Três
O casamento em desastre

Dia do casamento. Castelo Central.

Drika não estava se sentindo muito bem.

Não porque havia derramado chá em cima da rainha Valéria na manhã anterior, ou por ter quase tocado fogo no cabelo de uma das gêmeas, o que gerou muita risada depois (exceto em sua irmã Bruna, pois ela era uma chata).

Não era nada disso que a incomodava. Quem dera seu problema fosse vergonha pelos erros cometidos na hora do chá. O seu problema, naquela madrugada fria, era que ela estava com um pressentimento muito ruim sobre o casamento da irmã, não sabia o que era ao certo aquele sentimento, porém queria que o casamento fosse cancelado. Claro que não falaria aquilo para o seu pai nem por brincadeira, mas gostaria de dar o fora dali antes de que acontecesse o pior, apesar de nem saber que pior era aquele.

Sua apreensão havia lhe custado o sono.

Já que não conseguiria mais dormir, Drika resolveu se levantar, ainda não havia amanhecido, devia ser 4 horas da manhã.

Sua mente estava perturbada.

Acendeu uma vela e saiu do quarto, já sabia muito bem aonde os seus pés a estavam levando. Depois de passar pelo corredor e descer as escadarias à direita, ela foi para as escadarias à esquerda, passou por outro corredor vazio e foi bater na segunda porta à esquerda.

Esperou um momento longo e silencioso, até escutar que alguém se movia do outro lado da porta.

Marcos atende, ainda ajeitando os óculos no rosto, parecia estar com bastante sono, mas isso não impedia Drika nem um pouco de solicitar sua atenção. Quando ele finalmente percebeu quem era, afastou o corpo para o lado para deixar a princesa entrar em seu quarto.

— Já vai começar o casamento? – ele fala esfregando os olhos atrás daquelas lentes engraçadas.

— Não consegui dormir – Drika senta-se em uma poltrona e Marcos, na cama.

— Eu também não, o príncipe pálido, está no quarto ao lado direito do meu. E eu não confio nele, talvez ele até tente me matar.

Drika sabia que ele estava brincando, Marcos não parecia que não havia conseguido pegar no sono.

— Não estou muito bem. E ainda não entendo o porquê.

— Como assim?

Drika pensou em contar sobre sua relação não muito bonita com o seu pai, sua mente estava em conflito com seu coração, mas dessa vez a mente venceu e outra vez Drika escondeu o que passava naquele castelo.

— Não estou muito positiva em relação ao casamento que acontecerá hoje. Algo estranho vai acontecer, meus instintos nunca erram, Marcos.

— Talvez você esteja apenas ansiosa com o casamento de sua irmã.

— Ah sim, como se eu e Bruna fossemos unha e carne, inseparáveis – Drika falou, frustrada.

Marcos ergueu uma das sobrancelhas.

— Drika, tem outra coisa incomodando você. O que é?

— Não é nada.

— Agora você é a amiga que esconde as coisas?

Na verdade, eu nunca cheguei a revelar o que se passava comigo. Drika pensou amargamente. Ela respirou fundo e olhou-o outra vez. Será que era bom para os dois que isso fosse revelado?

***

Era necessário um banho bem gelado para relaxar. Os olhos de Drika ainda estavam vermelhos, ela tinha plena noção de que se começasse a falar não iria parar até revelar tudo que estava em seu coração e em sua memória. Chorou tudo o que tinha para chorar nos braços acolhedores de um Marcos bastante surpreso, ele sempre achara que a vida de Drika era perfeita, ele e todos os moradores dos quatro reinos.

Drika afastou aqueles pensamentos de sua mente e se concentrou apenas em seguir para o banho, faltavam poucas horas para o casamento e cada segundo era importante, já que ela se arrumaria sozinha naquele dia uma vez que todas as criadas estariam atarefadas demais com a senhorita perfeitinha. Bruna tinha uma péssima mania de perfeccionismo que deixava Drika nauseada.

Ela saiu da banheira e se enrolou na toalha, foi até seu quarto, que era no cômodo seguinte, assim mesmo, já que não tinha ninguém por perto para lhe repreender pelos maus modos. Chegando no quarto ela foi depressa procurar uma forma de enxugar os cabelos com outra toalha, colocar as ervas esmagadas em seu ferimento e depois começar a se vestir, seguindo aquele ritual chato de colocar espartilho, amarrar espartilho...

