MAX UPCHURCH CHAMAVA O SWEETSPOT DE "Escola de Tênis", desconsiderando a academia mais famosa de Nick Bollettieri, na Flórida, como uma espécie de resort. A educação que os alunos do Sweetspot recebiam ia além do rotineiro; Max não admitia que os forehands colossais fossem conquistados à custa de não se saber diferenciar a Praça da Paz Celestial de um jogo de damas chinês. Ele evitava as frescuras de colégio interno de Bollettieri dispensando o uso de cães farejadores de Bradenton, as multas de 5 dólares por mascar chiclete e as restrições a um programa de tevê por semana. Para Max, se os pais queriam pagar 2 mil dólares por mês para que os filhos fizessem bolas de chiclete enquanto assistiam à Família Monstro, não era problema dele. Caso seus alunos virassem profissionais poderiam muito bem exercitar o hábito de ver televisão. Isolada em uma série de hotéis idênticos esperando a chuva passar ou o início de sua partida, a maioria dos atletas de um torneio passava mais tempo assistindo a reprises de programas americanos que dentro de quadra.
Apesar da antiquada liberalidade do Sweetspot, Willy não era a única a considerar a administração de Max mais elitista que a de seu concorrente na Flórida. Bollettieri aceitava 225 aspirantes a campeões por vez; Max admitia 75. O próprio Max Upchurch tivera uma carreira célebre, chegara a sexto lugar do mundo, em 1971, e dera uma sólida contribuição para os Estados Unidos passarem à frente da Austrália na Copa Davis. Como jovem aspirante no final dos anos 1960, adquiriu uma reputação nos bastidores, junto com um punhado de outros infiéis, ao dar um jeito de levar esse esnobe, seleto e metido a besta esporte amador à grosseira, ordinária e sanguinária era Open que agora recai sobre nós, na qual vale de tudo e o que todos querem é ganhar dinheiro.
Mas a maior diferença era o tênis. Os protegidos de Bollettieri sacavam cegamente a partir da linha de fundo feito máquinas de lançar bolas. Para Max, tênis não era só paft-paft. O Sweetspot enfatizava a astúcia, o estilo, a habilidade. Enquanto Nick enfileirava brutamontes, Max criava estrategistas e bailarinos com um trabalho artesanal. O treinador de Willy acreditava que em cada tenista se escondia um jogo de tênis único que lutava para dar as caras — um jogo cujas falhas provariam ser suas armas mais afiadas. Achava que sua missão era estimular os golpes idiossincráticos de jogadores ainda em formação antes que seus impulsos excêntricos fossem eternamente enterrados sob as “regras” genéricas que constituíam o treinamento habitual.
Quando Max aceitou Willy, então com 17 anos, ele demoliu um jogo que vinha sendo construído havia 12 anos e o reconstruiu desde a base. Willy crescera lutando — lutando contra os pais; lutando contra o irrelevante dever de casa de álgebra quando estava prestes a obter um progresso no slice de backhand; lutando contra a Associação de Tênis dos Estados Unidos, a WTA, por transporte para os torneios de juniores que o pai não tinha a mínima intenção de financiar; e, mais tarde, lutando contra a própria altura, quando percebeu as evidências esmagadoras de que nunca passaria de 1,60 metro. O apetite por batalhas era incentivado por Max. O limite traçado por ele eram as lutas de Willy contra si mesma. Ele insistia para que ela parasse de superar as fraquezas e começasse a explorar seus pontos fortes.
Durante todo o ensino médio, Willy aproveitou cada oportunidade que surgia para provar que uma anã era capaz de cobrir a rede, e atacou todas as bolas numa velocidade improvável e encantadora. Foi Max quem a convenceu a parar de contestar a realidade de seu corpo. Ela era baixinha: devia fazer sua aproximação de forma seletiva. Era leve: nunca conseguiria subjugar as grandalhonas tolas de Bollettieri. A vantagem de Willy era ser rápida, ter enormes reservas de rancor por causa das lutas contra o pai, a Associação de Tênis e a Montclair High School, e, o que era ainda mais raro, ser inteligente.
