Quatorze

— MAX? — WILLY SOLTOU, COM O rosto contorcido e a respiração rasa. — Você não acha que eu estava procurando uma saída, não é? Que no fundo eu queria um descanso ou desistir?

— Por quê? — Observando-a nas barras paralelas, Max estava por perto, com a mão próxima aos ombros de Willy. Estava se esforçando para não ajudá-la. — Você está me dizendo que quer desistir? — Sempre que ela o afligia, Max soava irritado.

— Não. — O suor escorria pelo pescoço; em meio à dor, fazia cócegas. — Mas talvez, de forma inconsciente…

Max revirou os olhos.

— Então, eu acho que as estradas interestaduais estão cheias de motoristas cujo inconsciente anseia por bater em reboques de trator.

Depois de ter percorrido a extensão das barras colocando alguns quilos sobre o joelho, Willy saltou até o aparelho para as pernas e se afundou em seu banco.

— Ah, Max. Este equipamento — ela fez um gesto, se referindo à sala de ginástica, que desde julho estava apinhada — alugado para mim; o fisioterapeuta três vezes por semana; seu tempo, durante o curso de verão… tudo isso porque eu fui uma trapalhona.

— Minha filha, essa compulsão por ver aquele tombo como culpa sua…

— Eu estava indecisa!

O que você quer de mim? — Max disparou. — Absolvição? Ou que eu concorde que você foi uma imbecil e uma desastrada? Está bom assim? Eu faço o que você preferir. Qualquer coisa para você parar com isso.

Willy puxou a tira elástica para olhar as cicatrizes, ainda rosadas, e depois a soltou, fazendo-a estalar contra a pele frouxa.

— Eu quero saber o que você realmente acha.

— Tem oito anos que treino você. Nunca tive uma aluna mais veloz nem mais segura dos próprios passos. Até naquele bloqueio que você teve com a Marcella… que vai me assombrar até o dia em que eu morrer… você não foi inepta. Não, você foi ágil o bastante, sempre ia na bola, e talvez eu nunca tenha visto você bater na bola com mais força do que naquele dia… bem no meio da rede, como se você tivesse mirado ali. Portanto, em oito anos, você teve três segundos de confusão. Isso significa que você merece ficar fora do jogo por seis meses, aguentar essa recuperação horrenda e depois passar o inverno treinando de novo, enquanto seu ranking cai, chegando a um número que precisa de notação científica para caber numa única folha de papel? Aposto que você acha que as pessoas que furtam lojas deviam ir para a cadeira elétrica.

— Obrigada — ela disse, acanhada.

— Vê se cresce. — A irritação não era falsa.

* * *

ERIC TINHA SE OFERECIDO para ficar por perto — ou melhor, não exatamente. Na verdade, ele perguntara, envergonhado, com a expressão suplicante de uma criança que já fez o dever e pede para ir brincar:

— Devo ficar com você?

Já tinha sacrificado um torneio ao voltar para o desastroso Tanqueray e não seria justo que ela exigisse que ele segurasse sua mão a um custo tão alto para o ranking dele. Como sempre, Eric tinha de continuar na batalha para manter a classificação que, assim como uma corrida na esteira do Sweetspot, punia uma pausa com a expulsão do aparelho.

Quanto a Willy, talvez um computador compassivo deixasse em suspenso os rankings de tenistas em período de recuperação de uma lesão. Mas atletas desesperados poderiam facilmente dissimular a incapacidade de manter a posição: portanto as associações tinham de deixar o relógio correr, independentemente do que acontecesse. À medida que a temporada continuava, pontos eram retirados do nome dela, pois os computadores tabulavam a pontuação de forma cumulativa. A cada batida seu coração apertado assemelhava-se ao desalento de um funcionário leal, repentinamente demitido, que assistisse às economias, outrora volumosas, minguando até serem zeradas.

Mas se Eric não se submeteria à ocupação monótona de puxar seu pé para esticar os ligamentos reatados, se ele se recusava a observá-la nas barras paralelas ao forçar a sola do pé contra a nádega até lágrimas lhe escorrerem pelas bochechas, então não tinha o direito de protestar quando ela aceitou o convite de Max para se recuperar no Sweetspot.

