Quatro

EM SEGUIDA VEIO O JOGO, EM TODOS os sentidos. Depois de Willy ter acabado de perder na semifinal da Fresca Cup, em Dayton, Eric foi buscá-la no aeroporto de LaGuardia com sua raquete Prince na mão e arrastou-a direto do táxi para o Riverside Park. Como ele conseguia devolver a maioria das bolas, tanto usando o punho quanto arquitetando ou decidindo o ponto, ela foi obrigada a concordar com Max que, embora a técnica de Eric fosse rústica, em algum lugar daquele Neandertal havia um jogo de tênis.

Quanto ao jogo fora das quadras, ele não era orgulhoso, ou foi o que pareceu quando anunciou que, à exceção de seus próprios torneios, ele estaria à disposição dela. Eric não tinha vergonha de ansiar por vê-la todos os dias em que ela estivesse na cidade e, em vez de enfatizar que tinha amigos e diversas questões profissionais que precisava resolver, ele se dispunha alegremente a deixar de lado quaisquer outros fatores caso ela tivesse tempo para ele. No começo, essa carta branca lhe pareceu uma abnegação descarada, humilhante e tola, e achou que não duraria muito.

Eric a pressionava com convites para um espaguete com seu colega de quarto, ou para comerem uma pizza no almoço, e estava sempre disponível para treinar no parque, mesmo quando isso significava cancelar com outros parceiros de jogo. Como se fossem cartas de baralho, ele dispôs diante dela um leque de ingressos para todas as noites do Aberto dos Estados Unidos, e lhe deu a liberdade de escolher em quais gostaria de ir. E era atencioso de uma maneira que, de certo modo, era mais significativa, já que seus gestos eram comedidos e espontâneos; ele não esperava tapinhas nas costas. Se ele preparava um drinque para si no apartamento dela, ele mesmo enchia a forma de gelo. Trocava o saco da lata de lixo sem que ela lhe pedisse, lavava a própria xícara de café e nunca deixava gotas de pasta de dente na pia. Em uma tarde de agosto, quando ela estava correndo para fazer as malas para o torneio satélite, em Norfolk, e não tinha meias limpas, ele foi até o porão com seus shorts e regatas sujos e voltou com as roupas lavadas e dobradas e os pares de meias casados.

Nas noites em que saíam juntos, o novo namorado de Willy aparecia na porta de seu apartamento com lembrancinhas — um lenço de seda do mesmo tom de carmesim de seu suéter predileto, ou uma fita cassete de Janis Joplin que ele mesmo havia gravado, escrevendo na etiqueta da caixa o nome de todas as canções. Os presentes eram sempre pequenos, baratos e lindamente embrulhados.

Willy havia crescido entre inimigos e, de início, via sua generosidade com desconfiança. Se Eric estava tentando lhe arrancar alguma coisa, sentia-se obrigada a evitar que ele conseguisse. E Willy havia desenvolvido o desprezo instintivo que muitas mulheres nutrem em relação à gentileza. Homens que a tratavam com excesso de bondade eram otários. Porém, num almoço em que Eric lhe arremessou um pote novo de maionese, ela ficou sem ação. Que ele tenha se lembrado de comprar os condimentos que usavam para fazer sanduíches era uma delicadeza. Que ele tenha reparado que o pote dela estava raspado até o fundo era atencioso. Qual era o problema? Ela preferia um grosso, um parasita, um homem detestável que não lhe desse a mínima atenção? Enfim Willy ponderou a ideia de que não havia nada de errado com a gentileza, mas sim algo de errado nela.

Portanto, no encontro seguinte, bastante acanhada, Willy entregou a Eric um pacote. Pensar em um presente foi difícil, e por mais que a modéstia dos presentes de Eric fosse sempre cativante, a trivialidade de sua própria lembrancinha lhe parecia avarenta. Ela não parava de se desculpar. Era apenas uma camiseta do Sweetspot, e talvez tivesse sido insensível: Eric não tinha, afinal de contas, muito tempo para a escola. Mas Eric ficou eufórico, e insistiu em usá-la para irem ao Flor de Mayo. Na verdade, ele passou dias usando a camiseta, até que ela já estava imunda e fedida. Willy não se importava. Estava orgulhosa de si. Até se perguntou se, mais do que uma tentativa de agradá-la, todos aqueles pequenos gestos de Eric não eram uma forma de ensiná-la o conceito de reciprocidade.

