Eu acho melhor recusar tal pedido meu caro. Pois da última vez que fui ao salão cerimonial a pedido dela, ela passou mal de tanta raiva. Então peço encarecidamente que você vá dizer para ela que estou indisposta para vê-la no momento.

O criado arregalou os olhos.

— Mas vossa alteza, sua irmã, princesa Bruna, colocará toda sua ira para cima de mim se a senhorita não comparecer no salão de cerimônias agora – enfatizou o criado. Seu tom de voz era de medo.

Drika revira os olhos.

— Ok, ok. Mas veja só: estou fazendo isso por você, entendeu?

— Perfeitamente, alteza.

— Espero que você se lembre disso pelo resto de sua vida. Agora, por favor, me leve até a megera da minha irmã.

O criado fez uma rápida reverência pela segunda vez, enquanto Drika se levantava, empurrando o tigre para longe.

Ela o seguiu por aquele jardim, até passar para o segundo jardim, onde as plantas estavam floridas, exalando perfumes. Mas nem aquelas leveza e delicadeza das flores iriam espantar a nuvem negra que viria a seguir.

Drika mal avistou a grande porta de entrada do salão de cerimônias e já ouviu os gritos estridentes que sua irmã, Bruna Belle, dava.

Bruna, irmã mais velha de Drika, sempre fora uma princesinha mimada, que vivia implicando com Drika por tudo. Mas nos últimos tempos estava um terror. Faltavam poucos dias para o seu casamento e ela estava simplesmente histérica com os preparativos, ela poderia muito bem ter pedido para alguém cuidar daquele troço todo, mas afirmou que somente ela poderia organizar o próprio casamento, que ninguém mais seria capaz além dela mesma. Mas o que Drika suspeitava era que Bruna fazia aquilo tudo sozinha para impressionar a rainha do Norte quando ela viesse para o Reino Central.

O que era verdade, Bruna não conhecia a rainha Valéria, mas sabia que a mulher era muito refinada e elegante. Agradar a futura sogra seria uma ótima ideia para aproximar-se dela.

Esses pensamentos fugiram da mente de Drika logo que se aproximou da porta.

— O que você acha que está fazendo seu imprestável? – Bruna reclamava com um criado que segurava um delicado pano de seda rosa bebê. Ele estava com as mãos trêmulas, pelo que Drika percebeu. — Você acha mesmo que este pano é do rosa mais claro que existe? Você está cego? – ela gritou, fazendo com que o criado se encolhesse mais ainda.

— Mas, alteza, os criadores da seda no Reino Sul afirmaram que este tom de rosa é o mais claro que pode ser produzido. Eles fizeram o mais claro possível, alteza – falou ele baixo, temendo que ela jogasse um raio contra ele se falasse em um tom mais alto.

— Eu quero que você, esta seda e o povo do Reino Sul vão para o inferno, pois eu não usarei esta coisa ridícula em nada da decoração do meu casamento. Você me entendeu bem? Agora suma daqui antes que eu mande entregar você como alimento daquele tigre idiota.

Drika resolveu se posicionar na história.

— Idiota é você minha cara irmã, por tratar um criado de forma tão patética, de falar de forma tão desonrada contra um reino com que você irá tratar de negócios quando for a rainha do Reino Central e por meter meu tigre nessa história ridícula e sem sentido. Fico imaginando como será a reação do Príncipe do Norte quando conhecer você de verdade. Porque você não fingirá doçura para ele para sempre.

— Cale sua boca, fedelha. Você não tem o menor direito de falar assim comigo. E eu ordenei que chamassem você aqui não para jogar impropérios em minha face, e sim para mostrar a você o seu papel na cerimônia do meu casamento.

— Já demonstrei inúmeras vezes que não me importo com a cerimônia de seu casamento, mas você insiste em me jogar nessa comédia. Isto vai ser uma farsa, nada mais que uma farsa.

— Você irá se importar com a cerimônia do meu casamento sim, papai disse claramente que nestes dias você deve fazer tudo que eu ordenar que faça.