Depois de uma hora e meia sofrida, Drika conseguiu calçar aqueles sapatinhos minúsculos e pouco confortáveis, de cor azul marinho e com um pequeno salto, vestir o vestido azul sufocante com um pequeno decote na frente. Nossa, como ela odiava vestidos compridos! Fez ainda um penteado, com o qual seu cabelo ficava levantado e preso por algumas presilhas de prata com pedras de diamante.

Ela abriu uma caixa forrada com veludo vermelho e pegou sua coroa cerimonial. Colocou-a com o máximo cuidado . Ah, como ela odiava usar aquela coisa pesada. Já se sentia completamente pronta para sair do quarto, só precisava dar uns pequenos retoques no cabelo e aplicar o perfume.

O rei abriu a porta do seu quarto sem bater, deixando-a aberta atrás de si. Fingia estar maravilhado com o que via, o que deixava Drika ainda mais irritada. Ela esperou que ele falasse algo.

— Ao menos hoje está vestida como uma dama, como a princesa que você é.

— Ontem eu estava bem vestida, só o senhor que não deve ter percebido.

— O que eu percebi ontem foi você flertando com o noivo de sua irmã. Foi isso que eu vi – ele falou severo e com expressão de nojo.

— Eu? Flertando com aquele idiota pálido? Ah, olha bem para mim Rodolfo e faça-me o favor.

— Tenha mais respeito comigo.

— Ou o quê?

Rodolfo abriu a boca para falar, mas Marcos escolheu o momento oportuno para aparecer, para grande alívio de Drika, que não queria discussões naquele dia fatídico. Marcos esfregou as mãos, sentindo a tensão no ar. Rodolfo virou-se para olhar para Marcos e sorriu para ele amavelmente, mas Marcos não cairia mais naquilo, não com o que Drika havia dito para ele. Marcos não olhou para Rodolfo por muito tempo, ele focou em Drika. E Drika, nele.

O amigo estava muito elegante, discreto, mas bonito, ele estava usando sapatos pretos com um salto minúsculo com uma fivela prateada como enfeite, sua calça era preta, a camisa, branca com mangas compridas e usava um colete preto com o símbolo de sua família desenhada com fios de ouro. E o que Drika achou mais estranho de tudo: ele estava sem óculos.

— Achei que ficava cego sem óculos.

— Eles estão no bolso. Achei que você odiasse prender o cabelo.

Drika olhou para o pai com o canto de olho e depois para Marcos.

— Existem certos momentos da vida em que mulheres devem agir como damas.

Marco limpou a garganta, estava começando a ficar ansioso, suas mãos estavam suando. Ele olhou para Rodolfo.

— Peço permissão, vossa majestade, para acompanhar Dri... a princesa Adriana até o salão cerimonial.

Rodolfo ergueu as duas sobrancelhas.

— Ora, mas é claro, estes últimos tempos estão sendo tão corridos para mim que eu nem tive tempo de escolher alguém para acompanhar Drika. Eu fico muito agradecido pela sua iniciativa.

Mentiroso! Drika gritou em pensamento o que não podia expressar em voz alta. No entanto, seu rosto mostrou o repúdio que ela sentia por seu progenitor. O rei disse algumas palavras, despedindo-se dos dois e retirou-se. Marcos esperou mais um tempo para se manifestar.

— Eu estou ridículo assim, não estou?

— Não está tão ruim assim... – Marcos olhou para ela constrangido e Drika revirou os olhos. — Marcos, você está ótimo.

— Você também não está nada mal.

Drika sorriu discretamente.

— Bem, é melhor nos apressarmos, quem se atrasa é a noiva e não a irmã dela.

Drika pega no braço de Marcos e arrasta-o para fora do quarto. Quando ela e Marcos estavam terminando de descer a escadaria, Drika sentiu falta de algo. Como não? Onde estava seu tigre branco, Lorenzo?

Ela viu um dos criados andando bem na frente deles e resolveu pará-lo.

— Artino, diga-me, onde Lorenzo está?

— Ele está na cozinha, alteza. Está se deliciando com todo tipo de comida que pudemos dar a ele. Assim ele não tentará arruinar o casamento da Princesa Bruna, foram ordens do rei.

Claro que sim.

A princesa agradeceu a informação e seguiu, arrastando Marcos mais uma vez. Estavam do lado de fora do castelo, em direção ao salão de cerimônias ao lado direito da propriedade, quando alguém os grita. Ambos param e olham para trás.

— Altezas, voltem, esqueci de lhes avisar para entrarem no salão cerimonial com a família real do Norte, como a princesa Bruna havia especificado – Artino falava apressado, enquanto os outros dois voltavam para o castelo.

