ERIC SEMICERROU OS OLHOS.
— Você está magra.
— O que você esperava? — Willy ergueu o queixo. — Que eu estivesse deitada o dia inteiro, me empanturrando de biscoito?
Tinham se beijado na plataforma da estação, os lábios fechados: Eric não gostava de demonstrações públicas.
— Por que você interpreta tudo o que digo como crítica? — ele perguntou com desânimo. — Estou preocupado, só isso. E você está pálida.
— Você não deve ter percebido lá da América do Sul, mas aqui estamos no inverno.
— Estava nevando em Nashville; eu já tinha percebido — ele foi andando atrás dela até o carro. — Willy, você está mancando.
— Me deram um atestado declarando que minha saúde está perfeita.
— Há pouco tempo?
Enquanto Eric a observava com desconfiança, Willy também avaliava o marido. Em meio aos passageiros pálidos do Amtrak, o bronzeado dele parecia incongruente. Ela não lembrava que ele tinha tantos nódulos, o pomo de adão, o nariz, as ondulações e protuberâncias da testa. Na fotografia a que recorria, ele sorria; mas as feições desse homem inquieto pareciam retorcidas feito uma toalha molhada.
A conversa no trajeto até Westbrook foi entrecortada; estavam habituados demais a falar por telefone. Novamente visível, Willy se sentia exposta. Ela o levou até seu quarto no alojamento e olhou o relógio, embora a última hora tivesse se arrastado tanto que quase acertou quantos minutos o ponteiro marcava.
— Preciso fazer meus exercícios — ela disse às pressas, junto à porta. — Acho que mais tarde a gente pode sair para jantar. — O “acho” roubava a ânsia da proposta.
— Você tem que fazer exercícios agora?
— Eu sempre tenho. Na verdade, já estou atrasada.
— Existem exercícios e exercícios… — as sobrancelhas irregulares se ergueram. Groucho Marx.
Willy não estava sendo difícil; realmente não tinha entendido.
— Como?
— Não, quem come sou eu.
Ela não estava achando graça.
— Eu achei que a gente pudesse, hum… ficar um tempinho no seu quarto. Uma reaproximação — ele parecia constrangido. Casados havia quase dois anos, deviam poder ser francos sem desconforto.
— Eu vou me sentir culpada se não fizer minha série, e a gente vai ter bastante tempo, não é? — ela instigou um sorriso e ironizou: — Isto é, se você não tiver algum torneio para o qual queira se guardar.
— Me desculpe quanto a isso, Willy — respondeu com seriedade. — Eu decidi que essa ideia de abstinência era idiota.
— Ei, eu só estava brincando. — Willy ainda estava parada na porta.
— Vou dar um cochilo, então. Estou muito cansado.
— É — ela disse. — Você parece cansado.
— Willy? — ele chamou no momento em que ela pegava a corda de pular do esconderijo, debaixo de suas roupas íntimas. — Você está feliz em me ver, não está?
— É claro — ela declarou formalmente, e desapareceu no corredor.
* * *
WILLY DEU SORTE E achou uma quadra fechada livre: os alunos estavam estudando sem parar para as provas. Embora o piso de Har-Tru fosse complacente com o couro da corda, a parte central desta estava puída pelo uso. Ta-dum, ta-dum…
As fases de cada sessão enfadonha de pulos reproduziam os ritmos de uma sentença de prisão. O começo passava numa rapidez surpreendente, como talvez os primeiros meses em San Quentin. O início do meio era o pior — a série já havia se tornado tirânica, uma predominância espantosa de servidão à continuidade. O meio do meio era quase tranquilo, sem a tentação da liberdade condicional à vista: as paredes de qualquer cela devem virar as paredes do mundo. O assassino vislumbra a liberdade. Em certos dias, durante o último milhar, Willy achava que gritaria: dizem que os condenados podem ter a impressão de que as últimas semanas no cárcere são mais longas do que toda a sentença até então.