Além disso, no decorrer do verão, Willy foi compreendendo que a estratégia do pretendente se baseava não na auto-humilhação e sim na presunção. Eric Oberdorf era um homem obstinado que, ao se debruçar sobre um projeto, não cedia até que seu objetivo fosse atingido. Ele não cortejou Willy preocupado em se proteger, pois jamais lhe ocorreu que poderia fracassar. Essa tendência em lutar, sem reservas, com todas as armas contra o que não lhe poderia ser negado era ao mesmo tempo cativante e inquietante. Para Willy, obter qualquer coisa que ela desejava significava passar por cima do cadáver de alguém. Mas Eric não dava sinais de que alguém já tinha lhe atravessado o caminho. Simplesmente era mimado.

Embora Eric se gabasse de poucas ex-namoradas, ele era dado a arroubos de outros tipos. No início da adolescência, mergulhara de cabeça na política, dedicando-se à campanha pela reeleição de Ronald Reagan, em 1984. (Para o horror democrático de Willy. Ao contrário da maioria dos judeus de Nova York, os Oberdorf eram republicanos. Enquanto as campanhas de Clinton e Bush pegavam fogo, as pelejas eleitorais entre ele e Willy eram sempre interrompidas quando Eric se admirava ironicamente com o fato de que, apesar de ser uma tenista profissional, ela sabia quem estava concorrendo à presidência.) Aos 14 anos, Eric passava as tardes dos dias de semana distribuindo panfletos pelo Upper East Side, seu bairro, depois das aulas no Trinity. Suas redações de colégio detalhavam como aumentar o orçamento da segurança, diminuir os impostos e ainda assim reduzir a dívida nacional — trabalhos que prognosticavam sua habilidade com números imaginários em Princeton.

Mais tarde, Eric ficou obcecado por basquete. “Rick, o Seboso”, ao que parecia, ainda era uma lenda em Trinity. Quando, em uma caminhada pelo Riverside, ele e Willy depararam com uma partida brutal de quatro contra quatro em que faltava um jogador, ela teve a oportunidade de verificar que Eric era ótimo em enterrar a bola na cesta. Apesar de ter que lutar com adolescentes enormes e de boca suja, fervilhando em seus músculos ágeis, Eric fez mais pontos que qualquer outro jogador de seu time. Notadamente, Willy não viu problema algum em assistir-lhe enterrando a bola, em contraposição a acompanhar a partida de tênis entre ele e Max. Meu Deus, Eric era gracioso, tão preciso e veloz; seus dribles eram cômicos, mas eficazes. Willy gritava: “Manda ver, Seboso!”, e teve tantos arroubos de aplausos espontâneos que o deixou envergonhado; ela estava saboreando não somente o jogo em si, mas também seu próprio sentimento: uma adoração pura, que fluía livremente.

Estava claro que Eric se sobressaía no que quer que resolvesse fazer. O diploma summa cum laude indicava a Willy que, quando ele se concentrou na matemática, em Princeton, tornou-se perito em equações. Na verdade, ele exalava uma tranquilidade aritmética até na quadra de tênis, onde mantinha o distanciamento implacável de um programador que insere informações num banco de dados; as derrotas nada eram além de dados, fracassos não eram menos relevantes que vitórias para o gráfico que estava delineando em sua cabeça.

Basicamente, Eric Oberdorf gostava de jogar. Depois de chegar a esta conclusão, Willy contemplou uma visão mais cínica desse galanteio sem limites. Será que o romance era só mais uma competição para ele? Se Eric era propenso a paixões passageiras, será que Willy era apenas mais uma de uma sequência de diversões efêmeras? A capacidade do namorado de transferir suas energias arbitrariamente de um foco para outro era desconcertante. Para Willy, era inconcebível que alguém tivesse o objetivo de se tornar um tenista rentável sem que houvesse nutrido tal ambição desde os 5 anos de idade.

Willy prezava o fato de que Eric parecia se dedicar ao projeto com certa seriedade. Ele jogava todos os dias, por várias horas. Pela manhã, treinava com pesos leves dia sim, dia não, na academia Gold’s Gym, além de pular corda oito mil vezes. Da mesma forma que ela, tinha reservado o ano seguinte inteiro para torneios satélites cada vez mais desafiadores. Apesar de sua classificação no ranking parecer péssima para um leigo, Eric tinha dado conta de acumular um punhado de pontos computados após a formatura, que se deu somente em maio, e durante seus sumiços em julho e agosto juntou muitos mais. A prateleira sobre sua cama era abarrotada de manuais e livros sobre a história do esporte; seu conhecimento a respeito de estatísticas e astros e estrelas do tênis era enciclopédico. Mas, apesar da completude louvável, Willy tinha dúvidas se essa adoção caprichosa do que para ela era uma paixão vitalícia deveria ser prontamente recompensada.