Max pareceu receber de bom grado a renovada dependência dela, em todos os aspectos, de suas instalações, desde o café da manhã até as ataduras limpas para o joelho. Ele levantava a cabeça ao ouvir o rangido das muletas dela na confusão de pisos encerados como se fizesse um esforço para escutar uma melodia agridoce, e depois se virava com alegria ao ouvir a batida de sua bengala ressoando nas varandas amplas da escola. Quando enfim ela não precisou mais de ajuda para conseguir se equilibrar ao caminhar pelo chão ladrilhado do alojamento, os olhos arregalados e os dedos esticados, a expressão dele foi digna de um Bob Cratchit diante de um Tiny Tim* reestabelecido. Max a orientava pessoalmente nos exercícios com uma paciência que lhe era atípica: era paciente por ela. Quando esgotou suas forças, ela perguntou por que ele se incomodava com uma “tenista” que não conseguia nem tocar os dedos dos pés, gracejando:

— Mas não se matam cavalos, não é?**

Max retrucou que não acreditava em obsolescência planejada. Se levava um aparelho de CD quebrado à assistência técnica, sem dúvida consertaria uma atleta.

Enquanto fazia progressos graduais, a camaradagem que normalmente cimentaria o elo entre marido e mulher foi crescendo entre treinador e atleta. Agora que Willy havia sido restituída à sua custódia, Max a cobria de uma solicitude reconfortante, como se o casamento dela fosse uma sofrida tentativa de rapto felizmente frustrada sobre a qual ele relutava em falar e, assim, relembrar o calvário pelo qual ela passara. Quando o telefone particular de Max tocou na biblioteca, ele lhe entregou o fone, encolhendo os ombros com cara de “você sabe quem”, sem fazer comentários.

Embora Max sempre saísse para lhe dar privacidade, ele não precisava ter se incomodado. A regularidade aritmética dos telefonemas de Eric demonstrava mais senso de obrigação do que impulso, e o que mais além de senso de obrigação levaria alguém a repetir tais conversas?

Eric vivia reclamando. Os motoristas dos ônibus dos jogadores não falavam inglês e não sabiam o caminho para o estádio. Quadras de treino eram agendadas para mais de um jogador no mesmo horário. Suas malas ficaram perdidas por dois dias, o avião atrasou três horas. Algum diretor de torneio desorganizado não fez nada além de andar feito um pato de quadra em quadra, espalhando cinzas de cigarro. Os motoristas dos carros de cortesia sempre fugiam para a piscina. A comida era muito temperada e cheia de frescuras, e ele sentia saudade do frango grelhado do Flor de Maionese. As privadas da Alemanha denunciavam uma espécie de perversão, as fezes caíam numa espécie de anteparo, ao fundo, como se devessem ser examinadas. Em qualquer lugar era infernal achar um canto para pular corda. Uma dor chata no braço direito talvez fosse o começo de uma tendinite…

As queixas de Eric se amontoavam, assim como a incredulidade de Willy. Lá estava ela, capengando pela roça de Connecticut feito Igor, o Corcunda de Notre-Dame, disposta a pouco mais que uma rodada tensa de um jogo de tabuleiro, e ele estava no circuito internacional da ATP, competindo com o crème de la crème do tênis, hospedando-se em hotéis chiques e pedindo torta floresta negra enquanto ela engolia mais um bife estorricado no refeitório. E ele ainda estava reclamando?

Enquanto Willy se queimava por dentro depois de mais uma sessão de lamúrias intercontinentais, Max chamou a atenção dela para como se sentiria caso Oberdwarf fizesse alarde da aventura maravilhosa que estava vivendo. E se ele se derramasse em elogios para os petiscos exóticos à mesa, os aposentos luxuosos, a vista espetacular dos Alpes que tinha de sua janela?

— Ele não quer que você pense que ele está se divertindo demais sem você. É uma tática matrimonial antiga. Eu me lamuriava o tempo todo para a minha mulher. Não que tenha funcionado. Ela sempre tinha certeza de que eu estava escondendo alguma coisa. Tenho que dar crédito àquela mulher, ela tinha razão.

