Onze

— O TÊNIS PARA VOCÊ — BRADOU Max, a voz ecoava na quadra fechada e vazia — não é um esporte para ficar assistindo da arquibancada.

— Eu não teria chegado na bola — contestou Willy.

— Não, plantada na linha de fundo que nem um arbusto de azálea. Você está desperdiçando o meu tempo. Você veio aqui para quê? Fazer compras de Natal?

Aqueles poucos dias eram uma janela de oportunidade — o semestre encerrado, os alunos em casa para as festas, Max disponível. Durante o ano anterior Willy passara menos dias no Sweetspot do que desde que ela e Max se conheceram. O treinador se tornara indiferente. Ao se casar, ela havia se descartado.

— Podemos sair para jantar? — implorou ela junto ao poste da rede.

Ele a encarou e deu a impressão de ter detectado algo de estranho.

— Essa porcaria aqui está fechada. Então as opções são o Boot of the Med ou um sanduíche na minha casa. Mas a sra. Undershorts pode ficar nervosa com isso.

— Já te falei, eu mantive meu sobrenome.

— Hoje, só o que interessa é o que você manteve.

— Max, meu ano foi bom.

— É isso que eu não entendo. Você deveria estar preparada para o circuito mundial dentro de seis meses. Com a minha bênção, para não mencionar o meu dinheiro. Então, por que você fica tremendo no fundo da quadra feito gelatina?

Ela guardou a explicação para a hora do vinho, de que precisava mais do que nunca.

— Você não se sente sozinho nesta época do ano? — perguntou educadamente enquanto pisavam o gramado coberto de neve. — Você deve sentir saudade da família.

— Já te contei sobre minha família. Você esqueceu.

Willy enrubesceu.

— Agora eu estou me lembrando.

O bate-papo dos que terminam uma relação tende a flutuar e se dispersar como um monte de plumas.

— Meus parentes me detestam. O mundo todo adora uma pessoa vitoriosa, menos sua própria família. Você devia saber disso.

— Eles iriam gostar mais de nós se fracassássemos?

— Não, as únicas opções são eles rangerem os dentes por causa do seu sucesso ou a pena maliciosa por causa da sua derrocada. Pode escolher.

— Você não acredita muito na humanidade, não é?

— Eu sempre acreditei muito em você.

Era tão raro Max falar de coração que Willy deu uma olhada nele para se certificar de que não estava sendo sarcástico.

* * *

NO BOOT OF THE Med, Willy detalhou lance por lance a partida de aniversário de casamento ocorrida no dia anterior.

— Só isso? Ele é homem, Will. É incrível que você tenha conseguido adiar a vitória dele por tanto tempo.

— Você sempre diz que não é coincidência que as pessoas que dão desculpas são exatamente as que precisam delas.

— Ele é uns trinta centímetros mais alto que você! E o Oberdork jamais teria chance no circuito se não fosse capaz de bater uma menina. Você devia estar aliviada por ele.

Willy enrolou o espaguete no garfo. Quando um fio estava enrolado, os outros caíam.

— Outros homens já ganharam de você — cutucou Max, amassando seu espaguete até ficar do tamanho de larvas. — E você não apareceu no dia seguinte segurando a raquete que nem um peixe morto e ficou olhando eu bater bola com um par de binóculos.

— É diferente.

— Você achou que outros parceiros de treinos podiam te vencer, mas não seu próprio marido. Cuja virilidade eu presumo que você tenha experimentado em primeira mão.

— Eu sei que uma hora ele me venceria, mas a dinâmica… — Willy mergulhou um mexilhão no molho marinara. — Me dar uma sova deu tanta satisfação a ele.

— Você não curtia derrotá-lo?

— Na verdade, não. Ganhar só me enchia de maus pressentimentos. Eu me sentia na obrigação de manter o ritmo, e eu sabia que isso não era possível. Ontem ele tentou tanto, Max… ele me magoou.

Max a examinou com a expressão preocupada e analítica de um médico que recebera resultados desconcertantes do laboratório.

— Talvez vocês não devam mais jogar juntos.

— Você bem que gostaria, não é? — retrucou ela.

— Eu gostaria sim — avaliou ele —, se isso significar que seu jogo de tênis não vai ser completamente estragado, que você não vai ficar ressentida e envergonhada só porque não conseguiu vencer um troféu doméstico e pessoal que não pagaria nem dez centavos a cada um de vocês, nem se você ganhasse. O que não vai acontecer. É raro eu recomendar que você se resigne diante de algum obstáculo, mas dessa vez é melhor. Se concentrar em ser capaz de derrotar um doberman é como se propor como meta de longo prazo a desenvolver um pau.

* * *

OS DESGASTANTES FESTEJOS FAMILIARES estavam concluídos. Por ironia, Willy comprou para Eric um exemplar de Aprenda tênis em um fim de semana, e Eric deu à esposa uma corda de pular. Entre o Natal e o Ano-Novo, os montes de parceiros de tênis de ambos haviam deixado a cidade, e Willy só voltaria ao Sweetspot depois do Réveillon. A única opção de um era o outro. Pouco tempo antes, Willy não conseguiria imaginar maldição mais agradável; agora, se preparava para ir ao Jordan como quem vai para a forca.

