Dois
Conflitos antigos

Véspera do casamento, Reino Central, três dias depois do incidente.

Drika estava dormindo tranquilamente. Depois de uma noite perturbada, acordando toda vez que começava um pesadelo, pouco antes do amanhecer ela finalmente dormiu.

O rei mandou Senile e outros dois criados cuidarem dela e que a obrigassem a não se levantar da cama antes do amanhecer. E foi o que eles fizeram. Apesar de que toda vez que acordava quisesse ir embora daquele inferno.

Já fazia três dias que ela estava nesta situação. Não podia sair do quarto, não podia sequer andar pelo quarto. E ela não gostava de ser tratada como uma inválida.

Ela estava ressonando quando escutou gritos histéricos de Bruna no corredor dos quartos.

De repente Bruna invade seu quarto:

— Levanta pirralha! – Bruna gritava enquanto abria as cortinas para clarear o local. Fazendo Drika fechar os olhos assim que a luz penetrou o quarto. Era como se Bruna nem sequer soubesse o que havia acontecido com Drika naqueles dias que se passaram, mas era bem provável que ela soubesse. Ela sempre sabia dos acontecimentos todos. – Troque de roupa, rápido. – Bruna abria o armário de roupas de Drika, procurando uma peça adequada, enquanto Drika estava sentada na cama, bocejando, com a cara inchada de sono.

— Mas para quê exatamente? – Drika coloca os pés descalços no chão, enquanto um criado a ajuda a se apoiar direito. – Já quer que eu ensaie? Não pode esperar até que eu esteja mais... recuperada?

— Não vim aqui para isso sua imprestável. Se quiser ser uma vergonha maior para o nosso pai e para o nosso reino, que seja. Eu não me importo. Quero apenas que se arrume, pois o meu futuro marido está chegando com sua família. E papai ficará ainda mais decepcionado com você se não estiver vestida de forma adequada e elegante.

— E onde ele está? – Drika pergunta, pois já fazia dois dias que ela não o via. Bruna joga o vestido em cima da cama e Drika pega-o. Era um vestido rosa, comprido e cheio de detalhes exagerados. – Eu não irei usar isso. E não me importarei se você gritar comigo por causa disso.

— Ah, você vai usar sim. Papai disse que era para eu escolher sua roupa. Tens que ficar elegante. A família real do Norte é muito exigente.

— Os Marlovicks. – Drika ficou pensando por um tempo.

Os Marlovicks, ou família real do Norte, eram nobres tranquilos, quietos, mas muito exigentes em relação a tudo. Eles eram grandes aliados do Reino Central. Todos da família real do Norte tinham cabelos brancos, pele pálida e profundos olhos azuis.

Dizem as lendas que eles têm cabelos brancos pois uma maldição muito profunda os cercava, porque desobedeceram aos deuses. Os cabelos só mudariam de cor quando os Marlovicks fossem perdoados de seus pecados. As gerações passaram, mas nenhum Marlovick nunca ficou com o cabelo de outra cor. Porém, Drika não acreditava muito em lendas, assim como não acreditava em dragões...

Bruna iria se casar com o primogênito, Paulo Marlovick...

Drika coçou a cabeça, não tinha decidido se iria obedecer às ordens de Bruna, mas parecia que a sua irmã estava mesmo falando sério que seu pai havia a mandado para ajudá-la a vestir-se, ou Bruna fingia muito bem. Como Drika não estava nem um pouco a fim de começar outra discussão com seu progenitor, cedeu.

— Deixa de lerdeza pirralha, rápido, este seu ferimento não deve estar tão ruim assim. Tome um banho, vista-se com este vestido e desça para o primeiro jardim imediatamente. Ouviu?

— Claro que sim. Afinal, ainda não estou surda. – Drika coloca o vestido novamente em cima da cama.

Senile, a criada que sempre cuidou de Drika, abre a porta do quarto e fala:

— Seu banho está pronto, princesa Adriana.

— Somente Drika – ela resmunga.

— Rápido, pirralha, parece até o ser mais lerdo da terra, acompanhe a criada, não podemos perder um segundo. Rápido, bem rápido. Entendeu, pirralha?

— Claro que sim. Afinal, ainda não estou completamente louca.