Como era de se esperar, Willy conseguia dominar as disputas com juniores, mas no circuito profissional ela jamais venceria uma disputa. Era mais vantajoso explorar sua sagacidade. Embora precisasse ter um controle absurdo para não sair golpeando e abatendo todas as bolas — nem que fosse só pela sensação de bater em um objeto com a força toda sem ser presa —, Willy descobriu também os encantos da delicadeza, até que certas deixadas de backspin em que a bola deslizava por cima da fita a fizeram gargalhar. Max lhe mostrou um vídeo da partida entre Arthur Ashe e Jimmy Connors na final de Wimbledon de 1975, quando, em vez de rebater os lances de Jimmy com uma dose de seu próprio veneno, Arthur deliberadamente fez com que os games se arrastassem. As rebatidas demoradas e fáceis enlouqueceram Connors, que cortava as bolas jogando-as contra a rede ou batendo nelas com força demais. No fim, é claro, a tartaruga venceu a lebre.
Na verdade, Max não lhe ensinava nada de novo. Jogadoras que se especializavam em malícia — bolas curtas, lobs, dissimulações e mudanças de ritmo — jogavam tênis feminino à moda antiga, pois o esporte era muitas vezes ganho por meio de trapaças antes do advento das raquetes grandes demais e das mulheres musculosas que gritavam em quadra, como Monica Seles. Entretanto, o padrão, há muito abandonado, adquire vigor. Willy às vezes desconfiava de que a formação que Max lhe dava para transformá-la em um ícone de táticas antigas era um exercício de nostalgia — da época em que mulheres tenistas eram ágeis, flexíveis e engenhosas; e da época em que as mulheres tenistas eram mulheres.
Portanto era graças a Max Upchurch que Willy não passava todos os seus dias em estado de histeria. Enquanto ela se lamentava por outro aniversário indesejável, Max lhe fazia serenatas com histórias sobre Kathy Rinaldi, Andrea Jaeger e Thierry Tulasne — jovens promissores que desapareceram na mesma velocidade com que antes brilhavam. “Cedo para se levantar, cedo para se deitar”, ele garantiu-lhe quando ela completou 19 anos e estava irritada por ter perdido mais um ano com os verbos do espanhol na Universidade de Connecticut. “Tênis é coisa de adulto. Você não vai chegar ao auge antes dos 25, Will. Ainda dá tempo.”
* * *
JÁ FAZIA SEIS SEMANAS que uma mancha havia marcado suas recordações daquelas primeiras viagens ao Sweetspot, e Willy não conseguia removê-la. Apesar de ela e Max terem concordado em voltar ao “normal”, quando Willy desceu do trem em Old Saybrook foi um aluno mais velho quem a conduziu até o carro. Mais uma vez, Max não foi buscá-la na estação, e isso não era normal, e sim mais uma reprimenda mesquinha.
— O que você achou do Agassi ter sido campeão de Wimbledon? — o garoto perguntou com entusiasmo. — Ninguém pensava que ele era bom de grama. Eu tinha certeza de que ele iria aparecer com uma roupa xadrez laranja estilo “foda-se” ou coisa assim, mas não…
Desmond estava tão ávido que se esqueceu de fazer uma pausa para que suas perguntas fossem respondidas. Willy observou com inveja que nos últimos dois anos sua juba preta se aproximava cada vez mais do teto do carro. Ele passaria de 1,80 metro, e tinha uma estrutura física compacta, com membros longos, bons para o esporte. Caso tivesse predileção por garotinhos, poderia ter se servido dos petiscos do Sweetspot. Mas Willy passou os anos da adolescência desdenhando com tanta virulência de tipos como Desmond que virar uma papa-anjo agora era como entregar um trabalho depois do prazo. Melancólica, admirou, mas não cobiçou o entusiasmo ingênuo, ainda não corrompido pelo horror da experiência.