— Então, ele está mentindo.

— Ah, não sei. Você aprendeu por experiência própria que a rotina de hotéis logo cansa.

— A de hotelzinho ruim cansa. Ele está na Europa.

— Não, todos eles cansam. Só tem uma coisa no circuito, isso se você for um verdadeiro McCoy, que não perde a graça. Que também é a única coisa, se meu palpite não estiver errado, que ele tem vergonha de discutir.

A intuição de Max era certeira. Eric se enforcava de uma forma ou de outra: se reclamava era ingrato; se ele se entusiasmava era metido a besta. Mas, se não havia vitória possível com Willy, ele compensava em quadra, e eram exatamente essas vitórias que ele abreviava ao telefone. Muitas vezes, quando Eric terminava de resmungar que a paella era gordurosa e cheia de casca de camarão, a ligação já tinha ficado muito cara para entrar em detalhes sobre a segunda rodada em Madri. E isso do homem que antes entrava no apartamento deles e descrevia, lance a lance, uma partida de treino casual. Além do mais, passou a menosprezar o próprio desempenho, embora antes do Chevrolet não tivesse uma única palavra desanimadora para gastar com seu jogo.

— Mas você venceu, não venceu? — uma vez Willy pressionou, exasperada.

— Por pouco.

— Qual foi o placar? — distraída, brincou com uma pontinha de pele da palma da mão direita.

— Hum… — ele fingiu não se lembrar direito. — 6-4, 7-5, algo assim.

— Sets seguidos. Isso não é passar raspando, Eric.

Era capaz de sentir o marido recuar do outro lado; o tom de acusação em sua voz era inequívoco. Sem dúvida quebrava a cabeça para entender o que tinha feito de errado desta vez. Na ausência de resposta, ou para evitá-la, ele mudou de assunto.

— Então, como você está aí no Sweetspot?

Vários outros pedacinhos de seus dedos e do dedão estavam descascando; a pele que saía era dura, grossa e amarelada.

— Ah, consegui abaixar a cabeça até o joelho ontem — informou secamente. — Motivo para estourar um champanhe.

— Querida, isso é maravilhoso!

— É — ela murmurou. — Formidável. Na semana que vem vou poder dar uma corrida leve. Mil e seiscentos metros, depois um banho de banheira. Caso você esteja se perguntando como é ter 85 anos, posso te dar uma amostra.

Ao lado do telefone, na mesa da biblioteca, ela havia amontoado uma pira de pedaços de pele, tudo o que restara dos calos adquiridos com o tênis.

* * *

NA VERDADE, ALGUNS DOS triunfos de Eric eram truncados. Estava competindo numa categoria mais alta do que a dos satélites nacionais, e sua escalada havia desacelerado, tornando-se mais trabalhosa. Porém, o programa estava nos trilhos; no fim de setembro, o ranking de Eric era 169, Willy tinha derrapado para 357. Não eram mais trens paralelos avançando em ritmos variados. A locomotiva de Willy tinha parado na estação para uma vistoria, enquanto o vagão do marido saíra ribombando em direção ao horizonte. Só lhe restava mancar até a beira da plataforma e acenar.

Estavam vivendo em mundos diferentes. Viajando, Eric acumulava uma bateria de imagens exóticas que o distinguia. Que delícia teria sido zombar juntos das cinzas de cigarro do diretor do torneio, mais tarde fazer referências às privadas alemãs e abafar as gargalhadas. Tantas piadas dependiam do “você deveria ter estado lá”, só que Willy não estivera.

Com as conclusões insatisfatórias dos telefonemas, Willy se tornou pesarosa, e não somente pela própria situação. Eric tinha amado uma mulher que entendia totalmente as nuances de uma partida de tênis. Agora, com essa mesma alma gêmea ele se sentia forçado a engavetar, preterir e abreviar as narrativas importantes de sua vida. Foi só quando ele caiu na primeira rodada em Estocolmo que fez a concessão de contar a história completa, set a set. Quando confessou ter chegado às quartas no Bruxelas Classic, falou no tom furtivo, acanhado, de um homem que foi preso por atentado ao pudor em local público.

