— É CLARO QUE VOCÊ VAI SER convidado — prometeu Willy. — Fiquei preocupada com a possibilidade de que você não quisesse assistir.
— Eu ganho a vida como voyeur.
— Como é que você aguenta, Max? — ela se aventurou a perguntar. — Ficar olhando enquanto os outros jogam?
— Eu fico só com a parte boa. — Nos confins da biblioteca do Sweetspot, o charuto dele era insalubre. — Quando você vence, eu ganho créditos; se você perde, é fácil colocar alguém no seu lugar. Ganho muito dinheiro; meu risco é zero.
— É assim que encara seu trabalho?
— Cada vez mais.
Willy tinha vislumbrado um outro lado de Max naquelas poucas semanas da primavera — o lado que arriscaria a partida toda em uma única jogada na porta do alojamento dela; o lado que acertava a bola em seu ápice, alegrando-se em dar a cara a tapa, em vez de se resguardar fazendo apostas covardes através de procuração. Uma ínfima parte dessa coragem reluzia agora. Acomodado no canto de sempre, sob uma luminária que abraçava a poltrona, ele tinha um ar complacente e seguro, e ela viu de novo por que precisava se casar com Eric. Angústia lembrada e angústia imediata eram tão diferentes quanto vinho e água. Max, já aposentado, jamais a entenderia.
— Por que você não faz aqui? — ofereceu ele. — Economize seus centavinhos.
Ela teria se comovido, mas ele a olhou de um jeito petulante, enquanto batia as cinzas do charuto no cinzeiro. A oferta não custava nada a ele. Talvez o romance deles já se reduzisse a mais uma partida que ele acompanharia de longe.
— Você é muito gentil — disse ela formalmente.
— Use a biblioteca para a recepção. É pequena, mas você não tem muitos amigos.
— Quando eu teria tempo para eles?
— Você se arrepende disso?
— Não o bastante — ela levantou a bolsa de tenista. — Max? Você é meu amigo, não é?
— Eu sou seu treinador. Transformar uma relação como a nossa em algo pessoal é desastroso. Lembra? Foi a palavra que você usou.
* * *
ERIC FICOU APREENSIVO COM um casamento no Sweetspot: o empréstimo da escola por parte de Max irradiava um ar vingativo e obscuro. Mas Willy estava ainda mais apreensiva de pedir ao pai que gastasse com um salão de festas. Ao longo de sua infância, ele negara dinheiro para o ônibus e a hospedagem em hotéis baratos, forçando-a a poupar o que ganhava como baby-sitter para comprar uma raquete de reserva que ele considerava uma extravagância. Precisava preservar a impressão de que o pai era muquirana para evitar a ideia de que era rancoroso.
Em todo caso, nem uma sinagoga nem um altar metodista eram adequados para a cerimônia. Eric nunca tivera um solidéu; o templo na rua 74 promovia a ascensão na Terra. Willy foi criada na igreja da abstenção, em que o reino pertencia aos imaculados que se recusavam a participar. Embora os Novinsky concordassem com a fé da rejeição e os Oberdorf defendessem a fé dos que rejeitavam, a família deles se sentava em lados opostos do mesmo templo sagrado, e Willy ficava incomodada em qualquer um desses lados. Havia algo de assustador no modo como Axel se agarrava à escada de Nova York ao subi-la e chutava os aspirantes nos degraus mais baixos; havia algo de inconvincente nos resmungos de seu pai, lá embaixo, de braços cruzados.
No que concernia a eles, Eric e Willy haviam gravitado até santuários de estrutura austera: grandes capelas verdes ao ar livre expostas aos aviões em trânsito. Os mandamentos da bíblia deles nem sempre eram fáceis de se seguir, mas o catecismo era incisivo, a teologia era objetiva: não cometerás dupla falta; não questionarás as decisões da arbitragem. A religião era tanto brutal quanto igualitária, e, se veneravam uma graça material concedida a um eleito, então ambos faziam parte do povo escolhido. Caso o casamento dos dois fosse abençoado em terreno sagrado, fazia pleno sentido que enunciassem seus votos em uma quadra de tênis.