De todo modo, a inveja funcionava mais na direção oposta. Desmond ainda não se distinguia da média; Willy fazia parte do seleto grupo de profissionais mais velhos que Max preparava para o torneio. Muitos desses eram escolhidos a dedo na turma que estava se formando, mas alguns poucos, como Willy, tinham sido achados nas viagens que Max fazia pelo país para descobrir talentos. A própria Willy nunca foi aluna do Sweetspot, e muitas vezes se questionava quão melhor seria seu jogo agora, caso não tivesse sido abandonada na Montclair High School, que nem tinha quadra de tênis. Usando o parque público que havia nas redondezas, a escola oferecia uma disciplina de tênis, na qual ela teve a malícia de se inscrever quando estava no segundo ano. Essa recordação a alfinetava agora, o que a levou a lembrar por que o tal Eric tinha razão quanto a ela nunca ter tido muitos amigos. Não é de se admirar — investia contra os colegas com serviços tão insolentes que raramente tinham o prazer de perder um ponto decente. Mais para o final do curso, cujo número de inscritos era ímpar, ninguém jogava com ela, e Willy passava a aula inteira batendo impiedosamente a bola contra a parede, como se para romper uma outra barreira, menos tangível, mas, ao que parecia, igualmente intransponível, se continuasse sendo aluna de escola pública do subúrbio de Nova Jersey.
Agora estavam chegando a Westbrook, uma comunidade pequena, isolada, no estuário de Long Island, cujos imóveis tinham valores astronômicos, mas cujas casas permaneciam nas mãos das mesmas famílias; a cidade mantinha sua natureza despretensiosa, de classe média. O centro, como se fosse possível chamá-lo de centro, incluía uma farmácia com um péssimo estoque e um doce de leite caseiro maravilhoso, um restaurante italiano que servia um espaguete cozido demais, o monumento militar de praxe, apesar de poucos moradores se lembrarem a qual guerra, e o adorado Muffin Korner, cujos ovos, pãezinhos quentes e o perdoável café fraco custavam 1,49 dólar. Nos arredores, onde tábuas de madeira pouco atraentes eram castigadas pelo clima litorâneo, as robustas viúvas da nobreza nadavam cachorrinho nas ondas da arrebentação em roupas de banho com armação sob os seios.
O fato de que Westbrook, em Connecticut, era um lugar estável e sossegado talvez tenha inspirado Max a escolher a cidade para o Sweetspot. O tênis profissional parecia uma montanha-russa, acumulando tudo que deveria acontecer ao longo de uma vida inteira em cerca de dez anos agitados. Era tranquilizante levar alunos maiores de idade para um ambiente uniforme e seguro, e treiná-los no contexto sereno de um local onde o tênis não tinha muita importância — as quadras públicas ao lado do corpo de bombeiros pareciam um aterro sanitário.
Desmond estava lhe pedindo para dar uma olhada em seu saque. Sem dúvida, esperava que Willy falasse bem dele para Max. Desmond estava começando seu último ano e se aproximava do momento em que seu treinador lhe pediria que ficasse ou simplesmente lhe desejaria boa sorte e até mais. Logo, via como bons sinais os privilégios fortuitos, como o fato de terem lhe confiado o carro da escola naquela tarde. Willy teve o ímpeto de avisá-lo, com amargura, que falar bem dele seis semanas antes teria significado muito mais, mas um resmungo casual arruinaria meses de discrição. Ao olhar de novo para o rosto ansioso, misteriosamente inexpressivo de Desmond, sentiu tristeza. O primeiro corte no Sweetspot era apenas o começo de um processo de eliminação cruel, às vezes barbaramente curto, em que avidez e até golpes de fundo impressionantes, para os padrões leigos, não valiam de nada.
Também engoliu esse conselho. O pai de Willy já tinha falado bastante sobre as remotas probabilidades dela, e essa argumentação era detestável. Desmond precisaria descobrir sozinho a improbabilidade espantosa de ele um dia sequer entrar no ranking, e ainda mais a de decidir, assim como seu ídolo, fazer a concessão de usar um uniforme branco para o antiquado All England Club.
Seguindo em zigue-zague para fora da cidade, dobraram no caminho para a escola, cujos edifícios harmonizavam com a arquitetura de Westbrook: tábuas brancas com vigas verdes ao estilo neocolonial, todos com ampla varanda de madeira na entrada. Sob a marquise, cadeiras de balanço cobertas por mantas de lã enroladas e poltronas de vime que pareciam aconchegantes com suas almofadas estofadas instigavam rodadas longas e turbulentas de jogos de cartas. Não havia nada nesse ócio sereno, tranquilo, que aludisse ao suor derramado naquele terreno, exceto o fato de que, duas horas depois de o sino que anunciava o jantar ter badalado, as varandas estavam desertas. Todos os alunos que tinham algum valor estavam de volta às quadras às 20 horas.