— Eu não me importo nem um pouco com as especificações de Bruna, Artino.

— Drika, por favor – Marcos pede.

Artino aproximou-se, nervoso.

— É muito simples, alteza, a senhorita só precisa entrar, com o príncipe Marcos, na frente, depois de vossas altezas, serão as gêmeas com o rei do Norte e por último entrará a rainha com o noivo. Quando chegarem lá na frente fiquem do lado direito, que a família real do Norte ficará do lado esquerdo. Por favor alteza, não sou eu quem quer lhe forçar a isso.

— Não está forçando... Artino, pode ir tranquilo continuar seus afazeres.

Artino faz uma pequena curvatura rápida com o corpo e retira-se imediatamente.

Naquele exato momento a família real do Norte estava descendo as escadarias do lado esquerdo, perfeitos e impecáveis. O vestido das gêmeas era rosa bebê, a roupa do rei era dourada, a da rainha era de um vermelho escarlate intenso e o do noivo era prateada de acordo com os costumes de seu reino.

— Princesa Adriana, está encantadora – o rei do norte fala dócil e Drika percebe que não o fazia com falsidade como era costume de seu pai. Ela sorri.

— Obrigada, Senhor Marlovick – Drika agradece. Rapidamente olha para Paulo, a fim de confirmar sua suspeita: ele realmente a estava encarando. – Vamos então? Não devemos chegar mais atrasados que a noiva.

Três carruagens aproximam-se deles, o que não havia necessidade alguma, já que o salão de cerimônias não era nem um pouco longe dali. Relutantemente, Drika entra em uma, seguida por Marcos, e espera chateada pelo seu destino.

Passou-se apenas cinco minutos até eles avistarem um portal enorme à direita, que dava acesso ao salão de cerimônias. Drika já estava com aquele receio outra vez.

Não fique nervosa, não fique nervosa, não fique nervosa..., mas quanto mais ela pensava nisso mais nervosa ficava. Um guarda abriu a porta de sua carruagem e ela desceu, com Marcos em seu encalço.

Ambos subiram os poucos degraus que levavam à entrada do salão. No momento em que Drika olhou para o interior do salão, seu coração gelou.

Tinha gente até demais.

Com certeza havia mais de mil pessoas. Todos estavam sentados nos grandes bancos de madeira cercados por belas rosas brancas, com buquês em cada extremidade. Ela notou algumas modificações no local, feitas em cima da hora a mando da rainha Valéria, o que não deixara Bruna muito contente, mas como as indicações vinham de sua futura sogra, ela aceitara para agradar.

As pessoas perceberam a presença de Drika e Marcos e todos olharam para trás, aguardando eles entrarem, abanando-se com seus leques requintados.

— Temos que ir, Marcos.

— Pensando bem, eu mudei de ideia.

Drika puxa-o pela milésima vez naquela manhã. Eles andavam bem devagar, como se tivesse um peso em seus pés. Começou a tocar uma melodia vinda de um instrumento musical distante, que Drika nunca aprendera o nome.

Depois que ela e Marcos já estavam razoavelmente distantes, o rei do Norte e suas duas filhas começaram a entrar também. As pessoas sussurravam sem parar, observando e anotando mentalmente todos os movimentos e a vestimenta de cada um.

Quando estavam no meio do salão, a rainha Valéria e o noivo entraram também. Foi então que as pessoas ficaram mais atentas ainda aos detalhes.

— Está nervosa Drika? – Marcos sussurra.

— Nervosa? Eu? Só estou muito nervosa – Drika sussurra de volta.

Quando chegaram perto do altar, recordaram-se do que Artino havia dito e posicionaram-se à direita. Já havia lugares reservados para eles. Os outros foram para o lado esquerdo.

O cerimonialista aproximou-se do altar, vestido em uma batina branca com detalhes dourados, segurando um pequeno livro de encadernação vermelha que servia para concretizar cerimônias de casamento.

Drika já estava desconfortável com aquele vestido e aqueles sapatos.

O príncipe e a rainha, enfim, haviam subido no altar. Ela foi ao encontro de seu marido, deixando Paulo à espera da noiva.

O tempo foi passando devagar...

***

Passou uma hora e nada de Bruna aparecer. Drika já estava impaciente o suficiente para ficar fazendo comentários.

— Bruna devia vir logo, meus pés já estão doendo – Drika arregalou os olhos. – Será que...?

— Será que o quê?

— Será que Bruna desistiu do casamento?

— Eu não ficaria surpreso. Com um noivo desse... – e ambos olharam para Paulo, que já estava quase libertando seu eu arrogante.

