Templo dos espíritos de gelo. Reino Norte.
— Não conseguiu dormir? – Julia aproxima-se de Marcos. Ele estava treinando com uma espada.
Ele estava sem camisa, sem óculos e seus cabelos longos estavam amarrados.
— Não, não temos tempo para descanso. Preciso aprender a lutar. Ou serei inútil na batalha que virá.
Ela sorriu de forma dócil.
— Mas você já sabe. Você apenas tem que se concentrar em seu eu interior. – Julia faz uma pausa e Marcos para o que estava fazendo para ouvi-la com mais atenção. Estavam apenas os dois no salão. Julia olha de um lado para o outro antes de voltar a falar. – Seu espírito... é o mesmo espírito de Ian, o senhor dos dragões, você sabe muito bem de quem estou falando. – Ele confirmou com a cabeça, mesmo estando bastante desacreditado, e ela continuou. – Há muito tempo o seu espírito estava procurando o espírito dela. Você não conhece a história toda de Ian.
— Então me conte.
— Antes de Ian enfrentar Chayo, ele havia se apaixonado por uma jovem camponesa chamada Lorena. Mas o destino foi muito cruel com os dois namorados, pois colocou Chayo entre eles – ela suspirou antes de prosseguir. – Chayo matou a jovem, incendiando seu corpo. Se ele não poderia tê-la, então Ian não a teria também. Agora eu faço uma pergunta a você: por que você acha que Drika tem medo do calor? Por que ela usa mais roupas masculinas do que longos e apertados vestidos? A jovem, no passado, tentou tirar a roupa que queimava, mas não conseguiu fazer isso a tempo. Ian tentou vingar a morte de sua bela amada. Porém, acabou morrendo por uma causa que há muito estava perdida – Julia respira fundo. – Agora seus espíritos estão enamorados novamente. É incrível como isso pode acontecer duas vezes. Creio que só parará de acontecer quando ficarem juntos realmente – Julia sorri. – Mas isso não importa neste momento. Continue treinando. Assim que amanhecer, irei lutar contra você.
— O quê? – ele grita, incrédulo.
— Apenas treine – Julia retira-se.
***
Alessa estava trocando os curativos de pano sujos de sangue de Elizabeth por outros limpos. A senhora, apesar da idade avançada, recuperava-se rapidamente, mesmo com os graves ferimentos. Ela demonstrava uma força de dar inveja em qualquer jovem.
— Não se preocupe, eu estou bem. Vossa alteza...
Alessa ergue a cabeça e olha para a senhora com horror. Como ela sabia? Será que as roupas a denunciavam? Ou era o seu nome? A senhora sorriu com paciência.
— Fica difícil não saber que você é uma Marlovick. Principalmente com os cabelos dessa cor – com dificuldade, Elizabeth pega nas madeixas prateadas de Alessa. A garota deixou-se ali, no toque macio da mulher. – Oh, minha criança. Por que sua família e a família de meu menino têm que brigar tanto por algo tão insignificante?
— Sabe que eu venho fazendo a mesma pergunta?!
***
— Vai mais devagar! Vai acabar me matando! – Marcos desviava dos ataques de Julia. Ele estava bem ofegante e com medo do que ela poderia fazer. – Como uma mulher idosa como você... – Mais um desvio da espada mortal dela. – pode lutar assim tão bem?
— Não me subestime, meu jovem, e não me insulte também. Preste atenção Marcos, você precisa libertar o Rei Dragão que existe em você, todo o conhecimento sobre lutas está dentro de você, tudo que precisa fazer é libertá-lo.
— Eu não sou capaz. – Marcos já estava bastante cansado.
Julia, então, resolveu mudar sua técnica. Suas habilidades com espíritos teriam que ser usadas naquele momento. Seus olhos ficaram lilases.
— Ian, se você não fizer nada, Lorena sucumbirá à maldade de Chayo mais uma vez. E a culpa vai ser sua.
Bastou tocar na ferida e tudo mudou. Marcos gritou raivoso e foi pra cima de Julia, tentando golpeá-la de qualquer forma. Teve um momento em que ela quase se desesperou por não conseguir, por muito pouco, bloquear os ataques de Marcos.