Willy entrou no refeitório e viu o treinador em uma mesa de canto, ao lado da horrenda Marcella Foussard. Estava raspando o prato — então mais uma vez não se aninhariam na mesa que sempre ocupavam no Boot of the Med para garfar sem vontade o linguine mole. Willy pegou uma bandeja, acentuando sua risada. Max perceberia seu entusiasmo insípido sem erguer os olhos. Que desastre. Que erro terrível, embora ela não tivesse certeza de quem o cometera.
O refeitório denunciava que ali era uma academia esportiva e não uma escola de ensino médio. Nada de barril de macarrão com queijo duro feito pedra e molho de couve; nada de gelatina de limão. Desde que Max adotara as teorias sobre dietas ricas em proteína, em substituição às antigas máximas sobre carboidratos, eles enfrentavam peitos de frango sem pele e carnes magras, ervilhas e uma quantidade inesgotável de bananas. Ao encarar as bananas por mais uma noite, Desmond lamentou-se:
— O Agassi vive de junk food, sabia?
Willy deslizou a bandeja até o lugar ao lado de Desmond, no canto oposto ao que Max ocupava no refeitório. Poderia ter enfrentado a mesa de Max se não fosse por aquela criatura chamada Foussard, que sem dúvida dedicava mais tempo às próprias unhas que ao backhand. O refeitório evocava uma bagunça em mais de um sentido, e Willy estava louca para sair dali. Enquanto cortava o frango, ela convidou Desmond para jogar depois do jantar. Empolgado, Desmond jogou seu bife de alcatra no lixo.
A caminho da porta, Willy se forçou a virar para a mesa de Max. Ele a fitava fixamente. Ela fez o sinal da vitória. Ele não acenou de volta, sua expressão indecifrável. Ela fez o movimento de um swing e apontou para Desmond. Max inclinou a cabeça de forma quase imperceptível, e, ao atravessar a porta de tela, Willy teve ao menos a satisfação de saber que, enquanto Marcella tagarelava, Max não escutara nem uma palavra dita pela garota boba.
As vinte quadras de piso rápido e as quatro quadras de saibro do Sweetspot foram construídas bem próximas ao estuário, e, portanto, recebiam a brisa do mar. Max, contudo, acreditava no fortalecimento pela adversidade. Havia montado sua escola no nordeste porque, alegava ele, a civilização europeia tinha superado as culturas sulistas devido aos invernos rigorosos, severos. O frio estimulava os nortistas à atividade e à iniciativa, enquanto os preguiçosos dos trópicos vadiavam na praia mastigando romãs. Segundo Max, taitianos jamais inventariam o tênis. Mas Willy estava convencida de que todo aquele blá-blá-blá sobre profissionais e inverno só queria dizer que Max detestava a Flórida.
Estrelas emergiam, o brilho potente dos holofotes se espalhava no ar salgado. As luzes projetavam um halo azul que podia ser visto a quilômetros de distância. De perto, as lâmpadas geravam um zumbido coletivo e baixinho, feito um coro achando o tom antes de começar a canção. À medida que os holofotes dos quatro cantos tremeluziam, partindo do cinza e aquecendo até atingir uma brancura incandescente, a quadra ardia com a teatralidade vibrante própria dos jogos noturnos.
— Não, Desmond — recusou quando ele a desafiou para uma partida. — Vamos só bater bola.
O garoto murchou. Mais tarde talvez desse valor às raras propostas de trocas de bolas despretensiosas; no momento ansiava por um confronto. Mas Willy, mesmo com toda a reputação de gostar de um corpo a corpo, hoje desejava descansar um pouco do mundo em que não havia opção além de vencer ou ser vencida. Devia existir um refúgio entre uma coisa e outra.
* * *
— POR QUE O desprezo? — Willy perguntou. — Achei que tudo ia voltar a ser como antes.
— Não fui eu que sentei do outro lado do refeitório — retrucou Max com frieza.