Portanto, os dois se decidiram pelo Sweetspot e marcaram o evento para dezembro, a única época ociosa no calendário do tênis. Ao fazerem a lista de convidados, descobriram que Eric tinha muitos conhecidos, mas poucos amigos íntimos. Suas lealdades eram parcas, irrestritas e temporárias. Com a maioria de seus confidentes ou ele tinha cortado relações ou sido cortado — uma das controvertidas grandes amizades terminara em troca de socos. Eric persistia em todos os projetos que tinha com uma intensidade obsessiva e depois, de uma forma ou de outra, os concluía. (Era típico dele, por exemplo, pedir Willy em casamento sem fazer rodeios, e não sugerir que morassem juntos primeiro. Algo além de ultimato era piegas e incomodamente vago aos olhos de Eric.) Essa inclinação por encerramentos lhe era conveniente à carreira de tenista e ao ato de se casar menos do que ao matrimônio em si, com seu “para sempre” pouco delimitado e a ligeira nebulosidade em torno de qual seria exatamente o projeto depois do “sim”.
Decidiram-se por um punhado de conhecidos, já que uma cerimônia sem quórum pareceria insignificante. Dessa forma, a maioria dos convidados eram tenistas — parceiros de raquetadas, ex-companheiros da equipe de Princeton e da Universidade de Connecticut, pessoas formadas no Sweetspot, cavalos do estábulo de Upchurch que Willy tolerava (Marcella Foussard, não); e todos eles invadiram Westbrook com óculos escuros Vuarnet. Por mais que a noiva e o noivo não tivessem convidado ninguém que desprezassem, até indivíduos benquistos podem ser revoltantes quando reunidos. Um convidado do casamento que viesse com seu Mazda Miata não era um problema; já um bocado de pessoas com carros vistosos era nojento.
Depois de se aquecerem com café na biblioteca, os convidados subiram a colina em grupo, com suas luvas e capuzes de pele, em direção à número sete, onde Willy e Eric aguardavam com um juiz de paz de Westbrook. De longe, Willy reconheceu as risadas estridentes e sonoras de atletas habituados a dar entrevistas. A tropa de corpos esguios se aproximou feito uma colagem móvel da Vogue. Arrastando-se, o único conglomerado desalinhado daquele exército de manequins era a família de Willy. O terno do pai estava amarrotado por causa da subida da colina (por que só o dele?) e o cabelo estava desgrenhado para combinar com o capim a seus pés. O excesso de bijuterias da mãe era de partir o coração. Pela primeira vez, Willy ficou até agradecida por Gert ser tão simples. Os Novinsky eram os únicos convidados que pareciam gente.
Talvez fosse um pouco forçado, mas Willy gostou de se enfeitar para a cerimônia. O vestido sem manga com saia curta e larga reproduzia em cetim branco o vestido que usava em torneios. Para um evento ao ar livre em dezembro, encomendara um suéter de moahir pérola. Precisou de vários dias para achar os sapatos — saltos baixos, mas os bicos, amarrados com laços de fita, se fechavam ao estilo de um par de tênis.
Eric estava encostado no poste da rede com aquela compostura inacessível que todas as quadras de tênis incitavam nele. Ele deveria ter jogado na aristocrática era de ouro do esporte. Suas pernas compridas eram perfeitas para calças de flanela branca. Com seu suéter de tricô trançado de acabamento marrom e azul-marinho, o colarinho branco engomado emergindo da gola em V, Eric poderia ter saído direto de uma moldura em Forest Hills — Ellsworth Vines, 1930. Assim como os cavalheiros garbosos de outrora, penteou o cabelo para trás. Para completar o retrato, só faltava a raquete de madeira laminada.
Fazia frio, mas era adequado se casar num clima que os levasse para a cama. Os flocos de neve isolados que caíam na quadra lembravam as tardes dos invernos anteriores, quando Willy desafiava os limites da estação. Ao fim de muitas sessões de dezembro com Max, ela precisava arrancar o punho da raquete de seus dedos enrijecidos, assim como lhe tirariam uma raquete da mão fria quando ela morresse. O Sweetspot tinha quatro quadras cobertas, mas eram abafadas, isoladas e estéreis; não condiziam com o tênis. Até o momento em que a número sete era coberta com uma capa protetora para o inverno, Willy batia bola ao ar livre. Tênis, como o casamento, era “na alegria e na tristeza”.