Bruna sai do quarto impaciente e ansiosa, enquanto Drika acompanhava Senile, com a ajuda do criado, para tomar seu banho matinal. O criado saiu e Senile ajudou Drika a despir-se. A situação do seu ferimento ainda estava crítica, a vermelhidão ao redor dele não havia diminuído. Não importava o que Senile fazia, o ferimento ainda estava inflamado. Ela entrou na banheira vagarosamente e sua pele arrepiou. Ela se segurou para não gritar de dor.

Resolveu reclamar apenas da temperatura da água:

— A água está muito fria.

— Me desculpe, Adriana, mas é necessário que você tome um banho assim. – Senile sorriu generosamente.

Drika pareceu recordar-se de uma pergunta que tinha que fazer para a criada.

— Senile, eu não me lembro muito bem o que aconteceu comigo nestes últimos dias. Me recordo vagamente que eu falei algo antes de desmaiar naquela noite em que eu tentei sair de casa. O que exatamente eu falei?

Senile arregalou os olhos por um tempo, mas logo sua face relaxou e ela continuou limpando o corpo da princesa.

— Eu não me recordo, alteza, eu estava mais preocupada com a sua saúde. E além do mais a senhorita devia estar em delírio então podia falar qualquer coisa aleatória e sem sentido.

Então Senile recomeça a dar banho na princesa.

Quando escutam as trombetas, Drika entende que os Marlovicks haviam chegado. Rapidamente, Drika quis sair da banheira.

— Rápido, Senile, ajude-me a vestir. – Drika apressa a criada que não tem outra opção a não ser atender ao seu pedido.

***

No primeiro jardim, Bruna esperava ansiosa.

Ela não fazia ideia de como era seu futuro marido. Seu pai havia viajado sozinho para o Norte para conversar com o rei, concedendo a mão de sua filha mais velha para se casar com o Príncipe do Norte, porque o rei desse reino estava apreensivo, achando que uma aliança com o Centro não era mais tão confiável, já que Rodolfo Belle ainda tinha aliança com o Reino Leste, antigo inimigo do Reino Norte. A união de Bruna e Paulo seria um Tratado de paz e comunhão entre os dois reinos.

Bruna cessou seus devaneios quando ouviu muitos passos no jardim. Ela se virou.

Os Marlovicks aproximavam-se. As mãos de Bruna estavam suando sem parar.

Em instantes, estavam frente a frente com ela. Com seus olhos azuis intensos cintilantes e profundos, estavam o rei Lúcio, a rainha Valéria, e suas duas filhas Bárbara e Alessa, que eram gêmeas. Logo atrás, ainda andando de forma lenta, vinha o príncipe Paulo.

Todos fizeram uma rápida reverência à Bruna, em respeito ao Reino do Centro, o principal entre os cinco reinos. Ela olhou curiosa ao redor, sem se importar muito com seus gestos, uma vez que já estava acostumada.

— Desculpe a minha intromissão, mas onde estão suas damas e seus cavalheiros?

— Eles estão lá fora, bem longe do jardim, não é preciso virem nos proteger ou amparar, não no momento – o rei do Norte responde. Ele era barbudo, usava uma trança grossa e enorme nos cabelos e uma roupa prateada. Olhou ao redor rapidamente e encarou Bruna novamente: — Minha doce princesa, onde está seu pai e sua...?

Antes de ele completar a pergunta, Drika chega ao jardim esbaforida, acompanhada de seu tigre. O ferimento naquele momento estava doendo como o inferno, o espartilho estava pressionando-o.

— Me desculpem pelo meu breve atraso – Drika sorri. Quando eles iam se curvando em reverência, ela os impede. – Oh, por favor, não precisa disso.

— Vejo que está acompanhada pelo tigre – Lúcio comenta.

— Ah, Lorenzo? Sim. Ele é minha companhia na maior parte do tempo e sempre me protege do perigo.

— Não é querendo me intrometer muito na sua vida, majestade. Mas ouvi falar que vossa alteza faz questão de ir pessoalmente travar batalhas – comentou a rainha Valéria, uma mulher de jeito delicado, mas forte. – Espero que nunca tenha se machucado seriamente.

Bruna conteve um sorriso com a mão. Mas a rainha percebeu e arregalou os olhos.

— Já foi ferida em batalha, vossa alteza?

— Recentemente, mas já me recuperei. Obrigada pela preocupação.