— Não fui eu que escolhi comer no refeitório.
Estavam na biblioteca, que Max adotara como local de descanso depois que as luzes se apagavam. Embora as crianças, por instinto, escondessem garrafas nas capas das raquetes, não havia regra que proibisse bebida alcoólica: Max estava curtindo um bourbon solitário.
Ao erguer a vista, fechou The Gathering Storm, de Winston Churchill.
— Você esperava que eu fosse buscá-la no trem e levá-la ao Boot of the Med, onde a gente pediria a lula frita e Chianti e depois…
— A gente treinaria uns overheads bêbados à meia-noite. Por que não? — A blusa de Willy estava molenga por causa do suor pegajoso; ela esfregou os braços.
— E a gente conversaria sobre o quê?
— Sobre o que a gente sempre conversa. A patricinha da Marcella, e a sua ex-mulher, e… e a gente desenharia diagramas de pontos nos guardanapos antes do zabaglione — sua voz tinha adquirido um tom derrotista. Aos ouvidos da própria Willy, a reprise soou ridícula.
— Nosso acordo não foi “voltar a ser o que éramos antes” e sim eu “tratar você como trato todo mundo”, o que eu nunca fiz, desde que você tinha 17 anos. Portanto eu não teria como voltar à coisa alguma.
— Você tem andado muito agressivo e cruel ultimamente.
— Eu sempre fui agressivo e cruel. Você gostava disso. Não me venha com frescuras, Will. Não é bom para o seu tênis.
— Você dá alguma importância a isso hoje em dia? — suplicou ela. — Ao meu tênis?
— Achei que a gente estivesse mantendo uma relação tão irrepreensível há seis semanas só por causa do seu maldito tênis.
— Está vendo? “Maldito tênis”…
Max bateu com o livro de capa dura na mesa.
— Chega! Você pratica seu forehand, mas, felizmente, essa discussão é uma coisa pontual. Não melhora com a repetição, só envelhece.
— Envelhece! A gente não discute isso desde maio!
— Will — desta vez ele lhe implorava.
Olhando-o nos olhos, ela ponderou mais uma vez como aquele homem contrastava com as fotografias de Max no auge, vinte anos antes. Foram muitas as noites que passara admirando seu álbum de torneios, no qual os perfis na Sports Illustrated e no New York Post estavam guardados sob folhas de plástico. Max mantivera o mesmo físico compacto, com um torso atarracado cujos pelos escuros ainda saltavam para fora da camiseta Lacoste como outrora. O rosto continuava anguloso, e não adquirira a flacidez que invadia a maioria dos queixos de meia-idade. O início daquelas rugas nos olhos podia ser encontrado nos recortes amarelados. Apesar de ter se livrado das costeletas típicas dos anos 1970, Max não tinha nem ao menos mudado o corte de cabelo prosaico. As fotos do antes e depois eram, em seus detalhes estritamente físicos, quase idênticas. Então o que tornava inequívoco o fato de ele ter 45 anos?
— Está tarde, melhor eu ir para a cama — declarou ela, e à menção da palavra “cama” Max se serviu mais um dedo de bourbon. — Talvez eu receba uma visita amanhã. Tem problema? — acrescentou.
Talvez ele quisesse perguntar quem ou por quê, mas Max ganhara milhões de dólares com o autocontrole. Ele deu de ombros. Ela foi embora.
* * *
NA SESSÃO DE TREINO em quadra da tarde seguinte, Max não fez alusão à briga da noite anterior, e ninguém que observasse os dois perceberia algo de errado naquela relação frutífera, eficaz, entre treinador e aluna. A capacidade que ele possuía de colocar os sentimentos de lado quando os negócios exigiam cabeça fria talvez tivesse contribuído para o fato de que aparentava a idade que tinha, mas, se Willy não estava enganada em seu palpite, essa habilidade o deprimia um pouco.
Willy, no entanto, notava a diferença. Desde maio a formalidade tinha invadido as sessões deles. A rapidez prevalecia, embora a diminuição do intervalo entre os exercícios tenha sido, provavelmente, de cerca de 15 segundos apenas. Max já não colocava as mechas soltas de seu cabelo para dentro da bandana, mas ordenava com rispidez: “Tira esse cabelo da cara.” Era duro com ela — sempre fora —, mas agora suas críticas eram afiadas por um escárnio genuíno. Parecia se alegrar com os erros dela, e Willy se sujeitava ao seu abuso com uma submissão atípica.