Em quadra, Eric parecia preocupado; sua testa franzia ao beijar as têmporas da mulher. Seria a última vez que veria esse caráter solícito durante aquele período, pois, assim que ele pusesse os pés na linha de fundo, se transformaria. Willy disse a si mesma que não devia se ressentir disso, que aquele Eric alternativo era o que ganhava torneios, e que, sem um Hyde, aquele Jekyll e sua generosidade natural se destruiriam no circuito profissional.

Entretanto, era inquietante encará-lo e ver sua boca entortada pela avidez. A maneira como ele se inclinava e balançava como se estivesse amarrado indicava que a rede estava esticada entre os dois para sua própria proteção. Desta vez, ele deixou que ela se aquecesse o tempo que quisesse.

No decorrer do primeiro set, uma sensação totalmente inédita começou a rosnar em seu intestino: uma desconfiança similar à náusea. Mesmo quando lances fáceis vinham em sua direção ao longo da troca de bolas, antes do impacto ela era arrebatada pelo receio: Como foi que rebati esses lances em todas as outras vezes? Não consigo lembrar! A hesitação infinitesimal quase sempre fazia com que a bola caísse longe demais. Em 0-5, ela já estava questionando todos os seus instintos, e por isso começou a jogar de forma mais prudente, arremessando os lobs, investindo nos voleios e optando por lances garantidos e fracos que aterrissavam bem no meio da quadra de forma tão subserviente ao estilo “por favor, deixe eu te ajudar a ganhar o dia”, que daria na mesma se ela tirasse a roupa. Já estava tão engajada na própria desgraça no fim de sua derrota no primeiro set, que o segundo tomou ares de um banquete de autodepreciação, numa farra bulímica.

Eric tratava as rebatidas débeis e rasas dela do modo abusivo que mereciam. Recém-cortado, seu cabelo reluzia como fogo negro. Willy repetia para si mesma que o instinto homicida fazia parte da natureza dele; que pedir a Eric que desistisse de massacrá-la era inútil, jogadas fáceis por compaixão eram tão absurdas quanto botar um antílope ferido diante de um leão e esperar que a fera virasse a cara. No entanto, olhava para o outro lado da rede e ficava confusa porque o homem com quem se casara era agora a causa de sua degradação. Quando a última cruzada estonteante de Eric passou zunindo ao largo de seu backhand, Willy ficou devastada demais para levantar a raquete.

À medida que a onda de adrenalina passava, o cabelo de Eric grudava em sua cabeça. Entretanto, enquanto as garras dele se retraíram e as pupilas voltaram ao tamanho normal, os dois zeros em sets sucessivos continuavam a encará-la com olhos arregalados e críticos.

— Ei — Eric tocou no braço dela e Willy recuou como se fosse brasa. — Assim não me parece muito bom. Você faz com que eu me sinta um brutamontes.

— Você conseguiu o que queria — acusou ela. — A magia de Willy nas quadras se revelou uma ilusão. Fui desmascarada, da mesma forma que aconteceu com todas as outras pessoas que te enfrentaram. Mais uma parceira de treino descartável, totalmente desgastada. Que nem uma caixa de Kleenex.

— Não se pode ganhar o tempo todo — Eric disse bruscamente. — Faz parte do jogo. Veja isso como… — ele pareceu estar medindo as palavras, e remendou — …como um bom jogo.

Willy abaixou a cabeça.

— Me desculpe. Fui infantil. Você jogou muitíssimo bem. Queria poder ter te oferecido uma partida melhor.

— Então você teve um dia ruim — Eric levantou-lhe o queixo. — Mas, da próxima vez, vamos só trocar bolas. Treinar umas jogadas. A gente pode se ajudar. Nada de partidas, por um tempo.

Ambos sabiam o que ele queria dizer: para sempre. Ambos sabiam também que uma simples troca de bolas era passível de acabar em agressão, que não estariam completamente desassociados da vitória e do fracasso, os bons lances e as bolas fracas, e, em consequência disso, os dois se veriam estranhamente ocupados nas semanas seguintes, impossibilitados de encontrar tempo para jogar juntos. Em fevereiro, teriam torneios para participar em estados diferentes… Quando não se sentia mais desafiado, Eric ficava entediado, e Willy não suportava a ideia de ser vista como maçante na quadra de tênis. Angustiada, certamente se recusaria a comparecer à festa de Réveillon dos Oberdorf naquela noite, arrastando-se até a cama, entristecida, antes da virada do ano.

— Então, é o seguinte — resumiu Willy em voz baixa. — Resoluções para 1994: não podemos jogar palavras cruzadas, nem ferradura, nem sinuca, nem ir ao boliche. Não podemos nem mesmo pular corda na mesma quadra de squash. E agora não podemos jogar tênis. O que nós vamos fazer juntos além de foder?