Bruna já estava impaciente e irritada com a conversa e com a preocupação da rainha em relação a Drika. Preferia que ela estivesse preocupada com uma pessoa sofrendo com a peste do que com sua irmã.

— Não querem entrar no castelo e se acomodar? – Bruna pergunta graciosamente. – Creio que aqui está muito quente para vocês, que são tão acostumados ao tempo frio.

— Não, muito obrigada, aqui está bem melhor – a rainha Valéria fala.

— Torno a perguntar: onde está o rei? – Lúcio intromete-se na conversa.

— Eu nã... – Bruna quase completa.

Mas o rei Rodolfo aparece no jardim acompanhado por alguém. Os pelos do corpo de Drika arrepiam, ver o próprio pai dava-lhe um grande asco.

Ela olhou com curiosidade para quem estava atrás do rei e seu coração enfim se alegrou. A pessoa era ligeiramente alta, tinha o cabelo comprido quase cobrindo seus olhos, usava uns óculos de aros circulares e andava de cabeça baixa pelo costume de estar com a cara enfiada em livros velhos. Aquele era...

— Marcos! – Drika corre até ele com uma alegria incontida, sem sequer se importar com os bons modos que uma dama deveria ter. Ela se joga nos braços magricelos dele. Rapidamente se afasta, ajeitando a barra do vestido e olhando ao redor desconfiada. – É muito bom te ver – ela, enfim, fala, disfarçando a ardência no seu tronco. Havia se esquecido do seu ferimento outra vez. – O que está fazendo aqui?

Marcos fechou a boca, e seu rosto, que estava rubro, aos poucos recuperava a cor normal. Ele limpou a garganta e falou baixinho:

— Seu pai mandou uma carta para mim dizendo que você não estava se sentindo muito bem e eu resolvi saber pessoalmente como você estava e se eu poderia ajudar.

Drika olhou para o pai, mesmo com aquela gentileza dele ela ainda não daria o braço a torcer. Ele olhou-a com um olhar triunfante.

— Não poderia deixar que minha filha mais nova continuasse naquela tristeza eterna – atuou majestosamente como um pai preocupado. Drika olhou-o com ainda mais desconfiança. E eles ficaram encarando-se por breves segundos.

— Pai. – Bruna chama a atenção do rei. E ele vai cumprimentar a família real do norte.

Depois dos cumprimentos corteses, foram todos conversar sobre o que realmente interessava e o motivo principal de estarem reunidos: o casamento, a união final do Norte com o Centro.

— Bem, minha amada princesa Bruna, já que seu pai, o rei, está agora aqui, eu posso enfim lhe apresentar ao seu futuro marido, meu primogênito, Paulo Marlovick – o rei do Norte fala orgulhoso.

Paulo aproxima-se de Bruna, com passos lentos. Seus cabelos brancos estavam amarrados em um rabo de cavalo. Sua roupa era preta com detalhes prateados. Ele reverencia a princesa e beija sua mão.

— Estou encantado com sua magnífica be... – ele não completou a frase ensaiada, pois havia percebido a mancha roxa, ainda visível no rosto super branco de Bruna. Ele se conteve para não rir. – Sua... sua magnífica beleza. – Colocou a mão na frente da boca tentando esconder o riso com uma tosse falsa. Todos os outros estavam calados.

Até que Drika resolve quebrar o silêncio.

— Então você é o tão esperado noivo – comenta sem muito entusiasmo.

— Eu suponho que sim – ele responde indo em direção à Drika, desviando a atenção de Bruna. Ele beija a mão de Drika, deixando ela um pouco enjoada, fazendo com que ela puxasse a mão para bem longe dos lábios molhados dele. Ela fez uma careta enquanto limpava a mão discretamente. – És uma bela jovem... – ele sussurrava rápido e sedutor. – Cujos lábios podem saciar o desejo insaciável de um homem.

Ninguém havia entendido a última frase, ninguém além da própria Drika, que deu um passo para trás e depois se afastou mais para perto de Marcos, como se ele fosse seu ponto de fuga. Ela ficou incomodada com o modo que ele agiu. O Rei Rodolfo a olhava com mais reprovação do que o costume.