Estavam trabalhando os golpes fortes de backhand, alternando entre os cantos da linha de fundo, e quando Willy viu os cabelos espetados examinando o campo em busca da quadra deles, ela dobrou um pouco mais os joelhos, fez a preparação com mais agilidade e jogou todo o peso do corpo no pé direito. A bola passou rente à rede, com uma rotação de baixo para cima.
— Bem melhor — elogiou Max, embora parecesse irritado.
Deu um toque especial ao golpe seguinte. A bola quicou no canto e saltitou em um ângulo torto após ultrapassar a raquete de Max. Junto ao portão, o judeu desengonçado assobiou, e Willy percebeu que ela estava se exibindo.
— Sinto muito, mas acho que vamos demorar mais uma hora! — berrou ela.
Willy havia orquestrado tal demonstração, sugerindo que Eric tomasse um trem até o Sweetspot antes do término de seus exercícios da tarde. Agora se sentia ridícula, mostrando como uma profissional de verdade trocava bolas com um treinador profissional de verdade. A hora seguinte foi dolorosa, com o visitante batendo as costas contra a cerca da quadra adjacente. Em vez de ficar de boca aberta e olhar bobo, ele parecia ofendido. Ela podia muito bem ser uma menininha oprimindo um hóspede em sua casa com seus estudos de piano. Além disso, embora com a visita de Eric ela tivesse a intenção de que Max se familiarizasse com seu novo admirador, o plano de repente lhe pareceu indelicado. Desde os 5 anos de idade Willy aprendera a controlar uma bola de tênis e havia praticamente abandonado o projeto mais desafiador de lidar com pessoas com igual segurança.
Entre os exercícios, Willy se curvava e olhava as próprias panturrilhas, levando a testa até os joelhos. A tensão do antagonismo que tinha tramado refletia e esticava seus tendões. Max revirou os olhos, mandando que ela fosse até o poste da rede. Tendões distendidos poderiam deixá-la semanas fora do jogo; Max não se arriscava.
Quando ela se apoiou no poste, Max se ajoelhou diante de seus pés e colocou o tornozelo dela em seu ombro. Aos poucos ele ia se levantando, nivelando seu quadril ao dela. Willy gemeu ao sentir a dor na coxa. Quando Max abaixou sua perna e se preparou para levantar a outra, ela olhou de relance para Eric, que se concentrava em recolocar a proteção do cabo de sua raquete.
Quando, felizmente, a performance terminou, ela simplificou as apresentações.
— Max Upchurch, Eric Underwood.
A boca de Eric se contorceu.
Max pulou o “Então você é um amigo da Willy, não é” e o “Como foi que vocês se conheceram” e foi direto ao único ponto que lhe interessava com relação a qualquer pessoa. Indicando a raquete de Eric com a cabeça, ele olhou de soslaio.
— Você joga?
— Não, uso isto aqui para pegar borboletas. — Rosto inexpressivo. Max bateu a palma da mão contra as cordas da própria raquete.
— Que tal uma partida? — A inflexão casual era uma mentira. Ele nunca na vida tinha desafiado alguém para uma partida sem motivo.
A título de resposta, Eric começou a atirar as bolas de treino para o fundo da quadra contígua, insinuando que era Willy quem iria pegá-las.
Willy odiava ver outras pessoas jogando. Era consumida pela inveja. Embora estivesse esgotada minutos antes, agora invocava uma energia renovada, e como alguém tinha a audácia de roubar o seu parceiro quando ela ainda tinha algum fôlego?
Assim, enquanto os homens se aqueciam — Eric com uma calma insolente, Max com uma apatia inescrutável —, Willy não sabia para qual jogador estava torcendo. Odiava os dois. Isso era muito ruim: amuar-se de pernas cruzadas na linha lateral, a quadra dura e quente. No momento em que a partida começou, Willy contemplava a formação de gaivotas no céu. Entretanto, era impossível ignorar os grunhidos familiares, que eram o jeito de Max fazer elogios, ou o paf-pou-paf-pou-paf-pou-paf-paf-paf do ponto prolongado.