O juiz de paz apressou a cerimônia, batendo os pés para aquecê-los. Ao beijar Eric para selar os votos, Willy desafiou o clima assim como fizera ao treinar em dezembro. Apesar das condições adversas, provaria a Max que os gélidos fatores externos não seriam capazes de esfriar a paixão. Apesar das várias trocas de bolas soberbas que haviam escapado de sua memória no passado, desta vez estava determinada a manter o que era fugaz.
* * *
A MEMÓRIA DE WILLY dos acontecimentos subsequentes à recepção logo ficaria enfraquecida. Os Novinsky e os Oberdorf posicionaram-se em cantos opostos, como se a ascensão social ou a escassez de ambição fossem contagiosas. Max talvez tentasse fingir um ar de divertimento distante, mas sua civilidade era forçada. Ao final das festividades, estava de óculos, empoleirado na poltrona lendo psicologia esportiva com a indiferença pouco convincente de um adolescente inteligente que tem medo de dançar em um baile da escola.
Ao redor de Max havia uma biblioteca inteira de torções no pulso, forehands aprimorados e bronzeados de inverno. Willy ficou desconcertada por ter se aferrado com tanta obstinação a seu lugar naquele terreno baldio. Da mesma forma, nos despojos de pequenos sanduíches e na maré lenta de champanhe, muitas vezes seus olhos tinham de boiar em direção a Eric para se recordar do que aquele oceano de bate-papos, mais um murmúrio de coquetel que parecia muito com as tristes celebrações de vitória, como aquela do New Freedom, devia marcar. Normalmente, o jogo era o prêmio; o troféu era zombaria. Desta vez, o jogo fora incidental. O troféu era uma vida inteira.
Mas uma lembrança permaneceria nítida. Com os olhos brilhando, a mão áspera roçando a fita onde estavam as alianças, o juiz de paz entoou “eu os declaro marido e mulher”: na própria união, Eric e Willy estavam em lados opostos da rede.
* * *
O PERÍODO DE TRANQUILIDADE dos meses seguintes evocava a bola no auge do lançamento: estável, serena, equilibrada. Embora em seu ápice o repouso da bola pareça eterno, o momento em si implica ascensão e queda. Em nenhum momento Willy se colocou à parte e sussurrou “Esta é a época de felicidade”, mas talvez uma das coisas que definem as épocas de felicidade seja o fato de que nunca são rotuladas como tal antes de chegarem ao fim.
Eric se mudou oficialmente para o apartamento de Willy na rua 112, o que já vinha fazendo, um par de meia de cada vez, havia cinco meses. Com ou sem casamento, ela respirou fundo quando a privacidade de sua caixa de correio foi invadida por um homem com cópia da chave. As frágeis fechaduras que até ali a protegiam de qualquer outra pessoa tinham sido avariadas. Manusear a correspondência dela e entrar pela porta sem que ela o esperasse eram provas materiais de que agora Eric a conhecia bem o bastante para intuir qualquer coisa da qual ela pudesse tentar excluí-lo. Eric tinha as chaves da própria Willy.
Como convinha a ambos, o organizado quarto e sala de Willy era preparado para partidas apressadas, chegadas no meio da noite e, entre umas e outras, semanas de abandono. O freezer geralmente estocava uma dúzia de lasanhas congeladas e um pote comido até a metade de Häagen-Dazs coberto de crostas de gelo. Depois de chegar à casa e encontrar várias cebolas apodrecidas e batatas murchas, parecendo testículos, Willy aprendeu a guarnecer a despensa apenas com umas poucas latas de atum. E depois de ter limpado inúmeros destroços pretos dos parapeitos das janelas, ela se desfez das plantas secas, ficando apenas com um cacto, capaz de sobreviver à negligência. Bulboso, com surtos de crescimento errático devido à irrigação irregular, os caroços espinhosos e disformes alertavam Willy para os riscos do casamento itinerante ao exibir as deformidades pontiagudas desenvolvidas quando a ternura é muito esporádica.