* * *

SENDO ASSIM, NO FLOR de Mayo — ou Flor de Maionese, como apelidaram a espelunca que frequentavam com regularidade —, Willy perguntou como ele se sentiria caso suas aspirações não se transformassem em uma carreira. Ela ponderou o que Eric, com sua pesquisa meticulosa, já teria confirmado: que embora os dez melhores jogadores do mundo ganhassem 10 milhões de dólares por ano, a curva de lucratividade do tênis caía drasticamente. Entre o 11º e o 25º lugares no ranking, um homem conseguia em torno de 1 milhão de dólares por ano; uma mulher, Willy comentou em tom indignado, metade disso. Do 26º ao 75º, a renda anual de um tenista não passava de 200 a 300 mil dólares, embora isso dependesse da permanência do atleta no top 75, e, no tênis, manter sua posição pode esgotar um jogador. No entanto, depois do 125º lugar, não se podia esperar mais de 100 mil dólares anuais, e metade dessa quantia seria gasta em passagens aéreas de classe econômica e cafés da manhã caros em hotéis. Se não alcançassem o top 200, nenhum dos dois conseguiria mais que pagar as contas.

Impassível, Eric esticou o braço para pegar a sobra de arroz dela.

— Você paga seu aluguel, não paga?

— Aos trancos e barrancos. Ganhei 30 mil dólares no ano passado, e isso vencendo dois satélites. Cinco mil foram para o Max. Outros cinco para os gastos. Se você levar em conta que eu não pago pelo… pelo treinamento dele, pelo alojamento no Sweetspot… estou no vermelho. Como você está planejando se sustentar?

Eric procurou por pedaços de porco.

— Meu pai.

O quê?

— Por que esse choque todo? Meu pai vai me bancar durante os dois primeiros anos de circuito. Se eu tiver sucesso, não vou precisar dele. Se não, faço outra coisa. Mas duvido que isso venha a ser necessário — Eric lambeu os dedos.

— Você não quer conseguir sozinho?

— Eu nunca falei nada de “conseguir sozinho”. Eu falei que quero conseguir. Como vou atingir esse objetivo, pouca importância tem. Se você está dura e precisar viajar para Indianápolis, quem dá a passagem? Upchuck. Para mim, é o meu pai. Qual é a diferença?

Willy se calou.

Eric levantou o queixo dela.

— A profissão já é manipulada mesmo. Como se consegue pontos computados? Vencendo torneios que concedem pontos computáveis. Como se entra em torneios que concedem pontos computáveis? Tendo pontos computados. Essa não é a única pegadinha. Como uma pessoa se sustenta jogando tênis? Entrando no top 200. Como se entra para o top 200? Dedicando cem por cento do tempo ao tênis, e, portanto, não se sustentando. Não dá para ir de um ponto ao outro com um emprego fixo, Wilhelm. Ainda é um esporte de elite. Sinto muito por seu pai não ter te apoiado, e fico contente, ao menos sob o ponto de vista financeiro, que você tenha o Max. Mas você não vai conseguir fazer com que eu me sinta mal por causa do meu pai. Patrocínio é o caminho.

Ela se acalmou, consumida por uma nova curiosidade.

— Underwood? Por que você quer jogar tênis profissionalmente? Depois de obter um diploma em matemática numa das melhores universidades do país?

— Você não sairia comigo se eu fosse um hacker, sairia? Já é motivo suficiente.

— Estou falando sério.

Eric batucou com os dedos.

— É desafiador. Me mantém em forma. Não ficaria chateado se eu ganhasse um bocado de dinheiro. E vou ter de me aposentar aos 40, no máximo, então vou poder ter uma segunda carreira.

— Você gosta disso? De ser obrigado a parar?

— Claro. Preciso de variedade. Fico entediado com facilidade. Quem é que gostaria de jogar tênis todos os dias, até os 92 anos?

Eu!

— Bom, você é louca — disse ele de um jeito carinhoso.

— Meu Deus, tenho pavor da aposentadoria. Quando penso nos poucos anos que me sobram, tenho a sensação de estar no corredor da morte.

— Por que você quer ser profissional, Wilhelm?

— Que pergunta idiota é essa? — retrucou ela.

Eric riu.