Saltando no meio do meio, Willy percebeu um vulto junto à luz que indicava a saída. Eric, sem dúvida. Virando-se um pouco, manteve-se de costas para a porta, fingindo não ter visto ninguém. Ele não apareceu, espreitando-a das sombras. A fim de demonstrar que não era uma preguiçosa por não estar na estrada, Willy girou a corda numa sequência de tesouras, saltos com os calcanhares e saltos duplos.
— Muito impressionante.
A voz era grave e firme. Quando ela deu de ombros, desdenhando do timbre grave, a corda estalou contra seus tornozelos e parou.
— E quantos desses você faz por dia? — o vulto foi andando devagar até a luz.
— Ah — ela disse casualmente, enxugando uma gota de suor da têmpora —, alguns milhares. Você sabe…
— Não, não sei. Me diga. Quantos? — A voz era monocórdia, persuasiva, mas era também a voz que alguém usaria antes de desferir um golpe.
Willy dobrou a corda de qualquer jeito, como se estivesse desistindo.
— Varia…
— Não acredito em você. Você é escrava dos números. Rankings. Quilômetros por hora na esteira. Portanto eu acho que você faz o mesmo número todos os dias.
Sabia que deveria improvisar, mas Willy tinha orgulho de sua energia e não conseguiu.
— Doze — ela soltou.
— Imagino que você queira dizer não 1.200 e sim 12 mil?
Willy assentiu; ela estremecia.
— Agora, para quem é esse showzinho?
Max estendia a mão para pegar a corda. Caso Eric fizesse o mesmo gesto, Willy teria mantido a corda, indignada. Mas entregou a Everlast a Max. Talvez conseguisse outra em algum lugar da cidade.
Willy gesticulou para a quadra vazia.
— Não tem ninguém aqui.
— Não sejamos tão literais. Não é preciso que a plateia esteja fisicamente presente para que haja uma performance. Este teatro é para mim?
— Talvez, de certa forma…
Ele balançou a cabeça, entristecido.
— Acho que não. Acho que é para o Oberdick.
— Ele acabou de chegar!
— Nada disso. Ele nunca saiu — Max segurava a Everlast como se fosse um chicote. — O que você quer? Derrotá-lo?
A distância entre Willy e o marido no ranking era de 350 posições. A ideia de ultrapassar Eric em qualquer momento num futuro próximo era absurda.
— Me contentaria em ser tão boa quanto ele. Em não ficar para trás.
— Porra, você nem quer derrotá-lo?
Ela recuou.
— Acho que eu gostaria de impressioná-lo. Deixá-lo orgulhoso de mim. Então, talvez eu queira derrotá-lo… um pouquinho… — ela acrescentou pesarosamente: — Já que com o Eric, derrotá-lo e impressioná-lo são a mesma coisa.
Max estalou a corda no chão da quadra.
— Para começo de conversa, por que você acha que eu me encarreguei de você? — O barulho da corda ecoou, ressoando no teto abobadado. O tom regular se quebrara, e agora Max berrava. — O que te impulsionava quando a gente se conheceu? Você passava duas horas fazendo bons line drives para eu te levar para tomar refrigerante?
— Não, eu… — Willy se encolheu. — Eu gostava de treinar line drives.
— E eu te pagava refrigerante de qualquer forma — Max avançou em direção a ela, apertando a corda entre os punhos feito um garrote. Minha aprovação era um bônus, e não o que fazia você se esforçar. Eu pus você sob minhas asas porque você não dava a mínima para o que os outros pensavam do seu jogo. Independentemente do que eu exigisse de você, você exigia ainda mais de si mesma. Você se satisfazia. E agora você é só mais uma garotinha que quer agradar o papai. Esse tipo de menina é o que mais tem por aí. Ele te destruiu, porra. Me dá uma puta vontade de chorar.
Willy virou-lhe as costas, correndo os dedos pela rede.
— Talvez eu esteja usando o Eric como medida de comparação. Mas eu também quero ficar em forma para a próxima temporada. Em plena forma. É tão terrível assim?
Max havia se aproximado; passou a corda em torno de sua cintura, apertando o laço ao pôr as mãos na barriga dela.