Drika sente uma pontada profunda no coração repentinamente e, em seguida, um calafrio que a fez arrepiar-se toda. Ela estava com a mesma sensação terrível de antes, agora multiplicada por mil, e resolveu não dar muita atenção. No entanto, Marcos percebeu que ela ficara de um jeito estranho de repente:

— Drika, você está bem?

— Não sei Marcos, estou com aquele pressentimento ruim outra vez.

— Procure relaxar um pouco.

— Talvez seja apenas coisa da minha cabeça – ela respira fundo.

— Eu espero que sim.

Drika percebe que as pessoas estavam se levantando e então outra música começa a tocar.

— Finalmente.

Bruna estava com um vestido branco tão alvo que chegava a ser luminoso, com um véu tão comprido e exagerado que ela atravessaria a metade do salão e ainda teria uma parte dele do outro lado da porta. Segurava um buquê de rosas brancas na mão direita, enquanto a mão esquerda estava apoiada no braço de seu pai.

O rei Rodolfo usava uma roupa preta, com botões de ouro, poucos detalhes avermelhados constavam em sua vestimenta. Sua coroa estava mais magnífica que nunca.

Bruna estava tão ansiosa que atravessara metade do caminho em menos de dois minutos. Subiu no altar com seu pai.

Quando Rodolfo estava entregando a mão de Bruna para Paulo, Drika sentiu aquela pontada no coração, desta vez foi mais forte e ela gemeu baixinho para que Marcos não ouvisse, mas ele ouviu:

— Pelos meus antepassados Drika, você está mesmo bem?

— Não se preocupe comigo, eu estou bem – Drika estava começando a suar, e suas mãos estavam frias.

Rodolfo aproximou-se dela e percebeu seu mal-estar imediatamente. Só que ele não foi nem um pouco empático.

— Por acaso está fingindo estar passando mal para fugir da cerimônia de casamento de sua irmã? – ele sussurrou.

Ela o olhou séria.

— Eu pareço estar fingindo, seu velho maldito?

Ele não respondeu da forma costumeira, pois não era um local adequado para aquilo com tantas pessoas ao redor, mas ele esperaria aquela cerimônia acabar. Ah, se ele esperaria...

O celebrante do casamento começa, então, a ler seu livro.

— Estamos todos reunidos aqui neste momento tão célebre, para unir a Princesa Bruna Belle e o Príncipe Paulo Marlovick, unir Centro e Norte. Uma bela união, de reinos que confiam um no outro. Mas não existem motivos para demorarmos mais. – Ele se vira para Bruna. Parecia até que aquela última frase fora uma indireta para a noiva. Pelo menos foi isso que ela entendeu, mas resolveu guardar para si, pelo menos enquanto aquela cerimônia terminasse. – Amada Princesa Bruna Belle, do Centro, aceita o Príncipe Paulo Marlovick, do Norte, para termos a união definitiva e eterna de ambos os reinos, sendo que tens que amá-lo e respeitá-lo, e aceitar quaisquer que sejam suas decisões de reinado?

— Sim, eu, Bruna Belle, filha de Rodolfo Belle e... – Bruna gagueja, não sabia o nome da mãe para anunciá-la ali. Ela foca em continuar a declaração. – aceito amá-lo e respeitá-lo, aceito qualquer que seja suas decisões para os nossos reinos...

Drika sentiu aquela dor novamente e ficou com falta de ar. O rei Rodolfo notou aquilo e finalmente percebeu que ela não estava blefando.

— Você não parece bem.

— Percebeu... o óbvio – ela se curvou um pouco para frente. Não estava conseguindo esconder sua dor.

— Trate de ajeitar sua postura. Agora! – o rei sussurrou puxando o braço de Drika para cima e olhou para frente, tentando saber se ninguém estava percebendo aquilo, mas todos estavam muito atentos em Bruna e seu discurso de casamento e não perceberam o conflito que se instalava no lado direito do altar.

— Obrigue meu corpo a colaborar, porque eu estou tentando. – Drika estava pálida como cera e não conseguia olhar para Rodolfo direito.

***

Na cozinha.

Lorenzo estava comendo um suculento pedaço de carne, quando para e começa a rosnar baixinho, depois, a rugir. Seus pelos estavam eriçados. Os criados não sabiam o motivo de ele estar fazendo aquilo.

De repente ele corre, tentando sair da cozinha, mas os criados tentavam impedi-lo, ameaçando-o com facas e panelas. Como eles se arrependiam de não o ter prendido em uma cela. O animal sempre fora muito dócil com todos, era inusitado que agisse daquela forma.