Os emblemas da ausência intermitente se tornavam pungentes nas noites em que Willy ficava sozinha. Levianamente, pegava um pacote da cesta transbordante de amendoins distribuídos nos voos da US Airways, escolhia um dos diversos xampus do Sheraton e um dos sabonetes do Hilton que havia no chuveiro e se regalava com alguma bebida do enorme estoque de miniaturas oferecidas pelas companhias aéreas. Embora ambos gostassem de ordem, quando Eric estava na estrada Willy sentia falta das camisetas suadas dele, das meias rotas e suportes atléticos canelados que secavam na haste da cortina do banheiro. Tinha saudades dos trainings umedecidos cobrindo o aquecedor sibilante, o bolor efervescente permeando o apartamento feito pão saído do forno. Adiava a hora de mexer na cama; embora a coberta branca e grande outrora convidasse apenas ao sono profundo e virtuoso do esgotamento físico, os lençóis que agora escondia se encrespavam com uma agitação mais deliciosa. Inquieta, Willy ficava no corredor e enrolava com melancolia as cordas de pular do marido em espirais perfeitas, parando para cheirar os punhos revestidos com uma proteção de material emborrachado, fedidos por causa de sua transpiração. Quando dava sorte, eles ainda estavam úmidos.
No mínimo, a presença de Eric não era intrusiva o bastante. O pelo mutante de sua sobrancelha, grudado na parede com fita adesiva, continuava a ser sua única contribuição à colagem no quarto dela: polaroides de Willy e sua raquete Davis Imperial sobre os ombros do pai, recortes de páginas de esportes dos jornais, convites para a reunião anual do Sweetspot. Ele fez objeções quanto a misturar os troféus que ela deixava sobre a cômoda com os dele. Estava satisfeito com os dois quadros anteriores a ele que alegravam a sala de estar: um pôster encantador resgatado do New Jersey Classic, de sua primeira vitória num torneio satélite, em 1990; e uma reprodução vivaz e alegre do Museu de Arte Moderna. A pintura retratava um esportista dos animados anos 1890 saltando para fora do quadro com uma bola na mão. O traje de banho com listras vermelhas e amarelas parecia um macacão de dormir e o bigode com pontas recurvadas estava fora de foco. Embora, na verdade, o atleta segurasse uma bola de vôlei, a desinibição cômica do personagem e sua exuberância despreocupada capturavam a explosão irrestrita de pura alegria que Willy associava exclusivamente à quadra de tênis.
Afora ocupar todos os espaços livres pendurando roupas de esporte para secar, Eric contribuiu na decoração do apartamento ajudando a encher a pouco convencional mesa de centro de Willy, pela qual nutria uma afeição excessiva. Ela havia colado as peças com as próprias mãos: uma caixa grande de acrílico cuja tampa tinha um furo de sete centímetros de circunferência no meio. Jogadas pelo buraco nos últimos dois anos, as bolas de tênis gastas se aglomeravam contra as laterais da caixa marrom de saibro, violeta dos frutos de Riverside ou cinza das tardes em que começava a chover e Willy não conseguia parar de jogar. Pouco a pouco, as bolas descartadas se amontoavam coloridas por trás do plástico, feito grãos de uma fotografia absurdamente ampliada.
Em suma, o espaço de Willy mal fora invadido. Eric passava mais que a metade de cada mês fora, e parte do tempo em que ele estava em casa a própria Willy estava viajando. Portanto, o estranhamento e a reaproximação de Worcester tornaram-se rotina e Willy não esperava mais reconhecer completamente o rosto de Eric assim que ele entrava pela porta. Em meio às constantes viagens de avião, ela nunca alcançou a clássica familiaridade blasé de uma esposa em relação ao semblante do marido, o que equivalia a simplesmente não enxergá-lo mais. Ao procurar um estímulo para reavivar a memória, muitas vezes descobria um aspecto novo que normalmente passaria despercebido — um fio novo saltando da sobrancelha, o primeiro sinalzinho de pés de galinha, as manchas arroxeadas em volta dos olhos, que anunciavam que pegara o último voo noturno de Houston tarde da noite a fim de, para variar, passar o dia seguinte a seu lado. Ambos se organizavam para que nada impedisse esses reencontros. No Flor de Maionese, Eric comia dois pratos de arroz frito e mais a metade do prato dela, e ambos contavam os resultados de suas incursões por lugares longínquos.