— Poderia ser pior — Eric apoiou a cabeça de Willy em seu peito, e ela chorou.

Para o desalento de Eric, Willy fez as malas para voltar ao Sweetspot no segundo dia de janeiro.

— Você está levando dez sutiãs de corrida — ele observou, mexendo na mala. — Quanto tempo você vai ficar?

— Talvez duas semanas — ela declarou em tom casual, empilhando camisetas. — Os funcionários da lavanderia da escola ainda não vão estar lá, então…

Eric franziu o rosto, preparando-se para enfrentar os ares de um inverno frio e cheio de ventanias.

— É bastante tempo — disse ele, depois de se calar por um momento. — Esta é a única época do ano…

— Esta é a única época do ano em que posso ter o Sweetspot todo para mim, e o Max também.

— Então não vai ter mais ninguém por lá? Só você e o Upchuck, alongando suas coxas, comendo em restaurantes mal iluminados?

— Imagino que a Marcella também esteja lá — observou ela, caminhando a passos largos até o closet. — Ela nunca perde uma chance de cair nas boas graças do Max.

— Por que você está levando esse vestido vermelho?

— Eric, não posso usar moletom o dia inteiro.

— Você usa quando está comigo.

Willy suspirou e jogou a seda vermelha na cama.

— Você se sentiria melhor se eu deixasse o vestido?

— Leva, eu não vou usá-lo — apesar do tom rude, Eric arrumou a seda amarrotada sobre a colcha com um jeito carinhoso, esticando vincos, tirando fiapos. — Pensei que você não competiria mais com a Marcella pelo posto de queridinha do Upchuck.

— Não preciso. O jogo dela é repugnante. Ela só vence porque enlouquece as adversárias e elas ficam tentadas a tomar alguma atitude impensada simplesmente para fazê-la parar de mandar bolas leves. Max prefere provocações e drives a atritos idiotas.

— Mas, Willy, duas semanas!

— Você viu meu jogo ontem. Está doente. Preciso de um médico.

— Então quem sabe — propôs ele, acanhado — eu não possa ir contigo.

Willy se alvoroçou, embalando um par de tênis num saco. O plástico fazia um ruído constante que encobria a fala dele.

— Wilhelm?

Meias.

— Não é uma boa ideia.

— Mas por quê…?

— Preciso me concentrar. Os próximos seis meses…

— Você quer ficar longe de mim, não é?

O comentário não combinava muito com ele. Eric era ótimo em não mexer em casa de marimbondo e, em geral, levava todas as explicações de Willy ao pé da letra. Não gostava de problemas. Esperava que o casamento fervesse, chiando no fogão, e, quando situações como jogar palavras cruzadas e pular corda e, agora, até jogar tênis entornavam o caldo, a solução dele era evitá-las. Para Eric a observação tinha sido um ato de coragem, e, em troca, ela deveria recompensá-lo com a honestidade.

— Quero sim. Por enquanto. Desde o nosso aniversário… ando perturbada. Você está fazendo muito mal ao meu jogo.

— Eu te conheço, Whilhelm. É a mesma coisa que dizer que estou fazendo muito mal a você.

— Querido, eu só preciso organizar as ideias — ela esticou a mão para tocar em um fio comprido da sobrancelha dele e ajeitá-la contra seu rosto.

Eric insistiu em levá-la até Penn Station, e, ao acenar da plataforma, não parecia elegante e firme, mas esquelético, para variar. Tufos de cabelo cortado caíam sobre as entradas de sua testa, em cachos solitários, desanimados. Ela precisou reunir todas as forças para não arrastá-lo porta adentro, pôr os braços em volta dele e sussurrar com veemência que fora uma completa idiota, que o tempo que teriam juntos era precioso demais para desperdiçarem e que era óbvio que ele tinha de acompanhá-la. Uma a uma, apagaria as rugas de preocupação de sua testa com as pontas dos dedos e se desculparia porque agora ele não tinha bagagem, mas poderiam comprar uma escova de dentes e uma ou duas camisetas em Old Saybrook. Eles iriam se esparramar numa cabine do trem e estenderiam os pés sobre os bancos de frente, a fim de repelir estranhos, e fariam as palavras cruzadas do Times juntos. Ela admiraria a memória dele para os generais da Guerra de Secessão, uma das mãos rabiscando e a outra pousada na coxa do marido, para confortá-lo, ao longo da viagem.

No entanto, as extremidades de borracha da porta do trem se beijaram e Willy ficou exilada no vagão superaquecido. Correu para a janela e acenou para Eric, embora provavelmente o reflexo das luzes da estação deva ter ocultado sua mão. Quando o trem se aproximou do túnel, ela espremeu o rosto contra o vidro gelado e a condensação de seu hálito enevoou o último vislumbre do marido, que arrastava os pés em direção à escada rolante. Sua postura tinha uma pobreza incomum. O vagão escureceu, e, por um instante, Willy temeu a escuridão — uma espécie de escuridão adulta. Quando as luzes se acenderam hesitantemente, ela abriu o New York Times com indiferença na página das palavras cruzadas. Incapaz de solucionar imediatamente a primeira na vertical, fechou os olhos, afundou em sua independência cinzenta e pôs o jornal dobrado sobre o rosto.