No início de outubro, Willy se viu prestes a desligar, depois de ter acumulado uma dívida enorme na conta de telefone ao tagarelar a respeito do quanto era bom que os alunos habituais estivessem de volta ao Sweetspot, em vez dos meninos do tipo “compre sua passagem para a glória” do curso de verão, em que qualquer preguiçoso endinheirado era aceito.

— Desculpe por essa chatice toda — ela se apressou. — Agora estou podendo correr de leve, e pego bastante peso para fortalecer os membros superiores. Falo contigo daqui a alguns dias, certo?

— Willy… você não quer saber como me saí nas quartas de hoje?

— Ah, esqueci, como foi?

— Como assim você esqueceu? Falei para você ontem à noite, eu disse que as quartas eram esta tarde e que ligaria de noite para contar como foi a partida. Fiquei acordado até tarde, mesmo com um cansaço de cão, só para poder ligar para você depois do seu jantar.

— Desculpe, está bem? Mas a Bélgica parece tão longe daqui, meu joelho está me matando e as suas quartas não são exatamente o assunto principal na minha cabeça.

— Isso está claro — (respirando). — Depois de você passar por três rodadas — ele continuou —, eu jamais seria capaz de esquecer das suas quartas de final. Duvido que eu conseguisse pensar em qualquer outra coisa o dia inteiro.

— Isso porque eu colocar os pés numa quadra de tênis seria motivo de manchetes.

— Não, antes… E eu estou falando do Bruxelas Classic…

— Ou seja, não é um daqueles torneios ordinários dos quais eu participava — ela soltou antes que pudesse se conter.

— Esqueça, Willy.

Pois então? Você venceu ou não?

— Você não está nem aí. — O sinal de linha soou numa altura anormal.

* * *

— TENTEI LIGAR DE volta — Willy declarou, ressentida. — Mas descobri que não tinha o nome do seu hotel.

Enquanto ainda sofria pela reprimenda dele ao bater o telefone, ela localizou um guia da Bélgica na biblioteca e telefonou para a lista de hotéis em busca de um que tivesse Oberdorf como hóspede. Atirando para o lado a autocrítica, sussurrando pedidos de desculpa veementes e promessas de que seria mais legal, Willy imaginou que a reconciliação subsequente seria calorosa, lacrimosa e contrita. Mas, depois de dez tentativas infrutíferas, se viu forçada a desistir. Eric levara uma semana para telefonar de novo, e, nesse ínterim, Willy havia passado de atormentada e envergonhada a ríspida e zangada. Eric nunca tinha ficado tanto tempo incomunicável; o castigo implícito que lhe impunha tirava de Willy o peso de ter de castigar a si mesma.

— Então — ela continuou, num tom de voz carregado. — Você venceu nas quartas?

— Venci, mas você vai ficar feliz em saber que fui eliminado na semi.

— Eu nunca disse que fiquei feliz quando…

— Não foi necessário.

— Sinto muitíssimo, querido, por você ter chegado tão perto…

— Por favor, não se dê o trabalho, Willy; lágrimas de crocodilo não me convencem. Acho que você não tem como evitar essa… essa má vontade. Mas eu também não tenho como evitar a mágoa. E essa é… a nossa situação agora. Talvez no seu lugar eu… é difícil saber. Mas tudo vai se resolver entre nós quando você voltar a pôr os pés na estrada.

Se eu voltar.

— Eu já te alertei sobre atitude.

— E eu já te alertei sobre a minha. — A linha falhou.

A conversa era hesitante, mas ao menos era um descanso da conversa fiada diversiva de hábito. Estava na hora de encararem o que estavam evitando.

— Você não tem ideia de como é — Willy prosseguiu com dificuldade — ter uma parte tão essencial do seu corpo em frangalhos. E viver com essa garantia morna de que você tem “cinquenta por cento” de chance de voltar a ter uma vida “quase” normal. Estou com medo, com raiva, eu odeio todo mundo. É claro que você foi generosamente incluído. Minha vida inteira está em jogo.

— Sou parte da sua vida. Não estou em jogo.