— A mesma pergunta idiota que você me fez.

— No meu caso, é como perguntar por que eu insisto em respirar. Eric a olhou incrédulo.

— Na verdade, você nunca se fez esta pergunta, não é?

— Nunca — concordou Willy. — Eu não tenho uma razão para jogar, mas eu tinha certeza de que você teria. Eu sou uma tenista. Não consigo me imaginar fazendo outra coisa e continuar a ser eu. Se eu pensasse em explicações, elas viriam depois. Seriam apenas alguma coisa para dizer.

— Tudo bem, mas falta de razão geralmente não é uma coisa boa.

Willy teve a estranha impressão de que ele estava com inveja.

— Você cresceu com toda uma série de ambições — ela disse com calma, pegando-lhe a mão. — Política, basquete, matemática. A mim, você pode chamar de limitada, ou obsessiva. Eu sempre tive um único amor verdadeiro.

Os olhos dele se fecharam um pouco mais, e ele afastou os dedos das palmas de suas mãos.

— Você está me acusando de ser um diletante?

— Não estou te acusando de nada! — gritou Willy, exasperada. — Tenho certeza de que você tem muito mais facilidade em se adaptar a novas situações que eu. Você é brilhante em vários tipos de coisas, e isso não é de modo algum uma crítica. Mas a irracionalidade e a pouca franqueza em relação a mim mesma não são características só minhas. Pois você não chegou a responder a minha pergunta. E se acontecer de você não ser bom no tênis? E se os dois anos passarem e você continuar encalhado no top 800? Ou nem fizer parte do ranking? Isso acontece, e com bons tenistas. Como você lidaria com isso?

— Já disse — ele declarou. — Faria outra coisa. — Eric não costumava falar de boca cheia; a resposta embolada parecia proposital, como se ele mesmo não quisesse ouvi-la.

— Por exemplo?

— Sei lá — ele disse, lacônico. — E você?

— E eu, o quê?

— Se você não conseguir.

Willy ficou tentada a defender que 30 mil dólares não parecia muito, mas era bastante para a sua posição no ranking, e que estava começando a se sustentar, portanto já tinha, até certo ponto, “conseguido”, ao contrário de algumas pessoas que ainda recebiam mesada do papai.

— Não consigo nem imaginar, eu… tento não pensar nisso.

— Exatamente — Eric limpou a boca com uma expressão professoral, como se de novo a tivesse testado e ela tivesse passado raspando. — Não acredito em fazer planos para o caso de imprevistos. Pouca imaginação é uma coisa perigosa. Projete um futuro em que você está afundando, e, quando você se der conta, essa paisagem desoladora vai estar emoldurada e pendurada na parede da sua sala. Pendure pôsteres de viagens. E vai dar tudo certo. Eu vou conseguir. Nós dois vamos conseguir.

Ele limpou os grãos de arroz das mãos. Embora tivesse apenas um ano a mais que ele, dessa vez Willy se sentiu bem mais velha que o namorado.

* * *

O NTC (NATIONAL TENNIS CENTER), palco do Aberto dos Estados Unidos, havia adquirido certa reputação entre os jogadores — as plateias eram barulhentas e desrespeitosas; o estádio ficava exatamente embaixo da rota de voo do aeroporto de LaGuardia. Havia muito tempo que Willy fazia ouvidos moucos a tais críticas. Ela mesma, em quase todos os arremedos de torneios de que participara, fora obrigada a se concentrar em meio a buzinas de alarmes de carros, vans com alto-falantes anunciando sorvetes ou shows de rock ao ar livre que faziam o chão tremer. No que dizia respeito a Willy, o National Tennis Center era tão honrado e silencioso quanto a Basílica de São Pedro. Se Steffi Graf se queixava de não conseguir se concentrar ali, Willy Novinsky ficaria satisfeita em assumir seu lugar.

Willy adorava Flushing Meadow. Já tinha sido boleira ali, durante a era McEnroe, e, aos 15 anos, teve uma queda pelo rebelde volúvel do tênis. Desde então, sempre atravessava o cordão de segurança para dar um oi ao homem que ainda gerenciava a equipe de boleiros e o deixava a par do que estava acontecendo em sua carreira. Apesar de nunca ter competido ali, a familiaridade com os túneis e os vestiários, desconhecidos do público, lhe transmitia uma sensação de que era a dona do espaço. No NTC, ela ousava crer, como Eric fazia todos os dias com uma tranquilidade anormal, que a quadra central era o seu destino.