* * *

A IDEIA ORIGINAL DE Willy era voltar aos velhos tempos, ela e Max contra o mundo. Mas, apesar das longas sessões que faziam para aprimorar seus golpes, as noites pareciam vazias. Quando saía para jantar com Max, a tagarela da Marcella Foussard muitas vezes ia junto. Mesmo depois que Marcella foi embora para um spa, as noites deles eram espaçosas, feito um casaco grande demais; as horas se passavam entre um lado e outro do jantar como mangas afastadas de suas mãos. Ao se preparar para dormir, os rituais de Willy eram rápidos demais, e ela era incomodada pela sensação de que se esquecera de alguma coisa.

Seu jogo, após tremores e suores como quem se livra de uma gripe, realmente retomou a segurança muscular. Mas, quando conseguia que uma passada veloz alcançasse uma das linhas laterais, Willy virava a cabeça como quem vai dizer “Você viu essa?”, mas não havia ninguém.

Com Max, muitas vezes não tinha assunto. Vez por outra recorriam a atualidades; por mais sincera que fosse a decepção de Willy quanto ao desastre da liderança de Hillary Clinton na reforma do sistema de saúde, papos de jornal entre amigos de longa data pareciam um ato desesperado. Dez dias após sua chegada, depois de um longo silêncio diante de um prato de lula cozida, Max enfim se aventurou:

— Como vocês estão se dando?

— A gente conseguiu não se esganar.

— Não sabia que a situação era tão ruim assim.

— Entre mim e a Marcella?

— Entre você e Underwood.

— Ah, meu Deus, não. Eric está indo muito bem — a voz de Willy ganhou uma cadência alegre. — Nas quartas do Mennon, em Detroit? Ele perdeu o primeiro set, estava em 1-5 no segundo. Mas você conhece o Eric, o Garoto da Reviravolta…

— Para falar a verdade, eu não conheço o Eric.

— E quem leva a culpa?

— Ninguém. Não tenho interesse no cara.

— Tenho muito orgulho dele — declamou ela, no tom monótono de quem recita a tabuada.

— Repito: como vocês estão se dando? Ainda estão passando por problemas?

— Eu não disse que estávamos passando por problemas.

— Não com todas as palavras.

* * *

PERTO DO FIM DE sua estada, Max jogou a própria raquete no chão, enfastiado.

— Não quero ouvir mais nem um pio!

— Do que você está falando?

Tudo que eu te digo, é “Eric não faz desse jeito” ou “Este é um dos lances preferidos do Eric” ou “Eric detesta quando eu…” Pare de pensar no Underfuck!

— Não estou pensando!

— Escute o que você está falando, mulher! Porque eu só quero ouvir você falando de como você bate na bola, quais são os seus golpes preferidos, quais hábitos ruins deixam você louca de raiva.

Subitamente consciente, Willy ficou chocada ao descobrir a frequência com que se continha para não descrever o underspin de Eric. No jantar, absteve-se de mencionar que Eric teria devorado a massa que estava comendo. E, no final da noite, pediu licença para se recolher, sem dar nome aos bois, com a frase “Preciso dar um telefonema”. Eliminar Eric de sua fala exigia constante vigilância e autocontrole. Antes de se casar, Willy vivia em um mundo cuja população era 1,5 — Max era o 0,5 e ao resumi-lo a uma extensão parcial e diminuta da própria ambição cortou pela raiz o romance entre os dois. Portanto, talvez a novidade de haver outra pessoa no universo dela ainda não tivesse esfriado. Em todo caso, tendo ou não acenado da plataforma, o marido acompanhara Willy até o Sweetspot, no final das contas.

* * *

TINHA ANSIADO TANTO POR revê-lo. No trem, sua cabeça estava a tal ponto infestada de imagens do reencontro agradável e tórrido, que Willy teve de reler a mesma página do romance que tinha nas mãos cerca de vinte vezes antes de deixá-lo de lado e ficar olhando pela janela, saudosa, mesmo ao atravessar o extenso túnel negro até Penn. Mas, quando atravessou a porta, Eric mal ergueu os olhos. Com o cotovelo apoiado no Livro de normas da ATP aberto, preenchia formulários que saíam pela impressora a jato de tinta. Não disse nem oi.

— O promotor de um torneio — murmurou ele em vez da saudação, alinhando a folha. — Bob Evanston? Viu nossa partida de aniversário. Parece que ficou impressionado.

— Com certeza não ficou impressionado comigo.

— Não ficou — ao levantar a cabeça, Eric parecia cansado e irritado com a diplomacia obrigatória. — Quero dizer, podia muito bem ter ficado, mas não fez nenhuma menção a isso. A questão é que tem um torneio pequeno da ATP em fevereiro, no Madison Square Garden. Eles botaram o Hans Sörle na cabeça de chave. Mas na última hora tiveram alguns cancelamentos, lesões. Evanston me ofereceu um convite especial para participar de um torneio.