— Ah — Willy sussurrou com tristeza, a voz embargada —, está sim.

— Não…

— Olha só para a gente! — rogou Willy. — Pensa no quanto a gente conversava! Agora ou a gente briga ou finge… Não temos nada em comum…

— Talvez pareça assim, mas é temporário!

— Você está fazendo de novo a mesma coisa — ela alertou delicadamente. — A resposta para o que essa situação está fazendo com a gente é sempre mudar a situação.

— É claro. Para começo de conversa, foram as circunstâncias que causaram nossas discussões.

— Não precisa ser tão diplomático, Underwood. Sou eu que estou pulando no seu pescoço. Você tem sido um anjo. É solícito, me incentiva e tem um nível de tolerância incrível.

— Não sei, não — ele objetou. — Se eu fosse mesmo um anjo, não estaria na Europa enquanto você passa por essa merda com o seu joelho. Mas quando você estiver bem de novo, a gente vai voltar a ser uma dupla.

— Eu fico me perguntando se algum dia já fomos uma dupla, Eric — ela declarou, melancólica. — Nenhum de nós faz esse tipo. Além do mais, e se meu joelho nunca se recuperar? Você vai ficar casado com uma rabugenta?

— Você não é rabugenta — ele mentiu. — Você está sentindo muita dor, em todos os sentidos, e me desculpe se não sou sempre solidário. Mas me sinto só aqui, Wilhelm. Claro, o tênis é ótimo, mas não tenho ninguém por perto torcendo por mim além de mim mesmo.

Willy se permitiu um gracejo.

— Já é uma grande torcida, se me lembro bem.

— Ah, sai dessa — ele retrucou de forma carinhosa. — Estou querendo dizer que preciso do seu apoio. Não tenho mais ninguém com quem conversar.

— Nem consigo mais me lembrar da sua aparência, Underwood — Willy admitiu. — Tenho uma fotografia, e, toda vez que penso em você, vejo o mesmo sorriso congelado. Não consigo me lembrar de você em movimento.

— Vou voltar logo — ele garantiu. — Mas antes tenho que ir para, hum… — Eric foi vago.

— O quê?

— América do Sul. Estou indo para Buenos Aires…

O espírito confidencial suave e ansioso de Willy voou pela janela.

— Ah, bom, não se esqueça de mandar uma carta. — As sílabas em seu palato soaram gélidas e precisas, feito uma faca batendo contra um prato.

— Mas sem dúvida nenhuma vou para casa para tirar uma folga.

— É, seria bom te ver antes do fim do ano — ela resumiu.

— Estou com saudade — declarou Eric, com sentimento.

Willy respondeu:

— Eu também — disse em tom monocórdio e rotineiro. Ele merecia mais.

* * *

COM TODA A FRANQUEZA, Willy tinha mais saudade de outra coisa que do marido, e esta coisa era o tênis. Sem isso, seus dias não tinham propósito. Assistia a muita televisão. Embora diligente nos exercícios que lhe eram permitidos, musculação, corridas lentas e alongamentos isotônicos incessantes, sentia o corpo irregular e inerte. Definhava como se ansiasse por um amante, mas Eric parecia ter fugido com o esporte, fazendo-lhe a corte numa lua de mel pela Europa.

Por fim, Max lhe entregou sua Pro-Kennex durante o café da manhã. A gratidão ingênua de Willy ao dar as mãos à melhor e mais antiga amiga sem dúvida logo seria substituída pela irritabilidade por estar enferrujada. Mas, muito mais que de uma vitória, Willy precisava recuperar a alegria puramente estética, a exuberância de uma menina de 10 anos nascida sob a penumbra turva e nada vantajosa de um parque público com o pai. Tênis, em seu Éden, fora concebido sem inimigos, com parceiros em vez de adversários, e quem a vencia não era um rival e sim uma fonte de conhecimento. Que pena, ponderou ironicamente, não ter se casado também aos 10 anos.