Ele precisava sair e os criados estavam atrapalhando. Sair era realmente muito urgente para Lorenzo. Não era sua intenção machucar humano algum, mas ele não tinha escolha.

***

O celebrante continuou a sua fala quando Bruna terminou de falar:

— Príncipe Paulo Marlovick, do Norte, aceita Bruna Belle, do Centro, para concluirmos então a união entre os dois reinos, sendo que tens a obrigação de amá-la e respeitá-la e assumir o reinado do Centro e do Norte quando chegar a hora?

Paulo ficou pensativo e todos esperaram por sua resposta. Virou-se para trás para olhar Drika, mas não conseguiu. Voltou-se para olhar Bruna, queque estava com um olhar apreensivo, com medo de ser rejeitada.

Ele engoliu em seco e disse:

— Eu, Paulo Marlovick, do Norte... – não pôde completar, algo tirou sua concentração.

Todos escutaram um barulho muito esquisito e em seguida viram uma sombra gigante do lado de fora do salão de cerimônias. Parecia que o dono daquela sombra gigante tinha grandes asas, como as de um morcego. O som de rajadas de vento era muito forte, várias delas entraram no salão, cegando algumas pessoas com a poeira que levantara.

O dono da sombra aterrissou. Algumas pessoas deram um grito horrorizado ao verem um dragão preto com poucos detalhes em amarelo, os olhos, amarelos vivos, fitaram o interior do salão e todos ficaram paralisados de terror, com o pânico tomando-os por completo.

Ninguém podia acreditar no que via.

Alguns cavalheiros da guarda real tentaram atacar o dragão, mas logo ele acabou com suas vidas. O silêncio tomou conta do lugar. Até que ouviu-se passos de alguém que adentrava o salão.

A pessoa usava um vestido preto um pouco decotado e uma corrente prateada no pescoço, que continha um pingente enorme com imagem de dragão. Tinha longos cabelos castanhos, olhos amendoados, segurava um cetro preto que em seu topo existia uma pedra arredondada e com luminosidade vermelha.

A mulher continuou andando e encarando as pessoas de uma forma que causava mais medo ainda.

O rei Rodolfo não estava nada confortável com aquela situação.

A visitante estava subindo no altar. Paulo e Bruna tentavam não a encarar.

— Mas que belo casamento! – ela começa a falar com voz mansa. – Pena que os nobres da Floresta Sombria não foram convidados.

— Não existem nobres na Floresta Sombria – Rodolfo falou enfurecido.

Afinal, o que ela estava fazendo ali?

A feiticeira não se importa com o comentário do rei. Estava mais interessada em se aproximar de Bruna e encostar no rosto da jovem noiva.

— Tão jovem, tão bonita, tão... inocente e já está se casando. Minha querida, não faça isso com sua vida, é perda de tempo.

— Afaste-se da minha filha! – o rei grita, dando alguns passos à frente.

— Ou o quê? Vai mandar seus guardas me prenderem? Um passo deles e meu dragão vai atear fogo nesse lugar – ela frisa isso apontando para o dragão, que não ficava desatento por um mísero segundo.

Os guardas deram passos para trás, com medo. Drika estava revoltada, em silêncio, não podia defender ninguém sem a sua espada e aquilo a matava de raiva por dentro. Ela não estava gostando de ver sua irmã com as lágrimas lhe cobrindo os olhos.

— O que faz aqui, bruxa?

— Simples: vim fazer um acordo com Vossa Majestade, se aceitar o acordo não farei nada muito ruim, porém, se recusar... destruirei o seu belo palácio e todos que estão dentro dele, assim como a população lá fora.

— Eu nunca farei um acordo com uma bruxa insignificante como você.

O que está fazendo seu grandessíssimo idiota? Drika pergunta em pensamento.

— Então... – a feiticeira sobe no dragão e ele adentra o salão deixando as pessoas ainda mais aterrorizadas. Fazendo-as gritar.

— Calem as suas malditas bocas! Rei Rodolfo, você escolheu a destruição de tudo que lhe pertence. Agora, aceite a consequência de bom grado.

Dito isso, o dragão começou a cuspir fogo em tudo, carbonizando vários convidados. A fumaça e o fogo já estavam tomando conta de todo o lugar.

Rodolfo empurrou Drika e Marcos para que saíssem por uma pequena porta estratégica do salão.

— Não fiquem parados! Saiam logo daqui, seus idiotas!