— Seu joelho está inchado — sussurrou junto ao cabelo de Willy. — Dá para ver, mesmo com a atadura. Pulando corda, você favorece a perna esquerda. Foi por isso que você fez isso escondido? Você sabia que eu ia reparar — ele beijou seu pescoço abaixado. Os punhos de madeira da Everlast balançaram contra as pernas dela. — Foi tão horrível — ele gemeu — quando você caiu. Sua perna torcida naquele ângulo nauseante. E eu nem pude correr para perto de você. Tive de me conter e deixar… — suspirou, e os fios de cabelo umedecidos da têmpora de Willy tremularam. — Depois, vendo você mancar… Não nos faça voltar a isso. Por favor, tenha cuidado.
Max se curvou, roçou a bochecha contra sua orelha e lhe deu um beijo sob o lóbulo. A pele devia estar salgada. Já que ela não o impediu, ele foi obrigado a se conter.
* * *
AO TOMAR BANHO, WILLY ligou a água no máximo para tirar o cheiro de Max da pele, deixando que a lembrança inquietante de suas investidas descesse pelo ralo. Preferiu ponderar a alegação de que sua fonte de inspiração havia se alterado. Mas será que não era humano, quando se ama alguém, querer a felicidade dessa pessoa ainda mais do que a própria? Era tão pavoroso ter se tornado menos egoísta?
Para um tenista essa mudança era fatal. Tenistas eram egoístas e os bons continuavam egoístas. Amantes eram uma cilada, uma válvula de escape; pulando corda para impressionar Eric, podia fugir das demandas mais severas das próprias expectativas. Era fácil demais encantar amantes: estavam predispostos a serem encantados. Eric arrumaria desculpas por ela, a respeito do joelho, de estar sem prática, de ser mulher. Mas a própria pessoa não podia ser ludibriada com tanta facilidade.
Enxugando-se com a toalha, Willy notou que o joelho realmente estava inchado. Ao se curvar, seu corpo inteiro doía, assim como acontecia todos os dias, nos últimos tempos. No entanto, Willy ainda se penitenciava: ao ir encontrar Eric na estação de trem, perdera o treino de saques e tivera de correr apenas 6,5 km.
O argumento de Max era distorcido. Verdade: seu feitor de escravos particular agora tinha 1,90 metro, antebraços largos e ombros ossudos e adquirira um saque de 190 quilômetros por hora que faria com que o dela sempre parecesse fraco. Mas, quando ela dava um rosto a esse capataz, ele tinha os olhos de Willy.
* * *
NA SEMANA SEGUINTE, VIA Eric apenas à noite, entregando-se a corridas, pesos e exercícios de golpes de fundo durante o dia. Embora Max tivesse confiscado a corda, Willy pegava a de Eric emprestada e dava nós para diminuir seu tamanho, tomando o cuidado de confirmar que Max estava ocupado antes de ir, na ponta dos pés, até a sala de recreação, empurrar uma mesa contra a porta e ligar o rádio para abafar o som da corda estalando no chão. Apesar de tentar manter Eric e Max afastados, quando comiam no refeitório a presença dos dois era inevitável. É verdade que era íntima demais de Max; fazia piadas internas irresistíveis enquanto o marido engolia a refeição em silêncio. Talvez até flertasse um pouco, o que era uma crueldade, ou pior que isso. Mas Willy não conseguia mais esconder de Eric a intimidade que tinha com o treinador, assim como não conseguia esconder de Max o distanciamento entre ela e o marido. Era tão mais fácil conversar com Max.
Todas as noites ela e Eric faziam amor. Ele estava ávido, e jurava que tinha mantido o celibato durante o circuito. Willy acreditava piamente. Um absolutista, Eric casado = Eric fiel. Embora até a fidelidade rotineira fosse melhor que a traição, ela teria preferido admitir que ele havia lutado contra algum demônio por sua causa.