Com espanto, Willy foi levada pela mão, no dia 7 de setembro, não pelas rampas íngremes e em zigue-zague que levavam às fileiras mais altas da turba de arruaceiros, mas sim aos assentos sagrados junto à quadra, reservados para empresas e famílias de sangue azul. Aparafusadas nas costas das cadeiras, duas placas de plástico brilhavam: OBERDORF. Já que virara um costume passar adiante, em testamentos, cadeiras permanentes do Aberto dos Estados Unidos, talvez um dia aqueles tronos pertencessem a Eric. Willy reconheceu que, do ponto de vista do beneficiário, ter privilégios não parecia, de forma alguma, um problema.

Willy e Eric, no entanto, pareciam destinados a ficar em lados opostos da rede. Assim como apoiara Reagan, em 1984, Eric prontamente se pôs a torcer por Stefan Edberg, o favorito incontestável e campeão do Aberto no ano anterior. Eric sabia que ela estava torcendo pelo desafiante, Larry Punt — um aspirante de classificação modesta no ranking que lutara para avançar no qualifying e chegar às oitavas de final.

— Você está na oposição de propósito? — perguntou ela. — Toda vez que a gente assiste a uma partida, você fica do lado do outro.

É porque você tem um fraco pelos azarões, Wilhelm. Sempre que um pobre coitado de um preguiçoso está em 4.002º no ranking, ou está se recuperando de uma lesão que um dia vai colocá-lo fora das quadras para sempre, você fica do lado dele. Quem é que está na oposição?

— Já que a sua posição no ranking não é muito melhor que 4.002, você podia simpatizar com o tenista menos conhecido.

— Para a maioria das pessoas, isto aqui é uma diversão — murmurou ele, curvando-se para a frente. — Para você e para mim, é um exercício indireto. Portanto, é uma questão de com quem você se identifica. Se, mesmo por um acaso mirabolante, aquele molenga ali vencer esta partida, ele vai ser destruído nas quartas. Para que se afundar junto com o desconhecido na sua cabeça? Facilite a sua vida e se identifique com o favorito. Se você decidir partilhar do destino de um tenista menor, não há limite lógico. Faz tanto sentido quanto se imaginar como aspirante a boleiro.

— Eu trabalhei como boleira — ela declarou com frieza, puxando as mangas do suéter em volta de seus ombros e torcendo-o em um nó. — Edberg é insípido. Sueco típico. Não tem personalidade e a cara dele é tão expressiva quanto cimento endurecido.

— Quem precisa de personalidade com um voleio desses?

— O tênis devia ser um teste de caráter.

— Caráter, talvez. Personalidade, não.

— Qual é a diferença?

Eric adotou um tom de voz paciente.

— Personalidade envolve afetações do tipo “preciso usar minha bandana da sorte”. Caráter implica mandar toda essa frescura emotiva ralo abaixo e pôr mãos à obra.

Ela se virou para Eric com espanto, pois o rosto dele havia adquirido a mesma intensidade rígida que adotava em quadra. Eric era um grande admirador da técnica, do jogo externo; e se o interno sequer existia para ele, deveria ser suprimido. Ao que tudo indicava, para Eric, os tenistas mais exemplares não existiam em si mesmos. Mas Willy se arrebatava com as tempestades de frustração, de dificuldade e de determinação redobrada que dominavam o rosto dos jogadores feito o clima de uma ilha. Para Willy, o jogo interno era o jogo — suas emoções podiam ser tocadas como um violino ou você poderia se tornar um joguete nas mãos delas. A solução de Eric não era domar as emoções, mas espantá-las. Caso ele mesmo conseguisse levar a cabo tal truque para sumir, se tornaria ou um xamã, ou uma máquina.

Quando ela se voltou para o jogo, Punt havia recebido uma advertência por jogar a raquete no chão. O azarão gritava com o árbitro, que, despreocupado, contemplava um avião no céu.

— Falta de classe — sibilou Eric.

— Mas o juiz errou!

— E não teria voltado atrás nem que o golpe do Edberg tivesse ido tão longe a ponto de quicar na nossa cesta de piquenique… Jesus, que explosão grosseira.

— Punt está perdendo por 5-1! Ele está com raiva.

— Então, se não sabe jogar tênis, podia pelo menos se comportar. Cabe a ele perder com dignidade.

— Uma derrota digna é sempre insincera, e, se eu estivesse sendo humilhada no que mais me importa no mundo diante de milhares de pessoas, eu também descarregaria no juiz.