— Mas e quanto aos outros? – Drika pergunta, ainda não se sentindo muito bem.

— Não faça perguntas idiotas, apenas obedeça, eu não quero que aquela vadia encoste as mãos em ninguém. Vão para bem longe daqui. Nem se atrevam a voltar.

Drika olhou para trás e viu Bruna, Paulo, as gêmeas, o rei e a rainha do Norte fugirem do fogo, passando por uma porta que ficava na outra extremidade.

A feiticeira gargalha histericamente e sai do salão em chamas montada no dragão, pronta para destruir tudo que tinha do lado de fora.

Marcos e Drika correm para longe. Passaram pela cozinha onde já não tinha mais ninguém, mas algo incômodo a assustou: tinha muito sangue espalhado por ali e alguns corpos espalhados pelo chão.

Ela desviou os olhos e seguiu Marcos, cambaleante por ainda não estar muito bem. Eles passam por outra porta que levava em direção às escadarias que davam acesso aos quartos, eles correm de encontro a outra porta.

— Não dá tempo de pegarmos nossas coisas, temos que ir para o estábulo – Drika fala para Marcos, suando mais do que nunca. Ele apoia o braço dela em seu ombro e segura sua cintura com firmeza.

Eles vão para fora do castelo e, por sorte, o dragão da feiticeira misteriosa não estava naquele lado da propriedade. Ainda tinham alguns cavalos assustados no estábulo, o que deixou Drika surpresa, pois todos os outros já haviam fugido. Fizeram de tudo para acalmá-los e, enfim, conseguiram.

Drika pegou um branco e Marcos montou em um rajado.

— Vamos depressa – Drika fala.

— Mas para onde?

— Para o seu castelo, é claro. Vamos saber o que fazer assim que chegarmos lá. – Drika faz o cavalo correr. O cavalo de Marcos a acompanha.

***

Depois que eles alcançaram os portões do palácio, passaram pelas casas do reino, rápidos como um raio Tiveram grande dificuldade para desviar das pessoas desesperadas para apagar o fogo que consumia suas casas. Drika estava prestes a chorar por não poder defendê-los naquele momento e ouvir eles gritarem seu nome, enquanto passava, pedindo ajuda não melhorava muito a sua situação.

***

Os dois foram para a esquerda. Passaram por um grande campo aberto e seco e entraram na floresta. Onde, para a surpresa e alívio de Drika, Lorenzo estava à espera, com o pelo coberto de sangue, ele os seguiu em disparada. Drika não estava nem um pouco a fim de descobrir de onde viera aquele sangue.

***

Demoraram cerca de duas horas e meia pela floresta até conseguirem avistar o pequeno castelo de Marcos. Alguns de seus criados estavam do lado de fora, uns carregando plantas, outros, caças. Guardas andavam ao redor do castelo.

Quando viram que Marcos e Drika estavam se aproximando, foram ao seu encontro.

— Alteza, não pensávamos que viria tão cedo – um dos criados fala. — E nem sabíamos que traria a princesa Adriana convosco.

— Tivemos contratempos. O Castelo Central foi atacado por uma feiticeira poderosa que tem um dragão.

Alguns, tentaram esconder suas surpresas, outros emitiram sons de pânico.

— Então devemos avisar urgentemente vosso pai – responde o criado, com seu profissionalismo costumeiro.

Marcos iria responder que sim, porém foi impedido.

— Não, não no momento – Drika fala, ainda com um olhar vazio.

O criado olha para Marcos esperando uma resposta dele. O rapaz confirma com a cabeça o que Drika havia dito.

— Como desejarem, altezas. Querem alguma outra coisa então?

— Não, obrigado – Marcos responde e afasta Drika dali.

— O que faremos agora Marcos? – Drika sussurra. — Estou tão confusa. Na verdade, é necessária a ajuda de seu pai.

— Os soldados seriam carbonizados antes mesmo de se aproximarem do dragão. Além do mais, temos uma feiticeira em jogo. Eu sei como o meu pai é estressado, assim que souber do ataque vai querer enfrentar o inimigo sem pensar nas consequências.

— Eu preciso encontrar um meio de ajudar o meu reino. Senão tudo estará perdido. Se o Reino Central cair, os outros reinos retomarão conflitos antigos e exigirão vinganças. Nós devemos agir o quanto antes.

— Estou pensando em algo – Marcos guia Drika, rodeando o castelo pela direita, o tigre os segue. Eles param em frente a uma porta de madeira. Drika já sabia para onde eles iam.