— Nem você nem ele irão me obrigar. E eu nunca vi motivo, razão, ou circunstância para ter essa maldita coreografia de casamento, por isso eu não vou ensaiar para nada. Se você acha que vou concordar com isto está muito enganada, não quero ser como você: uma maldita vadia que só pensa em si mesma e na própria imagem.

Bruna cerra o punho, deixando o jeito delicado e frágil de lado, e mira-o no rosto de Drika. Mas esta, sendo mais rápida e treinada pelo general dos exércitos de seu pai, abaixa a cabeça para, em seguida, desferir um gancho direito na mandíbula da irmã. Bruna cai no chão, alguns criados correm para socorrer. Mas ela não permite que a toquem. Ela olha para Drika com um ódio desmedido.

— Olhe só para você. Nunca será nada de importante. – Ela se levanta e limpa o vestido que nem sequer estava sujo. — Às vezes, eu rezo à noite para que os deuses a matem em uma dessas batalhas que você costuma ir com o exército de nosso pai.

Após esta confissão, Drika descontrola-se e acerta com um soco o olho esquerdo de Bruna, que cai novamente. Drika respira fundo e olha assustada para a irmã. Nunca havia se exaltado tanto, sempre soube controlar sua vontade de agredir Bruna. Mas duas vezes foram o suficiente para deixá-la assustada.

Ela estava prestes a pedir desculpas, quando um homem alto, ruivo e barbudo, vestido em uma armadura de prata fosca, se aproxima dela apressado, segurando um elmo. Ele a reverencia com respeito desmedido.

— Alteza, um grupo de mercenários da Floresta Sombria está se aproximando do Reino, invadindo nossas terras com uma estratégia incomum. Eles são muitos. E têm aspecto estranho, pelo que um dos nossos disse.

Drika olhou preocupada para ele.

— E onde está meu pai?

— Está resolvendo problemas de Estado, minha princesa.

— Pois me espere um instante, eu irei vestir minha armadura, Victor.

— Você não irá a lugar algum! – gritou Bruna que já havia se levantado novamente e estava com um lenço pressionado no canto da boca.

Drika não se importou, saiu em disparada para fora do salão de cerimônias e ouviu a irmã gritar enfurecidamente atrás de si.

***

Vestida em uma armadura prateada fosca e montada em um corcel marrom, Drika cavalgava ao lado do general Victor. Um pequeno exército os cercava, com a intenção de proteger a princesa em caso de perigo.

— Não sei se foi a ideia mais sensata chamá-la, minha princesa. Pois devo estar colocando-a em problemas, mais uma vez.

— Nunca é uma ideia sensata Victor, mas é sempre a mais acertada. Diga-me, quais são as características destes homens?

— O soldado disse que tinham uma feição cruel, estão bem armados, mas se movimentam de forma lenta, como se estivessem cansados. O soldado afirmou que o olhar deles era aterrorizante, mas isso ele deve ter acrescentado pela própria imaginação.

— Ou talvez não. Somente avistando-os para sabermos.

A cavalaria continuou no rumo em que o soldado havia visto os tais homens misteriosos. Lorenzo, o tigre, estava do lado esquerdo da princesa em seu cavalo, andando no mesmo ritmo. De repente, ele começou a fazer um barulho estranho e seus pelos ficaram arrepiados. Drika percebeu que isso era sinal de problemas.

Eles já estavam em campo aberto quando avistaram uma massa negra não tão distante deles. Foi aí que ela percebeu que eram homens vestidos em roupas escuras. Eles andavam de forma lenta e arrastada, assim como Victor havia descrito.

Mas o que a aterrorizou foi a sensação de pânico que a atingiu de repente. Ela nunca havia sentido aquilo antes em um território de batalha. A sensação espalhou-se rapidamente pelo seu corpo.

Logo ela estava ofegante, os olhos estavam se enchendo de água, as forças de seus braços estavam falhando e seu cavalo estava percebendo isso, pois logo começou a dar sinais de exaltação.