— Sörle… ele está em… sei lá, 12º lugar, não é?

— Décimo. Ele está na porra do top 10.

Willy largou a bagagem.

— Quantos na chave?

— Trinta e dois. Em Nova York; despesas irrisórias.

— Desde quando você se preocupa com as despesas?

— Eu trabalho dentro de um certo orçamento, Willy.

— Mas como foi que você entrou numa chave de 32?

Eric respirou fundo.

— É uma espécie de torneio decorativo… como Mahwah, só que com alguns pontos em jogo. Para a plateia se sentir recompensada pelo dinheiro que pagou, é melhor de cinco sets. O agente do Sörle está tentando atrair patrocinadores; Sörle está caindo. E Evanston gostou do drama de ter um rival com uma classificação baixa no ranking. Falou que eu tenho de vencer só uma partida para recompensar como entretenimento. Essa é a oportunidade que eu estava esperando, Willy. Ficar rastejando de satélite em satélite é coisa de idiotas.

— Idiotas como eu.

— O fato de você ter chegado tão longe participando de torneios de segunda categoria obviamente conta a seu favor. — Ter de elogiá-la parecia uma provação. — Mas satélites são puro esforço. É mais eficaz derrotar um tenista do topo do ranking. Jesus, isso dá pontos feito um caça-níqueis cuspindo moedinhas, Willy. O problema é chegar a esses filhos da mãe. Agora o top 10 está ao alcance das mãos.

— Como assim? Você acha que vai derrotar Hans Sörle?

— Por que não?

Willy deu de ombros e arrastou a mala até o quarto.

— Imagino que você vai acabar descobrindo.

* * *

ATÉ ALI, ERIC EXALAVA uma calma sedutora no que dizia respeito aos torneios vindouros, o que devia tê-lo ajudado a vencer adversários que passavam a noite anterior se revirando na cama. Ao longo de seis semanas, a serenidade desapareceu. Tinha dificuldades para dormir e Willy acordava e o encontrava com os pés presos no estrado da cama, se dobrando em abdominais curtos, desesperados. Antes uma lixeira humana, agora ele era seletivo e supersticioso quanto à própria dieta. Nunca sugeria treinos com a humilde esposa; para o período anterior ao Madison Square Garden, Eric escolheu parceiros de treino com o mesmo cuidado melindroso com que inspecionava as bistecas do D’Agostino em busca de qualquer indício de gordura.

Quando Willy partiu do LaGuardia para seu primeiro torneio inaugural de 1994, um com quadras de Har-Tru* em ginásio coberto, em Chicago, ficou aliviada por escapar da presunção que turvava o ar no apartamento dos dois e que ficava presa em sua garganta. Eric estava com muita esperança, uma coisa pela qual Willy sentia uma desaprovação genética. Mas ela já tinha recebido seu quinhão de pancadas, e talvez estivesse na hora de Eric levar uma rasteira. Faria com que ele continuasse humano.

Ao retornar de Chicago, Eric já tinha jogado sua primeira partida indoor do ano, em Paterson, Nova Jersey. O fato de o ranking dela agora ser 265 pareceu uma façanha boba quando Eric anunciou que a partir de Paterson ele entrara no top 400. Este era o plano, é claro, mas Willy estava meio cansada de tudo cooperar para que o projeto de Eric se realizasse. Onde estavam os famosos ossos do ofício que caracterizavam a vida de todo mundo? Além disso, ele provocava a mesma ilusão ótica de quando ela ia a Westbrook e seu trem viajava ao lado de outro Amtrak que seguia na mesma direção. Se o trem adjacente começava a andar mais rápido, causava a impressão de que seu trem estava andando para trás.

O grupo de competidores do Garden era heterogêneo, mas Eric era o maior azarão do páreo. Havia vários outros jogadores no top 75, contudo, e todos dariam muitos pontos computados de bônus a Eric se ele por acaso os ultrapassasse. Quando foi sorteado para enfrentar um deles na primeira rodada — o 54º do ranking —, Willy se compadeceu pelo fato de ser uma falta de sorte enfrentar um adversário tão difícil logo no início, o que poderia impedi-lo de jogar contra Sörle. O marido se desvencilhou de suas mãos consoladoras.

— Não seja ridícula — disse. — É uma grande sorte. Derrotar o 54º vai me dar pontos desde o começo.

— Mas você nunca jogou contra alguém do top 100. Você não tem ideia de quanto eles são bons.

— Willy, são só tenistas. Você às vezes dá a impressão de ser esperta, mas ainda acredita nessa porcaria de aura. Um arrivista carcamano chega ao topo do ranking e você é tomada por uma admiração messiânica. Você acha que jogar contra o 54º é alguma honra. Bom, dane-se. Eles são iguais a nós. Aonde você acha que a gente vai chegar? Ele devia se sentir honrado por jogar contra mim.