Como, para Willy, calcular o placar de um jogo de tênis era automático, não acompanhar quem estava ganhando exigia dela uma concentração especial. (Cavalheiros não anunciavam a contagem.) Ela esperava que Max despachasse o parvenu em 35 minutos, mas depois de Willy já ter realinha-do as cordas da raquete e quicado uma bola com a raquete quinhentas vezes sem deixar cair, já fazia bastante tempo que a meia hora tinha passado e os dois continuavam suas jogadas. Max estava encharcado. Eric estava jogando bastante mal, mas às vezes seu jogo funcionava. Por fim, depois de um ponto em que achou uma troca de bolas a duas quadras de distância mais interessante, ela virou o rosto e se deparou com os dois apertando as mãos por cima da rede, de um jeito formal.
Willy se levantou, limpou a poeira do short e os dois gladiadores se dirigiram às suas bolsas.
— Você é profissional — disse Max.
— Sou — declarou Eric.
— Classificação?
— 972.
Max entortou a boca.
— Muito bom.
— Só peguei uma raquete a sério aos 18 anos. No meu primeiro ano em Princeton eu era do time de basquete.
— Dezoito. Tarde.
— Antes tarde do que nunca.
Ambos ignoravam Willy, que fuzilava com os olhos seu novo amigo, o profissional. Devia ter percebido. Na entrada do prédio dela, calos ásperos na palma da mão direita dele arranharam seu pescoço. Ele não chegou ao Sweetspot carregando uma raquete, mas três, e, enquanto ele guardava a Prince dentro da caríssima capa acolchoada, ela reconheceu a clássica assimetria de seus braços: o direito tão mais desenvolvido que o esquerdo, o que sugeria uma tendenciosidade, como se tenistas dessem peso demais, literalmente, a uma parte de sua vida.
— Vou te mostrar onde ficam os chuveiros — ela se ofereceu.
Eric não reagiu. Seus movimentos eram irregulares, suas atitudes bruscas. Da última vez que fora vencido, ficara exultante; talvez devesse deduzir por sua truculência que ele havia ganho a partida.
Ao caminhar com o convidado em direção aos vestiários, Max sinalizou para que ela voltasse.
— Eu sei que os golpes dele são toscos — avisou em voz baixa. — Vulgares. Mas desconsiderando o que não presta, o garoto sabe jogar.
* * *
ARRASTANDO-SE PELO CAMPO, ERIC andava à frente, perdendo-se nos passos naturalmente largos de um homem de pelo menos 1,88 metro. Estavam encurralados no silêncio incômodo de duas pessoas que jogaram tênis, mas não juntas. E Willy mal podia conversar sobre uma partida que se recusara a acompanhar com tanta agressividade que nem sequer sabia quem havia ganho.
— E agora? A gente é obrigado a engolir uma gororoba de bandejão com um bando de mimados e idiotizados atletas do futuro?
— Tem um restaurante italiano na cidade. O Max pode nos emprestar um carro.
— Upchurch pode emprestar um carro a você — Eric chutou uma erva no caminho.
— Para um esporte que faz parte de suas próprias aspirações, você não parece ter muito respeito pelo pessoal que o joga.
— Você respeita essas pessoas? — indagou ele, incrédulo.
— Talvez respeito não seja a palavra certa. Mas o jogo em si…
— É um negócio totalmente possível. Às vezes você derrota as pessoas com as próprias jogadas que elas fazem, não por achar que são essa maravilha toda, mas exatamente por não achar.