— Alteza, você está se sentindo bem? – perguntou Victor, percebendo o mal-estar da jovem.

— Estou – mentiu ela.

Dois homens dos mercenários se aproximaram do grupo. E pararam na metade do percurso. Ficaram lá. Apenas observando os homens vestidos em armaduras foscas a sua frente. Drika olhou para eles curiosa. Quando ela teve a ideia imbecil – como ela descreveu alguns meses depois – de tentar olhá-los nos olhos.

Quando viu as íris vermelhas e maníacas a sua frente, ela soltou um grito de terror. Imediatamente os dois focaram nela. Então, gritaram em uma linguagem estranha e aterrorizante como se estivessem mandando os outros atacarem.

E foi realmente isso o que aconteceu.

Logo, os homens lentos transformaram-se em homens rápidos e letais, sacaram suas espadas afiadíssimas e atacaram o pequeno exército de Drika. Os soldados estavam começando a sentir o mesmo pânico que ela, menos Victor.

Ele avançou com o seu cavalo para cima dos demônios da floresta sombria, decepou a cabeça de um rapidamente, mas ainda havia pelo menos uns trinta para ele combater.

A situação não estava das melhores. Drika percebia isso claramente. Seus guerreiros estavam morrendo com uma velocidade incrível e ela e Victor foram imprudentes em não ter levado mais soldados para aquele desastre. Agora todos estavam pagando caro.

O tigre de Drika correu ferozmente em direção aos mercenários como se estivesse em uma caçada.

Logo todos os homens ao redor de Drika estavam caindo perante as espadas daqueles seres demoníacos.

Rapidamente, ela criou coragem suficiente e desceu do cavalo, pois nunca fora muito boa em lutar montada em um. Desembainhou a espada no momento em que uma das criaturas aproximava-se dela para feri-la. Ele ficava repetindo uma frase, como se estivesse blasfemando contra os deuses. E sua face mostrava toda a ira que carregava dentro de si. O tigre de Drika estava atacando outros a uma distância razoável, tentando impedir que eles se aproximassem de sua dona. O homem à sua frente atacou com um golpe vindo de cima, jogando a arma pesadamente para baixo contra o corpo de Drika.

Mas ela soube se defender no momento exato, bloqueando o golpe com sua espada. E, mais do que rapidamente, rodou o corpo em cento e oitenta graus em direção às pernas dele, decepando-as imediatamente. Ele gritou de dor, mas, mesmo assim, não se rendeu. Tentou se levantar com uma insistência que deixou a princesa impressionada por alguns instantes. Ela se recuperou rapidamente do choque e perfurou a carne do homem em direção ao coração. Aquilo era cruel. No entanto, Drika já estava acostumada a lidar com aquele tipo de situação.

Ela mal se recuperara e logo veio outro tentando fazer o mesmo com ela, mas ela o matou tão rapidamente quanto o primeiro. Entretanto, ela não havia percebido o terceiro chegando enquanto o segundo tombava.

E foi este terceiro que acertou o lado vulnerável da armadura de Drika penetrando sua carne. Ela não teve reação sequer para gritar, segurou o ombro dele firmemente e apenas ficou encarando a criatura com forma humana.

Ele tinha uma pele cheia de cicatrizes, os olhos vermelhos estavam cintilantes e Drika achou, por um instante, que ele estava com um olhar de pena. Ele a segurou antes que ela tombasse e a pôs delicadamente no chão. Sem nunca parar de sussurrar. Ela, por sua vez, não parava de encará-lo, tentando desesperadamente puxar o ar pela boca. Ouviu Victor gritando seu nome, mas sua voz estava tão distante...

Os olhos dela focavam os olhos do homem e em nada mais.

Rah Yah ge douvan leck pitran – falou ele, antes de retirar a adaga e, com o sangue que fluía do corpo de Drika, fazer um símbolo na testa da princesa.

A única coisa que ela viu depois disso e antes de apagar foi Lorenzo abocanhando o pescoço do demônio da Floresta Sombria, que havia completado algum ritual no corpo da princesa.