Willy deu um passo para trás: sempre que Eric se gabava desse jeito ela ficava dividida entre a admiração e o horror.

— Um pouquinho de humildade lhe faria bem, Eric. O orgulho…

— Um pouquinho de humildade é um veneno. Qual você acha que é o sentido desse jogo? É você quem alega que eu me concentro demais na técnica, e sempre frisa que o que torna o tênis fascinante é a personalidade. Você diz que a diferença entre os tenistas não está nos forehands e sim na cabeça deles. Tudo bem… você tem razão. Portanto, a última coisa que eu vou fazer é tremer nas bases quando entrar no Garden e falar com um sorriso abobado: “Obrigado, sr. Cinquenta e Quatro, por se curvar para me jogar a bola.”

Se a arrogância de Eric era magnífica ou detestável não tinha importância. A questão era que funcionava. Ele conquistou seus pontos de bônus, podendo dispensar alguns jogos. O fato de que o 498º desnorteou o 54º causou uma onda de curiosidade na plateia. Estava claro que o marido de Willy tinha dado mais uma demonstração de tirar o fôlego. Pois o Eric Oberdorf que competia no Garden não era o mesmo atleta promissor mas ainda cheio de arestas a aparar com quem ela recentemente estivera em pé de igualdade. Não, esse Eric ela não se atreveria a desafiar.

Nas oitavas de final, ele fez picadinho do 87º em três sets consecutivos. As quartas foram até o quarto set, a semi até o quinto. Enquanto isso, Willy mal via o marido. Entre uma rodada e outra, ele treinava; depois das vitórias era levado pelo braço do bizarro Bob Evanston a jantares de comemoração. Ela poderia tê-lo acompanhado, mas as dores de cabeça eram genuínas. Só quando Eric entrava sorrateiramente à 1 hora da madrugada Willy punha as mãos no marido e, mesmo então, era exclusivamente em suas partes públicas.

Na noite seguinte à semi, Eric tirou o roupão e se enfiou sob os lençóis, onde Willy estava deitada, ainda acordada. Ela se virou e alisou seu tórax, fazendo cócegas na penugem de seu peito. Quando as pontas dos dedos de Willy roçaram seu mamilo esquerdo, Eric segurou-lhe a mão, apertando-a sobre a clavícula. Ela se desvencilhou e passou a palma da mão pela barriga dele, cujos músculos ficaram tensos ao seu toque.

— Willy — sussurrou ele. — Eu tenho que dormir.

— Uma hora ou outra — disse ela com malícia, descendo para fechar as mãos em volta de seu escroto, girando as glândulas feito bolas de gude em um saquinho. — Tem jeito melhor de cair no sono? Você sempre diz que dorme melhor depois, não é?

— Querida — censurou Eric. — Amanhã eu jogo contra o Sörle.

— A final é amanhã de noite. Você pode dormir até a hora que quiser — à medida que seus dedos percorriam o mastro, ele inflava como se enchido por uma bomba de bicicleta.

Eric agarrou-lhe pelo pulso e arrancou a mão de sua virilha.

— Para com isso! Chega!

Willy recuou, encolhendo-se como uma anêmona ao ser cutucada.

— Você nem sequer me beijou desde que esse torneio começou — murmurou ela, os joelhos apertados contra os seios. — E faz semanas que a gente não faz amor, desde antes de eu ir embora para o Sweetspot. O que há? Eu fiz alguma coisa? Você ainda está bravo porque eu viajei em janeiro? Você conheceu alguém enquanto eu estava fora?

Eric se deitou de costas e o suspiro controlado que soltou sugeriu que dentre outras coisas ele não estava com ânimo para riscar cada um dos itens daquela lista de inseguranças.

— Eu sei que ando distraído. Mas não acho que a gente deve transar antes da final.

Willy levantou a cabeça.

— Você acredita nessa porcaria? — perguntou, abismada. — Que você não pode deixar que seu precioso elixir de virilidade esgote suas forças?

Eric se apoiou nos cotovelos.

— Eu sei que provavelmente é uma história dos tempos da vovozinha…

— Melhor acreditar nos médicos! Eles dizem que sexo faz bem, que energia!

— Mas se há a mínima chance de que isso seja verdade… — Eric apelou. — Quem sabe as vovozinhas sabiam das coisas, e se isso faz alguma diferença…

— A vovozinha sempre fazia o que podia para se livrar da trepada — Willy se levantou da cama, arrancando a colcha de cima, e com ela fez uma capa sobre os ombros. — Mas caso isso faça alguma diferença, você pode dormir sozinho. Não quero me virar na cama e sem querer perturbar o descanso de Vossa Majestade.

Ela saiu do quarto arrastando a colcha. Eric pisou na coberta e disse:

— Para de ser infantil e volta para a cama.

Eu, infantil? Você ouve uma superstição estúpida quando tem 7 anos e até hoje acredita nela.