Willy ainda achava o marido atraente; depois de tanto tênis, o corpo dele estava firme, elegante e com uma magreza deliciosa. Mas ela estava tão cansada, se sentia tão pesada, que sentir algo da cintura para baixo exigia esforço. Ela tinha de se lembrar de ficar excitada. E independentemente do quanto ele fizesse pressão na cama estreita de solteiro, sua presença parecia indefinida, protelada, lacrada: era como foder por correspondência. O sussurro dele em seu ouvido sibilava, seus tons se atenuando como se filtrados por uma linha de telefone, e a evocação de seu nome ecoava melancolicamente como se fosse gritada para um cânion a dois quilômetros de distância. Quase adormecendo, ela se perguntava o que poderiam fazer para se aproximar, depois lembrava que a maioria dos casais se unia por meio do sexo e era isso o que tinham acabado de fazer.
Uma certa cautela em seu toque era novidade, e quando se curvavam para dormir de conchinha, ele lhe perguntava se o joelho dela estava confortável: os dedos dele estavam leves como plumas. Ela quase pediu, Seja um pouco mais bruto comigo, mas havia tanto tempo que estavam afastados que não queria que ele pensasse que naquele ínterim ela tinha feito algo pervertido.
Depois de cinco dias ele propôs, por que não umas trocas de bolas com o marido?
— Achei que você não quisesse mais bater bola comigo — ela deu de ombros. — Você entrou para o top 200. Eu escorreguei para o top 500. Você está fora do meu alcance.
Eric insistiu, mas na prática ele bateu bola com ela assim como a acariciava na cama. Era suave e prestativo demais. Longe de tentar derrotá-la, não rebatia as bolas boas que ela mandava, assentindo da linha de fundo e assobiando. Na verdade, os elogios profusos a magoavam. O fato de não ser mais capaz de lhe instigar a rivalidade era o maior insulto de todos.
— Será que você sequer se lembra da época — ela comentou secamente quando terminaram — em que eu dava conselhos a você?
— Você ainda dá, e são muito valiosos…
— Mentira, não posso te falar nada. Quer outro detalhe histórico ainda mais espantoso? — Willy mencionou sem pensar. — Você já teve inveja de mim.
— Quando?
— Não se faça de bobo. Quando você perdeu no Jox, na primeira rodada ou coisa assim, e você foi me ver ganhar no New Freedom? Você ficou irritadíssimo naquela festa.
— Não fiquei — afirmou Eric. — Eu fiquei em segundo plano para você ficar com os holofotes, totalmente merecidos.
— Você achou que eu era uma babaca metida a besta!
— Não achei, não!
— Você se recusa a admitir que sentiu inveja?
— Willy, isso já tem dois anos; por que você está se exaltando? Que importância tem isso?
— Tem importância — ela rosnou. — Meu Deus, por que você não se candidata à canonização e pronto?
— Me desculpe, mas fiquei muito contente por você, não senti inveja.
Willy passou o resto do dia aborrecida. Eric tinha a tendência de reescrever o passado para que sua merda não fedesse. A bem da verdade, a lembrança de sua rigidez naquela festa, para não mencionar o fato de ter fugido para o banheiro durante o match point, havia se tornado estranhamente preciosa.
* * *
DEPOIS DE DUAS SEMANAS, em vez de apagar a luz e pegá-la nos braços, Eric se deitava com as mãos atrás da cabeça.
— Sinto que estou sobrando, Wilhelm. Amanhã eu pego o trem para Nova York.
— O que você tem em casa que não tem aqui? — ela perguntou, apoiada no cotovelo. — Quadras, pesos, vídeos, jogos…
— É, todos esses jogos que a gente tem jogado.
— …você nem precisa fazer sua comida.
— Quero comprar uns presentes de Hanukah para a minha família. Quero ver meu pai e agradecer pela ajuda que ele me deu. Até o tênis… depois de tanta coisa, com mais por vir, eu preciso de um descanso.
Era decente da parte dele não mencionar que, a propósito, sua esposa também andava fria, indiferente e hostil. Ele apagou a luz e virou para o outro lado da cama. Hesitante, Willy deslizou a mão pelo quadril dele.
— Que tal a gente simplesmente dormir esta noite, hein? — ele murmurou. — Você está sempre exausta. Descansa um pouco.