Tontura. Uma tontura enorme que já a estava deixando nauseada. Mas ela tentava se manter forte.

Então, ela virou para o lado e colocou tudo para fora. Estava vendo tudo embaçado, mas sabia que não estava mais no chão nem em um campo de batalha.

Calafrios. Agora ela sentia calafrios terríveis que a faziam gemer e tremer sem parar.

Então, alguém colocou um pano quente e molhado em sua testa e mais panos enxutos por cima de seu corpo.

Sede. Uma sede avassaladora apossou-se de seu ser. Como se tivesse passado meses que não havia bebido sequer uma gota de água. Ela procurou engolir saliva, mas nem saliva existia em sua boca.

Então, alguém derramou um líquido amargo em sua boca, que ela cuspiu imediatamente.

Ela queria a luz, mas tudo estava nas trevas.

Eis que veio um sono avassalador que se apoderou de seu corpo, e ela enfim relaxou.

***

Os olhos foram se abrindo vagarosamente. Tão vagarosamente que já estava deixando Drika irritada e fadigada. O candelabro de velas acesas foi a primeira coisa que Drika viu. Depois disso, ela avistou o rosto preocupado de uma criada, para quem sorriu preguiçosamente. Com a ajuda dela, sentou-se na cama. Mas seu sorriso se desfez quando ela achou um outro rosto no quarto.

O rosto de seu pai.

Rodolfo Belle estava mais do que zangado, estava furioso. Ele não queria nem saber qual era a situação de saúde de Drika, o que ele queria era dar-lhe o castigo do século.

— Saiam todos. Por favor – falou ele educadamente para os criados, quando percebeu que Drika já estava acordada o suficiente, mas a sua voz demonstrava o que viria a seguir. Ele não encarava Drika, ele olhava apenas para o chão, fixamente, e respirava pesadamente.

Todos saíram do recinto, inclusive Victor que estava encolhido em um canto, discreto. Quando a porta foi fechada, Rodolfo Belle finalmente a encarou, e seus olhos estavam para sair das órbitas.

— O que você pensa que está fazendo da sua vida? – gritou ele.

Todos sabiam muito bem como Drika era tratada naquele castelo. E também sabiam do seu incrível poder de revidar.

— No momento estou permitindo que agrida meus ouvidos com gritos desnecessários.

— Não faça piada comigo sua vad... – Preferiu não completar a frase e respirou fundo.

— Vamos, complete a frase! Complete a frase! – ela gritou, mesmo com a cabeça latejando no local em que a marca de sangue havia sido feita. Ela tentou não se importar com a dor. — Me chame de vadia. De imprestável. Vamos! Eu aguento esses nomes carinhosos que você vive querendo me alcunhar. Vamos! Não seja covarde e fale o que você tem tanta vontade de falar...

Um tapa na cara desarmou o que Drika iria falar a seguir.

— Cale a sua maldita boca!

Drika passou a mão na bochecha que ficara vermelha imediatamente e encarou o pai com um ódio desmedido.

— Toque em mim assim novamente e eu juro que quebro a sua mão.

Rodolfo ficou perplexo com aquela reação.

— O que foi que você disse? Porque eu acho que não ouvi direito.

Ela continuou calada e olhou para ele desafiadoramente. Desta vez ela estava mais atenta às coisas ao seu redor, mas a sua cabeça continuava doendo e agora o seu abdômen também.

— Por quê? Hã? Por que você é diferente da sua irmã? Eu simplesmente não entendo por que você é diferente dela. Você deveria ser meiga, delicada, atenciosa com os afazeres de uma princesa. Mas não, você é teimosa, e se comporta como um homem.

Drika continuou sem responder, apenas o encarava.

— Por que você não é como ela? Hã? Me diga! Eu preciso saber. Por acaso é alguma maldição? É alguma maldição? – ele grita furiosamente e joga a mão na mesa próxima à cama de Drika, esparramando vários frascos de vidro. — Pois só pode ter sido uma grande maldição você ter nascido e sua mãe ter morrido. Você entrou como uma praga em nossas vidas, estávamos muito bem com Bruna. Estava tudo perfeito, mas você nasceu. E matou sua mãe no processo de parto.