Uma, duas, três vezes e Marcos quase amputou sua mão.
— Já basta! – Julia grita, ainda bloqueando os golpes ferozes de Marcos.
Mas nada adiantava, ele continuava atacando.
— Basta Marcos! – ela já estava desesperada. Com um olhar de medo estampado em sua face. Já havia caído no chão e não teria chance alguma de se levantar. Ele a mataria antes disso.
O olhar de Marcos estava assassínio. Ele estava obcecado em matá-la. Parecia não ter controle nenhum do próprio corpo.
— Já chega Ian! – era o último plano que Julia tinha para parar Marcos. Ela fechou os olhos e esperou seu fim.
Marcos parou de repente. O olhar assassino mudou para o olhar de um Marcos assustado. Ele largou a espada. Deixando-a cair no chão e isso fez com que Julia se atrevesse a abrir os olhos outra vez.
Ele olhou para Julia, que estava suada, ainda com medo e segurando a espada.
— É, até que não foi difícil trazer o seu verdadeiro eu à tona – ela ofegou por um tempo antes de sorrir.
***
Ingrid pisava com delicadeza em direção ao quarto de Bruna. A jovem não era permitida de forma alguma de sair de lá. A feiticeira pensou em abrir a porta, até pegou na maçaneta, mas logo desistiu da ideia. Saiu pelo corredor imediatamente, afastando-se da porta. Não era a hora mais adequada para ela se aproximar. Não ainda.
Ela resolveu se encaminhar para o salão que fora incendiado pelo seu dragão.
Lembrava-se de quando entrara ali pela primeira vez. Ainda que a lembrança estivesse um pouco obscura com o passar do tempo. Dessa vez, quando ela entrou, não viu um lugar iluminado e maravilhoso. Agora aquele lugar estava destruído, e tudo isso por sua causa.
Sonhos foram destruídos, as mentiras começaram a surgir, tudo naquele mesmo salão. Então, nada mais justo que ele próprio ser destruído.
***
Alessa cantarolava uma oração para os espíritos das pessoas que morreram naquele lugar, enquanto seu irmão, Paulo, terminava de cobrir os corpos dos mortos com terra.
Os corações de ambos estavam apertados, sentiam que algo ruim havia acontecido, só não sabiam explicar o quê.
Paulo aguardou a irmã terminar sua oração. Ele se encosta na pá, enquanto Alessa permanece de olhos fechados. Quando ela abre os olhos um novo brilho surgiu neles, um brilho que assustou Paulo, pois nunca vira nada igual nela antes.
— Paulo, me treine!
— O quê?
— Cansei de fugir, ou esperar que alguém faça algo. Me ensine a lutar. Eu aprendo rápido. Nós precisamos fazer alguma coisa.
Paulo revira os olhos com frustração.
— Lá vem você com essa história de novo. Por que você quer fazer isso? Que eu me lembre, você nunca gostou de conversar quando o assunto era guerra.
— Eu não tenho mais opção alguma agora. Deixe-me aprender, que eu deixarei você me ensinar. Por favor.
— Isso não faz o menor sentido – Paulo comenta, balançando a cabeça negativamente.
— E você acha que eu não sei?!
— A princesa tem toda a razão – Elizabeth chegou na porta de entrada do castelo, apoiada em uma espécie de cajado improvisado. – Nada disso faz sentido, mas algo deve ser feito. Vocês não são mais crianças e devem estar a par da situação. Nada está favorável neste momento.
— Você ouviu a Elizabeth. Não somos mais crianças. Devemos nos posicionar nessa guerra. Não importa o quanto nós nos escondamos, ela virá até nós.
Paulo bufou de frustração.
— Certo, certo. Eu já entendi. Vocês não são obrigadas a me dar nenhum sermão.
— Então me treine, porque daqui pro final desse dia eu já vou desarmar você.
— Não seja tão convencida.
— Nunca duvide de uma Marlovick, meu irmão.