Ao longo do final do verão o sol brando a provocava pela janela da sala de musculação, sua estação preferida dissipava-se naquele ambiente abafado, a luz tardia e oblíqua do fim de tarde desperdiçada vendo comédias na televisão. A vida tem uma quantidade finita de verões, terrivelmente calculável. Ter cortado metade de um deles era uma perda que jamais poderia ser reparada, assim como o pedaço de um dedo. Agora que novembro se aproximava, a brisa fria mordia o ar; a quadra sete crepitava sob as folhas marrons. Max insistia que ela usasse malhas para aquecer o joelho, além de arrastar a odiada atadura apertada, de cor bege como a cinta de uma senhora de idade. Mas Willy não reclamava. Pegou o cabo gelado da raquete, apertou-a contra a bochecha e beijou-a.

No fundo, era mais maravilhoso que em suas lembranças. Pois não havia lembrança. Era por isso, como justificara Max, que o esporte nunca perdia a graça. Assim como o amor ou a dor, o tênis só podia ser evocado por meio da repetição. Era necessário exercer para ter.

— Vá com calma! — repreendeu Max.

— Me manda uma bola difícil! Para de jogar para mim! — ela não conseguia parar de rir.

— Nada de ficar saltitando, sua boba! — ele gritou. — Olha o que você fez! — Willy se agachara e ficara imóvel, e se levantara devagar, trabalhando o joelho. Max correu até o fundo da quadra oposta e segundos depois já estava com o braço sob a axila dela.

— Max, não precisa ficar histérico. E daí que ainda está meio travado?

— Vá para dentro.

Ela o afastou.

— Até parece! Vá para a sua quadra!

Quando acabaram com as bolas de treino, as bolas vencedoras haviam se amontoado no lado de Max. Ela trotou para ajudá-lo a recolhê-las, jogou três na cesta e respirou fundo para ouvir o estalo aguçado e puro do ar em seus pulmões.

— Max, eu estou bem — anunciou, se inclinando ao lado dele. — Posso jogar!

Embora não tivesse feito nada parecido durante sua vida de casada, Willy não conseguiu evitar largar as bolas e se jogar nos braços de Max, assim como ele também não pôde evitar passá-los em volta de suas costas e levantá-la, girando-a sobre a quadra. Mesmo quando o círculo se completou e ele pôs sua protégé no chão com todo o cuidado, ele não a soltou, e ela não o soltou, até que ela beijou quem merecia ser beijado em vez da raquete ingrata e inanimada.

* * *

— QUERIDO, EU JOGUEI hoje! Estou tão feliz! — Era a primeira conversa entusiasmada entre os dois desde que Eric viajara para a Europa. A lembrança daquele abraço na quadra sete incomodava; no decorrer do telefonema, declarou seu amor por Eric três vezes.

E, pela primeira vez em quatro meses, falava sério. Adorava o marido, adorava o Sweetspot, é claro que adorava o treinador, pois adorava o mundo inteiro. Se isso significava que Eric tinha razão, que a solução para as angústias circunstanciais era a reparação circunstancial, uma correlação mais sombria obscurecia esta revelação, mas Willy não tinha ânimo para contemplá-la. Foi o próprio Eric quem afirmou que nenhum indivíduo era onipotente; que “existe uma coisa chamada acidente, algo que foge a seu controle”, e, portanto, ser estimulada pela circunstância era continuar à sua mercê. Se os fatos podiam evocar o amor de Willy pelo marido, num capricho, também podiam botar esse amor para correr.

— Meu joelho — ela disse, ofegante — está forte como um touro.

* * *

“FORTE COMO UM TOURO” era um exagero que Willy resolveu perpetuar. Ao longo do bate-bola, recusara-se a dar atenção aos choques elétricos, lancinantes, que atravessavam suas coxas. Se não reconhecesse a dor, ela não existiria. Além disso, se mencionasse qualquer dor leve para Max, ele a levaria no colo para fora da quadra e a condenaria ao calabouço da sala de musculação por mais um mês. Traria de volta aquele fisioterapeuta taciturno, que a obrigaria a voltar a levantar pesos de 85 gramas e àqueles alongamentos detestáveis, intermináveis. E se desse um pio de receio ao falar com o marido, Eric ligaria de Buenos Aires para a linha particular de Max e criticaria o treinador por tirá-la da coleira antes da hora. Melhor guardar as pontadas para si.