— Muito bem. Agora que os noivos se conhecem, vamos falar sobre como vamos seguir com os preparativos para a festa. – O Rei Rodolfo sai, mas não sem antes jogar um olhar de reprovação em Drika para que ela não se aproximasse. Os outros o seguem.

Deixando Marcos, Drika, Paulo e Bruna sozinhos.

— Então, ah, eu e Marcos deixaremos vocês dois sozinhos para se conhecerem melhor. Não é mesmo Marcos? – Drika cutuca Marcos.

— Ah, sim, é claro – Marcos confirma gaguejante.

— Por que não ficam aqui conosco? Não incomodarão – Paulo fala encarando Drika. Ela já estava ficando irritada com aquela ousadia.

Ah, se ele soubesse do que eu sou capaz. Ela pensa e fecha os punhos.

— Não, não – Drika responde, puxando Marcos pelo braço. – Vocês dois têm que conversar sobre o casamento sozinhos, você precisa saber dos planos de minha irmã, já que ela se preparou muito para isso.

Drika puxa Marcos para bem longe dali, caminhando para o segundo jardim. Deixando Paulo e Bruna sozinhos. Paulo ficou meio triste e parecia decepcionado. Queria fugir de Bruna se fosse possível. Dela e daquela mancha que era visível em seu rosto.

— O príncipe arrumadinho do Norte estava praticamente babando por você – Marcos falava achando graça daquilo tudo.

Drika bufou.

— É, eu percebi isso, e não gostei nada. Ele é noivo da minha irmã e mesmo que eu odeie aquela vadia eu não quero vê-la sofrer. Sinceramente, fiquei enojada com o jeito daquele pervertido.

— Eu também não achei ele muito agradável, nem a família dele também. – Marcos senta-se embaixo de uma árvore.

— Ah, o rei e a rainha parecem ser bem legais, as gêmeas são neutras. – Drika senta-se ao lado dele. – Também não é para implicar tanto Marcos.

— Desculpe, mas acho que já faz parte de mim. Há muitos milênios de anos o antigo rei do Norte travou uma grandiosa batalha com o antigo rei do Leste, ou seja, o meu ancestral.

— Eu sei, o lendário Banho de Sangue.

— Sim, de acordo com a história, a guerra foi a pior de todas, meu povo foi completamente massacrado, por que você acha que eles são podres de ricos? Eles saquearam a população do Leste, abusaram das mulheres de nosso reino, mataram bebês e muitos outros tipos de crueldade inimaginável. Nosso castelo ficou devastado, desde aquele tempo em que fora criado o pequeno castelo na floresta em que eu vivo, pois se nossa família fosse atacada outra vez poderíamos nos refugiar em um lugar seguro por um tempo, mas como nada aconteceu até hoje, o castelo ficou abandonado e eu me apossei dele. É o único lugar em que eu consigo trabalhar em paz sem meu pai ficar atrapalhando. Aquele é o meu verdadeiro lar. – Marcos respirou fundo e com força, como se o ar estivesse rarefeito.

Drika nunca tinha o visto assim, falando sobre assuntos familiares, sobre como se sentia. Ele costumava conversar com ela sobre suas experiências, sobre suas malucas invenções. Mas naquele momento ele parecia vulnerável, ela sabia que algo prendia seu coração a uma tristeza grandiosa. Pela primeira vez, ela percebia que não conhecia o amigo tão bem quanto deveria. Resolveu tentar amenizar a situação e todo aquele clima pesado que se formara de repente.

— E você não pensa em vingar sua família? – ela falou brincando, mas parecia que ele não estava prestando atenção. – Quer dizer, seus antepassados?

— É claro que não – ele não havia entendido que era uma brincadeira. E continuou, apontando para o próprio corpo. – Olhe para mim. Dá para ver o medo em mim, do fio de cabelo da cabeça ao dedão do pé, sou um medroso, inteligente, mas medroso – ele abaixa a cabeça, derrotado.

— Ei! – ela levanta a cabeça dele para que ele a encarasse. – Eu estava apenas brincando, ok? Você não precisa provar nada, se vingar de nada. Você é muito melhor do que tudo isso. Do que todos os outros que estão neste castelo.

Marcos deu um sorriso fraco. Drika sorri de volta.

— Quer saber, eu vou buscar algo para comermos.

— Não é necessário...

Drika já havia se levantado, com Loli em seu encalço. Não tinha como competir com aquele furacão.