— Eu sei que provavelmente é besteira, mas se pelo menos você pudesse tolerar um pouco…

— Eu tenho tolerado muito. Se isso te conforta, agora eu não deixaria você encostar nem um dedo em mim nem se estivesse com uma faca na minha garganta. Boa noite — ela puxou a colcha de sob seus pés e deixou Eric estatelado no corredor.

— Willy, caramba, você podia ter me machucado!

— Ah, que tragédia, cair com sua bunda milionária no chão — Willy andou sem pressa até o sofá.

Eric se recompôs e ficou parado, incerto sob o luar enevoado da janela do quarto. Seu pau se encolhera no frio, transformando-se em um nó desencantado de cartilagem azulada. Willy se acomodou no sofá. Movendo-se hesitantemente no corredor, Eric estava claramente dividido entre persuadi-la a ir para a cama, conversar sobre a questão e, sem dúvida nenhuma, trepar, para se reconciliarem, ou deixá-la com sua raiva e ao menos ter uma boa noite de sono antes de sua primeira partida contra um top 10. A indecisão durou poucos segundos. Não havia muito o que debater.

* * *

COMO SE O SUCESSO num esporte lucrativo já não fosse bom o bastante, os profissionais dos mais altos escalões muitas vezes contavam, em momentos de crise, com a “vitória pela reputação”. Não era inédito um zé-ninguém como Eric explodir nas primeiras rodadas e depois decepcionar contra um dos jogadores consagrados do top 10, que podia muito bem estar em má forma e pronto para uma derrota. No entanto, a aura que cercava o ungido podia cegar o rival para a oportunidade que tinha nas mãos. Participar de uma hierarquia esportiva geralmente era endossá-la: ninguém queria subir uma escada cujos degraus eram diáfanos. No sangue suado para conquistá-los, os jogadores precisavam enxergar os pontos computados como um fardo, e, portanto, considerar os Eleitos pessoas abençoadas. Subalternos muitas vezes perdiam partidas de propósito em condescendência não só com a elite como também com o status quo, o que era melhor do que bagunçar a aritmética meticulosa do esporte. Ao se submeter à escada, a maioria dos tenistas acreditava nela, e era capaz de sacrificar a própria glória em nome da grande glória do universo organizado.

Eric não tinha tais escrúpulos. Não acreditava exatamente no tênis: tratava-se de um meio para a própria beatificação. Admitia sem rodeios para Willy que, diferentemente da esposa, ele não venerava o jogo. Aconteceu de ser bom no tênis; o que Eric venerava era aquilo em que ele era bom. A única religião de Eric era Eric. Era isso o que Willy achava magnífico e era isso o que Willy achava repugnante. O estalo ambivalente entre um polo e outro havia gerado a própria eletricidade de sua paixão; talvez Willy amasse o marido porque nunca conseguia decidir se o suportava.

E se Eric nem sequer honrava o deus absoluto do tênis, o esporte, menos ainda reverenciava sua manifestação mundana na forma do ranking da ATP. A última coisa de que sofreria era de excesso de respeito. Eric não ligava para tenistas em geral, e ficaria satisfeito em dinamitar o mito do top 10, relegando-o à vida após a morte. Pois embora a Associação produzisse muitos megalomaníacos, dobrar-se diante da “reputação” era, no fundo, um fracasso da vaidade.

Se Hans Sörle contava com um adversário empacado pelas inseguranças depois de Eric ganhar o primeiro set por 6-4, Sörle não fizera o dever de casa. O rosto de Eric não traía nenhum espasmo de incredulidade. Ao manter o serviço no decorrer de boa parte do segundo set, os olhos do tal garoto chamado Oberdorf não brilhavam de nervosismo diante da plateia: o jogador que surgira do nada em momento algum se beliscou para verificar se não estava sonhando. E mesmo quando o novato de ranking 400 e alguma coisa foi posto em seu devido lugar, em 7-5, seus ombros não se curvaram em pose de “eu sabia que isso não iria durar”. O maxilar ficara um pouco mais quadrado, só isso.

Willy se empertigava na primeira fila, enquanto Alma Oberdorf lhe dava pancadinhas na mão. Entre os pais angustiados do impressionante azarão, os três irmãos de Eric estavam sentados por ordem de nascimento e em posição de sentido, todos com peles rosadas, topetes molhados e cabelos recém-cortados. A etiqueta que pendia da manga de Robert denunciava que os casacos coloridos haviam sido comprados para o evento. Alma dobrou a gola do filho. Robert se contorceu e puxou o colarinho até o queixo como se fosse um valentão.

Axel se esticou para dar um tapa no cocuruto do menino de 12 anos.

— Quieto! — os três endireitaram a coluna.

Com o placar empatado, a cabeça de Willy voltou à época anterior ao casamento, quando observava o namorado jogar tênis. Era óbvio que o admirava; e Willy sendo Willy, não tinha se encantado apenas pelo sorriso torto ou pela reivindicação corajosa de todas as noites que ela tinha disponíveis. Algo em seu jogo havia captado sua atenção. Porém, nos velhos tempos, sua admiração não parecia lhe custar tanto. Ao escolher amá-lo, deleitara-se com a própria criação. Era quase como se o tivesse inventado.