Desde o Tanqueray, uma parte de seu corpo que até então se fundia numa pessoa como um todo passara a receber uma atenção especial e, portanto, tornara-se distinta, isolada, um conjunto de ligamentos complexos, cartilagem e osso cujas funções ela agora conhecia bem melhor do que desejava e cuja capacidade não poderia mais contar como certa. Definida, a articulação adquirira personalidade, vacilando entre lacaio e senhor, amigo e inimigo, mas, de qualquer forma, criava uma dessas relações venenosas que fazem parte da vida, queira-se ou não. O joelho tinha sido rebelde, mas a pena que havia recebido, como o próprio Max declarara, era desproporcional ao crime. Enquanto o destino do joelho era incerto, Willy escutara as recomendações de seus consultores até os mínimos detalhes. Agora que o bloco truculento de cartilagem estava fora do tratamento intensivo, era hora de ser forte e parar de ser tão indulgente. Se de início o joelho pedia ternura, agora exigia disciplina, e não havia gritos de Você está me machucando! ou Aiii! ou Não consigo! que pudessem abrandar esse novo regime.

Na noite depois da primeira sessão de treino, Willy se sentou à escrivaninha de seu quarto no alojamento e desenvolveu uma programação diária de treinamento para as semanas seguintes:

12 mil pulos na corda (não 8!)

/7 10 km na esteira, 11 km/h de aquecimento chegando a 14 km/h

2h de treino de golpes de fundo (Max vai parar depois de 1h)

1h de voleios

1h treinando saques
Circuito da sala de musculação dia sim, dia não: AUMENTAR KGS!

Embora os pontos de exclamação fossem estimulantes, doía segurar a caneta. Desde julho, suas mãos haviam adquirido a superfície macia, branca e lisa de uma debutante. Uma única hora em quadra lhe dera bolhas.

* * *

O FATO DE WILLY esperar que o júbilo típico de uma criança de 10 anos se dissipasse não fez com que sua rápida evaporação causasse menos desânimo. Em uma semana, Willy já estava enojada. Todos os seus golpes eram fracos e errava em sessenta centímetros a precisão do saque. A partir dos 5 anos de idade, nunca tinha passado quatro meses afastada das quadras, e agora entendia o porquê.

Além disso, é mais fácil fazer ouvidos moucos às lamúrias de um filho do que à petulância do próprio corpo. Pontadas no joelho sempre lhe causavam aquela fração essencial de um segundo de atraso. A determinação de Willy e seu entusiasmo estavam num grau recorde. A cabeça estava disposta; o corpo estava relutante. O acidente deixara seu legado de suspeita. Quando os ligamentos estavam alongados e os músculos auxiliares aquecidos, a articulação parecia confiável, porém nunca poderia ter certeza absoluta quando transferia seu peso para a perna direita. Um sussurro de nervosismo, uma sensação feminina de fragilidade que talvez agora a acompanhasse por toda a vida.

A consternação de Willy pelo fato de sua posição no ranking estar em queda livre devorava suas entranhas. Adular Max não o convencera a deixá-la participar de um torneio em quadras fechadas antes que a temporada se encerrasse. Não podia fazer isso sem ele — não tinha dinheiro — e, francamente, seu jogo ainda não estava bom. Após seis meses de licença, Willy calculou que passaria de 214 em junho a 500 e poucos em janeiro. O desperdício, o injustificável desperdício, lhe dava vontade de vomitar. Em sua cabeça, os pontos eram como soldados: ela era o general que estava algemado enquanto os recrutas, um por um, eram capturados por tropas estrangeiras. Depois de ler o caderno de esportes, Willy o amassava em bolinhas.

Eric tinha chegado às quartas em Buenos Aires, fazendo seu ranking subir a 159. Naturalmente, não poderia perder a chance de participar do Campeonato Nacional em Quadra Coberta, em Nashville, em meados de novembro. As “férias” prometidas para depois da América do Sul se resumiram a: quando a temporada terminasse, ele voltaria para casa. Nesse meio-tempo, ela devia se consolar com o fato de que ao menos estavam no mesmo continente.