Enquanto isso, Larry Punt dava tudo de si. Estava encharcado de suor e investia contra todas as bolas, mas, apesar da confiança, em vão. Pois Edberg estava pegando fogo e, com lobs profundos empurrava o rival para o fundo da quadra só para ver a bola passar por cima de sua cabeça. Willy tentou fazer com que Eric apreciasse, ao menos, o fato de que Punt não caía.

Eric deu de ombros.

— Melhora o espetáculo, mas não afeta o resultado.

— Meu Deus, quanto desprezo… ele está se matando em quadra…

— Silêncio! — ordenou uma mulher atrás deles.

— Fale baixo — murmurou Eric.

— Ah, quem se importa com o que a bundinsky acha?

Eu me importo — repreendeu ele.

— Claro que sim; você se importa com o que os outros pensam, com as aparências. Toda essa palhaçada de esconder os sentimentos mesmo nas horas mais difíceis e você nem é inglês… — Willy caiu em prantos.

— Willy! O que há com você? — desculpando-se com os vizinhos, Eric a levou para fora da tribuna. — Querida — ele passou os braços em torno dela debaixo daquela que devia ser a única árvore frondosa do Aberto. — O que foi? Achei que a gente estava se divertindo.

Agora que Willy tinha tanto a dizer, não conseguia falar.

— Você só pensa em… — sua voz estava presa na garganta. — Você só pensa em… — ela teria de escolher as palavras com cuidado — …vencer.

Ela esperava o “Calma, calma, eu só penso em você, meu amor!” de praxe, mas ele riu, acariciou seu cabelo e disse:

— Ah, Willy. Não na mesma medida que você.

* * *

OS SOLUÇOS CESSARAM E eles voltaram a seus assentos, onde Willy descobriu que já não desprezava Edberg com tanta intensidade quanto antes. Porém, no metrô, voltando a Manhattan, Willy se manteve quieta, optando por permanecer de pé e ler o Poema da Semana afixado no vagão mesmo quando dois bancos adjacentes vagaram.

— Pequena Miss Macho — Eric sussurrou em seu ouvido, balançando-se ao lado dela, enquanto encostava discretamente o indicador em suas costelas. — Não pode ser flagrada sentada.

Com isso ele tentava animá-la; mas ela não podia. Ainda sentia em sua boca o gosto amargo deixado pelo passeio.

— Satisfeito? — por causa do barulho dos trilhos, ela precisava berrar. — O zé-ninguém insolente foi triturado. Mais louros ao autômato.

— Estou delirando de alegria — declarou ele, se precipitando para sentar em um dos bancos. Eric não seria tentado a outro confronto em público, e pegou um New York Times que alguém descartara.

Willy se alarmou com a possibilidade de que, ao reviver a briga, tivesse ido longe demais e de que agora Eric não voltasse para a casa dela. Diante dessa perspectiva, um suor pegajoso brotou no seu rosto que perdeu a cor. O trem fez seus maxilares trincados se chocarem e os dentes estalaram. Quando Eric não saltou na estação Grand Central para pegar a conexão com a linha seis, seus joelhos fraquejaram de alívio a tal ponto que ela desmoronou no banco ao lado do dele, mesmo faltando apenas uma estação. Algo terrível estava acontecendo. Não deveria ter tanta importância se ele ficaria ou não na casa dela. Willy dormira muito bem sozinha durante boa parte de sua vida.

— Está bem, eu desisto! — declarou ele, batendo a porta do apartamento dela. — A verdade é que você está pouco se lixando para o Larry Punt. Então, qual é o problema?

Eric acendeu a luz do teto, e, sob a claridade, Willy sentiu-se pálida e exposta.

— Estou um pouco nervosa porque nós dois admiramos jogadores tão diferentes — afirmou ela, vacilante.

— Você gosta do Boris Becker? — disparou Eric, lançando-se no sofá.

— Sim, eu…

— Ahá! Temos alguma coisa em comum. Sente-se melhor?

— Tem um outro tenista sobre o qual talvez não estejamos de pleno acordo — Willy estava de pé, olhando as próprias mãos.

— Não vejo nenhuma outra maneira melhor de unir um casal do que a repulsa mútua pelo Andre Agassi, então, em quem você está pensando?

— Em mim — disse Willy, em voz baixa.

— Ei, vem cá — Eric esticou o braço e puxou-a para o sofá, em seguida, mudou de ideia quanto à luz do teto. Acendeu uma vela e neutralizou a claridade torturante.