O ano de 1993 começava a se consolidar como um ano bem-sucedido, apesar de também ter sido o mais árduo para Willy. Pois para qualquer talento nato chega uma hora em que nada mais vem de graça. Willy havia saqueado sua herança na adolescência. Aos 20 anos, não podia mais depender somente do talento. Num primeiro momento, o fato de que de repente tinha de se esforçar para melhorar foi assustador, mas talvez se apoiar só na habilidade fosse uma trapaça.
Além do mais, à medida que diminuía a distância entre sua posição no ranking e o top 10, o custo de cada degrau ia aumentando. Eric explicara o cálculo: ao se aproximar de um marco, era preciso o dobro de empenho para se conquistar metade do ganho. Subir da quase 400ª posição no ranking para a 355ª depois do New Freedom já havia sido bem extenuante, mas pular do 355º para o 321º lugar no mesmo número de meses mostrou-se debilitante.
Era inevitável que a competição ficasse cada vez mais acirrada. Willy não era a única mulher no circuito doméstico determinada a participar de torneios internacionais. Do ponto de vista técnico, era possível chegar ao Kennedy Airport estando no top 500, mas do ponto de vista financeiro era proibitivo para quem estava na parte de baixo do ranking. Max se recusava a mandá-la para a Argentina só para enfrentar os torneios de classificação. Ela teria de conseguir entrar na chave principal por meio da pontuação e ser capaz de recuperar o investimento com o dinheiro do prêmio. Para que Max financiasse a viagem ao exterior, ela precisava estar no top 200. Apesar da idade, da angústia e da impaciência, Willy achava a condição justa. Max tinha razão: não era amigo dela, mas seu treinador, e era um empresário.
Enquanto Willy já não podia mais se aproveitar do “algo especial” que deixara o pai de quatro quando tinha 10 anos, Eric avançava rapidamente em seu trem da alegria genético. Seu jogo parecia se aprimorar sozinho. Pessoas cujo dom natural viceja só com a aptidão são incapazes de entender, assim como Willy não entendia durante o ensino médio, os que não conseguem desenvolver novas habilidades como se fossem unhas. Além disso, o atleta que já acabou de explorar as jazidas de seu dom tem uma atitude preguiçosa, marcada pelo progresso diligente e meticuloso, como se escalasse um penhasco sem fissuras que o ajudassem na subida; os precoces descobrem saliências no penhasco para em um único dia fazer avanços de tirar o fôlego. Era mais bonito não precisar se esforçar, e ela se preocupava com a possibilidade de Eric achar patéticos seus monótonos treinos de subida à rede que se estendiam por duas horas.
Eric apareceu em um desses treinos em Forest Hills (onde, para a consternação silenciosa de Willy, seu pai também dera um jeito de lhe arrumar um título de sócio), com a ideia excêntrica de “melhorar” o lob cruzado dele. Caminhou até a linha de fundo e acenou para Willy, pedindo que ela lhe lançasse bolas de backhand. Depois de três ou quatro movimentos experimentais que, desde o primeiro instante, mostraram seu instinto magnífico, e de acrescentar um toque de topspin, assim como um cozinheiro adiciona uma pitada de sal à comida, ele imediatamente plantou o lob no canto diametralmente oposto. A jogada lhe tomou dez minutos, não a manhã inteira, muito menos os dois anos seguintes. Eric voava nas asas da inspiração, e, em comparação, Willy deve ter parecido confinada à terra, como se ele pudesse subir em seu jatinho particular enquanto a esposa pegava o ônibus.
Consequentemente, enquanto Willy suava para subir da 355ª para a 321ª posição, nos mesmos seis meses Eric cortava caminho da 926ª para a 708ª. A aberração do Jox All-Comers não se repetiu, e, em breve, Eric receberia convites para participar de torneios melhores, cujos pontos eram mais dignos de nota, sem precisar se submeter a torneios de classificação. Embora houvesse certa suntuosidade na forma como o marido ia dominando o jogo, Willy não conseguia evitar a sensação de que seu desenvolvimento também era um pouco terrível. Ela sofria da crescente ambivalência de ver um filhotinho fofo com patas enormes e desajeitadas se tornar, em uma semana, um cão robusto, monstruoso.