Mas, no Garden, Willy não poderia ter desdito suas lisonjas nem se tentasse. Aquele amor era indefeso, era sugado de dentro dela num piscar de olhos. Eric não vicejava mais sob seu olhar benevolente como se fosse sua obra artística, mas brilhava sob os holofotes radiantes com uma claridade tão forte, distante, que era Willy quem se sentia inventada. Em meio a centenas de outros espectadores, Eric não precisava de seu par de pupilas para reavivá-lo. Na verdade, durante break points duplos, Willy lia os anúncios da Kodak nas arquibancadas mais altas, qualquer coisa menos deixar que seu olhar procurasse o rosto do marido, afinal a mãe lhe avisara para não olhar direto para o sol. Seguir sua graciosidade fluida pela quadra durante a partida inteira lhe dava um cansaço insuportável. Quanto mais admirada ficava com Oberdorf, menos impressionada ficava consigo mesma.

Nas garras desse desejo compulsivo Willy resistiu na mesma medida em que, antes do casamento, teria se rendido alegremente. Não estava mais se entregando, estava entregue. Tantas pessoas comuns se apaixonam e se casam; como conseguiam viver sem rancor, sem lutar contra o próprio ardor indefeso, sem mais um cheque em branco, e sim um débito mensal em suas contas? Eric estava usando as roupas pretas novas e Willy se abatia perante a beleza dele. Outrora orgulhosa de ser associada a um homem tão notável, agora se acovardava diante dos ombros ossudos dele, apertando a jaqueta em volta da cintura, cujas dobrinhas contrastavam com o lombo esguio que estava em quadra.

— Olha essa recuperação! — berrou Axel, rouco, para Steven, cutucando a coxa do garoto. — Eu não conseguiria tocar nessa bola nem com uma vassoura grudada na raquete!

Eu também não, pensou Willy. Este era o problema: todas as suas deferências deixavam para trás uma imagem negativa. Todas as trocas de bolas ecoavam no estádio, eu nunca chegaria tão alto, eu nunca conseguiria correr tão rápido, eu nunca conseguiria bater na bola com tanta força. Quando Eric interpelou o juiz de linha, Willy só pensou que ao enfrentar seu primeiro top 10 jamais teria o ímpeto corriqueiro de disparar réplicas delicadas. Qualquer adjetivo que pudesse atribuir ao marido levava a comparações — ele era mais talentoso, mais inteligente, mais atlético, pois não existe ninguém especialmente dotado sem que haja alguém para ser menos dotado. Foi por isso que Eric a escolhera no Riverside? Estaria procurando não uma companheira, e sim uma fã?

Axel se levantou de repente, batendo o punho contra o peito.

— Este é meu garoto!

Espantada com o rugido da multidão, Willy imediatamente olhou para o placar e descobriu que Eric ganhara o terceiro set. Agora que o marido precisava de só mais um set, ela não podia se dar ao luxo da atenção intermitente. Quando Eric quebrou o saque do adversário e Sörle devolveu a quebra, Willy deslizou até a ponta do banco, até que seus joelhos bateram na cerca à sua frente. Amassou o copo vazio de Coca e o restinho do líquido caiu em seu colo. Alma apertou o braço da nora e arriscou desviar a atenção do jogo para trocar um olhar solidário com Willy. Era óbvio que entendia que, para Willy, ver o marido à beira da aclamação era uma agonia. Imagine que triste não seria a noite se, depois de toda aquela escalada, chegando tão, mas tão perto, ele fosse para casa após perder por um triz. Willy seria obrigada a cuidar de um gigante inconsolável, incapaz de moderar a decepção dele.

A plateia, que adorava um azarão e a possibilidade de uma decepção, suspirava e assobiava quando Eric marcava ponto; respirava fundo e gemia quando as cordas da rede tremiam e a bola pingava na quadra dele.

Willy pulou de susto ao sentir uma mão em seu ombro.

— É verdade que você é a esposa dele? — Quando Willy assentiu, a moça atrás dela acrescentou: — Você deve estar emocionada!

Willy era esposa de Eric, portanto devia estar emocionada. No entanto, sua respiração não estava em sincronia com a da plateia. Quando os Oberdorf suspiravam, Willy respirava bruscamente. Quando a multidão a seu redor tomava fôlego com um murmúrio abafado, o ar saía fácil do pulmão de Willy.

Eric já era suficientemente elegante dentre os 400 e 500 melhores. Caso perdesse naquela noite, recuperaria a autoestima em dez minutos. Mas se voltasse até a rua 112 vitorioso, se tornaria insuportável. A garota da fileira de trás poderia ir para casa com o próprio namorado, felizes fosse qual fosse o resultado daquele passatempo. Era Willy quem teria de conviver com as consequências daquela partida por meses a fio.

Willy torcia por Sörle.

* Espécie de saibro de cor cinzenta. (N. do R.T.)