— Você gosta desses tipos duros, estoicos — prosseguiu ela, com a cabeça deitada no ombro dele. — Mas eu bato o pé, dou pulos…

— E fala sozinha o tempo todo — ele terminou a frase por ela com um sorriso no rosto. — Pega a sua raquete de volta! Mata esse filho da mãe! Manda ver nesse voleio!

— Você está zombando de mim.

— É claro — ele lhe deu um beijo na testa. — Você me deixa fascinado quando está em quadra, você sabe disso.

— Mas você é tão contido. Nunca vi você mostrar qualquer tipo de emoção numa partida.

— Isso é ilegal?

— É desumano! Se o seu rosto nunca se altera com a humilhação quando alguém te obriga a engolir um ace, se você não sente nem um pingo de exasperação quando erra um drive simples, que você é capaz de acertar desde a primeira vez que segurou uma raquete… bom, então não sei como você pode ter sentimentos a respeito de qualquer outra coisa!

— Por exemplo?

Ela se contraiu.

— Sei lá, qualquer coisa…

Por exemplo? — ele cutucou o seu pescoço, logo abaixo do queixo, onde sabia que ela sentia cócegas.

Eu! — Willy se esforçou para não rir. — Eu, eu, eu! — ele passou a fazer cócegas em suas costelas, o que impedia que esta questão crítica fosse discutida com a sobriedade necessária. — Toda essa baboseira fascista sobre controle… e essa conversa fiada arrogante e antiquada sobre dignidade… — ela se afastou dos braços dele por tempo suficiente para dizer: — E além de tudo isso, você precisa de “variedade” e “fica entediado com facilidade”!

Eric recuou, balançando a cabeça.

— Portanto, se existe a possibilidade de que eu fique entediado com o tênis, é óbvio que vou ficar entediado contigo.

— Bom, como é que eu vou saber? Você joga como um militar. Você não tem compromisso com o tênis, já que você aguarda com ansiedade a hora de se aposentar. Cadê a devoção, o fogo? Quando levado a este extremo, o autocontrole é uma doença mental!

Num único movimento, Eric passou um braço por baixo de seus joelhos e o outro pelas suas costas e levantou-a do sofá. Caminhou até o quarto com Willy aninhada em seu peito e a soltou, quicando, no colchão. Ele se deitou em cima dela, levantando-lhe ambos os braços e prendendo os pulsos dela em suas mãos.

Doença mental — Eric discursou — é não saber a diferença entre um esportezinho idiota e a vida real. Uma das principais razões que eu tenho para gostar de Edberg e de Becker é que eles mantêm a carreira deles em perspectiva. Os dois têm noção de que o resto do mundo passaria muito bem sem eles e sem o tênis, se fosse preciso.

“Pois bem, se eu sinto alguma coisa em quadra? — ele perguntou retoricamente, sua testa encostada contra a dela. — Às vezes. Não demonstro, e isso é uma estratégia. Jogo melhor quando não revelo minhas emoções. Mas o tênis não é ‘tudo’, sua boba, de forma alguma. É claro que eu gosto de controle, e de dignidade, no lugar certo. E aqui — as mãos dele desceram pelos braços de Willy — não é o lugar.”

Ao agarrá-la por baixo da blusa, Eric fez com que um botão se desprendesse. Willy resolveu que não era um bom momento para procurá-lo. Quando ele abriu o zíper da calça, seu pau escapou, e para variar Eric não pareceu controlado e sim fora de controle. Não quis esperar que ambos tirassem as roupas e se lançou sobre ela ainda com o jeans travando suas coxas. Willy sempre considerara trepadas parcialmente vestidas algo cafona, mas agora mudava de ideia. A urgência tinha prioridade sobre a estética. E, ao que parecia, Eric nem sempre se preocupava com as aparências, com o que os outros pensariam: ele gemeu alto o bastante para excitar os vizinhos. No entanto, seu raciocínio não tinha sido tão prontamente descartado quanto o senso de decoro: mesmo no calor do momento, conseguiu colocar uma camisinha.

Eric a virou para que ficasse por cima dele e segurou Willy pela cintura de um jeito encantador. Ele ergueu-a inteira, até os tendões de seus braços saltarem. Ao trazer a pélvis de Willy para junto da sua, ele berrou. No eco desse grito, um urro sonoro e harmonioso que ela nunca tinha ouvido sair daquela garganta, Willy fitou, maravilhada, o rosto de Eric. Os músculos se contraíam em espasmos. A pele lisa de sua testa e das maçãs do rosto se franzia de um modo obscuro. O semblante dele ficou quase irreconhecível: não parecia inteligente, mordaz ou contido. Algumas pessoas teriam achado as contorções de seus traços feias. Para Willy, era a coisa mais bela que já tinha visto, e ela gozou.