Ele deu um tapinha na mão dela e, de fato, ao ser liberada de algo que ela jamais vira como um dever conjugal, a mente de Willy se apagou e o corpo amoleceu antes que tivesse tempo de afastar a mão dos pelos pubianos do marido.
* * *
ERIC JÁ ESTAVA DE malas prontas antes do café da manhã, e após beber ruidosamente uma xícara de café ele ficou na varanda do refeitório ao lado das malas. Willy teve a sensatez de guardar certa distância dele, como se evitasse um campo magnético.
— Eu nem imagino — ele disse em tom monocórdio — que você considere a possibilidade de vir comigo.
Willy perambulou junto ao parapeito, desejando que ele tivesse elaborado a afirmação como pergunta: talvez assim tivesse sido mais fácil dizer sim. Mas ela havia tomado um rumo e agora parecia presa a ele.
— Não — ela disse com tristeza. — Acho que tenho de ficar… Posso te levar até a estação.
— Tem um ônibus saindo para levar os alunos até Old Saybrook daqui a dez minutos. Não quero que você perca uma hora de treino. Você jamais se perdoaria. E a mim, muito menos.
Ao se despedir de Eric com um abraço, ela fechou os dedos em torno do casaco dele como se fosse mais uma interna devastada do Sweetspot, abandonada naqueles degraus e deixada à mercê de estranhos. Só depois que o ônibus avançou pela rua e se distanciou a ponto de ser inútil acenar foi que ela se lembrou de que era 14 de dezembro e que não havia lhe desejado um feliz aniversário de casamento.
* * *
A ÂNSIA DE WILLY de se superar diminuiu um pouco no dia em que Eric partiu. Apesar de tê-lo convencido a deixar uma corda — ele não fazia ideia de que o exercício fora proibido —, o absurdo inerente ao ato de ficar pulando uma tira de couro balançante levou-a, mais de uma vez, a uma paralisação assombrada. Mortificada pela possibilidade de estar perdendo o ímpeto, cobrava três mil pulos extras como punição.
No jantar, com os alunos viajando por causa das festas, o refeitório ficava deserto. Em geral era uma luta para se fazer ouvir em meio à algazarra e aos tinidos, mas agora Willy sentia falta do clamor vibrante. Sentada ao lado de Eric, fora uma fonte de boas tiradas; agora não conseguia pensar em nada para dizer ao treinador.
— Você e o Undershorts — Max arriscou — não parecem muito próximos.
— A relação está meio tensa.
— Então talvez tenha sido melhor ele ir embora. A discórdia é uma distração.
— O problema — Willy retrucou bruscamente — é que não foi distração o suficiente.
Naquela noite Willy sonhou que estava atrasada para um torneio. Disse a Eric, que estava ao seu lado, Não vou conseguir chegar lá se eu não correr. Eric avisou, Você não vai conseguir chegar lá, então relaxa. Em todo caso, Willy correu: o estádio ficava a quilômetros de distância. Porém, quanto mais se esforçava, mais banal se tornava seu progresso. Estava praticamente correndo sem sair do lugar. Willy passou os dedos por suas coxas monumentais, que eram duras, sulcadas e imóveis. Os músculos estavam tão desenvolvidos que tinham virado pedra. Por fim, desistiu. Quando passou a caminhar, se moveu mais rápido do que correndo. Eric segurou-lhe a mão e o sombrio céu nublado deu lugar a uma explosão de raios de sol. Não conseguiria chegar ao torneio, mas de repente uma simples partida de tênis não tinha importância alguma. Willy riu, beijou a mão de Eric e propôs que pedissem frango grelhado.
* * *
NO NATAL, A ROTINA de Willy levou uma rasteira após um telefonema que dera para a família. Gert havia passado na última rodada de provas da certificação para se tornar uma auditora pública; segundo Gert, papai estava “vibrando”. Eles foram até o telefone, um por um, para expressar a preocupação excessiva quanto ao joelho de Willy. O acordo de suplicar que ela reconsiderasse a profissão escolhida, agora que a previsão catastrófica do pai havia se concretizado, traía uma conferência pelas suas costas enquanto comiam torta de abóbora. Bom, eles que se danassem. Durante os minutos reanimadores de ira pós-telefonema, Willy se sentiu com 17 anos de idade.