Tudo bem, então, ele a encontraria em dezembro, no Sweetspot. Se a fulgurante carreira dele tinha tal prioridade que ele não podia faltar a um torneio para ver a mulher — que foi ao inferno e voltou na ausência do marido —, então, só para variar, ele poderia encontrar com ela, ao menos uma vez. Quanto ao Natal, Willy não interromperia de forma alguma seu treinamento para celebrar um dia santo que para ela não tinha importância canônica, tampouco para visitar a família de Eric neurótica e propensa a quiz show. Menor ainda era a vontade de visitar os próprios parentes, todos com enormes esperanças de que 1995 fosse finalmente o ano em que a boba da Wilhemena viraria a página e embarcaria na vida de funcionária de banco, com sua pusilanimidade segura e seu salário ruim, mas estável. Então, Eric não gostava do Sweetspot: que pena. Ela não sairia correndo para Nova York para recolher os chinelos do marido. E se ele também não gostasse do fato de que ela e Max estavam se dando muitíssimo bem, azar o dele. Ele teria de ser, como Gert diria, má-duro.

Era no ritmo desses resmungos que Willy dava 12 mil pulos por dia numa quadra fechada, deserta, ou numa sala de recreação vazia. Mudava de lugar, pois apesar de Max não ter proibido o exercício, ela também não tinha pedido permissão. Willy concluiu que se não podia ultrapassar Eric nos truques pomposos podia ao menos superá-lo em resistência entorpecida, maquinal. A própria corda evocava Eric, e por uma hora e meia murmurava coisas para o marido. No entanto, devia ter precisado de um total de 150 mil pulos para reunir a coragem de anunciar seus planos natalinos quando ele a estivesse ouvindo.

— Você está tentando me dizer alguma coisa com isso? — Eric perguntou friamente, de Nashville.

— É fácil esquecer, mas na nossa relação ainda existem duas carreiras, e eu tenho que…

— Então é isso — ele interrompeu. — Agora eu estou entendendo… Será que você vai fazer o favor de me encontrar no nosso apartamento?

O sr. Serviço de Quarto, sr. Futuro Top Dez estava acostumado a conseguir o que queria.

— Eu preciso de treinamento intensivo antes de voltar ao combate. Não posso me dar ao luxo de pagar…

— Tenho muito dinheiro — ele se intrometeu, exausto. — O suficiente para você treinar no Jordan duas, três horas por dia.

— O dinheiro não é meu.

— Somos casados, pelo amor de Deus. O dinheiro é nosso, sua boba.

A ideia de separar as finanças tinha sido de Willy. Para Eric, mencionara a necessidade de calcular a parte de seus ganhos, depois de subtraídos os gastos, que cabia a Max; para si, citou a vaga convicção feminista de que uma mulher tinha de ter o próprio dinheiro.

— Não fui eu que ganhei — insistiu Willy. — Tive um contratempo, mas não perdi meu amor-próprio.

— Você pega dinheiro com o Max, mas não com o seu marido?

— Max e eu temos uma relação de negócios.

— Claro que sim.

Num silêncio pétreo, Willy não enfrentaria a acusação.

Eric reclamou:

— Vou ter que passar seis semanas espremido naquela cama de solteiro do seu quarto no alojamento?

— Você pode dormir em outro quarto, se você precisa de seu sono precioso — disse Willy, sem se abalar.

— Você está me ameaçando?

Ela se arrependeu do comentário, mas não o retiraria, portanto seguiu adiante, piorando tudo.

— Isso não é negociável. Preciso do meu treinador. Max significa Westbrook.

— Se você precisa do Upchuck mais do que de mim…

A situação já estava fugindo ao controle.

— Preciso de vocês dois, caramba. Faz cinco meses que você está fazendo o que bem entende. Você bem que podia fazer uma coisa por mim, para variar.

— Eu quero ir para casa — ele encerrou energicamente. Infelizmente, Willy entendia muito bem como ele se sentia.

* Personagens de Um cântico de Natal de Charles Dickens. (N. do E.)

** Referência ao livro de Horace McCoy, Mas não se matam cavalos?. (N. do E.)