* * *

O TROCO VEIO NA mesma moeda. Se o decente Eric Oberdorf podia acordar metade da rua 112 com um urro orgástico, a vulcânica Willy Novinsky podia se controlar durante uma partida de tênis. No dia seguinte, ela persuadiu Eric a mais uma partida no Riverside. Willy insistia em usar as quadras mais ao norte, com os pisos irregulares que o namorado detestava. Para Eric, uma quadra era um gráfico ideal no qual as bolas traçariam trajetórias previsíveis se você resolvesse direito as equações. Este Oberdorf era germânico por natureza e gostava de ordem. Uma Novinsky tinha a predisposição genética própria do Leste Europeu para o caos. Willy ficou alegre porque os galhos que encobriam a quadra número oito haviam-na batizado com uma chuva de frutinhas roxas, cujos caroços rolavam entre as linhas da quadra feito bolinhas de gude.

Em vez de pular de alegria ao marcar um ponto ou bater na testa ao errar uma bola que lhe era dada de presente, nesta tarde, Willy vestiu a máscara totalmente impassível que aprendera com o próprio Eric. Nada de assobios admirados, de girar a raquete ou de bater com o aro no tênis. Ela avançava imperturbável, de serviço em serviço, sem uma batida de pé sequer. Refreando o monólogo incessante, ela fechou a boca numa linha tão reta que se fosse um eletrocardiograma o paciente estaria morto. Quando Eric perguntava se o serviço dele tinha caído dentro da área, ela apenas assentia.

— Você está chateada com alguma coisa? — ele perguntou preocupado na segunda troca de quadras.

Ela fez que não com a cabeça, inexpressiva, embora estar ou não chateada não tivesse nada a ver com pôr mãos à obra.

Tudo que Eric parecia querer, ela lhe negava. Ele adorava mergulhar para pegar bolas baixas, então, a cada vez que ele subia à rede, ela dava um lob — um belo arco em topspin voando alguns centímetros torturantes acima da ponta da raquete dele. Ele corria até a linha de fundo, se esforçava e puf… Quando acelerava o jogo, ela arrastava os pontos.

E Willy nunca foi tão friamente calculista. Seus sidespins eram ajudados pelas frutinhas no chão. Ela girava a raquete para trás como se fosse dar um golpe extraordinário e, no último segundo, interrompia o movimento; uma curtinha, e a bola pingava sobre a fita e caía aos pés de Eric. Por fim, quando ele já estava convencido de que só receberia bolas curtas, ela se soltava, fazendo os pontos sem que Eric conseguisse pegar as bolas. Com calma e uma serenidade mecânica, Willy venceu o primeiro set por 6-2.

Ela ganhava o segundo set por 5-1, quando recebeu o saque dele e ponderou que seu objetivo era apenas deixá-lo com raiva, ensinar a Eric que ele podia ser arrebatador mesmo fora da cama. Entretanto, seu método começava a ter o efeito oposto. O placar já estava fácil o bastante; só precisava quebrar o saque dele ou manter o próximo serviço. Mas, em vez de finalmente entregar os pontos — lançando uma das bolas das jogadas indefensáveis dela contra a rede ou ao menos a fuzilando com os olhos —, Eric começou a rir.

O serviço dele seguiu, sinuoso e rodopiante, até a área de saque dela, como se a própria bola houvesse se contorcido de tanto rir. Ela chapou a bola. Ele nem tentou devolver, e enxugou uma lágrima. Willy fechou mais os olhos a fim de deixá-los mais cruéis, e restringiu a boca a uma barra. Nesse ínterim, ele havia começado a assobiar, perdendo o equilíbrio e tentando recuperar o fôlego. Em 0-40, match point, ele enfiou uma bola flutuante encorpada, suculenta no meio da quadra dela. Ela a esmagou. Quase sem conseguir falar em meio às gargalhadas, ele disse algo.

Com a partida encerrada, agora tinha permissão para falar.

— O que foi? — perguntou Willy, em tom cortês.

Dessa vez ele berrou, com clareza:

— Casa comigo!

Willy lançou a raquete no ar, a meio metro de si, e, com elegância, agarrou-a pelo cabo. Oberdorf finalmente havia demonstrado um pouco de paixão na quadra de tênis.