Marcos fica sozinho... por breves minutos.

Paulo aparece em sua frente, vindo do nada. Estava desacompanhado, não havia nem sinal de Bruna. Ele se senta na grama ao lado de Marcos.

— Ela é muito bela, não é mesmo senhor Lockhood, do Leste? – Paulo já não agia de forma gentil, seu tom de voz era muito diferente. Agora estava agindo como um príncipe mimado do Norte.

— Prefiro ser chamado de Marcos, Senhor Marlovick, do Norte. Ah, um conselho: se você pensa que irá conquistar Drika com este seu jeito falsário, pode desistir, ela não gosta de homens do seu tipo.

— E ela gosta de homens do seu tipo? Ah, faça-me um favor príncipe do Leste... está comparando um rapaz forte, bonito, ou seja, eu, com um cara fraco, feio, que é... ah, você – Paulo zomba.

— Eu não estou comparando absolutamente nada, eu apenas digo que você não é um homem adequado para Drika, você não chega nem aos pés do que ela realmente merece. Você nem ao menos parece ser uma pessoa confiável. Assim como os seus antepassados.

— Está me chamando de traidor? – Paulo pergunta, irritadiço.

— Não ainda, mas é só uma questão de tempo até você revelar a sua verdadeira face. Você veio de uma família de traidores – aquela discussão era adrenalina pura no corpo de Marcos, que não tinha o costume de fazer tal coisa.

Quando Paulo pensou em atacar Marcos, ele desistiu. Pois Bruna estava se aproximando dos dois. Ah, a odiada noiva de Paulo... e agora mais odiada ainda por tê-lo atrapalhado.

— Eu te procurei tanto – Bruna parecia estar cansada.

— Por que estava à minha procura, minha querida? – Paulo falava docemente, como se a conversa com Marcos nunca tivesse acontecido.

— Papai quer conversar com você. E exige que seja imediatamente. Ele disse apenas que é um assunto muito sério quando eu perguntei. Venha, irei levá-lo até ele. – Bruna tenta ajudar Paulo a se levantar.

Antes de saírem de perto de Marcos ele olha para o outro e diz:

— Até mais tarde príncipe do Leste.

— Até logo, Marlovick traidor, do Norte – Marcos sussurra quando já estava sozinho, enquanto ajeitava o óculos que escorregava de seu nariz suado.

Ficou lá, no mesmo lugar, esperando Drika voltar para poderem conversar mais um pouco. Drika voltou, mas não estava carregando nada. Ela se aproximou da árvore onde Marcos estava encostado e pegou uma fruta. Logo se jogou ao lado do amigo. Ele a olhou questionativo.

— O que foi? As cozinheiras não me deixaram pegar nada, nem um mísero pão seco. Disseram que foram ordens do Rei que elas se concentrassem no almoço para a família real do Norte e que eu não as distraísse. Aquele homem maldito...

— Ele é seu pai, Drika.

Drika olhou-o por alguns segundos, até que decidiu não contar para ele como era seu relacionamento com o próprio pai, assim como fizera outras várias vezes quando sentira vontade de lhe revelar isto.

— Tanto faz – ela deu uma mordida grande na maçã.

Uma criada andava esbaforida até os dois.

— Altezas, desculpem atrapalhar – ela parou e tomou fôlego. Marcos arregalou os olhos e Drika apenas deu mais uma mordida na maçã. – Mas a rainha Valéria deseja sua presença, princesa Adriana.

— Minha presença? Para quê? – ela quase engasga com o pedaço da fruta que estava em sua boca.

— Ela quer que a senhorita vá tomar chá com ela e com as filhas, inclusive com sua irmã, a princesa Bruna.

— Tomar chá juntas? Eu sou obrigada?

— O rei Rodolfo disse que hoje Vossa Majestade deveria cumprir todos os compromissos que aparecessem.

Drika expeliu o ar de seus pulmões com impaciência demonstrada e levantou-se para acompanhar a criada.

— Não vá embora – ela gritou para Marcos quando já estava relativamente longe. – Temos muitas coisas para conversar ainda.

— Não se preocupe, eu não vou – sussurrou ele de volta e ficou na companhia de Lorenzo, que, talvez sentindo a chatice que ia ser essa hora do chá, dessa vez não seguiu Drika.