Marcos pega a chave pendurada no colar em seu pescoço e abre a porta. A luz do sol invade a pequena sala. Ele acende uma vela Debaixo da mesa empoeirada que existia no cômodo, havia uma passagem secreta. Marcos entrega a vela para Drika enquanto afasta a mesa e, em seguida, tranca a porta com a chave para que não fossem incomodados.

Ele abre o aposento secreto do castelo e entra, Drika vai logo atrás dele, segurando a vela com todo cuidado possível, morria de medo da vela cair em seu vestido e pegar fogo. O tigre ficou olhando a entrada circular que levava a uma escada, andando de um lado ao outro, mas infelizmente não poderia descer com eles.

Quando Drika chega lá embaixo, ela vai acendendo as velas que tinham por perto. Aquele lugar fedia a livros mofados, fazendo o nariz dela coçar de irritação alérgica. Com o passar de alguns segundos, lugar vai ficando iluminado pelas velas, conforme iam sendo acesas. Era ali que Marcos costumava ficar a maior parte do tempo.

Era onde ele tinha suas ideias mirabolantes e anotava-as. Tinha várias gerigonças dentro daquele lugar enorme, várias coisas esquisitas, como Drika bem sabia. Marcos aproxima-se de Drika, que terminava de acender as últimas velas.

— O que realmente viemos fazer aqui? – ela pergunta, virando-se para encarar Marcos.

O rapaz espalmou as mãos, como se fosse começar uma longa discussão. Parecia até que ele já estava preparado para um discurso.

— Bem, certo dia eu estava lendo um dos livros antigos que raptei do castelo de meu pai... – Marcos vai em direção a uma das prateleiras. — Então, eu vi um dragão muito parecido com o daquela mulher em algumas gravuras do livro. A forma física, a cor descrita... – ele ainda procurava o tal livro na prateleira empoeirada.

— Mas todos os dragões têm a mesma forma física, com asas e tudo, certo?

— Não. De acordo com o livro que li não é bem assim...

Marcos puxa um livro não tão grosso e coloca-o em cima da mesa iluminada, ele se senta em uma cadeira, pega os óculos dentro do bolso de seu colete e ajeita-o no rosto. Drika fica apoiada atrás dele olhando a capa do livro, querendo saber qual era o título. O título do livro estava escrito em letras douradas, o que fez Drika presumir que era tinta feita de ouro.

Por cima do ombro de Marcos, ela consegue ler a inscrição O rei dragão. Abaixo do título havia a figura de um dragão também dourado, Marcos abre o livro e passa algumas páginas, até parar em uma muito importante para todo o contexto, ele começa a ler em voz alta, pois Drika desconhecia aquela língua e aquele alfabeto, mas Marcos já a havia estudado várias e várias vezes e tinha uma certa prática:

— Em um tempo muito distante, os dragões eram muitos. Existiam naquela época dois tipos de dragões: os que tinham asas e viviam a maior parte da vida migrando, sempre voando, estes, não queriam ser controlados por humano nenhum, eram malcriados e desobedientes aos homens; os do outro tipo, não tinham asas e viviam na terra, às vezes até mesmo no subterrâneo, eram bondosos e amáveis, e os homens os idolatravam por sua sabedoria e fiel amizade. Em um dia qualquer, um dos dragões que voava, conhecido como Chayo, atacou algumas vilas dos homens que habitavam a terra. Como os seres humanos eram muito indefesos naquela época, resolveram pedir ajuda a um dos dragões que não voavam, chamado Votyo. Os dois dragões então batalharam um contra o outro em uma luta mortal, a fim de chegar a uma solução.

Marcos pula algumas páginas, para chegar na informação que queria.