Embora as partidas “casuais” entre os dois fossem cada vez mais raras, no verão de 1993 ele ainda não tinha vencido a esposa ágil e astuta. No entanto, sempre precisavam de três sets; tiebreaks eram frequentes; games chegavam a iguais. As táticas que ela era obrigada a adotar eram diabólicas. Pior ainda: passara a contar demais com os erros não forçados de Eric, que agora minguavam. Ele estava finalmente arrochando o backhand cruzado, e, quando este entrava na quadra, era impossível rebatê-lo. Francamente, ele já estava fungando no pescoço dela. Quanto mais perto Eric chegava de se tornar uma perturbação, mais crucial era para Willy protelar a derrota. Sem dúvida havia algo mais importante que seu orgulho em jogo. Pois no tênis não existe igualdade. Desde o começo do casamento as partidas de um contra o outro deixaram de ser divertidas. Quando Willy se preparava para jogar contra o marido, sentia um incômodo se formando sob as costelas, como se tivesse levado um soco.
Ela sempre se sentira à vontade em começar do zero. Graças às amarras de sua deplorável família, sobressaía mais quando menos se esperava; prosperava ao ser contrariada. O fato de que ultimamente ninguém tentava segurá-la era desestabilizador, como se quisesse arrombar uma porta trancada que de repente alguém abria do outro lado. A dificuldade estava em se concentrar: as oportunidades eram numerosas e indefinidas. Sentia falta de ter o pai como arqui-inimigo, e às vezes era acometida pela sensação de desnorteamento de uma vítima de agorafobia no meio de um estádio de futebol, ansiando por um armário.
O que explicava o torcicolo de tanto olhar para Eric por cima do ombro. Quando o objetivo é ultrapassar, a mudança é uma amiga; quando se visa proteger a posição na liderança, a mudança é intrinsecamente desagradável. Só o que podia acontecer ao primeiro lugar do ranking mundial era se tornar o segundo. Quem está no encalço de algo é otimista e destemido, nada tem a perder; quem está na liderança é naturalmente conservador e paranoico.
Um casamento não deve ser uma corrida. Isso não impedia que o fosse. “Ele é só o 708”, Willy murmurava a caminho do LaGuardia. Mas, durante o mesmo percurso de táxi, Willy calculava que Eric tinha subido 218 posições nos mesmos seis meses em que ela se arrastara para subir 34. Se continuasse assim, em dois anos Eric estaria na tevê e Willy estaria ajustando o controle vertical do aparelho.
* * *
ENQUANTO ISSO, O MARIDO espontaneamente a superava em tudo que não deveria ter relevância. Quando se refugiavam no quintal de Walnut Street, todas as ferraduras que Eric atirava derrubavam as de Willy, tirando-a do jogo. Quando jogavam sinuca em Houston Street, Willy passava a noite esfregando giz no taco. Quando jogavam boliche em Nova Jersey, as bolas de Willy caíam nas canaletas, enquanto o cartão de pontuação de Eric ficava cheio de “X”.
Portanto, em uma noite especial de junho, Willy propôs que ficassem em casa jogando palavras cruzadas, pois neste jogo sempre massacrara a irmã. Desde a primeira rodada Eric pegou todas as letras de maior valor, enquanto Willy ficou encalhada com montes de vogais.
— Estou segurando isso há meia hora — admitiu Eric quando só tinha três tijolinhos chacoalhando na sacola. — Fiquei com medo de ficar empacado — ele pôs o único “Z” no lugar. — Zwieback.
— O que é isso?
— Um tipo de torrada horrorosa… Então, são 28 pontos; acrescentando os dois bônus de “triplo valor da palavra”: 174.
— Está brincando, o quê…?
— Vezes seis, é claro. E também usei todas as sete letras, o que dá um bônus de cinquenta… — Um homem formado em matemática demorando a somar era puro sadismo: — 224.
— Você quer dizer que agora o seu total na partida é 224.
— Não, isso é só o total desta jogada.
Ela derrubou o tabuleiro da mesa de centro.
Eric não tinha terminado de arrumar com precisão absoluta as letras de zwieback; ele pôs as mãos no colo. Sua expressão de júbilo infantil demorou alguns segundos a se dissipar.