Agora havia uma meta a atingir. Baseado em seu ranking antes da lesão, Max conseguira um convite especial para Willy em um evento de quadras cobertas em Providence, no final de janeiro. Entretanto, quando Max admitiu que Willy estava quase pronta para enfrentar um torneio depois do Ano-Novo, ele semicerrou os olhos e não louvou seu progresso nem demonstrou entusiasmo.
Em meados de janeiro, Willy já tinha relaxado quanto a checar o paradeiro de Max antes de pular corda. Ele era um homem robusto e quando a tira de couro bateu no chão em total dissonância com o rádio, de forma delatória, a mesa que bloqueava a porta da sala de recreação revelou-se um obstáculo inútil. Desta vez, ele não pediu a corda; arrancou-a de suas mãos, abriu a janela e atirou a Everlast no telhado coberto de neve da varanda. Devido à corrente de ar, Willy cruzou os braços e tremeu. Ultimamente, arrepiava-se facilmente, embora sempre tivesse sido resistente ao frio.
— Vem aqui — pegando-a pela gola como se pega um gato pelo cangote, Max arrastou-a escada abaixo, cruzou os ladrilhos gelados e entrou no posto de saúde vazio que ficava no prédio anexo. — Sobe na balança.
Willy obedeceu e levou um susto. Talvez o ponteiro estivesse emperrado.
— Quarenta e quatro! Que merda é essa? Você devia ter cinquenta! Me diga — Max voltou a segurá-la pela blusa —, você está vomitando? Eu te falei desde o início, nada de distúrbios alimentares, Will. Esse tipo de coisa me entedia.
Willy se desvencilhou e desceu da balança traiçoeira. Era óbvio que aquela balança estava mal regulada.
— Não vomito desde os 12 anos — disse com firmeza, ajeitando a gola esticada.
— Então você está perdendo tudo só pulando corda, não é? — Max provocou. — Por que é que eu vou pagar a viagem de um trapo para Providence?
— Meu jogo está ótimo, você mesmo disse.
— Mas você não está. Sua pele está parecendo mingau. Odeio mingau. Seu cabelo não tem brilho. Seus olhos estão embotados feito cocô de cachorro congelado. A gente vai ter que dispensar o convite, minha filha, eu não vou deixar você ir. Providence seria um desastre.
— Max, não! Eu tenho que ir! — Willy choramingou, sabendo muito bem que Max nunca fazia ameaças vazias, nunca mudava de ideia e nunca se comovia com petulância, promessas ou maldições. — Depois de eu ter me empenhado tanto! Depois de todos esses exercícios!
— Eu também me empenhei. Me custou muito tempo e dinheiro só para fazer esse seu joelho dobrar mais que seis graus e aguentar mais de 140 gramas. Não me dou esse trabalho todo só para levar um dos meus jogadores de volta para o hospital. Que porra é essa que você está tentando fazer, se matar?
Furiosa, Willy pegou uma toalha e esfregou o rosto.
— Tem dias em que essa ideia me atrai.
Max segurou-a pelos pulsos, forçando Willy a olhá-lo nos olhos.
— Jamais diga uma coisa dessas. Nem como piada.
Ela torceu os pulsos para se soltar.
— Não se preocupe. Não sou desse tipo.
— É, sim.
Willy bufou.
— Ah, tudo bem, talvez não com gilete — ele escarneceu. — Você provavelmente não vai gostar de ouvir isso, mas, quando encontrei contigo em Nevada, sua habilidade estava muito aquém do seu potencial. Mas eu te peguei mesmo assim pois o que você tinha era poder: uma obstinação, um fogo, uma determinação que são bem mais difíceis de achar do que forehands bonitos. Mas, Will, minha filha? Se você usar um bumerangue para fazer esse poder voltar na sua direção, ele te arranca a cabeça.