— O rei dos primeiros homens, chamado Ian, viu que Votyo não conseguiria vencer a batalha. Ele, então, resolveu usar a primeira espada que fora forjada e santificada pelos magos. Foi em direção aos dois dragões que guerreavam. Ele foi o primeiro homem a ter coragem de fazer tal loucura. O primeiro e o último. Por um momento, os dragões pararam de brigar e ficaram encarando-se raivosos, depois, abriram suas bocarras. Da boca de Chayo saíram chamas enormes, já da boca de Votyo saiu o que parecia ser gelo. O impacto do frio e do quente resultou em uma grande quantidade de água gaseificada. A cada momento que passava, os dragões aproximavam-se e o impacto era maior. Ian subiu em Votyo, sem que este se importasse muito, e escalou até chegar na cabeça do dragão. Sem pensar duas vezes, o rei pulou da cabeça de Votyo quando ambos os dragões pararam de expelir todo o seu poder pela boca. Ian não conseguiu acertar seu alvo, pois ainda estava muito longe de Chayo. Votyo olhou-o tombado no chão e esse instante de distração custou um preço, pois Chayo ergueu sua garra e cortou-lhe a face. O rei viu o dragão branco ficar cego de um olho e tombar no chão. Ian correu ao seu encontro e, assim, deu a força de vontade necessária para que Votyo voltasse a lutar contra Chayo, que o aguardava com paciência e expressão vitoriosa. Ian já estava na cabeça de Votyo outra vez, quando Chayo jorrou fogo novamente. Votyo expeliu gelo puro, Ian deslizou no corredor de gelo que se formou e, muito próximo ao impacto do encontro entre o gelo e o fogo, ele pulou. Como Chayo estava distraído com Votyo, deixou seu peito muito exposto e vulnerável e Ian preparou-se para perfurá-lo com sua espada. Assim ele fez. Perfurou o peito do dragão fazendo ele parar de expelir chamas. Chayo passou a gritar de dor, emitindo um som estrangulado. Ian pulou e caiu no chão de uma forma tão brutal e desajeitada que não conseguiu se levantar de imediato. Votyo viu Chayo caindo. Só não percebeu que ele caíra em cima de Ian. Era o fim, o fim de Chayo, o fim de Ian, o rei dos reis. Não se sabe ao certo, mas alguns dizem que a espada de Ian sumiu e Votyo desapareceu depois dela. Ambos nunca mais foram vistos.

Marcos respira fundo e coça os olhos debaixo dos óculos, depois da longa leitura sem pausa. Olha para Drika e fala:

— A espada! Talvez ela possa matar o dragão que invadiu seu castelo.

— Mas mesmo que essa história seja verdade, não sabemos onde a espada está. – Drika fala, um pouco revoltada.

— Mas é aí que o meu conhecimento entra – Marcos fecha o livro. – Está vendo este dragão da capa? Repare que ele não tem asas. Esta é a representação física mais fiel de Votyo. Eu vi este mesmo símbolo no meio do livro. Conta-se que Votyo nasceu no Norte, no nosso Reino Norte, e no dia que ele sumiu a espada sumiu também. Talvez ele tenha levado a espada consigo para a terra natal e guardou-a até a morte.

— E como saberemos que a espada está lá e onde está?

— Dragões costumam permanecer em templos sagrados. Existe uma lenda sobre um templo dos deuses nórdicos que controlavam o elemento água. É bem possível que Votyo tenha ido se abrigar lá.

Drika ficou pensativa. Olhou cansada para Marcos, seus olhos estavam lacrimejando.

— Se eu for para essa jornada, você irá comigo?

Aquilo pegou Marcos de surpresa.

— Não sei se tenho essa capacidade Drika.

— Eu não consigo fazer isso sozinha, Marcos – ela falou quase em pânico, com a garganta entalada. – Eu... eu não sei o que está acontecendo comigo, eu não costumo ficar assim, não em uma situação como essa. É como se meus nervos estivessem à flor da pele e eu fosse desmoronar a qualquer instante.

Marcos abraçou-a em um impulso. O corpo dela tremia.

— Eu irei com você, mas ninguém aqui do castelo deve saber da nossa partida, porque se nos impedirem de sair e avisarem meu pai, toda a nossa missão estará perdida. Temos que descansar hoje e amanhã seguimos viagem.

Ela se afastou dele.

— Não podemos perder tempo, Marcos. Temos que ir agora.

— Temos que descansar, hoje o dia foi cheio de muitas surpresas – Marcos entrega a chave para Drika. – Vá e descanse, tome um banho para relaxar a mente, meus criados estão a sua total disposição.

— Mas e quanto a você?

— Eu ficarei aqui por mais um tempo.

— Como quiser – Drika dá de ombros e começa a subir as escadas. Ela não queria discutir.

Quando Drika entra na parte superior do castelo é imediatamente atendida pelos criados de Marcos.

Elizabeth, a criada mais velha e ama de Marcos a conduz para um quarto limpo e arejado. A princesa pediu uma roupa limpa, não precisavam procurar por vestidos ou coisa do tipo, ela pediu apenas uma calça e uma camisa com colete. Ela se sentiria bem mais confortável assim.

Depois dos pedidos feitos, despiu-se e entrou na banheira. Tentou relaxar, mas nem é preciso dizer que foi ineficaz.

Sua mente estava cheia demais para relaxar.

Só esperava que essa viagem gerasse frutos.