— Willy. É só um jogo.
Ela arquejava mais do que o esforço de arremessar peças de plástico merecia.
— Tem alguma coisa em que você não seja bom?
A pausa de Eric já dizia tudo.
— Idiomas — afirmou depois de um tempo.
— Já tentou aprender algum?
— Cumpri os requisitos para obter meu diploma — de bruços, procurava consoantes embaixo do sofá. — Dois anos de alemão.
— Mas você tirava “A”.
— E daí? Assisti a um monte de filmes de guerra.
A réplica serviu apenas para convencê-la de que, caso tivesse interesse em chinês ou em grego antigo, ele também teria sido um mago da filologia. Ao que parecia, só o que determinava a habilidade de Eric era sua predileção por uma área específica. Há muito tempo Willy tinha a vaga noção de que existiam pessoas assim, mas nunca imaginou que dividiria a cama com uma delas. De perto, a facilidade grotesca era tão desumana que ficou tentada a ver o marido como alguém que nascera não com algo a mais, e sim com algo a menos.
— Você preferiria — indagou ele, do chão — que eu fosse uma porcaria em palavras cruzadas?
Esta era fácil.
— Sim!
Ao olhar para cima, ele a examinou criticamente.
— Mas assim o jogo seria medíocre.
— E eu ganharia.
— Derrotando alguém que é uma porcaria? Não entendo que prazer você teria nisso.
— Seria um prazer te vencer em alguma coisa.
— Você me vence no tênis. Que é o que nós dois fazemos, ou melhor, é o que um de nós dois faz para se sustentar. — O fato de as partidas de tênis que se arrastavam até o tiebreak serem sua única opção de manter-se em pé de igualdade era um consolo pouco satisfatório. — E mesmo se eu te vencesse no tênis — ele acrescentou, talvez se lembrando do último placar, de 7-4, 4-6, 7-6 —, isso teria alguma importância?
Eric podia até ter se graduado summa cum laude, mas sua pergunta revelava uma espécie de estupidez.
— Será que você não consegue imaginar como você se sentiria caso eu me sobressaísse em tudo e não você? — implorou Willy. — Se eu fosse capaz de ler mais rápido e correr mais rápido e somar mais rápido? Se eu tivesse estudado em uma das melhores universidades do país e você tivesse entrado em uma faculdade qualquer só por causa de uma bolsa para esportes?
Uma peça havia caído pelo buraco da mesa de centro; Eric puxou a tampa para tirá-la do meio das bolas.
— Nesse caso, eu simplesmente teria orgulho de você.
— E neste caso? — perguntou ela em voz baixa. — Com uma mulher que é podre em tudo? Eric, o que você vê em mim?
— Que coisas são essas em que você é podre, Wilhelm? — Eric colocou o acrílico no lugar e se juntou a ela no sofá, passando o braço em torno de seus ombros. Willy se arqueou, as mãos espremidas entre os joelhos.
— Aquele seu computador — disse ela. — A única coisa que eu consigo nele é mensagens de erro… Não sei programar o videocassete… A conta do meu talão de cheques nunca bate… Eu nunca lembro em que ano Bill Tilden foi flagrado molestando menininhos…
— Em que anos — corrigiu Eric: não conseguia evitar. — Ele foi preso duas vezes.
— Está vendo! E só no Dia de São Nunca que eu vou conseguir fazer 224 em uma única jogada de palavras cruzadas!
Eric a beijou na testa.
— E, se um dia você conseguisse, eu iria até a janela e jogaria o tabuleiro no rio Hudson.
Era esta a concessão que ela esperava, e recompensou-o com um longo beijo.
— Estou com fome — murmurou ele. — Tem zwieback nesta casa?
De brincadeira, Willy deu uma pancadinha no peito dele, mas o golpe foi mais forte do que pretendia. Com os olhos faiscando, Eric puxou o braço esquerdo de Willy em direção às costas. Levantou seu pulso numa altura que a fez berrar mais de surpresa do que de dor. Por um instante, ela ficou indefesa. Com uma torção ela se desvencilhou, mas ele deve ter deixado que ela o fizesse. Willy deu-lhe um soco na barriga, mas o golpe foi cuidadosamente calibrado só para tirar-lhe um pouco do fôlego.