Os olhos de Drika estavam marejados de lágrimas, mas a sua feição dura continuava.

— Que mãe? Eu nem sequer sei o nome dela. Nem Bruna. E nem ninguém que eu perguntei sabe o nome dela. É como se você tivesse apagado da memória das pessoas que uma rainha sequer existiu. Eu não sei nada sobre ela, as frutas que gostava, a cor preferida, absolutamente nada. Nunca vi sequer a imagem dela. Você mandou destruir todos os quadros que a retratavam. E por quê? Desgosto? Ou para se vingar de mim por eu ser a culpada pela morte dela?

— Isso não lhe interessa!

— Não? E quanto ao seu quarto? Por que somente você pode entrar nele? E por que ele vive sempre trancado? Que segredos existem nele Rodolfo Belle? Hã! Diga! – Ela fez uma pausa — Quer saber? Isso não importa. Não agora. Um dia eu tentarei descobrir toda a verdade. Aí sim acertaremos as contas.

— Você está me ameaçando?

— Não. Quem sou eu para tal coisa. Ninguém tem autoridade alguma para ameaçar o rei. – Ela consegue, penosamente, levantar-se da cama.

— Ei, para onde você pensa que vai?

— Vou embora daqui. Estou cansada deste castelo sem vida, onde os criados vivem com medo e a única coisa viva por aqui são as plantas dos jardins. Você deveria estar feliz por eu finalmente tomar esta decisão. Afinal, eu demorei 17 anos para fazer isso.

Cambaleante ela vai até a porta e, com dificuldade, a abre. O rei não tenta a impedir, pelo contrário, fica apenas observando-a. Ela sai porta afora e ele a segue para saber até onde isso iria dar.

Drika segurava-se pelas paredes, o mundo girando ao seu redor. As pernas fracas, a dor no abdômen aumentando, a cabeça latejando infernalmente.

— Alteza você não deveria estar fora da cama – falou a criada que havia cuidado dela, desesperada.

Ela ia apoiar Drika em seu ombro, quando Rodolfo a impediu.

— Deixe-a.

A criada afastou-se de Drika com um aperto no coração. Cuidara da menina a vida toda. Fora um dos poucos criados daquele castelo que deu amor e carinho de verdade para a menina. E agora era obrigada a vê-la sofrer daquela forma. Drika percebeu o sofrimento da criada e disse sofregamente:

— Eu estou bem Senile, eu estou bem.

De repente a princesa tropeçou nos próprios pés e caiu de joelhos. Ela puxou o ar para os pulmões com força e sufocou um grito de dor. Permaneceu com as mãos no chão e a cabeça baixa. Estava derrotada.

Imagens desconexas passavam em sua cabeça. Ela não entendia o que estava acontecendo realmente.

— Então? Não vai se levantar? – o rei pergunta, com desdém.

— O quanto está se divertindo com isso, pai?

— Divertindo-me? Não. Estou apenas com pena de você.

— Mas eu não preciso disso para me levantar. – Ela se forçou a levantar, e, quando conseguiu, sentiu uma pontada muito maior no abdômen, foi quando ela resolveu olhar.

Uma mancha vermelha estava se espalhando na camisola comprida e branca que ela estava usando.

A criada, quando percebeu, colocou as mãos na boca assustada. E logo o rei percebeu que alguma coisa estava muito errada.

Drika virou-se lentamente para encarar o pai, lembrando de algo que havia passado em seu subconsciente e com o rosto assustado disse roucamente:

— Ihana Trebian.

E caiu pesadamente no chão, completamente desacordada.

A criada correu em direção a sua menina, não se importava se o rei mandasse açoitarem-na depois. Mas o rei não estava se importando com isso. E sim com o nome que Drika havia pronunciado.

Como ela havia descoberto aquele nome?