Apertando o passo para não ficar para trás, Willy ficou hipnotizada pelas pernas compridas, relaxadas, que ganhavam o chão com uma autoconfiança displicente. Óbvio que era conveniente para ela defender o grupo com que andava, mas por um instante o desprezo de Eric foi libertador. Ele tinha razão, de certo modo. A altivez com que grande parte dos jogadores falava de sua vocação era insuportavelmente pretensiosa. A maioria de seus “colegas” era tacanha, tola e traiçoeira. Só desejavam a Willy a derrota, e, na verdade, ela não lhes devia nada. Apesar de, dentro de sua cabeça, sempre ter tentado separar o esporte de seus jogadores, Eric a seduziu com a liberdade eufórica de enxergar até mesmo o tênis como “um negócio totalmente possível”, uma habilidade que ela havia dominado, mas que não a dominava. Pois a reverência de Willy pelo tênis era uma tirania — quanto mais importância lhe dava, mais isso a oprimia quando ela ficava aquém dos critérios inflexíveis do esporte. Qualquer homem que o encarasse como a distração corriqueira teria um poder especial.
Sobre o gramado impecável, Eric esticou o braço em direção à escola. Daquela distância, suas belas casas neocoloniais tinham um ar artificial e refinado, bem ao estilo da Nova Inglaterra.
— Esse pessoal me dá vontade de vomitar.
— Então por que você quer…
— Para dar uma surra neles, no ponto em que dói mais.
— Você não acha que tem algo de especial numa pessoa que joga tênis de uma forma espetacular? — perguntou Willy, tensa com a possibilidade de que unir-se a ele na censura àquelas pessoas não significaria necessariamente que não seria enfiada no mesmo balaio.
— Eu acho que tem algo de especial na forma como você joga tênis — ele parou. — Ou talvez eu ache que tem algo de especial em você, e foda-se o tênis.
Fazia muito que Willy enxergava a si e a seus golpes como sinônimos.
— Ame a mim, ame meu jogo — disse ela, com cuidado.
Ele deu uma batidinha na parte de trás da cabeça dela com a palma da mão.
— Você não regula bem.
* * *
— A GARÇONETE SABE o seu nome — Eric disparou.
— Não há muitas opções em Westbrook.
— Com quem você veio aqui?
— Várias pessoas — declarou Willy, impassível.
— Hã-hã — ele garfou quatro anéis de lula de uma só vez e os afundou no molho apimentado.
— Você se considera um homem ciumento?
— Não muito. Mas quando a situação exige ciúme, eu dou conta do recado.
O Boot of the Med a intimidava. Teve dúvidas quanto a jantar ali enquanto estavam no carro. O esconderijo antes lhe parecia tão mágico, apesar das luzes vermelhas berrantes e do clichê que eram as garrafas de Chianti usadas como castiçais. Talvez tivesse sido melhor deixar o passado quieto, e não desiludir-se pela descoberta de que aquele local era uma espelunca cafona com comida ruim.
— Desculpe por ter te deixado esperando na quadra hoje — Willy cedeu, preparada para ouvir dele que não se importara.
— É só não deixar isso acontecer de novo — declarou Eric, no entanto, e não esperou que o assunto seguinte fosse introduzido com elegância. — Crianças grandes feito Max Upchurch me irritam. Eles ganham montes de dinheiro vivendo do que, num mundo sensato, é uma diversão para as horas de lazer, bom, tudo bem. Acho que não foram eles que inventaram as regras.
Willy sorriu.
— Max inventou as regras. Ele brigou para tornar Wimbledon um torneio de tênis aberto.
— Então ele é um vigarista. Não é contra a lei. Mas o que me incomoda é que esses musculosos já passaram dos quarenta e esperam que as menininhas fiquem cochichando: “Ele já foi o número seis!” Eles convencem todos os pirralhos que já conseguiram jogar uma bola para o outro lado da rede com a ajuda de um guindaste que podem sair esnobando de limusine antes de completar 20 anos. Enquanto isso, os pais pagam 20 mil dólares por ano por uma educação de terceira categoria. Está bem, vou fazer uma concessão a Upchuck: para um coroa, ele ainda joga bem. Ele me venceu quando eu ainda estava frio e acho que eu nem dificultei as coisas para ele. Eu tentei. Mas não gosto do jeito como ele age, como se fosse seu dono, e não gosto do jeito como ele te toca e antes que eu me aprofunde mais no assunto é melhor você me contar o que está acontecendo.
Willy descobriu-se feliz por Max ter ganhado. Aqui, ela tinha mostrado a Eric. Este é o meu treinador: a excelência dele é a minha excelência. Considere a derrota contra ele uma prova do meu valor frente ao seu.