Eric avançou em cima dela e os dois se atracaram no chão. Já tinham feito isso antes. Gostavam de brigar. Sempre era ao mesmo tempo sério e não; afora um ou outro arranhão e inchaço, ninguém se machucava. Eric segurou os pulsos de Willy, prendendo as panturrilhas dela com os pés. Ela arrastou as pernas, libertando-as, e forçou os joelhos contra o peito de Eric, balançando-se para usar o peso dele a seu favor. Ao caírem de lado, Eric esticou a mão para garantir que ela não batesse a cabeça na mesa.
Os joelhos de Willy estavam contra seus cotovelos, mas os braços de Eric eram compridos o bastante para que ele conseguisse tirar-lhe a blusa. Willy usou as mãos, que estavam livres, para agarrar as laterais da camiseta dele e, quando ele a derrubou de novo, ela o segurou. Como planejara, Eric só podia escapar se deixasse que ela tirasse sua camiseta. Mais um jogo familiar: quem conseguiria tirar as roupas do outro primeiro, e agora que Eric estava de torso nu Willy já estava na frente. Uma mistura divertida e incansável de luta profissional e strip poker, a brincadeira nunca descambava para simulação de estupro.
Num piscar de olhos, Eric estava de pé, com as mãos na bainha das calças de Willy, ela com as costas e a cabeça no chão. O jeans era tão justo que na hora de tirá-lo Eric começou a arrastá-la pelo tapete feito uma carreta puxando o arado. A tração difícil devia-se a algumas peças de palavras cruzadas patinando sob as costas nuas de Willy. Embora mais tarde provavelmente seus ombros fossem ostentar queimaduras por causa do tapete, ela gargalhava. Cair na risada era fatal, e no fim das contas apenas o fato de Eric não estar de cueca a mantinha na liderança, com uma peça de roupa de vantagem.
Ofegantes, suados e só de meias, a luta chegou ao fim numa agarração imóvel, tensa, com um de frente para o outro, ambos fazendo força. Willy sentia que ele estava duro sob sua barriga. Por um instante, contudo, o resto do corpo de Eric relaxou, e ela aproveitou para lhe arrancar a meia. Ela balançou a peça, triunfante, diante dos olhos do marido.
— Sua vaca — Eric disse com carinho. Nesta disputa, ambos saíram vitoriosos. — Coloca o diafragma — recomendou.
Um minuto depois, quando ela saiu do banheiro, Eric ainda estava deitado no chão da sala de estar, que evidentemente preferia à cama. Willy se esparramou no peito dele e se deram as mãos. Eric tentou forçar os pulsos de Willy para trás; ela resistiu. Ele fez mais pressão; ela ficou firme.
— Nossa, você é forte — disse ele com admiração, apesar de olhar para além da curva dos braços dela, como se os músculos de verdade não tivessem importância.
Mas Willy não gostava deste duelo em que ele fazia sua vontade. Na hora que quisesse, ele poderia torcer seus pulsos e fazê-la admitir sua derrota. Enquanto isso, ela tentava com todas as forças, mas os pulsos dele não mexiam nem um milímetro. Com as mãos tremendo, ela correu os olhos pelo torso esguio, maravilhosamente proporcional do marido. Claro que ele não seria grande coisa como homem se não fosse o mais forte. Ainda assim, não era justo. Willy assumiria a liderança em qualquer briga ruidosa, mas este empate era um fingimento, e ela relaxou as mãos.
Eric deslizou o pau para dentro dela, mas a batalha ainda não estava encerrada. Ao longo dos vinte minutos seguintes, eles jogaram Quem Está Por Cima, outra luta em que até o perdedor saía ganhando. Quando passaram a rolar de um lado para o outro com ainda mais energia, Eric usou a superioridade de sua força. Quando terminaram — com Willy embaixo — ela se levantou, cambaleante, para recolher suas roupas, num estado de total esgotamento, passando as mãos pelas costas dela para tirar as peças de palavras cruzadas que tinham ficado grudadas. Willy jamais admitiria, mas depois de toda aquela brincadeira abrutalhada continuava meio aborrecida com os 224 pontos.